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segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Revista "Veja" pode ter nova redação após repercussão negativa de matéria contra o PT

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  Reprodução /Brasil 247

Presidente do Grupo Abril convoca reunião com diretor de redação da revista e mais três redatores-chefes da publicação; matéria de capa tentou interferir na eleição presidencial

27/10/2014

Do Brasil 247

Carro-chefe do Grupo Abril, a revista Veja pode amanhecer nesta terça-feira (28) com um novo núcleo de direção de redação. O diretor de redação Eurípedes Alcântara está com seu cargo por um fio. Ele foi chamado a um jantar na casa do presidente do Grupo Abril, Fábio Barbosa, nesta segunda-feira 27, ao qual também comparecerão os redatores-chefes Lauro Jardim, Fabio Altman, Policarpo Jr. e Thaís Oyama.

Em pauta, como sair da situação criada com a capa sem provas, que rendeu dois direitos de resposta ao PT e custou à Abril a pichação à entrada de sua sede, na avenida Marginal, em São Paulo.

Barbosa ficou irritadíssimo com a repercussão negativa da capa de Veja, lançada às pressas, na sexta-feira 24, a tempo de interferir na eleição presidencial.

Seis meses atrás, ficou definido que Alcântara teria de se reportar diretamente a Barbosa a respeito das principais decisões editoriais de Veja. No jantar, ficará claro que a situação do diretor-de-redação nunca foi tão delicada. Mudanças no comando da revista podem ser anunciados nas próximas horas.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

INTERSINDICAL Central da Classe Trabalhadora realizou o Seminário Nacional "Terceirização, destruição de direitos e resistência social"

No dia 18, a INTERSINDICAL Central da Classe Trabalhadora realizou o Seminário Nacional "Terceirização, destruição de direitos e resistência social". A atividade contou com diversos palestrantes e ocorrerá num contexto muito grave de medidas que podem fazer avançar ainda mais a precarização do trabalho através da terceirização.

Todas as confederações patronais apresentaram documento aos candidatos presidenciais colocando a liberalização total da terceirização como um dos principais objetivos para o grande capital.

O STF promete dar Repercussão Geral a julgamento da matéria e permitir a terceirização em todas as atividades das empresas, no setor público e privado.

Já no Congresso Nacional, o Projeto de Lei 4330, que busca regulamentar e estender a terceirização também para atividades fins e em todas as categorias pode voltar à pauta de votação logo após as eleições.

Todo esse quadro se agrava ainda mais com os resultados da eleição para o Congresso e para a presidência da república.

Além de debater os impactos e as consequências absolutamente nefastas para o conjunto dos trabalhadores/as, nosso seminário servirá para nos armar para a luta do próximo período contra o PL 4330, a Repercussão Geral no STF e ao processo de terceirização que, cotidianamente, reduz salários, elimina direitos conquistados e adoece milhões de trabalhadores.  

O evento aconteceu na sede do Sindicato dos Bancários de Santos e região, na cidade de Santos, em São Paulo.

Abaixo segue a relação dos palestrantes convidados, todas e todos grandes estudiosos do tema:

Dr. Jorge Souto Maior, Juiz do Trabalho e Professor da Faculdade de Direito da USP;
Marilane Teixeira, pesquisadora do Cesit/Unicamp e do Fórum dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização;
Dra. Carolina Mercante, Procuradora do Trabalho e Doutoranda em Direito do Trabalho pela USP;
Vítor Filgueiras, Auditor Fiscal do Trabalho e pesquisador do Cesit/Unicamp;
Sávio Cavalcanti, Profesor de Sociologia da UNICAMP;

Fotos do Evento

Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (16)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (17)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (18)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (19)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (20)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (21)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (22)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (23)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (24)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (25)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (26)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (27)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (28)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (29)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (30)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (31)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (32)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (33)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (34)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (35)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (36)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (37)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (38)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (39)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (40)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (41)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (42)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (43)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (44)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (45)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (46)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (47)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (48)Seminário Terceirização, destruição de direitos e resistência social  (49)

domingo, 19 de outubro de 2014

O FMI, a burguesia sem príncipe e os órfãos de Junho

ESCRITO POR LUIS FERNANDO NOVOA GARZON

Por: Correio da Cidadania

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Logo após a apuração do resultado das eleições presidenciais no Brasil, circulou o relatório de acompanhamento da economia global do Fundo Monetário Internacional (FMI) de outubro de 2014, que rebaixa a projeção de crescimento anual do Brasil para 0,3%, colocando-o na mesma linha de tiro em que foram postas a Rússia, a Argentina e a Venezuela. O bloco de poder capitalista no Brasil é tão imediatista e circunstancial que sua unidade mínima depende sempre de ganhos extraordinários de capital. Com o agravamento da crise e a variação do fluxo de entrada e saída de investimentos, é requerida uma reestruturação regulatória compatível. Vozes dominantes no país e no planeta repetem em coro: “maior crescimento somente com maior liberalização econômica”. Por isso a reiteração da perspectiva de baixo crescimento corresponde a uma avalização internacional para ataques especulativos contra esses países.

A ofensiva financeira que torna a sociedade já dilapidada devedora de novas frentes de mercadorização e privatização vem sendo orquestrada em conjunto pelo G-20, FMI e Banco Mundial. Como a auto-regulação dos mercados só pode significar guerra econômica permanente, entes multilaterais e “agentes políticos” são convocados a expressar sínteses possíveis dos interesses de cúpula.  Por isso o FMI se sente à vontade para constatar e justificar a “retração dos investimentos” no Brasil por conta de sua “competitividade declinante, baixa confiança empresarial e condições financeiras em deterioração” (1).

Mais à vontade ainda ficou Christine Lagarde, diretora-gerente do FMI, depois de receber a unção da banca internacional para blindá-la contra acusações de conivência em crime financeiro na França, quando era ministra de Sarcozy. No dia 9 de outubro de 2014, aproveitando os Encontros Anuais do FMI e do BIRD em Washington, a CNN organizou um debate (2) para que Lagarde pudesse compartilhar a visão do Fundo acerca do atual estágio da crise global. Convidados estavam: Stanley Fischer (ex-FMI e atual vice-presidente do FED), o presidente do Eurogroup, que expressa a convergência da política financeira em torno das medidas de austeridade da União Europeia, além do Presidente do Banco Central do México, país considerado pelas instituições multilaterais como exemplar no aprofundamento das reformas neoliberais em resposta à crise econômica após 2008. O moderador do debate foi um velho conhecido do mundo corporativo, o âncora da CNN, Richard Quest, frequentemente requisitado para apresentar ou mediar as principais sessões do Fórum de Davos e dos últimos encontros do G20.

Aberto o debate para questões da plateia, um estudante brasileiro se levantou e dirigiu uma pergunta a Lagarde, antes mesmo que o microfone chegasse a suas mãos:

- A pergunta é para a Diretora-gerente do FMI. Os brasileiros...

 

- Ainda não, segura! (adverte o moderador)

- Sou Guilherme Bretas da Universidade de São Paulo. Os brasileiros estão no meio de uma eleição presidencial. Que conselhos daria ao próximo presidente, por favor?

 

Quest aproveita a pergunta para brincar acerca do real poder de Lagarde e do FMI:

- Bem, pelo menos ele não perguntou a você quem deveria ser o próximo presidente (risos nervosos da plateia, composta majoritariamente por investidores e analistas de instituições financeiras). Então sejamos gratos por essa pequena bênção. Quem quer que ganhe a eleição no Brasil, qual é seu conselho?

 

Quest aponta para Agustin Carstens, do Banco Central Mexicano, para que dê seu “conselho”. Agustin, por sua vez, despista:

- Bem, primeiro eles precisam assegurar que irão ganhar a próxima Copa do Mundo (risos gerais). Então...

 

Agustin parece se contentar com o único conselho dado e Quest reassume:

- Eu pararia por aí, se eu fosse você. Acho que não poderia dar melhor conselho que esse (risos contidos). Diretora-gerente, por favor...

 

Lagarde procura manter o tom esportivo da conversa dizendo não estar propriamente de acordo com o conselho do mexicano. De pronto, reintroduziu-se em seu papel, franziu a testa para começar:

- Eu acho que seriam conselhos diferentes, dependendo de quem será eleito dentro de duas semanas. Mas o que é certo é que reformas estruturais são necessárias, os massivos projetos de infraestrutura em curso e algumas reformas precisam prosseguir, devem ser completadas. Existem muitos gargalos na economia brasileira e isso precisa ser encaminhado, porque há muito talento, vitalidade e energia na economia brasileira que precisam ser destravados em benefício do povo. Por fim, programas do tipo Bolsa Família, que ajudam as pessoas pobres do Brasil, devem ser mantidos na sua forma original ou em outra forma.

 

Pontuo as intervenções e deduções subsequentes.

1. Junho às avessas

Na plateia, quem levanta a lebre ao FMI é um graduando da USP, apoiador de Marina no primeiro turno, entusiasta de Aécio no segundo (3). Vocaliza um discurso e uma postura representativos do que seria a “ala direita” das jornadas de junho.  A insatisfação da juventude com a precarização das condições de trabalho e dos serviços públicos a seu dispor não se volta imediatamente contra os limites do pacto do governo com o grande empresariado e bancos. A grande mídia fermenta o senso comum e assim o pensamento conservador, liberal de ocasião, vai se capilarizando.

Nunca se viram ideias de Von Mises, Hayek tão fora de lugar. A teologia da prosperidade promovida nos anos de crescimento vira messianismo de mercado nos anos de choque. Agora a grande mídia cuida sem pudores da política significante: os vetos e diretivas que vêm de cima. O influxo dos protestos é canalizado para a burocracia social-liberal, segmento especializado em costurar acordos entre as frações dominantes e parcelas da população subalternizada. O auto-disciplinamento crescente do PT e seu governo, especialmente a partir de 2011, sacrificando receitas públicas, poder regulamentador e capacidade de ampliar e qualificar equipamentos sociais, transformaram-nos em alvos fáceis. A “hegemonia às avessas” deu num Junho às avessas, que precisamos reverter em combate incansável, preparados para todas as consequências que vão além dessas semanas.

2. A voz dos mercados

A CNN apresenta Richard Quest como o homem que noticiou “os maiores negócios da década”, daí seu programa diário se intitular “Quest means business”. Talvez quisessem dizer o mesmo do FMI, por isso rememoraram o antigo papel da instituição, o de inabalável cobrador - mesmo em tempos de ruína.

Quest faz troça e agradece ao jovem por não ter perguntado qual candidato os mercados e o FMI escolheriam. Seria difícil e embaraçoso responder, até porque Dilma e o PT fizeram até aqui um bom trabalho para eles. “So let’s be grateful for small mercy”, ironiza Quest, sobrepondo sua voz à do FMI, em suspense.  Com a palavra, Agustin, presidente do Banco Central de um país há muito desvertebrado e que quebrou em 2008 junto com seu “irmão” do norte, ficando até hoje à mercê de metas de liberalização e privatização definidas pelos capitais norte-americanos.

Conselho algum poderia dar, admite Quest. Lagarde toma a palavra e dita “o que é certo”, independentemente de quem seja eleito. Expondo essa “agenda comum”, naturalmente definida pelo “ciclo econômico”, Lagarde delimita o alcance do ciclo político-eleitoral do país. Reforma das reformas para completar os projetos de infraestrutura voltados para produção e exportação de commodities e para viabilizar um enorme volume de negócios potenciais hoje represados. Mas a população pobre do Brasil não pode ser esquecida, programas sociais como o Bolsa Família precisam ser mantidos, de qualquer forma, pontifica a diretora do FMI.

3. O programa único que segue

A matriz justificadora dessa posição sistêmica, de origem teórica neo-institucionalista, aponta “rigidez institucional” do Brasil como causa de perpetuação de estruturas econômicas distorcidas que sabotariam a disseminação de ganhos inovativos para os segmentos mais pobres da sociedade. Risco moral sem cobertura e seletividade natural dos mercados fariam evoluir as instituições - aptas desde que atravessadas por um fluxo de determinações de caráter transnacional, continental, territorial.

Aécio e PSDB se encaixam como luva nessa matriz orgânica que propõe “desmontar a ‘Nova Matriz Econômica’ do governo Dilma, sustentada por subsídios, desonerações de impostos e proteção à concorrência externa” (4). Essa disputa entre liberalismo e ultra-liberalismo (sobre quem instrumentaliza o Estado e de que forma o faz) é assunto dos dominantes, não seremos nós que iremos predicar qual tipo de dominação seria mais estável. O que emerge desse litígio interno é uma “burguesia sem príncipe”, em constante rearranjo, e que requer a eliminação de mediações sociais e políticas, pactuadas em 2002, tidas no presente momento como “indutoras de ineficiência”.

Se, por um lado, está claro que não iremos encontrar qualquer saída amarrados às contradições internas das classes dominantes, por outro, é preciso reconhecer que Aécio e sua equipe ultrapassaram o papel de marco lógico, de régua de entabulamento da política econômica, e se vêem em condições de executar, por suas próprias mãos, as correções de rota necessárias. Reformas a fórceps: aplicação do “tarifaço”, juros e câmbio nas mãos de um Banco Central “independente”, alinhamento automático com o sistema financeiro internacional e os blocos econômicos dos países centrais. A reunificação da direita, objetiva e subjetivamente, não pode ser confrontada com ambiguidades e recalques.

4. Frente única para além das eleições

 

Nos últimos doze anos, a ascensão social foi vendida como integração ao mercado de consumo tal como ele é. Assim, os milhões que ascenderam nesse país, a partir do topo ou da base da pirâmide, o fizeram concentrando, diferenciando e transferindo poder. Do alto descem os sinais de asco e repugnância para com os faltantes ou recalcitrantes com a ordem do mercado. Carga de desprezo que desemboca naqueles que não deveriam insistir em existir.

Por isso não deixaremos de nominar aqueles que foram capazes de levar à fogueira saberes e práticas sociais extra-mercantis e demonstraram sua adesão sistêmica desde a origem, adesão à dinâmica do capital originário e a sua barbárie contemporânea. A pujança dos chamados setores líderes no Brasil, especializados em recursos naturais e serviços de infraestrutura, não pode ser desassociada da devastação ambiental e da espoliação social decorrentes da atuação livre e desimpedida deles. Com Lula e Dilma à testa do governo central, as classes dominantes atualizaram e tornaram legítimas todas as formas de acumulação primitiva possíveis.

Não apagaremos os rastros das limpezas sociais de larga escala feitas a qualquer pretexto, seja megaeventos esportivos, seja “desastres naturais”, que permitiram a sobreposição de áreas não assimiláveis a “áreas de risco”. Não perdemos a conta das remoções de favelados, comunidades tradicionais, indígenas, ribeirinhos e camponeses - nem o propósito de reapropriação social e coletiva desses territórios.

Houve tempo em que as instituições representativas eram contestadas como burguesas, mas havia uma incessante luta para alargá-las por dentro, para tensionar seus limites, para que incorporassem parte do que excluíam com o objetivo de modular conflitos e proporcionar assim acordos abrangentes. Com o esvaziamento dessas instituições em função da consensualização de agendas privadas, a política esvanece como cena decisória. O agronegócio e os setores de infraestrutura e mineração são os primeiros a atestarem que o Estado “ajuda quando não atrapalha”, requerendo a mesma proporcionalidade na política do que representam na economia.

O que pode ser o “Estado de Direito” quando a ordem do direito reproduz fielmente a ordem dos fatos? O que pode ser uma forma democrática depois de instalado um “governo da polícia” - enquanto governamentalidade direta do soberano e golpe de Estado permanente? (5). A dinâmica de crescimento, autista e díspar, promovida pelo chamado projeto “neodesenvolvimentista”, com escassos espaços de nivelamento e solidarização, só poderia confluir para um fulgurante fascismo social, que expressa as frustrações e os desejos reprimidos de uma burguesia com vocação segregacionista, expansionista e imperialista.

Urgente, pois, formar frentes anticapitalistas e antifascistas e atacar em primeiro plano os corvos (travestidos de tucanos) dos capitais mundializados - capitais “brasileiros” incluídos. Mas não nos esqueçamos de, na sequência, ajustar contas com aqueles que alimentaram os corvos, com os que se entretiveram com eles e compartilharam suas ambições e métodos ao ponto de tentarem usurpar seu lugar.

Notas:

(1) World Economic Outlook, p. 56. Legacies, Clouds, Uncertainties. October 2014, International Monetary Fund (IMF), Washington. Disponível em http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2014/02/pdf/text.pdf

(2) CNN Debate on the Global Economy, October 9, 2014 . Disponível em  http://www.imf.org/external/mmedia/#

(3) Sua “conta Facebook”, em que expõe de forma franca sua iniciação “liberal”, é aberta ao público.

(4) Castelar Pinheiro, A. A nova inflexão da economia. Valor Econômico, 03/10/2014

(5) Ver RANCIERE. J. O Desentendimento. São Paulo: Ed. 34, 1996. Também FOUCAULT, M. Segurança, Território, População. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

Luis Fernando Novoa Garzon é sociólogo e professor da Universidade Federal de Rondônia.  E-mail: l.novoa(0)uol.com.br

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Por que Evo ganhou?

ESCRITO POR ATILIO BORON

Por: Correio da Cidadania

131014_evomoralesA vitória esmagadora de Evo Morales tem uma explicação muito simples: ganhou porque seu governo foi, sem dúvida alguma, o melhor da conturbada história da Bolívia.

“Melhor” significa, claro, que realizou a grande promessa, tantas vezes não cumprida, de toda democracia: garantir o bem estar material e espiritual das grandes maiorias nacionais, desta heterogênea massa plebeia oprimida, explorada e humilhada por séculos. Não é exagero dizer que Evo é o divisor de águas da história boliviana: havia uma Bolívia antes de seu governo e outra, distinta e melhor, a partir de seu legado ao Palácio Quemado.

Esta nova Bolívia, cristalizada no Estado Plurinacional, enterrou definitivamente a outra: colonial, racista, elitista, que nada nem ninguém poderá ressuscitar.

Sem dúvida que seu governo teve um acertado controle da política econômica, mas o que em nosso juízo é essencial para explicar sua extraordinária liderança foi o fato de que com Evo se desencadeia uma verdadeira revolução política e social, cujo signo mais destacado é a instauração, pela primeira vez na história boliviana, de um governo dos movimentos sociais. O MAS não é um partido no sentido estrito, mas uma grande coalizão de organizações populares de diversos tipos, que, ao longo desses anos, foi se ampliando até incorporar a sua hegemonia setores de classe media, que no passado haviam se oposto fervorosamente ao líder cocalero.

Por isso não surpreende que, no processo revolucionário boliviano (recordar que a revolução sempre é um processo, jamais um ato), tenham se posto de manifesto numerosas contradições que Álvaro Garcia Linera, o companheiro de fórmula de Evo, as interpretou como as tensões criativas próprias de toda revolução. Nenhuma está isenta de contradições, como tudo aquilo que tem vida. Mas o que distingue a gestão de Evo foi o fato de que foi resolvendo-as corretamente, fortalecendo o bloco popular e reafirmando seu predomínio no  âmbito do Estado. Um presidente que, quando se equivocou – por exemplo, no ‘gasolinazo’ de dezembro de 2010 – admitiu seu erro e, após escutar a voz das organizações populares, anulou o aumento dos combustíveis, decretado poucos dias antes.

Essa infrequente sensibilidade para ouvir a voz do povo e responder em consequência disso é o que explica que Evo tenha conseguido o que Lula e Dilma não conseguiram: transformar sua maioria eleitoral em hegemonia política, isto é, em capacidade para forjar um novo bloco histórico e construir alianças cada vez mais amplas, mas sempre sob a direção do povo organizado nos movimentos sociais.

Obviamente, o anterior não poderia ter se sustentado tão somente na habilidade política de Evo ou na fascinação de um relato que exaltasse a epopeia dos povos originários. Sem uma adequada ancoragem na vida material tudo se desvaneceria sem deixar rastros. Mas se combinou com muitos e significativos logros econômicos, que lhe aportaram as condições necessárias para a hegemonia política que tornou sua massacrante vitória de domingo possível.

O PIB passou de 9.525 bilhões de dólares, em 2005, para 30.381 bilhões, e o PIB per capita saltou de 1.010 a 2.757 dólares entre esses mesmos anos. A chave desse crescimento – e dessa distribuição! – sem precedentes na história boliviana se encontra na nacionalização dos hidrocarbonetos. Sim, no passado, a divisão da renda gasífera e petroleira deixava em mãos transnacionais 82% do produzido, enquanto o Estado captava apenas 18% restantes; com Evo, essa relação se inverteu e agora a parte do leão fica nas mãos do fisco.

Não surpreende, portanto, que um país que tinha déficits crônicas nas contas fiscais tenha terminado o ano de 2013 com 14.430 bilhões de dólares em reservas internacionais (contra os 1.714 bilhão que dispunha em 2005). Para calibrar o significado dessa cifra, basta dizer que as mesmas equivalem a 47% do PIB, de longe a porcentagem mais alta da América Latina. Em linha com todo o anterior, a extrema pobreza baixou de 39% em 2005 para 18% em 2013, e existe a meta de erradicá-la por completo para o ano de 2025.

Com o resultado eleitoral, Evo continuará no Palacio Quemado até 2020, momento em que seu projeto refundacional terá passado ao ponto de não retorno. Fica por ver se retém a maioria de dois terços no Congresso, o que faria possível aprovar uma reforma constitucional que lhe abriria a possibilidade de uma reeleição indefinida.

Diante disso, não faltaram que coloque o grito nas alturas, acusando o presidente boliviano de ditador, ou de pretender perpetuar-se no poder. Vozes hipócritas e falsamente democráticas, que jamais manifestaram essa preocupação pelos 16 anos de gestão de Helmut Kohl na Alemanha ou os 14 do lobista de transnacionais espanholas, Felipe González.

O que na Europa é uma virtude, prova inapelável de previsibilidade ou estabilidade política, no caso da Bolívia se converte em um vício intolerável, que desnuda a suposta essência despótica do projeto do MAS. Nada novo: há uma moral para os europeus e outra para os índios. Simples assim.

Atilio Boron é sociólogo argentino.

Traduzido por Gabriel Brito, do Correio da Cidadania.

sábado, 11 de outubro de 2014

Grampos da Polícia Federal revelam esquema milionário durante governo de Eduardo Campos

Reprodução

Investigações revelaram intensa atividade de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e corrupção de empresários e políticos ligados ao PSDB e ao PSB

Por Noelia Brito,

Publicado originalmente no Blog da Noelia Brito

denúncia.eduardocampos.1Grampos realizados pela Polícia Federal, com autorização da justiça, dentro das Operações “Farda Nova” e ”Zelador”, iniciadas ainda em 2007, para investigar ações do doleiro Jordão Emerenciano, com o “Jogo do Bicho” (objeto da Operação "Zebra"), acabou por flagrar a intensa atividade de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e corrupção ativa e passiva, de políticos e empresários, dentro do governo Eduardo Campos e até do que nas conversas se chamou de negócios com “petróleo”. 

Dentre os flagrados pelos grampos da Polícia Federal, destacam-se, pela desenvoltura com que operavam e direcionavam licitações e negócios de empresários em SUAPE, em troca de comissões que chegavam a 35% do valor contratado pelas mais diversas secretarias e órgãos do Governo do Estado de Pernambuco, o ex-vereador de Jaboatão dos Guararapes, Geraldo Cisneiros, hoje um dos coordenadores da campanha de Aécio Neves, em Pernambuco e extremamente ligado a tucanos da mais alta plumagem, o ex-deputado federal Bruno Rodrigues, hoje do PSB, mas quando das práticas criminosas filiado ao PSDB e o até hoje presidente da CEASA de Pernambuco, Romero Pontual, do PSB e ex-tesoureiro de campanha do Partido Socialista Brasileiro e do ex-governador Eduardo Campos.

Da “Operação Zelador” surgiu a Operação “Farda Nova”, onde Romero Pontual é apontado pelos agentes federais como integrante de uma “verdadeira quadrilha” destinada a fraudar licitação para compra de fardamentos para alunos da Rede Estadual de Ensino de Pernambuco. Já ali, chama a atenção dos agentes federais, o fato de que Pontual fora “tesoureiro da campanha” do então governador Eduardo Campos:

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Nos grampos, é possível acompanhar a desenvoltura com que o ex-tesoureiro de campanha de Eduardo Campos e do PSB, juntamente com o doleiro Jordão Emerenciano, direcionavam as licitações milionárias nos mais diversos órgãos do Estado de Pernambuco, para favorecer as empresas comprometidas com o esquema de corrupção de seu grupo: fardamento, combustível, merenda, medicamentos, empreiteiras, Petrobras, influência política, instalação de empreendimentos em SUAPE, nada ficava fora do esquema do que a própria Polícia Federal chamou de "Organização Criminosa", que usava a própria sede da CEASA para reuniões de "negócios":

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Em um dos relatórios a que o Blog teve acesso, fica claro que o doleiro Jordão Emerenciano era uma espécie de Alberto Youseff dos esquemas de corrupção, em Pernambuco, que não poupava nem o FUNDEPE - Fundo de Pensão dos Servidores do Estado de Pernambuco, numa espécie de conluio com o então deputado federal do PSDB, depois filiado ao PSB, Bruno Rodrigues: "aparecem indícios de que o mesmo poderia estar envolvido na prática de crimes de tráfico de influência, corrupção ativa e passiva, possível pagamento de propina a políticos dentre outros crimes contra o Sistema Financeiro, e operações ilegais de câmbio e corretagem, o que, pelo menos em tese, se constatado mediante investigação policial, formaria verdadeira Organização Criminosa":

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O relatório da Polícia Federal chega a comparar o esquema montado pelo doleiro Jordão Emerenciano juntamente com o ex-deputado Bruno Rodrigues com aquele arciculado pela Corretora Bônus Banval: "O esquema montado pelo DEPUTADO FEDERAL BRUNO RODRIGUES e por JORDÃO EMERENCIANO se assemelha ao esquema praticado pela BANVAL CORRETORA que se aproveita dos fundos de pensão para fazer operações(…):

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A Polícia Federal flagrou, ainda, nos grampos, articulações do então vereador de Jaboatão dos Guararapes, Geraldo Cisneiros e do doleiro Jordão Emerenciano, junto  ao que chamaram de "caciques da política pernambucana ligados ao PSDB" para "aprovarem projetos e instalações de empresas no PORTO DE SUAPE":

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Outro fato que chama a atenção nos grampos da “Operação Zalador” é o próprio ex-governador Eduardo Campos ser flagrado cobrando Romero Pontual sobre a licitação da Saúde, apesar de Romero Pontual ser presidente da CEASA, órgão, portanto, totalmente dissociado da área a ele cobrada pelo ex-governador. Em outra conversa interceptada entre Romero Pontual e o ex-governador Eduardo Campos, observa-se que o assunto tratado é a licitação da "Educação". Confiram:

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Os grampos ainda apontam para a influência de Romero Pontual, juntamente com Jordão Emerenciano na Casa Militar, além de possível tráfico de influência do ex-deputado Bruno Rodrigues, junto ao governador de São Paulo, também do PSDB, que, na época, era o recém eleito senador José Serra:

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Os grampos ainda apontam para vários contatos de Pontual com Antônio Figueira, à época presidente do IMIP, o que leva a crer que o contrato a que se referia o então governador Eduardo Campos, era a terceirização dos Hospitais e UPAS para a entidade presidida por seu futuro secretário de Saúde, que também aparece nos grampos da Operação Assepsia do Ministério Público do Rio Grande do Norte, que resultou na cassação da prefeita de Natal,  Micarla, do PV.

O presidente da CEASA de Pernambuco, Romero Pontual, de acordo com as investigações realizadas pela Polícia Federal, nas Opreações “Farda Nova” e “Zelador”, mantinha rotina de almoços com o ex-governador Eduardo Campos, ao mesmo tempo em que manipulava os resultados das licitações e negócios nas mais diversas secretarias e órgãos do governo de Pernambuco, o que demonstra o alto grau de confiança e proximidade do Chefe do Executivo pernambucano com seu subordinado, chefe do esquema de achaques ao Erário, flagrado pela Polícia Federal:

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O filho de Romero Pontual, conhecido como Romerinho, é dono de várias empresas fornecedoras de merenda escolar, entre elas a "Casa de Farinha", fornecedora, por coincidência, de todas as prefeituras do PSB, inclusive para a Prefeitura do Recife, Ipojuca, São Lourenço da Mata, Paulista, Moreno e para o governo do Estado de Pernambuco.

As empresas de Romero Pontual Filho também já foram alvo de Operações da Polícia Federal. Em um trecho das gravações, os policiais flagram uma conversa entre pai e filho sobre um cheque que haveria para eles na sede da Construtora Moura Dubeux e que foi considerada uma "conversa obscura" pelos agentes federais:

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O que causa estranheza é que tendo sido iniciadas em 2007, nenhuma dessas operações, apesar dos flagrantes de crimes gravíssimos, até agora resultaram nem no afastamento do senhor Romero Pontual e nem muito menos em processos ou prisões para os criminosos flagrados, pela própria Polícia Federal, com o conhecimento do Ministério Público Federal, em atos atentatórios contra o Erário.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

‘Resultados eleitorais mostram guinada impressionante para a direita’

ESCRITO POR GABRIEL BRITO E VALÉRIA NADER, DA REDAÇÃO

Postado: Correio da Cidadania

Terminaram as eleições gerais, restando apenas algumas disputas de segundo turno para cargos executivos, como o federal. Como se previa largamente, candidaturas conservadoras foram bem sucedidas, enquanto aquelas que carregavam anseios populares demonstrados nas ruas tiveram pouquíssimas vitórias. É assim que a socióloga e professora da UNESP Maria Orlanda Pinassi analisa o pleito, em entrevista ao Correio da Cidadania.

“Parece que vivemos num sistema unipartidário com duas alas de direita se alternando. No Planalto, com hegemonia do PT; em São Paulo, do PSDB. Isso demonstra que os dois partidos acabam se complementando num projeto de desenvolvimento para o país”, afirma Pinassi, que, no decorrer da conversa, mostrou muito mais preocupação com as novas configurações dos parlamentos, tanto estaduais como federais, do que com o segundo turno.

“Nas três esferas, deputados estaduais, federais e senadores, houve uma guinada impressionante para a direita. Em termos políticos, é uma crise estrutural muito grande, um quadro preocupante. Vi uma clara fascistização nesse processo eleitoral”, pontuou. “Tenho um sentimento de que, até para acompanhar a direitização de todas as esferas parlamentares, veremos também uma direitização do Executivo”, diz ela, que dessa forma minimiza a importância, ao menos para os setores progressistas, de tomar lado em 26 de outubro.

Sobre a impressionante queda de Marina, Pinassi foi sucinta. “Ela não conseguiu aproveitar a oportunidade e sustentar, de fato, um projeto de mudança. E sua Rede da Sustentabilidade está fadada a reproduzir um discurso vazio de sentido político, já que existem dois partidos que oferecem condições melhores ao capital”, explicou a professora, que encerrou a entrevista com uma análise dos reflexos de junho de 2013 no processo eleitoral de 2014.

A entrevista completa pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Primeiramente, o que pensa do fato de que, desinflada a ‘bolha’ Marina, PT e PSDB novamente estarão no duelo final pelo Planalto?

081014_maria_pinassiMaria Orlanda Pinassi: De certa forma, aconteceu o que eu previa em um artigo escrito antes da morte do Eduardo Campos, portanto, antes da bolha Marina. Até fiz uma nota de que, independentemente de Marina concorrer ou não como cabeça de chapa, não mudaria, de jeito nenhum, a regra do jogo que se repete há mais de 20 anos. Parece que vivemos num sistema unipartidário com duas alas de direita, PT e PSDB, se alternando. E repetindo a fórmula em São Paulo. É uma espécie de reflexo de nível nacional do que acontece no maior estado do país. No Planalto, com hegemonia do PT; em São Paulo, do PSDB.

Isso demonstra que os dois partidos acabam se complementando num projeto de desenvolvimento para o país, no sentido de que quem oferecer as melhores condições ao capital levará vantagem.

Correio da Cidadania: Em sua visão, o que proporcionou a queda de Marina Silva na reta final da eleição e a votação inesperada em Aécio Neves?

Maria Orlanda Pinassi: A Marina entrou nesse processo, num primeiro momento, porque ela vinha apresentando uma proposta de mudança política. A comoção da morte de Campos impactou, mas não foi o único ponto de sua ascensão.

A mudança política propalada por ela caiu num vazio, pois não conseguiu sustentar como se daria tal mudança. Como ela falava o tempo todo de “utilizar os melhores quadros de todos os partidos”, não parecia uma mudança efetiva. Ela não conseguiu aproveitar a oportunidade e sustentar, de fato, um projeto de mudança. E sua Rede da Sustentabilidade está fadada a reproduzir um discurso vazio de sentido político, já que existem dois partidos que oferecem condições melhores ao capital.

Correio da Cidadania: De modo geral, como enxerga os resultados eleitorais verificados Brasil afora? Quais forças sobem e descem no jogo político-institucional?

Maria Orlanda Pinassi: Mais do que forças subindo ou descendo, vejo uma guinada radical para a direita. Forças que representam o pior conservadorismo no jogo político-institucional. É um quadro assustador, independentemente de quem vai assumir a presidência. Se a Dilma ganhar, será extremamente difícil conseguir governar com um parlamento tão à direita. Assim como imagino que será difícil a convivência para os partidos de esquerda – fundamentalmente o PSOL, que teve desempenho muito interessante nas eleições –, no sentido de emplacar algum projeto socialmente relevante. Mais do que conservador, trata-se de um parlamento reacionário, no sentido mais profundo da palavra.

Correio da Cidadania: Desse modo, a nova composição do Congresso talvez seja o produto mais preocupante das eleições?

Maria Orlanda Pinassi: Não tenha dúvida. Nas três esferas, deputados estaduais, federais e senadores. Houve uma guinada impressionante. Não sei se isso revela um descontentamento da população, até por haver uma ignorância política historicamente forte no país, que acaba carreando votos para um projeto quase fascista. Vi uma clara fascistização nesse processo eleitoral.

De outro lado, temos uma quantidade expressiva de votos nulos e brancos, que não podem ser desprezados. As duas dimensões, o “voto de protesto” nos Tiriricas da vida, personagens que servem muito bem a um projeto complicado de país, e tal quantidade de votos nulos e brancos, demonstram uma insatisfação muito grande.

Não podemos deixar de considerar tais dimensões do eleitorado brasileiro. Trata-se de um desafio para a esquerda, em todos os sentidos. Tanto a esquerda organizada em partidos políticos, como aquela fora dos partidos, mas que também está pensando o Brasil e todo o processo que vivemos.

Em termos políticos, a crise estrutural é muito grande, um quadro preocupante. Temos de pensar profundamente a respeito do que aconteceu, ao invés de nos centrarmos numa preocupação excessiva com o segundo turno, que é o que já percebo.

Não estou tão preocupada com o segundo turno.

Correio da Cidadania: O que espera, de todo modo, da disputa pelo segundo turno presidencial, entre Dilma e Aécio, a quarta consecutivo entre PT e PSDB?

Maria Orlanda Pinassi: Eu vejo uma grande possibilidade de o Aécio Neves ser a bola da vez do capital. Mas é bom ter claro que o PT e as forças que apostam no PT oferecem também grandes vantagens para o capital.

Basta ver o discurso da Dilma no recente encontro sobre o clima da ONU recentemente, quando perguntada sobre a questão do desmatamento. O PT, em fóruns internacionais, em geral, se posiciona de uma forma relativamente progressista sobre a questão ambiental. Mas, dessa vez, ela foi muito clara e falou: “o desmatamento é necessário para continuar em curso o processo do desenvolvimento”. Assim, conclui-se que Dilma é contra medidas que venham a barrar o desmatamento e a destruição ambiental. Ela acenou para os grandes grupos capitalistas, que estão aqui no Brasil, e suas grandes transacionais: “olha, eu não vou opor nenhum obstáculo para vocês”.

Dilma não é uma carta fora do baralho, mas me parece que – estou falando três dias depois das eleições – não tem definição alguma do quadro, dos apoios que vão ser dados, seja para um candidato, seja para o outro. No entanto, tenho um sentimento de que, para acompanhar a direitização de todas as esferas parlamentares, veremos também uma direitização do Executivo.

Posso errar completamente, mas parece haver uma tendência de as forças da ordem e do capital jogarem pesado no Aécio, porque as alianças do PSDB oferecem mais vantagens, neste momento histórico, para o tipo de desenvolvimento que o Brasil vem instalando desde os anos 90, alternando PSDB e PT. Temos um projeto de desenvolvimento  profundamente destrutivo e avassalador, e o capital exige uma política de desregulamentações cada vez mais agressiva, para que se dê o livre curso dos processos da mineração, do agronegócio etc. Processos que implicam em lógicas que têm acabado com a questão ambiental no Brasil, com as comunidades indígenas, camponesas, quilombolas. E têm acabado com a periferia das grandes cidades. Um projeto avassalador para o país e a América Latina.

Aécio e o PSDB oferecem, portanto, condições melhores para que essa agressividade capitalista se instale no país ainda mais. Por fim, uma conjectura pura: quem sabe o PT, tão competente na despolitização das classes trabalhadoras e na oferta de políticas de “alívio social”, volte daqui a uns 8 anos, para minimizar os estragos que o eventual período de PSDB e aliados no governo federal venham a causar?

Correio da Cidadania: Diante disso, acredita que as correntes de esquerda, o PSOL entre elas, devam declarar apoio em Dilma, como se fez majoritariamente em 2010?

Maria Orlanda Pinassi: Particularmente, para ter coerência com o que tenho defendido, penso que não se deve declarar apoio. Individualmente, tudo bem, como no caso do Marcelo Freixo. O próprio PCB indica um apoio crítico, naquela linha de “derrotar Aécio nas urnas e Dilma nas ruas”. Enfim, são opções. Esta não é a minha opção no momento. Penso que as esquerdas não deveriam se posicionar por um ou outro partido, porque não vejo diferença efetiva entre eles.

Correio da Cidadania: Como viu os resultados dos partidos mais à esquerda do espectro político nesse primeiro turno?

Maria Orlanda Pinassi: O PSOL, como disse, foi o partido de esquerda de melhor resultado, obviamente em função do fato de a Luciana Genro ter participado dos debates na televisão e, também, pelo seu ótimo desempenho, que achei brilhante. Teve posições muito firmes e claras e diria que, entre todos estes candidatos, ela foi a única que parecia ter um projeto social para o país. Isso acabou se refletindo na votação, digamos, expressiva em todos os setores do PSOL que disputaram as eleições.

Já os demais partidos foram prejudicados, porque não apareceram nos debates. E, quando apareciam, era de forma meio acachapante, humilhante, com tempos curtíssimos para falar... Me senti mal de ver pessoas muito respeitáveis no âmbito da esquerda tendo de se submeter a esse tipo de campanha, como se em um minuto se pudesse esclarecer algo ao público.

É claro que o atual sistema político e eleitoral prejudica profundamente a esquerda. A estrutura do debate impede qualquer participação efetivamente democrática. É um pluripartidarismo quimérico, pois não reflete todos os partidos. O desempenho foi, em consequência, condizente com a participação pífia que as esquerdas tiveram.

Algo a se repensar é se vale a pena continuar participando desse “jogo democrático”. Eu tenho sérias dúvidas sobre a efetividade dessa participação, que acredito expor a fragilidade de parte da esquerda organizada em partidos e que disputa o pleito. Uma parte que não reflete toda a esquerda, e que se mostra muito fragilizada quando aparece em meio a esse jogo.

Correio da Cidadania: Finalmente, é possível dizer que junho esteve em algum momento representado nas campanhas eleitorais?

Maria Orlanda Pinassi: Vi junho, sim. Ao contrário de algumas pessoas que dizem que não. Principalmente aquela segunda-feira, 17 de junho, em que as forças de direita foram para as ruas gritar “contra a corrupção” e exigir uma limpeza política no país. Ali houve uma mudança brutal de foco das reivindicações, que eram populares e legítimas, pelo transporte público gratuito, para uma “politicização” (conceito de inserção política alienada das decisões econômicas) do processo. Claro que não de forma geral, mas aquelas grandes manifestações acabaram refletindo muito isso, sobretudo, pelo papel da grande imprensa.

As palavras de ordem dos jovens da classe média reacionária – os coxinhas - que foram para as ruas no segundo momento dos protestos acabaram exitosas na eleição. Antes disso, foram responsáveis pela reforma política demandada por Dilma na ocasião, o que acabou refletindo no recente pedido de plebiscito. É incrível como aquela classe média teve força no processo. Esse é outro aspecto para reflexão.

Assim, as eleições, de maneira alguma, refletiram qualquer interesse pelas necessidades efetivas da população brasileira, da população mais pobre. Em nenhum momento, os candidatos que irão disputar o segundo turno discutiram ou apresentaram projeto interessado em solucionar qualquer problema social. E são muitas coisas acontecendo, greves explodindo no país, manifestações de indígenas, quilombolas, populações urbanas removidas para dar espaço para o “progresso”. Na maior parte delas, são manifestações muito críticas e descrentes da institucionalidade brasileira... Essas, de jeito nenhum e em momento algum, apareceram nos debates.

Portanto, as manifestações populares de junho não apareceram no debate. O que apareceu foi um anseio de uma classe média reacionária “anticorrupção”. Essa, sim, a maior protagonista dos debates e bastante bem sucedida nas eleições.

Valéria Nader,  jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.