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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Nota do PSOL Osasco sobre a condenação de João Paulo Cunha do PT

Alexandre Castilho

João Paulo Cunha foi condenado pelo STF por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato (uso de cargo público para desviar recursos). Somadas as três imputações, o deputado pode receber pena de sete a 34 anos. Em condenações superiores a oito anos, o réu cumpre a pena em regime fechado.

A população de Osasco acompanhou com interesse o julgamento do mensalão, afinal de contas, no banco dos réus encontrava-se um candidato a prefeito da cidade com uma larga trajetória política no município.

O desfecho do julgamento responde aos anseios da maioria da população que clama por punição aos casos de corrupção. Ao contrário da versão que o PT sustenta, o mensalão de fato existiu e houve desvio de dinheiro público para fins privados e políticos. É verdade que a grande mídia é absolutamente seletiva ao tratar deste tema, não explora o fato de que o mensalão começou com os tucanos em Minas Gerais, que o chamado valerioduto teve nas hostes tucanas o seu nascedouro. Também copiado pelo governo de José Roberto Arruda no Distrito Federal, no caso conhecido como “mensalão do DEM”.

O mensalão, porém, não é o primeiro escândalo de corrupção vivido em nosso país. A privatização de empresas como a Vale e das companhias de telecomunicação, bem como a compra de votos para assegurar a reeleição do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, demonstram que a corrupção tinha profundas raízes nos governos tucanos. Antes deles, a cassação do ex-Presidente Collor de Mello e as denúncias contra os governos militares e o governo Sarney, já haviam demonstrado que a corrupção é um componente endêmico da política brasileira. E a atual “CPMI do Cachoeira” mostra claramente que esquemas semelhantes continuam em vigor, ou seja, empresas continuam participando direta ou indiretamente no pa gamento de propina e no financiamento das campanhas dos grandes partidos em nosso país.

Por isso, o PSOL expressa seu repúdio à corrupção e exige a punição de todos que, comprovadamente, tenham utilizado recursos públicos para corromper ou que foram corrompidos, cedendo seu apoio ao governo em troca de dinheiro. Ao mesmo tempo, rechaçamos o circo midiático que busca realizar um julgamento meramente moral do caso do mensalão: ele é, antes de tudo, um problema político, que revela as opções equivocadas do PT em favor deste tipo de governabilidade, opções essas que negamos, reafirmando nosso compromisso com as mudanças realizadas com o apoio das forças populares, sem interferência do poder econômico tanto nos processos eleitorais – onde ele atua para torná-los assimétricos e desiguais – quanto na forma governar, estimulando a corrupção e desmoralizando a política como atividade nobre, negando a mobilização popular como exercício da cidadania e da participação direta.

Por fim, a decisão do PT de retirar a candidatura do João Paulo Cunha não pode servir para apagar as responsabilidades deste partido com tudo o que foi feito no caso mensalão, também não podemos assistir passivamente esta condenação servir de palanque para a direita em nosso município retomar a administração da prefeitura através do Celso Giglio. O momento é de construir uma alternativa política de verdade, que aposte na mudança e tenha um novo jeito de fazer política. Essa alternativa é o PSOL, a Frente de Esquerda e a candidatura de Alexandre Castilho, por isso, conclamamos todos aqueles que não querem a volta da direita ao poder em Osasco a somar forças com a campanha Alexandre Castilho prefeito.

Assina: Direção executiva do Partido Socialismo e Liberdade PSOL Osasco

Brutalidade do sistema prisional e bárbaras humilhações a parentes são denunciadas em Ato Público

ESCRITO POR GABRIEL BRITO, DA REDAÇÃO CORREIO DA CIDADANIA

AGOSTO DE 2012

x280812_prisao.jpg.pagespeed.ic.QBZEyAO0tBAtualmente a sexta economia mundial, o Brasil também se destaca no ranking internacional de aprisionamentos. São aproximadamente 520 mil pessoas nos cárceres do país, sendo que 40% ainda esperam pela acusação oficial, isto é, poderiam responder seus atuais processos em liberdade.

Dentro deste universo, sabe-se largamente da precariedade das prisões brasileiras, autênticas jaulas superlotadas do que alguns chamam de “descarte social”. Além disso, os corredores de tais locais são permeados por tensas relações entre detentos e oficiais do Estado encarregados de vigiá-los. Somadas às condições subumanas das celas, ocorrem freqüentes denúncias de abusos e violações dos direitos humanos dos presos, em muitos casos tratados como animais pelo Estado supostamente responsável por sua “ressocialização”.

Diante da falta de condições dignas nas celas e do crescimento do encarceramento no país (o número de detentos é 69% superior à capacidade dos recintos), nota-se um crescente desconforto social a respeito da situação, principalmente quando organismos internacionais começam a tomar ciência de que a violência oficial empregada contra a “delinqüência interna” é absolutamente desproporcional.

“Precisamos entender mais Loi Wacquant (sociólogo francês especialista em criminalística) quando ele constata que a diminuição das políticas sociais sempre é seguida de aumento do número de prisões”, afirmou Deivison Mendes Faustino, professor de História e Cultura da África da UFSCAR, em ato de lançamento da revista PUC Viva no último dia 16, no prédio da universidade católica – a nova edição da revista tem como tema exclusivo o “Estado penal brasileiro”.

A análise de Faustino se sustenta no atual momento de crise econômica internacional, quando governos de todo o planeta anunciam seguidos cortes orçamentários nas áreas de interesse social, preteridas por políticas de resgate ao sistema financeiro. Ao lado disso, os sinais de que tal crise realmente assola o Brasil começam a ficar mais claros, bastando conferir as pessimistas previsões de crescimento para 2012.

“Precisamos entender quem ganha e quem perde, quem afinal lucra com isso. Ainda mais em épocas de eleição, com toda a sua espetacularização. Temos uma criminalização da pobreza ou do pobre? A pobreza é intrínseca à riqueza capitalista. De modo que, dentro desse sistema, o atual Estado penal poderia mesmo ser substituído pelo Estado de Direito?”, indaga Faustino, lançando um olhar político na abordagem do crescente número de prisões em nosso país.

Uma urgente revisão geral

Com uma vasta massa que ainda não cabe em nossa atual sociedade de mercado, decerto também por nossas deficiências no campo da educação, a queda do crescimento econômico e, consequentemente, da oferta de empregos sempre cobram uma fatura visível em sociedades menos desenvolvidas, nas quais os direitos essenciais da população ainda não foram assegurados.

“É necessário encarar de outra forma a questão das drogas e o aprisionamento em massa que ela gera. A prisão, de forma alguma, ressocializa alguém, muito pelo contrário, nunca resolveu e sempre criou mais revolta”, pontuou a coordenadora da Pastoral Carcerária da Mulher, Heidi Ann Cerneka, na mesa de debate que mediou o ato.

Heidi destaca a questão, pois já é de amplo conhecimento o fato de que, em países nos quais os governos declararam a chamada “guerra às drogas”, verificaram-se enorme aumento do encarceramento, especialmente de jovens traficantes, e (paradoxalmente ou não) um simétrico crescimento do consumo de variadas substâncias ilícitas por lei.

Assim, gera-se uma percepção social nem sempre verdadeira que, em determinados momentos, assola cidades brasileiras: a de que a criminalidade estaria atingindo índices alarmantes e seria necessário redobrar esforços em seu combate, o que aqui significa o reforço do poder de fogo do braço militar estatal. Em momentos assim, fica ainda mais difícil discutir os direitos dos infratores.

“É muito importante levantarmos bandeiras dos direitos humanos neste momento em que se constroem sensos comuns contra esses mesmos direitos humanos. Na minha vida de promotor penal, que incluía visitas a prisões, os presos nos mostravam bastões da polícia usados para agredi-los nos quais se podia ler ‘direitos humanos’”, alertou Haroldo Caetano da Silva, um dos idealizadores do Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (Paili), também presente ao ato e, dentre outras histórias, refém da famosa rebelião comandada por Leonardo Pareja no Centro Penitenciário de Goiás, em abril de 1996.

Além de denunciar o alto grau de letalidade do Estado brasileiro na relação com suas camadas mais pobres, o encontro serviu também para denunciar uma especificidade pouco difundida ao público, mas que martiriza semanalmente os familiares dos presos.

“Os presos sofrem uma sobrepena, pois, além da pena que já cumprem, têm de conviver com a humilhação dos parentes. É uma situação comum, mas destaco especialmente a situação de São Paulo”, disse Andreia de Almeida Torres, membro do Conselho Regional de Serviços Social (CRESS).

Torres se refere ao fato, mote principal do ato, de que, em muitas prisões brasileiras, aqueles que visitam seus parentes passam por verdadeira via-crúcis, por vezes extremamente cruel, para alcançarem um momento ao lado de quem os fizeram sair de casa. “Nós passamos por muitas humilhações, pois os parentes que visitam seus filhos, maridos, primos presos também são ‘condenados’ pelos carcereiros e funcionários do presídio. Sofremos muitos abusos, qualquer suspeita que eles alegam já gera uma enorme repressão”, contou Andrea MF, ex-presidiária e membro da Amparar (Associação de Amigos e Familiares de Presos(as)).

Ela ilustrou com um exemplo que, seguido da exibição de um curto vídeo que circula na internet, deixou atônitos e até sem reação uma boa parte dos presentes. Trata-se de procedimento qualificado pelos especialistas como “revista vexatória”. Geralmente, as mulheres são obrigadas a se despir completamente na sala de espera diante de uma carcereira, chegando finalmente a ficar de cócoras, de modo a deixar claro que não portam drogas em seu corpo. Em alguns casos, o(a) oficial não se contenta e leva a pessoa em questão para exames como raio-x em hospitais e prontos-socorros, fazendo o parente perder todo o dia em idas e vindas fajutas.

“Assim, sou vítima de um sistema que não reabilita. Não estou defendendo o preso naquele artigo em que foi condenado, e sim em outros direitos que não devem ser violados por causa disso”, completou Andrea MF. “Por isso, precisamos estar atentos às atuais discussões do novo Código Penal e da Lei de Execução Penal, nesses tempos tão conservadores”, acrescentou Andréia Torres.

Apesar de estarmos habituados às notícias a respeito da eterna “guerra” entre crime, em São Paulo simbolizado pelo PCC, e polícia, como se viu no sangrento bimestre junho/julho de 2012, nem sempre se reportam as mazelas das prisões, menos ainda em relação aos parentes visitantes. Alguns relatos soam inverossímeis, tamanho barbarismo empregado.

“Vemos essa história de cada preso custar 1500 reais por mês ao Estado. Onde está esse dinheiro? Pois o que sabemos é que servem comida podre, até com caramujo, nas refeições dos presos. Já vi parente meu falar que tinha vidro na comida”, denunciou Andrea MF, em referência ao distrito penal da Baixada Santista, onde a relação crime-estado tem resultado em dezenas de mortes nos últimos anos, denunciadas até internacionalmente. “Ninguém sabe como é usado o orçamento dessa área, do sistema prisional”, emendou Torres.

“Tenho cunhado, irmão e primo presos. E para ter comida boa, só se for da família mesmo, pois, como disse a colega, eles dão comida estragada, com qualquer coisa misturada. Eu e minha nora passamos pela mesma humilhação nas revistas, sendo que, em uma dessas revistas, ela perdeu um bebê de quatro meses”, contou Rose, outra parente de prisioneiro presente ao ato, presenciado por algumas caravanas de parentes de detentos da Zona Norte da capital, Baixada Santista, entre outros locais do estado.

“Tenho 40 anos de Brasil e sempre me perguntei o que aconteceu neste país para que o respeito à dignidade humana ficasse abaixo da sola do sapato. E hoje vejo cada vez mais juventude presa. Precisamos multiplicar encontros como o de hoje e informar mais a sociedade sobre essas realidades”, espantou-se irmã Alberta, da Pastoral Carcerária.

No final do encontro, que ressaltou a necessidade de mais mobilização social pela defesa dos direitos dos presos e divulgação de sua destruidora estadia no sistema prisional, vários parentes aproveitaram o momento para divulgar semelhantes casos de abusos de direitos humanos, tanto de presos como de seus visitantes.

Não é simples se deparar diretamente com histórias tão repletas de sofrimento em carne viva, ainda por cima propiciadas pelo ente que deveria garantir dignidade e bem estar a todos. E é relativamente fácil nos apoiarmos em contextos paralelos de prosperidade para esvaziar a consciência de amarguras referentes a uma minoria de “degenerados”. “Tem gente que acha que a prisão ressocializa. Há quem chame o preso de ‘reeduncando’. É muita hipocrisia”, lamenta o promotor Haroldo Caetano.

Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Chile: 150 mil estudantes voltam às ruas

foto_mat_37382Mais de 150 mil pessoas participaram, terça-feira, de uma nova manifestação em Santiago a favor da educação pública, gratuita e de qualidade. Mobilização já dura há mais de um ano e pesquisa mostra que estudantes têm mais credibilidade que o governo. Com o apoio da Central Unitária dos Trabalhadores (CUT), estudantes querem mudanças radicais no sistema educacional que ainda se rege pelas políticas instauradas pela ditadura de Augusto Pinochet e é um dos mais caros e desiguais do mundo.
Esquerda.Net
Mais de 150 mil pessoas participaram, terça-feira, de uma nova manifestação em Santiago a favor da educação pública, gratuita e de qualidade. Mobilização já dura há mais de um ano e pesquisa mostra que estudantes têm mais credibilidade que o governo.
A manifestação ocorreu num dia de greve geral de estudantes que exigem do governo conservador do presidente Sebastián Piñera uma resposta às exigências de mudança radical de um sistema educacional que ainda se rege pelas políticas instauradas pela ditadura de Augusto Pinochet e é um dos mais caros e desiguais do mundo.
A mobilização teve o apoio do Colégio de Professores e da Central Unitária dos Trabalhadores (CUT), a maior central sindical do país.
A vice-presidente da Federação dos Estudantes da Universidade do Chile (Fech), Camila Vallejo, destacou o apoio de outros setores às reivindicações estudantis: “Sabemos que só os estudantes não vão conseguir as mudanças; por isso, que bom que esteja aqui a CUT!” E acrescentou que a luta não é só pelas mudanças no sistema educativo, mas que também defende a recuperação total do país, em benefício de todos.
Já o presidente da Coordenadora Nacional dos Estudantes Secundários (Cones), Moisés Paredes, recordou que muitos estudantes do ensino médio mantêm ocupados institutos pelo país. “De certa forma, o movimento está a radicalizar-se e a exercer pressão sobre o governo para que se fale das nossas propostas, e vamos continuar a levantar as nossas bandeiras até que o governo nos escute”.
Estudantes têm mais credibilidade que o governo
A manifestação de terça mostra que o movimento, que começou em maio do ano passado, não abrandou. Uma das razões, de acordo com uma sondagem do Centro de Estudos Públicos do Chile (CEP), é que os estudantes têm mais credibilidade que o governo, o Congresso e os partidos políticos.
“Os estudantes foram os primeiros a protestar contra a ditadura de Pinochet nos anos 80”, recorda Claudia Sanhueza, especialista em Políticas Públicas da Universidade Diego Portales.

FRENTE À CAMPANHA DA DIREITA SIONISTA CONTRA O PSOL

Pelos direitos humanos no mundo inteiro! Repúdio ao massacre do povo palestino, ao antissemitismo e ao sionismo. Contra a manipulação dos fatos com uso eleitoreiro!
Caros.
Antes de entrar na nota em si, lhes repasso um link onde todos poderão ver as fortes fotografias dos últimos ataques à Faixa de Gaza feito há poucos dias atrás (http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/4192-bombardeios-em-gaza#foto-78060). As imagens são fortes e reais e seguem uma rotina de décadas. Trata-se de mais um ataque opressor, de um Estado que subjuga um povo há muitas décadas com um dos exércitos mais bem equipados e financiados do mundo, com alto poder nuclear e financiamento direto dos Estados Unidos. Mais uma vez, repudiamos esse ataque e nos colocamos em solidariedade ao povo palestino.
Essa nota tem o intuito de esclarecer e debater o processo eleitoral e o ataque político que estamos sofrendo neste momento, numa verdadeira campanha difamatória desencadeada pela direita sionista contra o PSOL. Eu sou candidato a vereador e o PSOL, partido do qual sou fundador, tem Marcelo Freixo como candidato a prefeito do Rio. Nela, vou me posicionar sobre o momento da campanha e também sobre nossa posição sobre temas como Estado de Israel, Palestina, sionismo, antissemitismo, direitos humanos e humanidade. Para tanto, alerto o leitor que queira dialogar conosco que temas de tal complexidade não puderam ser resumidos em poucas linhas. Para completar, recorro a citações e de organizações políticas e intelectuais. Boa leitura e bom debate, sadio e democrático. Vai ter segundo turno!
1 - O crescimento de Freixo nas pesquisas eleitorais e nas ruas está precipitando um movimento que se tornou corriqueiro nas eleições do Rio de Janeiro. A investida dos partidários de Eduardo Paes que vinha se dando no campo da cultura, acusando Freixo e o PSOL de serem antidemocráticos e de “dirigismo cultural”, em relação às escolas de samba, agora se manifesta no debate histórico sobre o Oriente Médio e as manifestações políticas acerca disso. Logo, logo, podemos imaginar que buscarão outros temas considerados tabus para tentarem de maneira desesperada impedir o nosso crescimento, que já é uma tendência.
Antes de mais nada, quero esclarecer e reiterar que não apenas o PSOL, mas o conjunto da esquerda acumula há muitos anos uma posição de ficar ao lado do povo oprimido palestino, denunciando com veemência as atrocidades do Estado nazi-sionista de Israel.
O fato de agora, assim como o do carnaval e das escolas de samba, está eivado de distorções, sensacionalismo e manipulação. Refiro-me a um vídeo onde eu apareço, junto a outras pessoas, em uma manifestação em solidariedade ao povo palestino e contra o massacre executado pelo Estado de Israel. O vídeo é de 2009, e nele, as bandeiras dos EUA e de Israel foram queimadas.
Sobre o vídeo e sobre o tema, gostaria de considerar o seguinte:
A manifestação
A manifestação aqui do Rio fez parte de uma jornada mundial de manifestações de solidariedade ao povo palestino que sofria um ataque militar naquele momento. Estamos falando de mortes, que já contabilizavam cerca de 350, dentre elas várias crianças e um hospital bombardeado.
A orientação do PSOL (ler nota do PSOL em anexo) foi a de impulsionar com toda a força a construção destas manifestações como tarefa internacionalista e humanitária dos socialistas. O ato, portanto, não foi
apenas justo, mas uma OBRIGAÇÃO de quem defende os direitos humanos em todo o mundo. Dele participaram militantes de todas as correntes do PSOL. Somos contra as remoções que Eduardo Paes faz em nossa cidade, e somos contra as remoções que Israel faz com os Palestinos. Somos contra a tortura e a morte que fazem em nosso sistema penitenciário, assim como somos contra a que ocorre, todos os dias, nas prisões israelenses;
2 – Sobre queimar bandeiras
Queimar uma bandeira é um ato simbólico, que demonstra repulsa a tal ou qual instituição. Os socialistas têm total repulsa ao Estado Imperialista norte americano e à política do seu governo. Os socialistas também têm total repulsa ao Estado racista nazista de Israel e ao seu governo.
Durante a guerra do Vietnã, centenas de milhares de militantes pacifistas estadunidenses queimavam a bandeira dos EUA, do seu próprio país, para demonstrar sua indignação com a política estatal. Nós sempre os apoiamos. Caso os camponeses e indígenas bolivianos queimassem uma bandeira brasileira por conta da ingerência da empreiteira OAS e do governo brasileiro que destrói suas florestas, ficaríamos do lado dos explorados bolivianos ou dos empreiteiros brasileiros? Certamente estaríamos ao lado dos camponeses e indígenas bolivianos e não nos sentiríamos ofendidos caso queimassem nossa bandeira para simbolizar seu repúdio. Somos internacionalistas e afirmo que tenho mais coisas em comum com um trabalhador boliviano, israelense, palestino, etc., do que com qualquer patrão, mesmo que patriota, brasileiro.
Mas, além de tudo isso já exposto, o que mais me impressiona ao ler os comentários na internet, é que o ato de queimar bandeiras seja considerado algo violento, bruto, agressivo e coisas do tipo. Os mesmos que falam isso deveriam refletir que queimar uma bandeira não é absolutamente NADA comparado às décadas de martírio de um povo, comparado às milhares de mortes. O único estado do mundo onde a tortura é legalizada faz todos os dias mais ou tanta barbárie quanto algumas das guerras mais violentas que o mundo já teve. Portanto, os humanitários de verdade, não se preocupam com uma bandeira e com um símbolo, se preocupam com as vidas. As vidas e mortes não são simbólicas, são concretas.
3 - Sobre o antissemitismo
Nossos detratores, os que postaram originalmente os vídeos, acusam-nos de antissemitismo, o que significa que seriamos hostis aos judeus. Isto é uma absurda mentira, pois o que é da tradição do verdadeiro socialismo é ser veementemente contrário a qualquer discriminação aos judeus ou à qualquer povo, raça, etnia, ou religião do mundo. Junto com isso, também de forma veemente, somos contra o Estado racista e nazista de Israel e à sua política e não contra o povo trabalhador que ali mora. Aliás, assistimos com entusiasmo as mobilizações de trabalhadores e da juventude israelense, que ano passado foram aos milhares para as ruas lutando por melhores condições de vida contra os planos de ajuste de seu governo.
Da mesma forma, saudamos com entusiasmo as diversas intifadas palestinas e nos colocamos claramente do seu lado. Perguntamos aos nossos detratores, de que lado vocês estão: com a intifada ou com a repressão dos soldados israelenses?
4 – Sobre o Estado de Israel.
Toda a história e tradição da esquerda marxista e socialista tem sido de rejeição ao sionismo o que é bem diferente de ser antissemita. Assim como repudiamos o antissemitismo, rejeitamos com a mesma força o movimento sionista. Pois o sionismo foi a ideologia montada para justificar e legitimar a invasão e ocupação da Palestina em 1948, expulsando de suas terras no momento e nas sucessivas guerras de ocupação mais de 4 milhões de palestinos; massacrando, encarcerando e torturando. No território havia 950 mil árabes palestinos vivendo em cerca de 500 povoados. Em menos de seis meses sobraram apenas 138 mil
pessoas, pois a grande maioria dos palestinos havia sido assassinada, expulsa pela força ou fugido aterrorizada diante dos bandos assassinos das unidades do exército israelense.
Israel é um estado artificial, um verdadeiro enclave do imperialismo para impedir que avance a democracia, a independência e o socialismo nos países árabes. Não por acaso é o país que recebe a maior ajuda militar por parte dos EUA e que possui um poderoso arsenal atômico, além de nunca ter aplicado nem aceito as resoluções da ONU que a condenavam pelo uso indiscriminado da força e da violência. Talvez muitos tenham visto ou ouvido falar sobre a Faixa de Gaza e Cisjordânia: bem, estas terras ocupadas pelos exércitos israelenses são hoje verdadeiros campos de concentração como o foram os de Auschwitz ou Buchenwald na Alemanha nazista. Há diversas personalidades de origem judia, intelectuais e artistas, que hoje condenam e chegam a essa conclusão: o que o Estado de Israel faz com os palestinos é a mesma coisa que os povos de origem judia sofreram com a perseguição nazista e fascita. Como bem afirma o escultor a ativista, Nobel da Paz, Adolfo Pérez Esquivel: “Os ataques, a destruição e a morte em Gaza e no Líbano e as ameaças permanentes a outros povos, têm levado o Estado de Israel a se transformar num Estado terrorista, utilizando as torturas e os ataques à população civil nos quais as vítimas são mulheres e crianças. Até quando continuará essa política de terror?
Perguntamos aos nossos detratores: vocês defenderam o Estado racista nazista da África do Sul? Ou pelo contrário, como todos os democratas e socialistas do mundo, lutaram e se solidarizaram com o povo negro sul-africano que finalmente e de forma heroica derrotou esse estado racista? Pois bem: trata-se da mesma luta contra um estado racista e nazista, que ataca e mantêm seu domínio sobre os palestinos graças ao terror e a repressão feroz, da mesma forma que o fizeram os sucessivos governos da minoria branca na África do Sul.
5 – A esquerda socialista tem a responsabilidade e a obrigação de dizer a verdade ao povo brasileiro e educar as novas gerações sobre o real significado do Estado racista de Israel, assim como de manifestar a irrestrita solidariedade com o povo palestino. Vejamos alguns antecedentes que ilustram a batalha da esquerda socialista (sublinhados nossos):
a) No site da corrente Enlace (PSOL) foi publicado em maio de 2012, uma nota de um membro da esquerda revolucionária síria define: “Um Egito e Síria progressistas, democráticos e verdadeiramente independentes são infinitamente mais perigosos para o apartheid estatal sionista e os seus territórios ocupados do que a República islâmica e repressiva da Síria”.
b) Na Revista da Fundação do PSOL (Lauro Campos) em 24/08/12 aparece uma nota de Rasem Shaban Bisharat, palestino e mestre em História pela Universidade da Jordânia, que entre outras considerações define: “Israel não tem o direito de reivindicar o caráter judaico do Estado e de privar os palestinos da elegibilidade e da sua presença, ou o direito de retorno dos proprietários de terras que foram deslocadas pela força em 1948 para trazer um novo povo que nunca viveu naquela terra[...] Israel e o movimento sionista devem perceber que os mitos que eles haviam fabricado para reivindicar direitos na Palestina histórica não passam de lendas e pura fantasia e é impossível prosseguir incólume.
c) Em 2010, o nosso deputado federal Chico Alencar reproduziu no seu boletim uma nota do MST em solidariedade com a Palestina. Reproduzimos alguns trechos: “É preciso transformar essa indignação diante da violência de Israel num gigantesco movimento de massas de caráter internacional que faça recuar esse monstro nazi-sionista. O expansionismo e o militarismo israelense são parte da tentativa do imperialismo de sufocar as legítimas lutas de libertação nacional e por transformações sociais que se desenvolvem neste momento em todos os países do mundo”.[...] O governo brasileiro deve voltar atrás na sua decisão de firmar, ratificar e regulamentar o Tratado de Livre Comercio Israel-Mercosul.
Consideramos um grande erro manter relações comerciais desse nível com um Estado que desrespeita cotidianamente os direitos humanos e resoluções da ONU...”
d) Sob o título de ‘ISRAEL É UM ESTADO RACISTA’, a ativista e escritora Mar Gijón Mendigutía convoca: “Já é hora de remediar o dano feito, é hora de começar um poderoso movimento contra Israel igual ao que se fez contra o apartheid da África do Sul”.
e) Na convocatória ao Ato em Solidariedade com o Povo Palestino de junho de 2010, o Comitê de apoio denuncia: “Um dos manifestantes que esteve na Faixa de Gaza há pouco tempo, denunciou que o ataque à frota Gaza Livre foi comemorado pela juventude sionista nas ruas de várias cidades israelenses e que o Estado de Israel trabalha noite e dia para introduzir sua mentalidade fascista na consciência da população”.
f) Em novembro de 2011, nosso deputado federal Chico Alencar participou de uma visita de cinco dias com uma delegação de congressistas de diversos países à Faixa de Gaza e denunciou: “Do ponto de vista humanitário a situação é terrível... Há três anos e meio que existe bloqueio militar e, há dois anos, a chamada Operação Chumbo Derretido, condenada internacionalmente, inclusive com restrições da ONU, representou um massacre àquela população”.
g) Nosso companheiro Milton Temer, ex-deputado e fundador do PSOL, denuncia também a amálgama preconceituosa entre Judeu, sionista e israelense. Afirma em seu blog em 25/06/12: “Para os sionistas fundamentalistas, sou um antissemita, embora seja semita de origem. Por que? Porque não hesito em diferenciar o sionismo, reacionário e xenófobo, do judaísmo humanista. Constato, pelo artigo em anexo, que estou em boa companhia. Existe uma lista elaborada por entidade sionista Self Hating and/or Israel Threatening, cujas iniciais produzem a sigla SHIT (merda, em inglês), produzida por site sionista, denunciando como traidores os judeus que não se alinham com a política de Israel em relação à Palestina, mesmo quando cumpridores fiéis dos preceitos da religião. Noam Chomsky, Daniel BenSaid, e Woody Allen estão entre os mais de 7 mil judeus que "envergonham os judeus", por não se renderem ao amálgama entre Judaísmo, Sionismo e Estado de Israel. Sinto-me honrado pela companhia.”
h) O mesmo Milton Temer, em matéria de 17-03-12 denúncia: “No confronto Israel-Palestina, não se trata de uma guerra entre dois Estados. Trata-se da ocupação militar, por parte do governo de Israel do território palestino usurpado ao longo de décadas, contra todas as resoluções condenatórias da ONU. Trata-se da ação de um Estado religioso fundamentalista, possuidor clandestinamente de um imenso arsenal nuclear, no papel de gendarme dos interesses norte-americanos no Oriente Médio, contra um povo limitado a pouco armamento portátil, quando se trata de resistência adulta, e a estilingues quando exercida por um bando de desesperados garotos. Trata-se, resumindo, de crime contra a humanidade que deveria ser alvo dos tribunais internacionais...”
Lamentamos que alguns socialistas, por pura ambição eleitoreira, tenham abandonado estas definições e estas bandeiras, para se somar ao coro sionista contra os que continuam batalhando contra o estado sionista, racista e nazista de Israel, em favor da causa palestina.
Existem debates importantes entre os que defendem esta causa. Devem ser feitos. Por exemplo, não acreditamos na “solução negociada”, de dois estados, pois essa foi a política hipócrita do imperialismo durante décadas, e são mais de 50 anos que vêm se demonstrando um fracasso. De nossa parte, defendemos uma Palestina única, laica, ou seja, sem religião de Estado, não racista e democrática, com o direito ao retorno de todos os palestinos exilados, pela devolução de suas terras, e que democraticamente o povo defina quem e como deva ser governada.
Para finalizar, voltamos a lamentar que se tente tirar vantagem eleitoral de uma ação que nos orgulha: a luta sem quartel contra o Estado sionista e racista de Israel, seu governo e seus símbolos. Chamamos à todos fraternalmente a retomar a herança e a tradição socialista, de condenar esses crimes contra a humanidade ao invés de condenar a queima das bandeiras de dois países que simbolizam o extermínio do povo palestino.
Babá
Professor UFRJ, ex-deputado federal e candidato a vereador. CST/PSOL – Agosto 28 de 2012

Em São Paulo, Comissão da Verdade convocará Delfim Netto e coronel Ustra

A convocação, aprovada nessa segunda-feira (27), será feita através de um convênio com a Comissão Nacional da Verdade, única que pode exigir a presença de testemunhas

da Redação Brasil de Fato

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Delfim Netto e Carlos Alberto Brilhante Ustra - Fotos: Folhapress e ABr

A Comissão da Verdade Vladimir Herzog, de São Paulo (SP), aprovou a convocação do ex-ministro da Fazenda Delfim Netto e do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra para a prestação de esclarecimentos sobre os fatos ocorridos durante a ditadura civil-militar (1964-85).

Delfim Netto deve prestar depoimento sobre o financiamento do regime militar e a Operação Bandeirante (Oban). A sugestão de convocar o ex-ministro da Fazenda foi dada pelo advogado Fabio Konder Comparato, que participou da reunião da comissão municipal da capital paulista nessa segunda-feira.

Para Comparato, o depoimento de Delfim Netto, que foi um dos signatários do Ato Institucional nº 5 (AI-5), irá contribuir nos esclarecimentos sobre as pessoas que colaboraram com o regime militar nos aspecto econômicos e financeiros. “Penso que a comissão municipal da verdade não deve se limitar a ouvir advogados, deputados e agentes políticos. O objetivo dela deve ser desmoralizar a oligarquia dominante, os empresários coligados a militares”, disse o advogado.

Comparato reforçou ainda a importância dos depoimentos dos presos políticos e seus familiares. “É preciso mostrar o caráter hediondo da tortura, pois é isso que acaba desmoralizando. Além disso, a tortura continua acontecendo nas delegacias”, argumentou.

Já a convocação de Ustra se deve ao fato de o coronel ter sido chefe do Doi-Codi, principal órgão de repressão, e ser acusado de comandar práticas de tortura contra presos políticos na unidade. Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) confirmou sentença de primeira instância que reconheceu Ustra como torturador, em ação movida pela família Teles e por Comparato, como advogado. A decisão do TJ-SP foi proferida no último dia 14, mas o coronel ainda pode recorrer.

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Reunião da Comissão da Verdade Vladimir

Herzog - Foto: RenattodSousa/CâmaraSP

De acordo com o presidente da comissão, o vereador Ítalo Cardoso (PT), a convocação de Delfim Netto e do coronel Ustra vai ocorrer a partir de um convênio com a Comissão Nacional da Verdade, a única que pode exigir a presença de testemunhas.

Durante a reunião dessa segunda-feira, o advogado Fabio Konder Comparato lembrou a comissão sobre a existência de um Projeto de Lei que tramita no Congresso e pretende revisar a Lei de Anistia. Segundo Comparato, o projeto foi elaborado a partir de um parecer dele que analisa a legislação a partir da Constituição Federal de 1988 e do direito internacional, que enquadra a tortura sistemática cometida por um determinado governo durante um prazo razoável como crime contra a humanidade. No entanto, a proposta está parada desde que recebeu parecer contrário na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, em 2011.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Noam Chomsky: “Querem vencer Assange pelo cansaço”

 

Noam ChomskyNesta entrevista ao site equatoriano GkillCity, o linguista e filósofo norte-americano defende que Assange não teria hipóteses de ter um julgamento justo nos Estados Unidos. Chomsky acrescenta que do ponto de vista de quem ama a democracia, o fundador do Wikileaks merecia "uma medalha de honra" em vez de um julgamento. "A sombra que paira sobre todo este assunto é a expectativa de que a Suécia envie rapidamente Assange para os EUA, onde as hipóteses de ele receber um julgamento justo são virtualmente zero".
José Maria León – Gkillcity
Postado: Carta Maior
O governo norte-americano emitiu uma nota em que declara que este assunto Julian Assange é um problema de britânicos, equatorianos e suecos. Você acha esse argumento honesto? Os EUA estão interessados no destino do criador do Wikileaks?A declaração não pode ser levada a sério. A sombra que paira sobre todo este assunto é a expectativa de que a Suécia envie rapidamente Assange para os EUA, onde as hipóteses de ele receber um julgamento justo são virtualmente zero. Tudo isso é evidente a partir do tratamento brutal e ilegal dado a Bradley Manning [o soldado norte-americano acusado de ter vazado as informações mais importantes que o Wikileaks publicou], e a histeria geral com que o governo e os media vêm tratando o caso.
Além disso, do ponto de vista de quem acredita no direito dos cidadãos a saber o que seus governos planeiam e fazem – ou seja, de quem tem afeto pela democracia – Assange não deveria receber um julgamento, mas uma medalha de honra.
Numa entrevista com Amy Goodman para o Democracy Now!, você afirmou que a principal razão para os segredos mantidos pelos Estados é protegerem-se da sua própria população. É a primeira vez na história em que o mundo vê as verdadeiras cores da diplomacia?
Qualquer um que estuda documentos cujo prazo de sigilo expirou, percebe que o segredo é, em grande parte, um esforço para proteger os políticos dos seus próprios cidadãos – e não o país dos seus inimigos. Sem dúvida o segredo é por vezes justificado, mas é raro – e no caso dos documentos expostos pelo Wikileaks, eu não vi um único exemplo disto.
Esta não é – de maneira nenhuma – a primeira vez que as verdadeiras “cores da diplomacia” foram expostas por documentos divulgados. Os Pentagon papers são um caso famoso. Mas a questão é que se trata de um tema recorrente. As informações contidas inclusive nos documentos desclassificados oficialmente são, em geral, muito impressionantes. Porém, muito raramente estas informações tornam-se conhecidas pelo público – e até pela maior parte dos académicos.
Sobre o asilo oferecido pelo Equador para Assange, aponta-se uma ambiguidade na atitude do governo de Rafael Correa. Por um lado, manteria confronto retórico constante com os media (estando em disputa judicial com o diário El Universo e o jornalista Juan Carlos Calderón e Christian Zurita, autores do livro Big Brother). Por outro, defende Julian Assange. Você também vê uma contradição nisso?
Pessoalmente, acho que só em circunstâncias extremas o poder do Estado deveria limitar a liberdade de imprensa – não importando, a esse respeito, quão vergonhoso e corrupto seja o comportamento dos media. Não há dúvida que houve vários graves abusos – por exemplo, quando as leis de difamação inglesa foram usadas por uma grande empresa mediática para destruir um pequeno jornal dissidente, que publicou uma crítica a uma de suas notícias sobre um escândalo internacional. Ocorreu há alguns anos, e não despertou praticamente nenhuma critica.
O caso do Equador tem de ser analisado pelos seus méritos, mas qualquer que seja a conclusão, não há qualquer influência em dar asilo ao Assange; assim como a supressão vergonhosa da liberdade de imprensa, no caso que mencionei, não deveria pesar, se a Grã-Bretanha concedesse o direito de asilo a alguém que teme perseguição estatal. Nem ninguém afirmaria o contrário, no caso de um poderoso Estado ocidental.
Já que estamos falando de ambiguidade, haveria um duplo padrão na aplicação das leis pelos britânicos, já que no caso de Pinochet o pedido de extradição solicitado por Baltazar Garzón foi negado?
O padrão reinante é subordinado aos interesses de poder. Raramente há uma exceção.
Qual é, na sua opinião, o futuro imediato no caso Assange? A polícia britânica invadirá a embaixada equatoriana? Assange será capaz de deixar a Inglaterra? Mais tarde, estará em perigo, mesmo recebido pelo Equador?
Não há praticamente nenhuma possibilidade de Assange sair do Reino Unido, ou da embaixada. Duvido bastante que a Inglaterra invada o território, uma violação radical do direito internacional – mas esta hipótese não pode ser descartada. Vale a pena lembrar o ataque contra a embaixada do Vaticano, por forças norte-americanas, depois da invasão no Panamá, em 1989. As grandes potências normalmente consideram-se imunes à lei internacional; e as classes próximas ao poder costumam proteger essa postura. Ao meu ver, a Inglaterra tentará vencer Assange pelo cansaço, esperando que ele não consiga suportar o confinamento num pequeno quarto na embaixada.
Num aspecto mais amplo, Slavoj Zizek disse que não estamos a destruir o capitalismo, mas apenas a testemunhar como o sistema se destrói a si mesmo. Seriam os movimentos do Occupy, a crise financeira na Europa e nos EUA, a ascensão da América Latina e outros países marginais ou o caso Wikileaks sinais deste desmoronamento?
Longe disso. A crise financeira na Europa poderia ser resolvida, mas está a ser usada como uma alavanca para minar o contrato social europeu. É basicamente um caso de guerra de classes. A atuação do banco central dos EUA (o Federal Reserve) é melhor do que a do europeu, mas é muito limitada. Outras medidas poderiam aliviar a grave crise no EUA, principalmente o desemprego. Para a maior parte da população, o desemprego é a principal preocupação, mas para as instituições financeiras, que dominam a economia e o sistema político, o interesse está em limitar o déficit, para permitir que prossiga o pagamento de juros.
Em geral, há um enorme abismo entre a vontade pública e política. Este é apenas um caso. A ascensão da América Latina é um fenómeno de grande significado histórico, mas está longe de estremecer o sistema capitalista. Embora o Wikileaks e os movimentos Occupy sejam irritantes para os que estão no poder – e um grande apoio para o bem público –, não são uma ameaça para os poderes dominantes.
(*) Entrevista por José Maria León, publicada no site Gkillcity | Tradução: Cauê Ameni, para o site Outras Palavras.

A nova dança da quadrilha na zona do Euro

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O primeiro-ministro grego, Antonis Samaras, pediu mais tempo para que seu governo honre os compromissos (os de pagamento e os políticos, de mais arrocho em cima de seu povo) em torno do novo capítulo dos pacotes de ajuda, de 130 bilhões de dólares, deflagrando uma nova “dança de quadrilhas” na Zona do Euro. Segundo Samaras, o abandono de seu país à própria sorte, provavelmente fora do Zona do Euro, provocaria uma crise de tal monta que o restante da Europa seria inundado por uma tsunami de e/imigrantes empobrecidos. O artigo é de Flávio Aguiar, direto de Berlim.
Flávio Aguiar – Berlim
Postado: Carta Maior
Berlim - O pedido do primeiro-ministro grego, Antonis Samaras, por “mais tempo” (dois anos), para que seu governo honre os compromissos (os de pagamento e os políticos, de mais arrocho em cima de seu povo) em torno do novo capítulo dos pacotes de ajuda, de 130 bilhões de dólares, deflagrou uma nova “dança de quadrilhas” pela Zona do Euro afora.
Samaras veio a Berlim, depois foi para Paris, e parece disposto a cotinuar seu périplo europeu por outras capitais. É difícil dizer qual a “reação verdadeira” que suas viagens e seu pedido obtiveram. Os dançarinos dessa quadrilha financeira e política executam diferentes passos conforme a seção do público para que dançam no momento, se os floreios se dão no proscênio, no canto do palco, nos bastidores, nos camarins, numa telescopagem sem fim de seu processo dançativo. Ou passivo, dependendo do caso.
Comecemos pela periferia da periferia. Ou seja, pela Grécia. A Grécia recebe ameaças? Recebe. Mas seu governo também faz. A última ameaça que Samaris carrega – falando de boca fechada como um ventríloquo – é a de que o abandono de seu país à própria sorte, provavelmente fora do Zona do Euro, provocaria uma crise interna de tal monta que o restante da Europa seria inundado por uma tsunami de e/imigrantes empobrecidos. Tal ameaça é de tirar o sono de qualquer governante europeu, em geral já às voltas com imigrantes considerados “irregulares”, muçulmanos, norte-africanos, remanescentes do leste europeu, e assim por diante. Mas essa carta tem seu verso, onde se lê o pânico de Samaras diante de uma possível retirada ou expulsão do euro: perderia ele o coringa que o elegeu para o retorno à chefia de governo, a alardeada permanência na Zona do Euro. O que viria depois não se sabe, mas certamente o governo de Samaras desabaria como um castelo de cartas.
Passemos à periferia. Portugal, Espanha e Itália seguem atentamente o que vai acontecer com os pedidos, as pressões e asameaças de e sobre Samaras. Seu alvo não é tanto a questão grega em si, mas as rotas que serão abertas pelas resultantes. Essas rotas apontam para Mário Draghi, diretor presidente do Banco Central Europeu, que vem se mostrando cada vez mais disposto a intervir no mercado secundário de “bonds”, comprando a juro baixo os títulos das dívidas dos países quebrados ou em vias de quebrarem. Para aqueles países, mais eventualmente a Irlanda e Chipre, essa possibilidade soa como os sinos da salvação. Não que a partir daí (pelo menos nos três primeiros) esses governos estivessem dispostos a aliviar o fardo de seus povos, mas certamente isso facilitaria a vida dos estados em obter melhores condições de superávits primários, para seus bancos igualmente, e a aparência de que sua governança permanece estável, podendo eles se concentrar mais facilmente em comprimir ou suprimir direitos e invetimentos sociais.
Entretanto, passando ao centro, essa perspectiva acalentada por Madri, Lisboa e Roma e planejada por Draghi provoca azia, indigestão e malestar em Jens Weidmann, diretor do Banco Central Alemão e representante deste no BCE, o mais ardoroso opositor de qualquer intervenção deste diretamente no mercado financeiro e o mais empedernido defensor da ortoxia neolibê deste lado do Atlântico. Em declarações no domingo à Der Spiegel, Weidmann alertou que essa possibilidade poderia se transformar numa poderosa “droga viciante” no continente. Por quê? Porque facilitaria a vida para governos encalacrados que, assim, poderiam ter de fazer as propaladas “reformas estruturais” com o vigor necessário. É claro que isso aponta para a batalha do pensamento que Weidmann representa, que é o de aproveitar essa belíssima oportunidade que a crise oferece para reformar a Europa inteira, livrando-a dos pensamentos viciososos de Keynes, por exemplo.
De quebra, Weidmann sabe que a adoção da política agora antevista por Draghi representaria o seu isolamento definitivo no Conselho do BCE, que já está em curso. Neste caso, a dança da quadrilha se transformaria numa dança das cadeiras, e ele poderia muito bem perder a sua no BCE e quiçá, no BCA porque, por mais ortodoxo que seja, o governo alemão não se pode dar ao luxo de ter uma voz no BCE que fala para as paredes.
Continuando em Berlim, a chanceler Angela Merkel teve de fazer cara feia e falar grosso com Samaras, recusando qualquer prorrogação – pelo menos de momento (fica sempre essa entrelinha) – que facilite a vida em Atenas. É claro: existem amplos setores de seu governo, dispersos pela CDU, a CSU bávara, e o sempre descrito em inglês como “business frend” FDP que precisam mostrar ao eleitorado”, cujas retinas fatigadas estão sempre cobertas pela cortina de fumaça dos ortodoxos “planos de austeridade, que não vão facilitar as coisas para ninguém nesse “sul da Europa” ao mesmo tempo “perdulário e devedor”.
Porém, nas entrelinhas, a dança pode ser outra: dirigentes do próprio FDP reconheceram que, no caso de Samaras expor resultados ao invés de promessas, eles poderiam muito bem pensar em facilitar-lhe a permanência no poder – porque, no fim de contas, eles sabem que um governo como o do líder direitista na Grécia ainda é a melhor – senão a única opção interessante para os conservadores alemães.
Passando a uma outra periferia, o momento mostrou novamente que a áspera liderança de Berlim na Europa também passa por estremecimentos. O governo austríaco, através de seu chanceler Werner Faymann, normalmente dançando de acordo com a música germânica, desta vez desafinou, e declarou-se favorável a um alívio nos prazos para Atenas. É claro: uma queda de Atenas para fora da Arca de Noé do Euro, seria uma pequena catástrofe para os grandes (Alemanha, Holanda, Finlândia, até, em parte, a França), mas uma grande catástrofe para os pequenos, que sabe-se lá onde iriam parar (pelo menos seus governos) na maré de descontentamento e instabilidade geral que se seguiria na Europa.
Resta a esfinge parisiense, o Monsieur Normal, François Hollande. Ele mostrou-se também algo inflexível com Samaras. Mas suas razões podem ser inteiramente outras do que as de Merkel. Hollande está sempre a beira de contenciosos com a chanceler alemã. Samaras é uma boa oportunidade para demonstrar alguma aproximação. A solidariedade de Hollande vai sobretudo com o PS grego, e Samaras é uma pedra nesse caminho.
É um jogo arriscado, porque com Samaras o PS pode cair também, em favor do Syriza, ou então de uma nova força de direita que renasça das cinzas da Nova Democracia grega. Mas Hollande sabe, como todos os outros, que tem tempo. Nada de definitivo vai se decidir antes de meados de outubro, quando se reúne a cúpula da União Européia.
Até lá, muita quadrilha vai rolar. Quem sabe algumas cabeças.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Comissão da Verdade listará mortos e desaparecidos caso a caso

 

foto_mat_37334A comissão tem dois anos para entregar um relatório sobre as violações aos direitos humanos cometidos pelos agentes do estado, e um dos objetivos é relatar caso a caso os cidadãos mortos e desaparecidos pela ditadura civil militar de 1964 até 1985. “Pelo menos com relação à questão das mortes, dos desaparecimentos e das ocultações de cadáveres nós temos que fazer um dossiê caso a caso, diz a advogada Rosa Cardoso.


Rodrigo Otávio

Postado: Carta Maior


São Paulo - A Comissão Nacional da Verdade entra em seu quarto mês de funcionamento com seus sete membros divididos em três frentes para acelerar os trabalhos. A comissão tem, em princípio, o prazo de dois anos para entregar um relatório sobre as violações aos direitos humanos cometidos pelos agentes do estado, e um dos objetivos é relatar caso a caso os cidadãos mortos e desaparecidos pela ditadura civil militar de 1964 até 1985.

“Pelo menos com relação à questão das mortes, dos desaparecimentos e das ocultações de cadáveres nós temos que fazer um dossiê caso a caso, de modo que depois do trabalho da Comissão da Verdade se possa, dependendo do momento em que a luta política estiver, ser utilizado também com a finalidade de justiça”, disse a advogada Rosa Cardoso, membro da comissão, durante a palestra “Comissão da Verdade: possibilidades e limites”, sexta-feira (24), no Rio de Janeiro. Segundo levantamento da comissão, o país teve cerca de 500 pessoas mortas e desaparecidas pelo regime militar.

“Não existe ainda a justiça no Brasil, se bem que a gente pode relativizar essa questão porque existe uma justiça civil que pode funcionar em favor das vítimas, como é o caso recente que nós tivemos uma ação que declarou o coronel Ustra como torturador, e outras ações desse tipo na esfera civil podem ser propostas”, afirmou Cardoso, diferenciando as esferas.

“Então o que não existe no Brasil, e é muito, é demais, e já caracteriza uma situação de impunidade, é a justiça criminal, é a justiça onde se ajuizariam processos para investigar, esclarecer e punir os crimes praticados por aqueles que perpetraram graves violações durante os governos militares”, completou.

Perseguições
Outro relatório que a comissão deve produzir é sobre demissões injustificadas e perseguições sofridas por trabalhadores durante os anos de chumbo. O trabalho será feito por uma das subcomissões a partir dos quase 70 mil depoimentos apresentados à Comissão de Anistia de 2001. Segundo Rosa Cardoso, “vamos ter ali um padrão de violação de direitos humanos, teremos um banco de estatísticas para criar padrões de que tipos de violações aconteceram durante a ditadura”.

A advogada vê a produção desse relatório como mais um exemplo da necessidade de permanente diálogo entre a comissão e a sociedade civil. “A comissão vai incorporar muitas das questões que forem trazidas. Por exemplo, o que for levantado do que aconteceu na USP (Universidade de São Paulo), mandando para a gente, vai fazer parte também desse acervo”, disse ela em relação ao levantamento que a universidade está fazendo sobre as perseguições internas ocorridas no período. Rosa adiantou que a comissão firmará um termo de cooperação com a Universidade de Brasília (UnB) e está aberta para uma parceria também com a USP.

Se com a sociedade civil Rosa prega a troca de informações, para órgãos menos solícitos a advogada lembra que a comissão “pode requisitar os documentos que entender necessários, sejam eles os mais sigilosos”. Ela afirmou que para a comissão “não tem grau de sigilo. O grau de sigilo que tem para a Lei de Acesso à Informação (LAI) não existe para a comissão nos termos em que a lei da Comissão da Verdade autoriza os comissários ou comissionados a pedir essa informação”.

Operação Condor
Entre os documentos “não conhecidos, nãos desvendados, que podem apresentar informações novas”, ela citou os arquivos do Itamaraty. “Os arquivos de um órgão que se chamou Ciecs (Centro Internacional de Estudos do Cone Sul), do Itamaraty, foram agora para o Arquivo Nacional. Isso vai nos dar uma visão muito importante sobre o que aconteceu no exílio com pessoas que saíram do país, eram perseguidas políticas e foram acompanhadas. Sobre mortes ocorridas no exílio também”.

A advogada é a responsável pelo subgrupo de trabalho sobre a Operação Condor. Segundo ela, uma das tarefas é, ao cruzar informações encontradas com outros arquivos, “caracterizar que tipo de participação o Brasil teve na operação”. O cruzamento deve ser feito sobretudo para se entender as raízes e os responsáveis pela cooperação entre civis e militares na região.

“Estudaremos os antecedentes, porque o país já tinha muitos acordos bilaterais antes desse ‘acordão’ com mais cinco países; Chile, Argentina, Uruguai, Bolívia e Paraguai. Foi inclusive um acordo que o Brasil participou sem querer muita visibilidade, nem assinou a formalização, mas participou intensamente. E essa operação Condor mostra de uma forma muito descarnada, muito clara, a questão do terrorismo de estado praticado pelo Brasil”, disse Rosa Cardoso.

Casa da morte
Em Petrópolis (RJ), a prefeitura declarou como imóvel de utilidade pública a Casa da Morte, residência nas imediações do Centro Histórico da cidade usada por agentes do Centro de Informações do Exército (CIE) como cativeiro, centro de torturas e local de assassinato de opositores do regime militar nos anos 70. Em seu livro Memórias de Uma Guerra Suja, o ex-agente do DOPS Claudio Guerra relata ter frequentado a casa e dali ter levado alguns cadáveres para serem incinerados nos fornos da usina Cambahyba, localizada em Campos dos Goytacazes, no Norte do estado do Rio de Janeiro.

A declaração como imóvel de utilidade pública atende a reivindicações feitas pelo Conselho de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis (CDDH) e é o primeiro passo para a desapropriação e transformação da Casa da Morte em um centro de memória.

Correa: negativa de Londres em caso Assange tem traços coloniais

Adital

O presidente do Equador, Rafael Correa, assegurou que a negativa de Londres a entregar o salvo-conduto ao fundador do WikiLeaks, Julian Assange, tem "traços de colonialismo, de etnocentrismo, de imperialismo". A decisão soberana do Equador de conceder asilo ao jornalista australiano, objetivamente, poderia gerar represálias, o que seria algo atroz, alertou o chefe de Estado em uma entrevista com a rede noticiosa russa de televisão RT, difundida hoje.

O Equador assumiu essa postura no marco do respeito ao direito internacional, em função de seus princípios humanistas, enfatizou Correa. Além disso, detalhou, analisaram-se todos os contextos jurídicos, tanto internos como internacionais.

A ameaça do Reino Unido de entrar na embaixada de Quito em Londres para prender Assange sentaria um precedente em caso de concretizar-se, remarcou.

Perguntado pela RT por que Julian Assange elegeu o Equador para solicitar asilo, Correa destacou que é a melhor resposta diante de tanta campanha de desprestígio contra seu governo, em particular às denúncias de que no Equador "não há liberdade de expressão".

"E o ícone da liberdade de expressão elege refugiar-se na Embaixada do Equador. É a melhor resposta diante de tanta mentira", expressou o chefe de Estado. Assange pode ficar por tempo indefinido na sede diplomática equatoriana "a não ser que se cumpra a ameaça britânica" de violar o prédio para prendê-lo, intimidação da qual "não se retratou".

No caso de ocorrer, se romperiam imediatamente as relações diplomáticas, advertiu Correa. "Acredito que teria uma reação muito forte, ao menos da região da América do Sul e de toda a América Latina", alertou.

Mas, insistiu, o mais prejudicado seria o povo britânico. "A mais prejudicada seria a Grã-Bretanha, porque após uma ação dessa natureza, como vão poder impedir que sejam violadas as embaixadas britânicas ao redor do planeta", reafirmou.

Recordou que seu país jamais impediu que Assange respondesse à justiça sueca. Só se pede a garantia de não extraditá-lo a um terceiro país. "O Equador não vai negociar com os direitos humanos de uma pessoa" e Assange "está sob a proteção do Estado equatoriano", por isso será feito tudo que for necessário para que essa proteção seja efetiva, afirmou.

Reiterou a disposição de seu país ao diálogo com o fim de buscar uma saída definitiva a este conflito. Por outro lado, destacou que o apoio da Aliança Bolivariana para os Povos de nossa América e da União de Nações Sul-americanas à decisão do Equador se deve à "obstrução diplomática da Grã-Bretanha", que ameaça violar a Embaixada equatoriana para prender Assange.

Isso aglutinou todos os povos da América do Sul, da América Latina e muitas outras partes do mundo, ressaltou. Porque, disse, a posição do Reino Unido "destruiria um dos princípios civilizatórios dos últimos séculos: a inviolabilidade das sedes diplomáticas".

Na sexta-feira passada, o Equador outorgou o asilo a Assange, que é questionado por ter revelado telegramas diplomáticos de vários países do mundo, entre eles os Estados Unidos, onde poderia ser julgado por tribunais especiais e militares, e correria o risco de ser condenado à pena de morte.

Na sexta-feira passada, o Equador outorgou o asilo a Assange, que é questionado por ter revelado telegramas diplomáticos de vários países do mundo, entre eles os Estados Unidos, onde poderia ser julgado por tribunais especiais e militares, e correria o risco de ser condenado à pena de morte.

Através do WikiLeaks, o jornalista australiano mostrou, entre outros assuntos, as infrações da chamada guerra contra o terrorismo empreendida pelo governo dos Estados Unidos e seus aliados.
O ataque aéreo em Bagdá do dia 12 de julho de 2007, Diários da Guerra do Afeganistão e os Registros da Guerra do Iraque são algumas das revelações que expõem delitos consentidos pelo Pentágono.

A notícia é da Prensa Latina.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Justiça expulsará famílias de prédio na Avenida São João

O prédio no número 588 da avenida São João foi ocupado no dia 3 de outubro de 2010. Moram lá 85 famílias, sendo 67 crianças, em 90 apartamentos

24/08/2012

Igor Carvalho,

do Spresso SP

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Manifestação dos moradores pelas ruas do centro,

tentando evitar a reintegração de posse - Foto: Flickr/Fora do Eixo

Em reunião realizada no 7º Batalhão da Polícia Militar, na avenida Angélica, região central de São Paulo, foi decidido que a reintegração de posse do prédio na avenida São João, 588, está marcada para o dia 11 de setembro.

Os moradores foram chamados para a reunião após o juiz Olavo de Oliveira Neto, da 39º Vara Cível da Capital, decidir favoravelmente aos proprietários do imóvel, que está abandonado há 20 anos. O ofício do juiz foi encaminhado para a PM, que convocou representantes da prefeitura, dos moradores e da Defesa Civil para um encontro, que tem por finalidade organizar uma reintegração pacífica.

A coordenadora da ocupação, Antônia Nascimento, lamentou o resultado e lembrou que no encontro promovido pela PM, a prefeitura não enviou representante e se mostrou displicente no trato com os moradores. “Não foi representante da prefeitura, só da subprefeitura da Sé, e disseram que não teria atendimento social. A prefeitura alega que não há alojamento para abrigar as famílias.”

Na esteira da ausência de soluções, restou aos moradores buscar alternativas extremas. “Teremos que acampar na rua, já até sabemos onde podemos ficar acampados. É humilhante, mas vão nos tirar toda a dignidade quando nos expulsarem de nossa casa.”

O prédio no número 588 da avenida São João foi ocupado no dia 3 de outubro de 2010. Moram lá 85 famílias, sendo 67 crianças, em 90 apartamentos. “Já estávamos preparando uma festa para os dois anos de ocupação”, lamenta Antonia. 

''Uma hora ele é índio demais e atrapalha, outra hora ele é índio de menos, e não têm direitos''

“As cidades brasileiras sempre foram ambientes vetados aos indígenas”, declara a antropóloga Lúcia Helena Rangel

24/08/2012

IHU On-Line

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"O índio nunca tem um lugar", afirma a antropóloga - Foto: Reprodução

“A cada ano voltamos a falar dos mesmos problemas”, diz a antropóloga Lúcia Helena Rangel, ao comentar os dados do Relatório de Violência 2011 contra as comunidades indígenas. Segundo ela, as situações de violência e descaso com os povos indígenas são recorrentes e se manifestam não só através dos conflitos territoriais, mas também em casos de racismo e na tentativa de suprimir os direitos das comunidades assegurados na Constituição Federal. “Estamos vendo ações cada vez mais fortes contra o direito às terras dos povos indígenas. A PEC 215 e a portaria 303 da AGU são exemplos disso. A cada dia aparece uma nova portaria ou um novo projeto de lei querendo modificar o artigo 231 da Constituição, ou modificar a aplicação dos direitos”, assinala em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone.

De acordo com a antropóloga, como as mudanças propostas contra os direitos indígenas sempre “esbarram no princípio constitucional”, surge um “movimento no âmbito do Legislativo para modificar o princípio constitucional”. Para ela, as elites brasileiras não querem reconhecer os direitos indígenas e criam indisposições entre a população e as comunidades, gerando um discurso racista, especialmente diante dos indígenas que vivem nas cidades. “O Estado não demarca as terras e não quer assumir a população que vive nas cidades. Quem vai para a cidade não vai de modo forçado, obviamente, mas quando analisamos a situação das terras – no Sul, no Sudeste e no Nordeste –, observamos que a quantidade de terras demarcadas não suporta a população indígena dessas regiões”, aponta. E dispara: “Num país mestiço como o nosso, onde todo mundo é misturado, os índios não podem ser misturados. Uma hora ele é índio demais e atrapalha, outra hora ele é índio de menos, e não têm direitos. Então, o índio nunca tem um lugar”.

Lucia Helena Rangel é doutora em Antropologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP com a tese Os Jamamadi e as armadilhas do tempo histórico. É professora do Departamento de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP. Também é assessora do Conselho Indigenista Missionário – Cimi (Regional Amazônia Ocidental) e do Cimi Nacional.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são os dados mais alarmantes do Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil? Comparando com os relatórios anteriores, o que destaca?

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A antropóloga Lúcia Helena Rangel no lançamento do relatório de 2010

Foto: Renato Araújo/ABr

Lucia Helena Vitalli Rangel –É difícil mencionar o que é mais alarmante, porque algumas situações se repetem a cada ano, com variações. Assim, em determinados momentos, o desmatamento chama mais atenção, em outros, a saúde etc. No ano de 2011, registramos um quadro grave, que já tinha sido destacado em anos anteriores e que diz respeito à situação da saúde dos povos do Vale do Javari, no estado do Amazonas. O Vale do Javari é uma área muito grande, demarcada, e que abriga diversos povos, sendo que muitos deles possuem comunidades isoladas no meio do mato, com os marubos, corubos, os matis, os canamari. Entretanto, as populações que vivem na beira dos rios estão sofrendo de verdadeiras epidemias de malária, de hepatite e das doenças aéreas: gripes, tuberculose, pneumonia. Nessas comunidades, a mortalidade infantil é muito alta. As lideranças indígenas relatam que nos últimos dez anos houve 300 mortes. Não temos como saber, de fato, qual é o tamanho dessas populações, mas vamos supor que seja algo em torno de três a quatro mil pessoas. Nesse caso, 300 mortes em 10 anos é muito.

Outro caso grave, identificado através do relatório, é a situação do povo guarani kaiowá do Mato Grosso do Sul, onde há uma taxa de homicídios de cem mortos por cem mil pessoas. Essa taxa é maior do que a do Iraque, e quatro vezes maior do que a taxa nacional. O Conselho Indigenista Missionário – Cimi já denunciou os casos de genocídio, e essas denúncias já chegaram à ONU, a organismos internacionais, e várias delegações já foram ao Mato Grosso do Sul para constatar tal situação. Entretanto, não se toma nenhuma providência. Outro problema muito complicado é o desmatamento. Este ano destacamos violações ao patrimônio indígena, depredação, retirada ilegal de recursos naturais, incêndios criminosos etc.

Comparando os dados deste relatório com os relatórios anteriores, não temos como dizer se a situação dos indígenas melhorou ou piorou. Às vezes piora, às vezes melhora, mas isso não significa nenhuma tendência nem de melhorar, nem de piorar. A cada ano voltamos a falar dos mesmos problemas.

Qual a situação dos xavantes no Mato Grosso? Os conflitos também estão atrelados à disputa pela terra?

No caso dos xavantes, a situação mais complicada é a da terra indígena Marãiwatsèdè. Essa terra está foi invadida por fazendeiros e está em litígio há muitos anos. As comunidades não se conformaram com as ocupações indevidas e tentam reaver o seu território na integralidade. Além de terem acesso a pouca terra, eles são pressionados pelo desmatamento oriundo da pecuária, do agronegócio, da soja, das queimadas, do envenenamento de rios etc. Além disso, a mortalidade infantil entre os xavantes foi alarmante nos anos de 2009 e 2010.

Há uma relutância da Funai diante destes conflitos, porque o órgão cria projetos, faz levantamentos, identifica as terras que devem ser demarcadas, mas não conclui tais projetos, e mesmo quando há conclusão, quando os relatórios são publicados, não há continuidade nas ações. Tanto no Rio Grande do Sul como em Santa Catarina há estradas em que se veem placas indicando “Cuidado, indígenas na estrada”, como se eles fossem animais selvagens.

Quais são as etnias que mais sofrem por causa da violência e dos conflitos de terra?

No extremo sul da Bahia, o povo pataxó tem sofrido há décadas pressões e violências brutais, tais como assassinatos, emboscadas em estradas, tiroteios, incêndios de escolas, de casas, de roçados por parte de fazendeiros que não querem admitir que as terras dos pataxós e dos tupinambás, que vivem nessa região, sejam demarcadas. Eles afirmam que o governo do estado da Bahia concedeu as terras para eles e, portanto, têm mais direitos do que os índios. Entretanto, ninguém leva em conta que o próprio governo da Bahia foi o primeiro a violar os direitos indígenas ao conceder as terras a um fazendeiro qualquer, considerando que muitos deles nem eram daquela região.

Outras etnias vítimas da violência são os guarani e os kaingang, no Sul; os guarani kaiowá, no Mato Grosso do Sul, os guajajara e os awá-guajá, no Maranhão; os turucá, em Pernambuco e no Norte da Bahia. Outra situação interessante de apontar é o caso de Roraima, da terra indígena Raposa Serra do Sol, onde vivem os povos uapixana, macuxi, e outros. Ali havia registros de violência brutal durante muitos anos. A luta foi longa, mas finalmente em 2009, quando o Supremo Tribunal Federal – STF corroborou a homologação que já havia sido feita pelo então presidente da República, concedendo aos indígenas a terra, os relatos de violência, em 2011, praticamente sumiram dos relatórios. Isso prova que a situação dos indígenas melhora se as terras forem demarcadas.

Por mais que haja posições contrárias de alguns senadores e deputados, que dizem que os índios de Roraima vivem nas cidades no meio do lixão, devemos lembrar que essa situação é muito anterior à demarcação. O que nós comparamos não é a situação dos indígenas que vivem na cidade de Boa Vista, mas a situação de violência dentro da terra indígena Raposa Serra do Sol.

A disputa pela terra é a principal razão pelos conflitos entre indígenas e não índios? Que outros problemas são gerados em decorrência da não demarcação das terras?

O pano de fundo é a questão da terra. Entretanto, não podemos reduzir tudo a essa questão. Mas inúmeros problemas vêm daí, porque quando uma terra não está reconhecida, os índios não têm acesso à assistência de saúde, não recebem programas de educação escolar, não recebem insumos agrícolas, projetos de alimentação etc. Então, trata-se de uma questão fundiária, de disputa pelas terras indígenas e de não reconhecimento dos direitos indígenas às suas terras. Os indígenas têm um modo de vida baseado na relação com a terra, com o território, com a natureza. E essa relação é a base da vida deles.

No Mato Grosso do Sul, cerca de dez reservas indígenas de guarani kaiowá foram demarcadas. A Funai levou todas essas comunidades para dentro dessas terras, e elas viraram um barril de pólvora por causa da superlotação. Há conflitos internos entre comunidades que não se entendem; há casos de alcoolismo, falta de perspectiva etc. Além disso, eles não conseguem trabalhar a terra porque não tem espaço para isso. Então há consequências graves por causa da falta de demarcação das terras.

Como vê o projeto desenvolvimentista brasileiro, que propõe a expansão do parque energético em áreas ocupadas por comunidades indígenas e tradicionais, como o caso do Xingu e do Tapajós? Como ficam os povos indígenas diante desses projetos?

Cada rio da bacia amazônica tem um tipo de potencial hidrelétrico, e são todos discutíveis, porque alguns rios têm um potencial maior, outros, menor. O quanto isso vai beneficiar a produção econômica, as cidades brasileiras, a população que vive nas cidades, também é uma coisa a ser discutida, porque os mais prejudicados com essas construções, com esses empreendimentos, são as populações ribeirinhas e as populações indígenas.

No rio Madeira, as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio estão sendo feitas em uma região onde há comunidades indígenas isoladas, que ainda não fizeram um contato regular com os agentes do Estado brasileiro e a sociedade. O que vai acontecer com essa gente, nós não sabemos. Por onde eles vão escapar? Eles vão morrer ou não? Vão pegar epidemia ou não? Não há como saber.

Hidrelétricas

Em Altamira, onde está sendo construída a hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, vive uma população indígena que já tem contato regular com a sociedade. Ocorre que essa população da região da Volta Grande já foi deslocada em momentos anteriores. Então, trata-se de uma população que tem essa memória, que sabe o quanto custa um empreendimento desses. Quando a Transamazônica foi construída, essa população não foi ouvida, os impactos não foram avaliados corretamente, e o próprio Ibama reconhece isso.

Diante de empreendimentos como Belo Monte, os empreendedores e os representantes do Estado dizem para a população de Altamira o seguinte: “Os indígenas não querem que vocês tenham acesso à energia”. Então cria um conflito que é insuportável.

No Tapajós, acontece a mesma coisa. O complexo hidrelétrico de Tapajós vai alagar terras indígenas. Prioritariamente, quase todas as hidrelétricas que foram construídas nesse plano de desenvolvimento afetaram os povos indígenas, a exemplo de Itaipu, Tucuruí entre outras.

Por causa da transposição do rio São Francisco, por exemplo, o povo Truká foi afetado pela transposição do rio, porque o canal dividiu a terra deles ao meio, e usou parte do território para instalar canteiros de obras. Os próprios indígenas denunciam e reclamam das consequências, como o aumento do alcoolismo, da prostituição, da falta de emprego e da diminuição das terras agriculturáveis. Nesse caso do rio São Francisco, transpõe-se o rio para irrigar terras, mas quem está na beira do canal perde área cultivável. Quer dizer, trata-se de um contrassenso da obra ou de uma falta de respeito pelos indígenas que viviam ali. Por que o canal tem que cortar a terra ao meio?

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"o artigo 231 da Constituição reconhece o direito dos

indígenas às suas terras", afirma a antropóloga - Foto: Reprodução

Os índios têm clareza dessa situação, das implicações das obras? No caso de Belo Monte, por exemplo, algumas etnias estão divididas. Eles acabam sendo cooptados pelo Estado?

É sempre assim. Têm aqueles que, em troca de algum dinheiro ou algum benefício, trabalham para que a obra se realize. A consequência disso, depois da obra pronta, é um conflito interno muito grande, porque aqueles que se beneficiaram não dividem o benefício com toda a comunidade.

Um exemplo são os indígenas que vivem próximo ao rio Tocantins. O povo xerente foi afetado pela hidrelétrica do Lajeado, que teve a barragem construída no “pé” da terra deles. À época, algumas lideranças se apressaram e quiseram convencer todo mundo de que eles deveriam aceitar o dinheiro da mitigação do impacto – e a mitigação do impacto nessas obras acaba sendo sempre o dinheiro. Então, quando eles aceitam, recebem um valor monetário determinado, para implementarem projetos dentro da área. Mas com esse valor, criam uma associação, constroem uma sede na cidade, compram veículos (tanto ambulâncias como camionetes e caminhões), computadores, telefones. Posteriormente, tudo isso gera uma fase de insatisfação e reclamações. Aumentam os conflitos entre as comunidades que vivem dentro da mesma área, porque umas ganharam mais dinheiro, outras ganharam menos benefícios. Claro, não cabe à empresa que vai construir a hidrelétrica resolver esse problema, mas a atuação dos agentes do Estado podia levar em conta essas coisas, porque elas são conhecidas.

Agora, quando alguém oferece dinheiro para as comunidades, todo mundo fica enlouquecido pelo dinheiro. Então, esse é um problema muito sério e muito complicado. Quem sou eu, por exemplo, uma professora e antropóloga, para dizer a um indígena que, se ele aceitar esse dinheiro, posteriormente enfrentará muitos problemas? Trata-se de outro processo de conscientização, de análise, que demandaria um esforço diferente no tratamento dessas questões com os indígenas. A pressa em propor essas formas de mitigação é que faz com que alguns indígenas também se sintam atraídos e aceitem, de “mão beijada”, coisas que trarão consequências graves para a sua comunidade.

De acordo com os dados do Cimi, a homologação das terras indígenas diminuiu drasticamente de 145 registros no governo Fernando Henrique Cardoso para 79 no governo Lula e apenas três no governo Dilma. Quais as razões dessa redução? O que essa mudança na política governamental sinaliza?

Cada governo enfrenta um tipo de pressão. Da gestão Lula para cá, o governo tem cedido demais às pressões dos fazendeiros, das empreiteiras, daqueles interessados ou nos grandes projetos, nas grandes obras ou no agronegócio. O governo faz alianças políticas e depois tem que dar a contrapartida. Isso é evidente, no caso do Mato Grosso do Sul, porque há uma pressão muito forte do governo estadual, dos empresários do agronegócio. Até o judiciário, no Mato Grosso do Sul, é contra os indígenas, sendo que existem leis, que há uma Constituição Federal. Mas ninguém respeita.

E ainda são publicadas a portaria 303 da AGU, a PEC 215...

Exatamente. Estamos vendo ações cada vez mais fortes contra o direito às terras dos povos indígenas. A PEC 215 e a portaria 303 da AGU são exemplos disso. A cada dia aparece uma nova portaria ou um novo projeto de lei querendo modificar o artigo 231 da Constituição, ou modificar a aplicação dos direitos.

Outro exemplo foram as discussões em torno da mudança do Código Florestal, que acabou sendo aprovado na Câmara Federal através dos piores princípios. Por exemplo, em 2010 as discussões das mudanças do Código Florestal desencadearam um verdadeiro vandalismo. No Mato Grosso, as terras indígenas foram afetadas pelo desmatamento de uma forma violenta. Segundo a Polícia Federal, cem terras indígenas foram afetadas, além de 20 unidades de conservação.

Como compreender tais portarias diante do artigo 231 da Constituição Federal?

A Constituição Federal é uma “salva guarda”, ela resguarda os direitos cidadãos. Então, o artigo 231 da Constituição reconhece o direito dos indígenas às suas terras, a ocupação originária etc. Portanto, o reconhecimento do direito é constitucional, e é o princípio mais importante. Agora, a aplicabilidade do direito não depende somente da Constituição Federal; há de ter uma regulamentação. No caso dos povos indígenas, a regulamentação acontece através do Estatuto do Índio. Depois de 1988, quando a Constituição foi promulgada, deu-se início à discussão de elaborar um novo Estatuto do Índio, porque o Estatuto que vigora até hoje é de 1970.

Que aspectos do Estatuto do Índio deveriam ser atualizados?

Teria de fazer um novo estatuto, porque o vigente foi baseado em outros princípios, como o princípio da integração do índio à comunhão nacional, o princípio de que as terras indígenas devem ser protegidas ou administradas pela Funai e o princípio de que, em nome da segurança nacional, as terras indígenas podem ser violadas. Entretanto, o direito Constitucional de 1988 modifica esse princípio, como modifica também o princípio da tutela. Então, há de ter um novo estatuto, porque o atual foi elaborado durante a ditadura militar.

Há mais de 20 anos uma nova proposta de Estatuto do Índio tramita no Congresso Nacional e na Câmara Federal. O novo texto nunca foi votado, porque primeiro os deputados querem votar a Lei da Mineração, a mudança do Código Florestal, para tirar os direitos indígenas, e depois fazer o Estatuto do Índio. Mas como as mudanças sempre esbarram no princípio constitucional, há outro movimento no âmbito do Legislativo, para modificar o princípio constitucional. Não há meio das nossas elites reconhecerem os direitos indígenas e, assim, começam a inventar coisas. Por exemplo, no Mato Grosso do Sul inventaram que os índios queriam 600 milhões de hectares, área maior do que o estado do Mato Grosso do Sul. Mas eles não querem 600 milhões de hectares; querem o pedaço que lhes cabem. Essa distorção fomenta a discórdia, criam uma indisposição entre a população local e os indígenas. Ações como essa geram racismo, preconceito. Parece que não há nem um pouco de vergonha em manifestar isso contra os indígenas.

Além disso, outros dizem que alguns índios não são mais índios, porque têm cabelo crespo, moram na cidade, são “misturados”, quer dizer, eles têm menos direitos do que os outros. Num país mestiço como o nosso, onde todo mundo é misturado, os índios não podem ser misturados. Uma hora ele é índio demais e atrapalha, outra hora ele é índio de menos e não tem direitos. Então, o índio nunca tem um lugar.

De acordo com os dados do censo, existem 305 etnias indígenas no país. Como estão os estudos atuais sobre essas culturas? Há conhecimento desta diversidade?

Para os antropólogos, essa diversidade é uma realidade, e como tal é considerada. Entretanto, nem os antropólogos possuem este número, porque só o IBGE consegue fazer um censo nacional e ter esse alcance. O que os pesquisadores conseguem nas universidades, nos seus laboratórios de pesquisa, é sistematizar os dados. Foi importante o IBGE publicar essa informação de 305 etnias. Não sei exatamente como é a definição de etnia do IBGE, mas são muito provavelmente relativas à autodenominação da comunidade ao falar o nome do povo. Supunha-se que fossem 280 etnias, mas o IBGE fala que é 305. É um dado mais preciso e importante.

O que os dados do censo revelam sobre os indígenas brasileiros? Algum dado lhe surpreendeu?

No censo do ano 2000, havia um dado da população autodeclarada indígena. Desses, 52% viviam em cidades e 48% viviam nas terras indígenas, em aldeias. Então, no censo de 2010, inverteu o número. A população indígena que vive na cidade está em volta de 47% e 48% e a população que vive em aldeia está em torno de 52% e 53%. O dado demonstra que a população indígena que vive em cidades é muito grande, e o Estado, através da Funai, reluta em reconhecer essas comunidades como sendo comunidades indígenas, porque não quer lhes atribuir direitos. Então, aqueles índios que vivem na cidade não são considerados indígenas. Portanto, estão excluídos do artigo 231. O Estado não demarca as terras e não quer assumir a população que vive nas cidades. Quem vai para a cidade não vai de modo forçado, obviamente. Quando, porém, analisamos a situação das terras – no Sul, no Sudeste e no Nordeste –, observamos que a quantidade de terras demarcadas não suporta a população indígena dessas regiões. Então, a migração é um recurso para as comunidades.

Além disso, as cidades brasileiras sempre foram ambientes vetados aos indígenas. Quando iam para as cidades, eles eram presos, escorraçados, expulsos. Quando iam ao médico, iam e voltavam para casa escoltados pela Funai. A Constituição, bem ou mal, é democrática, e nesse sentido abriu direitos que não estavam previstos, como a ampliação do direito de ir e vir, que é um direito civil do cidadão. Então, a conquista do ambiente humano também é uma conquista para os indígenas, que eles não têm mais que ficar escondidos nos fundos das fazendas, trabalhando quase como escravos, visto que não possuem terra e não têm lugar para onde ir. Então, há uma série de movimentos dessa população que vão configurando também novos perfis. Nesse sentido, os dados do IBGE são muito importantes para pensarmos essas questões e para aprofundarmos em nossas pesquisas.

‘Politicamente, o julgamento do mensalão é nulo’

ESCRITO POR VALÉRIA NADER E GABRIEL BRITO, DA REDAÇÃO

AGOSTO DE 2012 – CORREIO DA CIDADANIA

mensalão

Provavelmente um dos espetáculos mais inflados de nossa história midiática, o escândalo de corrupção que marcou o governo Lula, popularizado como mensalão, finalmente chega ao juízo final dos 38 réus. Supondo que todos os citados montantes que escoaram pelos dutos da corrupção sejam verdadeiros, uma avaliação mais autêntica impõe, no entanto, enxergá-los à luz de significativas e ‘autorizadas’ sangrias já sofridas pelos cofres e riquezas nacionais. Afinal, as privatizações iniciadas nos anos 90, agora rebatizadas de “concessões”, e financiadas por dinheiro público, fizeram e continuam fazendo história no país.

A entrevista concedida pelo filósofo Paulo Arantes ao Correio da Cidadania situa os acontecimentos, e respectivo debate, avaliando-os a partir de ótica que vai em rota de colisão àquela com a qual a mídia comercial procura seduzir seus leitores. Arantes questiona aquilo que chama o “teatro do mensalão”, algo que, em sua visão, simplesmente “não tem consequências nem para um lado, nem para outro”. Em sua opinião, além de se tratar de uma encenação, com todos os votos já definidos de antemão, a peça acusatória produzida pela Procuradoria Geral da República e Ministério Público é, “talvez deliberadamente”, inepta, prenunciando que o final não será tão “histórico” ou “redentor” quanto anseiam os grandes veículos de comunicação.

“É claro que, se forem condenados, a direita vai comemorar. Mas vai comemorar sobre o vazio, porque não tira meio ponto de ibope da Dilma e nem influencia nas eleições municipais. Ponto. Se forem absolvidos, o que a esquerda vai comemorar? Nada. O estrago ético, político e moral no PT já foi feito. E mais, já foi resolvido. Tanto que o Lula se reelegeu e elegeu a Dilma”, resumiu.

Prejuízo político já absorvido e superado, fato é que, a despeito da perseverança do ódio que a mídia conservadora dispensa a suas figuras centrais, o PT segue tranquilo seu curso. “Portanto, o mensalão é apenas pra advogado ganhar dinheiro, a mídia vender jornal e ganhar audiência. Acabou. Talvez apareça uma bala perdida, um escândalo a mais, mas ainda assim o Brasil é invulnerável a escândalos. Aqui nada abala”, ironiza, completando que, a despeito de toda a gritaria indignada, mais adiante veremos todos afirmando “a consolidação e aprofundamento das instituições – embora não funcionem. Então, tá bom”.

A entrevista completa com o filósofo Paulo Arantes pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Depois de tantos anos, o STF está julgando o chamado mensalão. O que significa para você esta palavra, ou o episódio da República ao qual ela se refere? Em outras palavras, o que este episódio diz de nossa República?

Paulo Arantes: Eu tenho um ponto de vista estritamente pessoal sobre o que significa o mensalão. O terremoto que tal episódio provocou em seu tempo, de julho de 2005 até a cassação do ministro da Casa Civil, já teve seus efeitos produzidos – e naquele momento. Sete anos depois, pra mim, nada significa do ponto de vista político. O impacto restringe-se ao jogo político convencional, sobre quem perde ou quem ganha com o processo a essa hora, na repercussão na mídia, com pequena interferência em eleições municipais e cargos políticos, coisas triviais. Sete anos depois, a emoção é zero.

Comecei acompanhando o julgamento pelos jornais nos primeiros dias e assisti às duas primeiras sessões, pra ver, digamos, o circo jurídico-político. Um teatro de baixíssima categoria. E me desinteressei. Serve apenas pra se divertir, ver as asneiras que dizem, a linguagem e o juridiquês, a prosa parnasiana, a estupidez de advogados e juízes, egos inflados... Os advogados dos 38 réus devem estar levando milhões por isso. São os escritórios de advocacia mais caros do país.

É um circo. Politicamente, o julgamento é nulo. O estrago no imaginário político brasileiro já foi causado, há sete anos, é irreversível, e o PT que saiu daquele estrago é outro. De modo que todo mundo está cortando nuvens com tesoura, ou seja, não existe mais nada.

Do ponto de vista que poderia interessar à sociologia política do Brasil, seria bom investigar a engrenagem desse sistema de financiamento de estruturas de poder político. Só que ninguém sabe disso, nem nunca vai saber. É o segundo ponto do teatro do mensalão.

Acompanhando pelos jornalões – a mídia alternativa esperneia contra ou a favor, e não adianta nada –, depoimentos daqui, declarações acolá, percebe-se que há um sutil jogo de esconde, no qual ninguém quer falar. Se sabe não fala ou, de fato, não sabem nada do que estão falando a respeito do que foi o mensalão.

Não acho que vamos saber, ninguém vai contar o que era exatamente o esquema, nem daqui a 50 anos. Não se saberá como funcionava a engrenagem, qual era o objetivo. A mim não convence, nunca convenceu, que era pra comprar votos em decisões parlamentares. Não se compra voto com dinheiro no Brasil. Deputados sempre foram comprados com cargos, que significam poder, influência, dinheiro, negócios...  Além do mais, não se compra deputado por causa de votações mensais ou quinzenais, isso é absolutamente ridículo. Votar a favor entra no pacote depois, é óbvio.

O máximo de aproximação que vi no processo é que se tratava de um esquema de poder, de compra de influência, de modo que o PT permanecesse 30 anos no poder público e, portanto, fosse uma peça política fundamental no jogo oligárquico do próximo meio século de política brasileira. Imagino que seja este o projeto do PT. Análogo ao de Collor.

O Collor foi longe demais, por isso foi apeado do poder, e não por causa de protesto na rua. Enganamos-nos redondamente em acreditar nesta versão. Foi a direita que o derrotou. Tanto que, posteriormente, foi absolvido. Cumpriu a missão dele que era barrar a vitória do Lula em 89. Depois, começou a ter ambições demais, como, por exemplo, montar uma emissora de TV pra concorrer com a Globo, reciclar dinheiro em paraísos fiscais, enfim, montar seu próprio centro de poder econômico e autônomo. Embora de família oligárquica tradicional nordestina, era um aventureiro, um playboy. Como todo playboy, um irresponsável. O que, no clube, é inadmissível. Por isso que o Lula foi admitido no clube privê de quem manda aqui. Embora de origem modesta, mostrou-se um rapaz responsável. É o que conta. Como também FHC foi admitido no clube, apesar de seu passado esquerdista. Responsável, hoje, é aquele que se tornou uma pessoa de direita. Por convicção, não por oportunismo.

De modo que o mensalão e nada, pra mim, são a mesma coisa. Claro que, daqui a 20, 30 dias, com o resultado do julgamento, teremos um rebuliço, duas ou três edições especiais do Jornal Nacional, talvez uma mínima influência nos sismógrafos das eleições municipais... E ponto! Porque as pessoas que serão julgadas já estão mortas politicamente. Nenhuma absolvição vai ressuscitar o Dirceu politicamente no Brasil. Mas ele não desapareceu, continua fazendo política nos bastidores. E negócios, não à toa é consultor do senhor Carlos Slim, bilionário mexicano.

Mas a aspiração presidencial de Dirceu acabou. E a Dilma mudou. Aqui há um fato novo. Eu imaginei que a Dilma fosse apenas sombra. Não está sendo. E periga de, daqui a quatro anos, sendo reeleita por esforço próprio, dispensar o tutor. Ele vai pro céu, já é santo, será beatificado, mas sem interferência política.

Correio da Cidadania: Se a enorme pirotecnia midiática em nada alterará os ânimos políticos do país, não serve para ocultar debates relevantes?

Paulo Arantes: Politicamente, hoje, as greves dos servidores federais são um assunto muito mais importante que o mensalão. O mensalão não está preocupando ninguém. Nem quem vai perder nem quem vai ganhar. É claro que, se forem condenados, a direita vai comemorar. Mas vai comemorar sobre o vazio, porque não tira meio ponto de ibope da Dilma e nem influencia nas eleições municipais. Ponto. Se forem absolvidos, o que a esquerda vai comemorar? Nada. O estrago ético, político e moral no PT já foi feito. E mais, já foi resolvido. Tanto que o Lula se reelegeu e elegeu a Dilma. Pronto. Portanto, o mensalão é apenas pra advogado ganhar dinheiro, a mídia vender jornal e ganhar audiência. Acabou. Talvez apareça uma bala perdida, um escândalo a mais, mas ainda assim o Brasil é invulnerável a escândalos. Aqui nada abala.

Estávamos nas Olimpíadas, agora vêm as eleições... O país estava contando medalhas, não estava afim de discursos ininteligíveis de advogados. Claro que o Datafolha fez uma pesquisa e constatou que o senhor Rui Falcão estava errado (o deputado afirmou que as pessoas sequer sabiam do mensalão), e que 70% dos brasileiros sabem do que se trata, embora metade não acredite em condenações... E daí? Não refresca nada, não tem mais significado político.

E é a mídia de esquerda, alternativa, quem está se encarregando de inflar o balão. Se não falasse do assunto, ele já estaria morto. Pra direita tanto faz como tanto fez. Não vai influenciar em nada em 2014, absolutamente nada. O Lula, do ponto de vista processual, está fora. E se estivesse dentro, seria um suicídio político do procurador, dos ministros do STF, assim por diante. Ele é intocável. Mesmo flagrado no motel com uma garota de programa, vão falar que era Nossa Senhora, o anjo Gabriel anunciando qualquer coisa...

Correio da Cidadania: Ainda que considere um circo jurídico o cenário atual, destacaria alguma peculiaridade na atuação do Supremo, da Procuradoria Geral da República e da defesa dos réus neste atual Julgamento?

Paulo Arantes: Como disse, acompanhei os dois primeiros dias, entre outras coisas, pra ver a retórica empregada. A impressão que dá (para um leigo, pois não tenho nenhuma inside information, não sei de nada específico) é a de que estamos diante de uma enorme encenação. O senhor Joaquim Barbosa vai começar a falar e fazer uma acusação de mil páginas... Qual o significado disso? Sabendo que, conforme saiu esses dias nos jornais, o delegado da PF encarregado do inquérito já disse que não apuraram nem a metade do que deveriam, a denúncia oferecida pela Procuradoria Geral da República e Ministério Público é inepta, tendo desconhecido diversos aspectos...

Não se trata de corrupção no sentido convencional, mas de lavagem de dinheiro. Portanto, a peça acusatória está capenga. Podemos imaginar uma peça deliberadamente tão furada como uma peneira. A defesa deita e rola. Retoricamente, porque os votos dos juízes já estão dados há muito tempo. Só vão fazer palavrório na televisão, pra aquele 0,0001 % que assiste TV Justiça.

Dessa forma, temos uma mistura de mise-en-scéne, inépcia, má fé, coisa mal feita e advogados que querem aparecer, ser comentados no jornal, pra valorizarem seus respectivos escritórios...

Correio da Cidadania: Neste sentido, lançando o olhar para o Poder Judiciário de modo mais amplo, qual a sua opinião sobre a sua atuação atualmente em nosso país?

Paulo Arantes: Desastrosa. É desastrosa. O Poder Judiciário no Brasil é o que sempre foi. Inepto, corrupto, basta ver as polêmicas com a Eliana Calmon. Todo mundo quer aparecer, e não falta matéria pra aparecer. O que tem de corrupção no Judiciário é uma enormidade. Eu tenho muitos amigos advogados, já fui da Faculdade de Direito, conheço um pouquinho.

O Judiciário é algo espantoso, não existe pra fazer justiça nem pra garantir Estado de Direito coisíssima nenhuma. Ele existe para dirimir querelas entre proprietários. O resto vai pra cadeia quando é preso em flagrante – se não for exterminado. E classe média, se for pro Judiciário, fica arruinada, tem que vender o apartamento pra pagar advogado, e só terá justiça depois de 10 anos. E sempre foi assim, não é à toa que há séculos e séculos se faz grande literatura em cima da cegueira, da violência e da grande corrupção que é o Judiciário.

Esse show do mensalão, um show muito mequetrefe, pra usar uma palavra que eles gostam, é a prova da total ineficiência do Judiciário brasileiro. Quando é chamado a serviço, aí ele resolve, como, por exemplo, na interpretação da Lei da Anistia. Pra isso eles servem. São conservadores, têm a cegueira jurisconsult, só vêem o que está nos autos. Um poder essencialmente conservador, a fim de conservar a ordem.

É esse o quadro que estamos vendo. Não funcionam como colegiado. São 11 egos astronômicos a se digladiar, ganham fortunas, passeiam... Pode ser preconceito de professor, mas é uma cavalgadura maior do que a outra.

Correio da Cidadania: Em algumas entrevistas que já nos concedeu, o filósofo Roberto Romano fez reiteradas alusões a um certo ‘disfuncionamento’ de nossa República, onde funções institucionais são não somente atropeladas, mas indevidamente trocadas e entrelaçadas.  Neste sentido, o que teria a dizer sobre os três poderes da República, Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como ao inter-relacionamento que vem se estabelecendo entre eles nos últimos anos?

Paulo Arantes: Não é inter-relacionamento. É subordinação. O Judiciário é uma máquina própria. E uma máquina que tem um spirit du corp, ou seja, é muito corporativo, indevassável. Eles se cooptam, se reproduzem, e o Supremo é nomeado pelo Poder Executivo. A bênção do Senado é pró-forma, portanto, desde o fim da ditadura, o Judiciário é um braço político do Executivo. São os presidentes da República que nomeiam os ministros. E eles fazem política. Depois de nomeados, começam a ter voo próprio, às vezes se voltando contra o Executivo.

A ideia cor de rosa de que o processo jurídico, em si mesmo, como parte da engrenagem do Estado Democrático de Direito no Brasil, engrandece a democracia do país e consolida as instituições, por favor, é uma história na qual não acredito. O que significa aprofundar e consolidar as instituições no Brasil? Nada.

Correio da Cidadania: Em que medida um tal cenário concorre para episódios como o do mensalão?

Paulo Arantes: Não é só esse mensalão que existe, certo? Tem o mensalão mineiro, do PSDB. Entre outros. Também a conexão Cachoeira, outra teia de relações em prol do poder político, no caso, no ramo de jogos. Não gosto de usar a palavra máfia porque ela tem uma definição muito precisa na Itália e nos EUA. A máfia vende proteção nesses países. Não é o caso do Cachoeira, que não vendia, mas comprava proteção política e jurídica, é diferente. Mas isso existe desde a fundação dos EUA, com os barões da droga do país comprando deputados e senadores, não se trata de novidade.

Assim, chegamos onde sempre estivemos, como qualquer pessoa de esquerda sabe. Onde está o poder no Brasil? Onde estão os pilares mais aparentes, que operam e sustentam a dominação? Primeiramente, na economia, mais especificamente, no poder rural, hoje agronegócio, que sustenta as contas nacionais. Poder que tem, por sua vez, conexões simbióticas com o oligopólio da comunicação de massa, o segundo pilar. Ninguém abre, todo mundo quer ter o seu monopólio. A CUT quer ter seu canal, e deixa o da Globo em paz. Nisso, ninguém mexe. E o terceiro pilar é o monopólio da representação política. Monopólio este que inclui essas restituições no parlamento, no Executivo e, de certa maneira, no Judiciário, que está se politizando.

O monopólio da representação política é compartilhado pelas grandes famílias políticas, chamadas também partidos políticos. Um outsider, ao aderir ao clube, deve operar como o resto. Esse monopólio é inexpugnável, a menos que ocorra uma revolução social. Houve a ditadura, e eu seria a favor de uma ditadura popular, poder popular. O monopólio jurídico também é inexpugnável, e vemos como está funcionando. É tão poderoso que é capaz de oferecer esse show, esse espetáculo que é o julgamento do mensalão. Trinta e oito pés rapados sendo defendidos por advogados milionários. Quem está pagando? O senhor Luizinho tem dinheiro pra pagar o advogado dele? Não tem. Quem vai pagar? A diretora do Banco Rural tem condições de pagar o seu Marcio Thomaz Bastos? Não tem. Assim como o Cachoeira. Aliás, Cachoeira só não foi defendido por Bastos porque sua esposa estava comprando juiz. E “assim não dá, porque são meus colegas, não pode fazer isso”.

Aí vem aquela lengalenga: financiamento público de campanha, reforma política, reforma partidária... Meus netos vão ouvir isso daqui a 30 anos. Não tem jeito, não saímos dessa.

Correio da Cidadania: De toda forma, instala-se o clima policialesco e a abordagem maniqueísta frente a episódios como o atual julgamento do mensalão. De um lado, setores governistas ou progressistas, que narram o episódio como uma farsa destinada a derrubar o governo Lula, que já teria sido condenado de antemão; de outro lado, a direita conservadora, que se aproveita para exercer seu triunfo diante do possível abalo na imagem do governo e do ex-líder popular. Qual a consequência de um tal contexto na percepção popular?

Paulo Arantes: Vamos pensar nos 38 réus, que serão condenados ou absolvidos, tanto faz. Aí se faz um bolão, um quadro de medalhas, e começa a aposta em quem vai ser absolvido ou condenado. Como vai votar o ministro tal, defender o advogado tal, e assim se alimenta o colunista de jornal, que precisa disso. Sem esses episódios, o que faz um colunista do Estadão, do Globo, da Folha, do Correio Braziliense? Nada, fica coçando em casa. Vai do Cachoeira pro mensalão; termina o mensalão, vai começar a guerra de dossiês pras prefeituras. Por aí vai, e ponto. Como nada tem conseqüências dramáticas, catastróficas, todos concluem que as instituições democráticas estão se aprofundando e consolidando – embora não funcionem. Então, tá bom.

Correio da Cidadania: Dessa forma, permanecerão intactos, não só as atuais estruturas de poder, como é praxe, mas o imaginário político nacional.

Paulo Arantes: É justamente esse o ponto. A história toda só circula no pequeno universo (que pode ser perfeitamente quantificado) que assiste TV Justiça, lê jornal de papel e colunas e blogs de jornalistas. Isso deve dar 0,1% da população brasileira, que acha que essa casta, que esse estamento político funciona assim mesmo. De vez em quando pegam um, fingem que condenam e ponto. Ou demitem um ou outro.

Pra população em geral, o que importa é emprego. É a classe assalariada que vota. E o Lula segurou a onda. A maré internacional favorável e a inteligência política do Lula, aliadas à sua origem popular, asseguraram e deram credibilidade a suas políticas.

Portanto, no mensalão, “ele foi traído. Caixa 2? Até eu faço aqui na minha quitanda”. É uma sociedade visceralmente conservadora, inclusive do ponto de vista popular. Assim, o processo do mensalão serve pra aliviar a consciência moral de alguns. Fingir que alguns vão ser punidos, pegar meia dúzia e acabou. Não há nenhum abalo sísmico. Estão colocando farofa no ventilador, não existe assunto. A Dilma está dentro do aparelho de Estado e do que está se queixando? Só do grave conflito salarial, porque a situação apertou.

Correio da Cidadania: E nesse fogo cruzado, como fica a esquerda mais combativa, como a tem percebido diante da conjuntura atual? Como se posicionar em meio, de um lado, a setores progressistas e governistas, que a acusam de reforçar o discurso da direita, com as críticas lançadas aos governos Lula/Dilma; e, de outro lado, a uma mídia que, de fato, entoa um uníssono claramente mais favorável à oposição?

Paulo Arantes: A esquerda combativa fica onde sempre esteve. No chão, tentando retomar o trabalho de base do jeito que deus manda, isto é, nas chapas de oposição dos sindicatos, nos movimentos sociais que ainda não foram inteiramente enquadrados por esse governo, enfim, fazer o trabalho de base. Não há outra alternativa.

Desde que existe luta de classes em Roma (nesse caso, por razões fundiárias), não se encontrou nenhuma outro meio, nenhum outro canal pra transformação social profunda que não seja o chão da fábrica, da sociedade.

Portanto, cada um sabe onde seu calo aperta, qual é o seu dever, os movimentos a que naturalmente pertence e como pode fazer seu trabalho.

Essa história de chamar a oposição pela esquerda de “jogo da direita” começou no stalinismo e é uma desgraça. Quando alguém fala “você está fazendo o jogo da direita” eu nem ouço. Assim se cala a oposição em qualquer lugar. Do mesmo modo que, na direita, qualquer coisa já podia ser definida como “você tá fazendo o jogo dos comunas”. Essa frase significa “eu estou no governo, não atrapalhe a minha carreira”.

Correio da Cidadania: Finalmente, teria algo a acrescentar sobre o futuro político do país?

Paulo Arantes: Imaginemos o caso do mensalão. Os advogados de defesa, mobilizados por milhões de reais, não conseguiram mudar a convicção dos magníficos ministros do Supremo Tribunal Federal. Uma votação expressiva, tipo 9 a 2, e todos condenados. José Dirceu, já cassado, é condenado. Depois vamos saber se a prisão será domiciliar, em forma de trabalho social, se vai pôr pijama xadrez, aparecer fotografado algemado, tanto faz, não vai acontecer nada. O que vai acontecer no Brasil e no mundo? Zero vezes zero. No máximo, o senhor Slim chegará e dirá: “Don José, não posso levar o senhor a tiracolo como condenado da justiça pra me prestar consultoria pela América Latina e Caribe”. No máximo, ele perderá uma fonte de renda. Muita gente no Planalto vai soltar foguete, no PT idem. E ponto, como já fizeram há sete anos.

Portanto, esse é o máximo de condenação possível. Absolvição de gente expressiva, ou em massa, vai render, por sua vez, umas duas semanas de capa da Veja. E acabou. Não significa que eles vão voltar, que o João Paulo Cunha vai poder ser novamente candidato à presidência da assembléia, que o Dirceu se candidatará à sucessão da Dilma. Só louco ou quem não tem o que fazer pensa e escreve isso. Não haverá consequências nem para um lado, nem para outro.

Valéria Nader, economista e jornalista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.