Estudiosos de transporte e integrantes do Movimento Passe Livre afirmam que o Estado deve subsidiar o preço das tarifas ao invés de aumentar seu preço. MPL irá realizar jornada de lutas contra o aumento.
Por José Coutinho Júnior,
De São Paulo (SP)
Manifestação de 2013 contra aumentos | Crédito: Agência Brasil
Manifestação de 2013 contra aumentos | Crédito: Agência Brasil
“Olha o Halls, olha o Trident, só um real!”. Leonardo Lourenço
dos Santos, rapaz alto e de camisa vermelha, estava na rampa de entrada da
estação Barra Funda na manhã desta quarta-feira (6) vendendo seus doces como
todos os dias.
Ele chegou lá após 20 minutos de trajeto em um ônibus que pega
todo dia. Como é trabalhador autônomo, Leonardo não recebe vale transporte, e os
R$3,50 saem do seu bolso. A partir desta sexta-feira (8), sua locomoção será
ainda mais cara: o preço da passagem irá aumentar para R$3,80.
“O aumento é desnecessário. O bilhete semanal e mensal foram legais, mas aumentar mais o preço é estar com o olho gordo no bolso da população”, desabafa o vendedor.
“O aumento é desnecessário. O bilhete semanal e mensal foram legais, mas aumentar mais o preço é estar com o olho gordo no bolso da população”, desabafa o vendedor.
Ele garante que o aumento na passagem vai afetar seu trabalho.
“Vai afetar porque vou ter que pagar mais na condução, e trabalho para mim
[mesmo]”.
Maria José da Silva, que vende bolos e cafés para os
trabalhadores que chegam apressados do Metrô indo ao trabalho, não pega ônibus
para trabalhar, “só pego de vez em quando, pra sair”, mas acredita que o aumento
na passagem pesa no bolso de todos. “O aumento é um absurdo. O salário mínimo
aumenta, mas aumenta o preço de tudo. Afeta os negócios, eu não posso cobrar
mais, porque o povo não vai ter como pagar”.
Capitais
O aumento da tarifa de ônibus foi anunciado no final de 2015 em
seis capitais brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador,
Florianópolis e Boa Vista terão reajuste a partir de janeiro.
Em São Paulo, o aumento foi de 8,57%. O preço da passagem de
ônibus, Metrô e trem vai subir R$ 3,50 para R$ 3,80 e a integração de ônibus e
trilhos de R$ 5,45 para R$ 5,92, após um acordo entre o prefeito Fernando Haddad
(PT) e o governador Geraldo Alckmin (PSDB).
No Rio de Janeiro, os preços das passagens de ônibus subiram de
R$ 3,40 para R$ 3,80 em janeiro e estão previstos para fevereiro aumento nos
preços dos trens de R$ 3,30 para R$ 3,70 e das barcas de R$ 5 para R$ 5,60.
Belo Horizonte teve dois aumentos no preço da passagem em menos
de seis meses. De R$ 3,40, o preço da passagem vai passar a R$3,70. O Ministério
Público do estado questiona o reajuste. De acordo com o promotor Eduardo
Nepomuceno, a Promotoria de Justiça Especializada na Defesa do Patrimônio
Público apresentou uma ação, nesta segunda-feira (4), para tentar suspender a
portaria que autorizou a elevação de preços.
O Movimento Passe Livre promete realizar uma jornada de lutas
contra o aumento do preço das passagens. Nesta sexta-feira (8), irão ocorrer
mobilizações em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
Em junho de 2013, após manifestações que foram duramente
reprimidas pela Polícia Militar e que causaram ampla mobilização social, o preço
das passagens não sofreu aumentos no ano seguinte.
Aumento injusto
Para Lúcio Gregori, engenheiro que foi secretário dos
transportes de São Paulo na gestão Erundina e que elaborou um projeto de tarifa
zero, o aumento das passagens sempre é abusivo e fere o direito social ao
transporte da população.
“O aumento é injusto sempre. E continua sendo essa coisa
desagradável, com os reajustes feitos no fim do ano para vigorar no início [de
2016]. Parece uma jogada de 'mal caratismo', porque as pessoas estão de férias,
o que pode diminuir as mobilizações. É algo altamente condenável de fazer, sem
nenhum diálogo com a população”.
Para Luíze Tavares, do Movimento Passe Livre de São Paulo, o
aumento gera uma segregação espacial nas cidades. “A tarifa vem aumentando muito
rápido em pouco tempo. E é um ciclo vicioso: se você aumenta a tarifa, você
perde usuários e o lucro cai. Se o lucro cai, você aumenta a tarifa. É uma
segregação espacial, que limita o direito à cidade. Para grande parte da
população, é complicado sair pela cidade sem ter que se preocupar se você vai
ter o dinheiro para voltar”.
Alternativas
Seria possível que as passagens custassem menos à população?
Para Lucio Gregori, a solução é subsidiar o preço da tarifa.
“Os níveis de subsídios das tarifas no Brasil são baixíssimos.
São Paulo, que tem o maior índice de subsídio, é de 15%. Em Paris, por exemplo,
esse valor chega a 70%. Se tivéssemos esse valor de subsídio, a tarifa com o
reajuste seria de R$1,25”.
A forma de garantir esse subsídio, segundo Luíze, é por meio da
cobrança de impostos progressivos. “É uma arrecadação que iria para custear o
transporte, a tarifa zero. Cobrar mais de quem tem mais e nada de quem não tem
nada. Hoje em dia, quem tem navio, iate não paga imposto por exemplo. Os pobres
continuam pagando a conta dos ricos”.
Para Lúcio, medidas como essa não são implantadas por “falta de
coragem, determinação e capacitação política”. “Os prefeitos e governadores
poderiam fazer uma discussão no congresso e criar uma medida que substituísse o
Vale Transporte por uma taxa mais geral, que criasse um fundo para subsidiar a
tarifa, taxa essa que beneficiaria inclusive aqueles que são usuários hoje do
VT”. Não fazer isso é um atraso político injustificável, e por conta disso
ficamos todo ano nessa discussão do reajuste tarifário”.
Para Kleiman, caráter não estatal dos transpostes prioriza o lucro | Crédito: Pedro Ventura/Agência Brasília
A diferença das cidades europeias para as brasileiras, no
entanto, é que aqui o transporte é uma concessão dada a empresas privadas,
enquanto lá é estatal. Por conta disso, as empresas priorizam o lucro. É o que
analisa Mauro Kleiman, coordenador do Laboratório Redes Urbanas e do Laboratório
das Regiões Metropolitanas do Ippur/UFRJ.
“O transporte é uma concessão a empresas privadas. A empresa
visa o lucro, não democratizar ou fazer dos deslocamentos um recurso social. Em
outros países, por exemplo na França, o transporte é estatal. O Estado subsidia
o deslocamento, e o subsídio vai ter impacto na planilha de custos gerais. O
problema é que essa planilha no Brasil é uma caixa preta. Você não tem clareza
de como ela se compõe para chegar ao índice de reajuste que temos. Teria que ter
transparência, porque não existe elementos para poder ter a visão de como é
feito esse cálculo”.
Por conta desse cenário, Cintia Melo, do Passe Livre de Belo
Horizonte, defende que haja uma auditoria, que mostre de forma transparente à
população do que é composto o preço da tarifa.
“É uma escolha política aumentar o preço da tarifa. Da mesma
forma, seria uma escolha política manter a tarifa congelada até que haja uma
auditoria séria do preço das passagens, para que o cidadão saiba do que é
composta a tarifa que ele paga, para onde vai o dinheiro. O que não há é
interesse. Os governos continuam comprometidos com as empresas de ônibus”,
afirma.
Resposta
De acordo com as secretarias de Transportes da capital paulista
e do estado , “mais da metade dos usuários do sistema de transportes (53%) não
será impactada pela mudança na tarifa unitária porque são beneficiários de
gratuidades, usam bilhetes temporais, que não terão aumento, ou são
trabalhadores que pagam o limite legal de 6% do salário para o vale-transporte”.
A Prefeitura de Belo Horizonte não comentou a ação do
Ministério Público. A BHTrans afirma que o reajuste está abaixo da inflação
medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
As outras secretarias e prefeituras de capitais citadas na
matéria também afirmam que os aumentos estão previstos contratualmente e que
seguem a variação inflacionária medida por organismos oficiais