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segunda-feira, 30 de junho de 2014

Liberalismo ou imperialismo?

Escrito por Adriano Benayon

Postado: Correio da Cidadania

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Objetividade

1. Ao nos ocuparmos das questões nacionais, não devemos nos precipitar, pois há pressa, e não se deve desperdiçar tempo em assuntos e discussões de importância secundária. A situação é grave demais para que se tire o foco do que interessa.

2. Um tema que não deveria merecer muito gasto de nossa energia são as eleições presidenciais. Em artigo recente, “Eleições e Modelo Dependente”, escrevi: “O real sistema de poder manobra sempre para que todos os candidatos com chance de chegar ao 2º turno estejam comprometidos com a realização destes objetivos: ampliar e aprofundar a desnacionalização da economia, desindustrializá-la, servir a dívida – inflada pela composição de juros absurdos – e propiciar ganhos desmedidos às grandes empresas transnacionais”.

3. Portanto, com qualquer “eleito”, a vitória será do sistema imperial e de saqueio, comandado pela oligarquia financeira anglo-americana, através de carteis transnacionais e coadjuvada por concentradores locais.

4. Sessenta anos de atraso tecnológico aumentando e crescente perda de autodeterminação política e econômica geraram condições deterioradas de vida no país.

5. Essa deterioração tem sido acompanhada por doses maciças de desinformação, sendo a natural revolta popular manipulada por opositores diretamente vinculados àquela oligarquia financeira e principalmente por entidades controladas por esta, que agem para desestabilizar a presente gerência petista.

6. Esta, na verdade, atende ao sistema de poder da oligarquia, contra o qual a revolta deveria se dirigir. É como culpar só o gerente do restaurante que manda servir alimentos estragados e que, se não o fizer, será sumariamente demitido.

7. De qualquer forma, não é tolerável a lesividade das políticas do atual governo, como: 1) os leilões do petróleo; 2) o agravamento da situação do setor de energia elétrica no quadro de um sistema predador, que se diz “de mercado”; 3) as parcerias público-privadas; 4) novas elevações das absurdas taxas de juros dos títulos públicos, que sangram o Tesouro, em favor dos concentradores financeiros.

8. Há que denunciar também a continuidade: 1) das alienações de terras usadas predatoriamente, em grandes plantations, para exportação; 2) da extrema desnacionalização da economia; 3) do favorecimento aos carteis transnacionais, praticantes de preços extorsivos e de transferência; 4) da liberdade de exportação, com baixa ou nula tributação, de inestimáveis recursos minerais, preciosos e estratégicos, inclusive o nióbio, em que o pouco caso com os interesses nacionais recebe o aval da CODEMIG, estadual de Minas Gerais.

9. Entre os crimes mais graves das gerências petistas estão os decretos e medidas para liberar as sementes transgênicas e os agrotóxicos a elas associados. A urgente proibição dessas sementes tem de ser exigida nas mobilizações populares, sem as quais o processo de desintegração do país não terá solução de continuidade.

10. Mais de 800 cientistas de 82 países assinaram carta aberta, na qual pedem a suspensão imediata das licenças ambientais para cultivos transgênicos e produtos derivados, tanto comercialmente como em testes em campo aberto, durante ao menos cinco anos.

11. Eles proclamam: “as patentes dos organismos vivos, dos processos, das sementes, das linhas de células e genes devem ser revogadas e proibidas”.

12. Apontam agrônomos e biólogos: "Se as abelhas desaparecerem da face da Terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência. Sem abelhas não há polinização, nem reprodução da flora; sem flora não há animais, sem animais, não haverá raça humana".

13. Isso não é pouco, e há mais que isso. Os cientistas confirmam que os cultivos transgênicos prejudicam os agricultores, inclusive por envolverem o aumento do uso de herbicidas e o empobrecimento do solo. Ademais, intensificam o monopólio das grandes empresas sobre os alimentos, o que está levando os agricultores familiares à miséria e impedindo a segurança alimentar e a saúde no mundo.

14. Até mesmo nos EUA e no Reino Unido, fontes do próprio Estado reconhecem o perigo dos transgênicos para a biodiversidade e a saúde humana e animal. A transferência horizontal de genes acarreta a difusão de genes que tornam incuráveis as doenças infecciosas e criam vírus e bactérias causadores de doenças e mutações capazes de provocar o câncer.

Liberalismo ou imperialismo?

15. A oligarquia financeira mundial tem investido no Brasil – durante mais de um século, de forma crescente – na (de)formação de opiniões e na deseducação, gerando confusão mental e animosidade entre grupos sociais e indivíduos, associados a doutrinas e ideologias.

16. Os saqueadores e seus adeptos – remunerados ou não – encobrem a verdadeira natureza das políticas que realizam o saqueio imperial, fazendo que até mesmo os críticos delas as qualifiquem de liberais e neoliberais.

17. Esses nomes não costumam causar repulsa geral e até exercem atração sobre as pessoas que os associam a termos da mesma raiz, como “livre”, libertário”, “liberdade”. Palavras bonitas e antigos ideários das revoluções francesa e norte-americana, que passaram a ser evocados por mentores das políticas de escravização através da economia.

18. Do mesmo modo que as oligarquias nos países centrais, os defensores, no Brasil, dos privilégios aos carteis transnacionais e de seus contatos coloniais ou semicoloniais também se dizem e são chamados de (neo)liberais.

19. Então, o que, na realidade, não passa de mera apropriação dos recursos naturais e dos frutos do trabalho de um país fica sendo discutido como se fosse questão doutrinária.

20. O engodo é ainda maior, porque se atribui aos liberais serem contrários à intervenção do Estado, e porque a grande maioria das pessoas ignora que atualmente, na maioria dos países, o Estado é controlado pela oligarquia e que ele intervém em favor desta, nas finanças e na economia.

21. Por causa disso – mas sem que o público perceba que é por isso – o Estado comporta-se como insaciável coletor de impostos e taxas, sem prestar serviços, nem investir bem, nem assegurar direitos sociais básicos.

22. A própria incompetência adrede instalada no Estado serviu para fazer aumentar ainda mais a concentração predadora, através das privatizações.

23. Essas estão sendo desfeitas em alguns países como Rússia e França, enquanto no Brasil o Estado só aumenta de tamanho como repassador de recursos a concentradores estrangeiros e locais.

24. Antes, tivemos excelentes avanços tecnológicos em estatais, mas elas foram sendo minadas para “justificar” as privatizações. Tudo em nome da “livre” iniciativa, na qual carteis e monopólios sufocam a iniciativa, impedem a concorrência e se apropriam das poucas tecnologias não impedidas de surgir.

25. Entretanto, nenhum país se desenvolveu sem a liderança do Estado, o único instrumento para a sociedade organizar-se para evoluir e defender-se, papel que ainda desempenha em alguns países, ainda que nem sempre a contento geral.

26. Sem o Estado a seu serviço, a sociedade transforma-se em massa amorfa, composta por indivíduos sem personalidade e sem liberdade alguma, como ocorre no grande número de países dominados pela oligarquia financeira mundial, inclusive em suas sedes – EUA, Reino Unido.

27. Assim, as instituições formalmente democráticas, mesmo quando não violadas por desestabilizações e golpes de Estado, ficam sob controle daquela oligarquia. Os “governantes” são prepostos ou acuados.

28. De fato, não existe democracia sob regimes que não estabelecem limite à concentração econômico-financeira. A falsa que temos aqui leva à convulsão, com chance de o que vier depois levar à guerra civil, à desintegração e a ainda maior submissão ao império mundial.

29. Portanto, nossa sobrevivência depende de os brasileiros não mais se deixarem pautar pela agenda e pelos conceitos do império. Só começará a ser viabilizada quando a consciência dos fatos deixar de ser obscurecida por ideologias, e quando os brasileiros deixarem de repelir-se entre si por divergências de opinião, inclusive esquerda ou direita.

Adriano Benayon é doutor em Economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento

quinta-feira, 26 de junho de 2014

“Aproveitar o momento eleitoral para mobilizar”

Fonte: Sindicato dos Bancários de Conquista e Região

Mané Gabeira é bancário do Itaú e membro da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro

 

Mané Gabeira Intersindical

A Campanha Salarial está chegando, e o ano eleitoral traz muitas expectativas para a categoria. Conversamos com o diretor do Sindicato dos Bancários de São Paulo, membro da Executiva da Contraf e diretor nacional da Intersindical, Manoel Elídio Rosa, o “Mané Gabeira”.

Como está sendo preparada a Campanha Salarial 2014, já que estamos em ano eleitoral?

Em ano de eleição todo mundo gosta de discutir com os trabalhadores. A gente tem que levantar nossas reivindicações, tanto no setor privado, que é o que tem tido a maior lucratividade ano após ano, quanto nos bancos públicos, onde há uma série de demandas nesses 12 anos do governo Lula e Dilma. As perdas salariais do BB e da CEF infelizmente não foram resolvidas. Tivemos aumento real, mas ainda há uma defasagem salarial. Temos que usar a pressão eleitoral junto ao Governo e ao próprio sistema financeiro, preparar a categoria e dizer aos bancários que mais uma vez precisamos contar com a nossa organização e a nossa mobilização. Temos que aproveitar o momento eleitoral para mobilizar a categoria. 

E em relação aos bancos privados, quais são os focos da Campanha?

Embora o sistema financeiro seja o setor mais lucrativo da economia brasileira, ele sempre faz um discurso levantando que há uma conjuntura difícil, mesmo com uma lucratividade que nos bancos privados supera 20%. Temos hoje a questão das demissões, principalmente no Santander, que é um banco que tem demitido muitos trabalhadores, além do Itaú e do Bradesco. Precisamos levar à discussão o emprego e o salário da categoria, que é rebaixado pelas exigências que se fazem hoje. Vocês em Vitória da Conquista devem acompanhar as condições de trabalho e o adoecimento da nossa categoria, que é muito grande e nós precisamos discutir esses problemas, questionando a organização dos bancos, principalmente esse excesso de metas cobrado dos bancários. Mais de 10% da categoria é adoecida pelo excesso de pressão. Os bancos privados aumentam o seu patrimônio liquido em quatro anos, e isso não acontece em nenhum país do mundo. Se você pegar os bancos europeus ou americanos, eles levam 100 anos para aumentar seu patrimônio. 

Podemos dizer que os bancos públicos estão mudando seu perfil e exigindo do bancário uma atuação típica dos bancos privados?

Os bancos públicos infelizmente estão se adequando às relações de mercado dos bancos privados. Você entra numa agência do BB e da CEF e vê a mesma venda de produto do Bradesco e do Itaú. Aquele papel de financiar o comércio, a indústria, a agricultura, vem sendo deixado de lado. Sabemos que é uma lógica de mercado, mas não podemos nos adequar a essa lógica. Ser banqueiro no Brasil é uma cosia muito simples, você só capitaliza e fica com os lucros. Na hora em que há uma mudança, uma perda, o Governo banca tudo. Então é fácil ser banqueiro. Tem que ser banqueiro é para discutir as condições sociais do país, os projetos que levarão o Brasil ao desenvolvimento e debater as demandas da categoria bancária. 

Convenção Nacional do PSOL aprova candidatura de Luciana Genro à Presidência da República

 

Assista o vídeo da Convenção Nacional do PSOL

O PSOL buscará apresentar ao povo brasileiro um programa de esquerda que enfrente os problemas históricos do país.
Não aceitará nem o continuísmo representado pelo PT e aliados, nem o retrocesso simbolizado por PSDB e aliados. Tampouco aceitará aqueles como o PSB que estão entre os dois projetos.
O partido luta por uma real alternativa de esquerda para o Brasil, dizendo em alto e bom tom que estes projetos a serviço da burguesia não nos representa. Seremos a oposição de esquerda nas ruas e na disputa eleitoral.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Guilherme Boulos: “A nossa cor é a cor vermelha”

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Mídia Ninja

Em entrevista, coordenador nacional do MTST ressalta que luta do movimento sempre foi por moradia e nunca contra a Copa do Mundo, rechaça setor da mídia que “tentou seduzir” o movimento e critica a tática black bloc

 

Por Anna Beatriz Anjos e Igor Carvalho,

Da Revista Fórum

Desde o último dia 3 de maio, quando coordenou a ocupação de um terreno a quatro quilômetros da Arena Corinthians, em Itaquera, zona leste de São Paulo, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) se tornou peça importante dentro do cenário político paulista. Chegou a ser alvo da atenção da presidenta Dilma Rousseff (PT), que os recebeu para uma reunião sobre moradia.

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Guilherme Boulos. Foto: Roberto Navarro/AL SP

Desde então, o movimento impressionou ao colocar cerca de 20 mil pessoas nas ruas em suas manifestações. A luta por moradia passou a ganhar destaque na mídia. Boa parte dessa imprensa tentou de todas as formas classificar o MTST como “anti-Copa”.

“A mídia tentou seduzir o MTST. Ela viu no MTST, pela capacidade de mobilização e organização, uma oportunidade de repetir os aspectos negativos que junho de 2013 teve. E aí fazer isso em ano eleitoral, a poucos meses da eleição, de modo a jogar uma pá de cal na Dilma”, analisa Guilherme Boulos, coordenador nacional do movimento, para quem não há dúvida sobre a tentativa da imprensa em politizar as manifestações do grupo. “Na nossa avaliação, a mídia pretendeu conscientemente utilizar o MTST para essa finalidade e não conseguiu, porque o MTST se colocou de forma muito clara em relação ao seu discurso, que não é o discurso de ‘não vai ter Copa’, expressando que o nosso problema é outro.”

O MTST já atua em sete estados do país, mas integra a Frente de Resistência Urbana, o que amplia essa presença para outros estados. Ao todo, só em São Paulo, 20 mil famílias seguem o movimento, de acordo com Boulos. Confira a entrevista a seguir.

Fórum – A atuação mais contundente do MTST tem sido em São Paulo. Por quê?

Guilherme Boulos – Eu destacaria São Paulo e Brasília. É que São Paulo é uma caixa de ressonância, o que acontece aqui é nacional. Brasília, apesar de ser a capital do país, não é tanto caixa de ressonância. O MTST tem feito ocupações enormes em Brasília, mobilizado muita gente, travado uma luta dura contra o governo do Distrito Federal. Há uma atuação intensa do MTST em Brasília, marcada por repressão dura do governo do Distrito Federal. Ameaças de prisão, prisão, tentativa de homicídio de dirigentes, o negócio é meio terrível por lá. Voltando aqui para São Paulo, aqui é o lugar onde o MTST é mais antigo e mais articulado, onde o movimento teve tempo e condições para construir um trabalho de base, contínuo e intenso, de modo a acumular mais força social. Além do que, São Paulo, por ser a grande metrópole do país, concentra as contradições, o que tem de mais rico e de mais pobre no país também. São Paulo tem alguns bolsões de miséria na sua região metropolitana, enormes “cidades-favela” que criam as condições para uma atuação mais intensa do MTST.

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Foto: Divulgação MTST

Fórum – Em entrevistas recentes, você disse que a capacidade combativa e questionadora do capitalismo dos movimentos sociais está muito aquém do que poderia ser. De que forma o MTST age diferente nesse aspecto? Você poderia falar um pouco sobre a tática de acúmulo de forças?

Boulos – O MTST não é um movimento de moradia, nós não nos definimos como um movimento de moradia. Somos um movimento territorial, que atua nas periferias urbanas, com muita referência do que foi o movimento dos piqueteiros, na Argentina; os movimentos comunitários, na Bolívia; vários movimentos que surgiram nos últimos 20 anos na América Latina e que são resultados do fato da segregação territorial mais profunda nos grandes centros urbanos. Podemos fazer uma analogia: do mesmo jeito que o capitalismo concentrou, no século XIX, os trabalhadores na grande indústria e criou condições para o surgimento do movimento operário, no século XX, o capitalismo concentrou os trabalhadores nas periferias urbanas e criou condições para um movimento territorial de novo tipo, que é o que tem surgido nos últimos anos. Por isso – e é nesse sentido que não nos colocamos como movimento de moradia, o MTST toma a pauta  da moradia como seu foco, seu centro, mas é um movimento que tem uma proposta mais ampla de conquista de direitos sociais, de reforma urbana e de construção de poder popular. Isso nós expressamos na nossa prática. Não que outros não expressem; não achamos que somos a única coisa que presta nos movimentos sociais brasileiros, ao contrário. Há muitas experiências interessantes ocorrendo de movimento urbano no Brasil. O MTST talvez seja aquela que conseguiu se consolidar de forma mais unitária e com maior visibilidade. A nossa crítica – e aí entra a tática de acúmulo de forças do movimento – vai no seguinte sentido: nós temos a clareza de que os grandes problemas que a maior parte da população trabalhadora vive não serão resolvidos nas atuais relações sociais, econômicas e de poder político. É preciso ter uma mudança estrutural na sociedade para construir uma vida digna. Nesse sentido, a nossa luta não é pautada por um avanço determinado. Ontem [9 de julho], nós conseguimos uma grande conquista – muito bem, o pessoal da Copa do Povo vai ter moradia, fortaleceu o “Minha Casa, Minha Vida Entidades”, conseguimos avanços até para a própria política habitacional no país. Mas isso não basta, é um passo importante, mas isso é mais um passo no acúmulo de forças. Nós temos que chegar ao momento – e é nisso que o movimento acredita, e para isso que trabalha – em que a força do poder popular vai poder lidar de igual para igual com a força do capital. Aí nós vamos tratar conquistas em um outro nível. Só que não adianta ter posições radicais sem ter condições para ter ações radicais, isso é gigante com pé de barro. Não adianta ter ideias muito revolucionárias, muito socialistas, se você não cria as condições na base, do ponto de vista de força social, para que isso se efetive.

Fórum – E sem receio de admitir o socialismo?

Boulos – Não temos receio nenhum. O MTST é um movimento que, na sua estratégia, entende que o capitalismo não vai resolver o problema dos trabalhadores, e que é preciso uma nova forma de sociedade, que nós não temos vergonha alguma de chamar de socialista.

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Terreno Nova Palestina. Foto: Marcelo Camargo/ABr

Fórum – Qual a relação entre as pessoas que chegam ao movimento e a especulação imobiliária?

Boulos – Nos últimos três, quatro anos, esse efeito se fez sentir de forma mais forte. Se formos pegar do ponto de vista dos dados, é anterior, mas até o dado se fazer sentir na ponta, há um tempo. A partir de 2007, 2008, ocorre um processo de recrudescimento da especulação imobiliária no país. Não que isso não acontecesse antes, mas há um recrudescimento. Isso tem a ver com os efeitos do crescimento econômico lulista; o segundo mandato do Lula, a partir de 2006, 2007, é o período de maior crescimento econômico em relação ao primeiro mandato. O crescimento econômico brasileiro nos últimos anos foi centrado essencialmente na construção civil. O nível de subsídio, de dinheiro – seja subsídio ao crédito através BNDES -, que o governo federal deu para a construção civil depois de 2009, ainda mais em uma política anticíclica para reverter os efeitos da bolha dos Estados Unidos em 2008, foi uma coisa incrível. Esse setor cresceu muito. Se pegarmos os níveis de crescimento do patrimônio da Odebrecht nos últimos dez anos, é algo enorme. Camargo Correia, as grandes empreiteiras cresceram isso, injetando recurso público, principalmente por meio do BNDES. Qual é o resultado disso para chegarmos ao ponto da especulação? Essas construtoras, também para somar, tomaram a opção, entre 2006 e 2007, de abertura de capital na bolsa de valores. Abriu o capital, vendeu ação; vendeu ação, fez caixa. O que elas fizeram com esse dinheiro? Compraram terra nos grandes centros urbanos brasileiros. Se você tem a terra, tem o controle da política urbana. Tinha demanda, porque tinha crédito mais amplo pros trabalhadores, tinha mais gente demandando produto habitacional – habitação como mercadoria. A partir dessa lógica do endividamento, as construtoras foram produzindo para a chamada classe C em regiões que antes eram periféricas – Campo Limpo, Itaquera, Pirituba. Ou seja, regiões que não eram centrais, que não eram alvo do capital imobiliário, passaram a ser. Alguns podem pensar: “poxa, que bom, vai valorizar a periferia”. Porém, se esquecem de que boa parte dos trabalhadores que vive na periferia mora de aluguel. Eu moro em Campo Limpo. Lá, um aluguel, em 2006, de uma casa de dois cômodos era 300 reais. Hoje, um aluguel de dois cômodos no Campo Limpo, 8 anos depois, não sai por menos do que 700 reais. O cara que morava de aluguel no Campo Limpo já era, porque o salário dele não aumentou nessa proporção. Ele foi pra Taboão da Serra, Itapecerica, Embu. A periferia da periferia: é isso que se criou.


“Para nós, a Copa do Povo é um exemplo do que queremos continuar construindo. Se um imbecil de um Reinaldo Azevedo ler esta entrevista, ele vai escrever um artigo dizendo: ‘É, não falei, eles vão invadir mais’. É isso. É exatamente isso. Estamos em lados opostos e é isso que vamos fazer.”

Fórum – Estamos novamente em ano de eleições. Hoje, a atual situação política do Brasil se deve muito a essas empreiteiras. A Constituinte pela reforma política será uma bandeira do MTST? Se sim, em que momento?

Boulos – O MTST entende que uma reforma política é um ponto básico. O debate da Constituinte, principalmente em relação ao financiamento público de campanha, é um ponto elementar, basilar, não digo para resolver os problemas, mas para, de algum modo, apresentar uma inibição da apropriação do Estado pelo capital privado, para a privatização do poder do Estado  – que é o que acontece hoje por meio do financiamento privado das campanhas eleitorais. Para o MTST, isso é uma bandeira. Não houve uma articulação adequada do MTST com os movimentos que estão puxando isso por uma série de razões circunstanciais, mas o MTST pretender levar essa bandeira adiante, antes do dia 1º de setembro. Nossa ideia é: havendo um entendimento com as entidades que estão construindo isso, queremos encampar o plebiscito e levar isso adiante. Essa é uma bandeira essencial para nós.

Fórum – Como você pensa que o Estado deveria regular o preço dos alugueis?

Boulos – Queremos uma nova lei do inquilinato no país. Mesmo com a diminuição do crescimento econômico, os alugueis continuam aumentando muito. A “Ocupação Copa do Povo”, em Itaquera, é emblemática, porque lá a especulação tem muito a ver com a Copa e com o estádio. Todo mundo fala a mesma coisa. Parece que foi combinado, parece que o MTST orientou em assembleia: “olha, falem isso”, mas não foi. Foi o que aconteceu, um processo real. As pessoas vão dizer: “não consigo mais pagar aluguel, eu pagava 300, estou pagando 600”. Essa é a situação geral. O que nós entendemos como uma forma de se contrapor a isso – é claro que essa medida não resolve todos os problemas nem vai acabar com a especulação imobiliária no país -, é que se uma nova lei do inquilinato é aprovada, nessa lei você estabelece um teto para reajuste de aluguel. E diz o seguinte: nenhum contrato de aluguel pode ser reajustado acima do índice anual de inflação. Isso, por mais que possa parecer uma coisa estranha e até subversiva, comunista, não é nada disso; é só regulação de mercado. Isso ocorre em outros países, se não me engano, no Uruguai há uma lei dessa natureza, aqui mesmo na América Latina. Isso ocorreu no Brasil em 1917; uma das bandeiras das greves de 17 era o controle do valor dos alugueis no Rio de Janeiro e em São Paulo e foi vitoriosa. Esse controle ocorreu durante toda a década de 20. Na década de 30, Getúlio Vargas fez três decretos de inquilinato. Governo Dutra, Juscelino, todos eles mantiveram leis de inquilinato. Quem acabou com isso foram os militares, e aí se manteve. É uma questão de regular mercado. Hoje o mercado imobiliário, que incide na vida de milhões de pessoas por meio do preço do aluguel, faz o que quer, não tem nenhum controle público, é a lei da oferta e procura. Isso é inconcebível. Por isso, a proposta de uma lei nova lei de inquilinato.

Fórum – Qual foi a contribuição das manifestações de junho e da Copa do Mundo para esse quadro que, depois do anúncio de que serão construídas 2 mil habitações na ocupação Copa do Povo e o programa Minha Casa Minha Vida será modificado, se tornou vitorioso na trajetória do MTST?

Boulos – Junho de 2013 para nós foi um grande marco, aliás para a luta social no Brasil. Talvez muito mais pelo que significou do que pelo que foi. É claro que foi algo muito importante; em nenhum momento podem ser tirados os méritos do Movimento Passe Livre por ter protagonizado, criado uma luta, mobilizado milhares de pessoas e ter sido vitorioso na sua pauta de reivindicações. No entanto, junho, nós sabemos, depois tomou uma direção – e à revelia do MPL, não por opção – muito preocupante, que foi apropriada por setores conservadores, por uma classe média que está descontente porque aeroporto virou rodoviária, pelo pessoal que defende redução da maioridade penal. Em uma das manifestações, eu vi um rapaz com um cartaz que dizia “redução da maioridade penal já”, “militares no poder”. A maior parte dos trabalhadores mais pobres do país não foi às ruas em junho, particularmente em São Paulo. No entanto, junho deixou um significado muito importante para os trabalhadores de periferia. Depois de 20 anos de estancamento e criminalização das lutas sociais, de um ideário de que quem vai para a rua lutar é vagabundo e não tem o que fazer, houve a ideia de que o povo, quando vai para a rua, é vitorioso. E essa ideia incidiu, gerou impacto na consciência popular, de modo que, se pegarmos a luta pela moradia, que foi talvez a que mais recebeu destaque depois de junho, no segundo semestre de 2013, em São Paulo, ocorreram mais de cem ocupações de terra, a maioria delas, espontânea.

Fórum – Nos atos do MTST, normalmente não há a presença dos black blocs. Por quê? Os praticantes dessa tática já procuraram vocês, houve alguma discordância?

Boulos – Primeiro, em relação aos black blocs: com todo o respeito que quem está na luta merece, somos críticos dessa tática. Achamos que ela não contribui para o acúmulo de forças e para o avanço das lutas populares. Quebrar um banco pode parecer muito radical, mas é muito fácil. Quebrar uma vitrine de banco, podemos sair daqui e quebrar. Isso não vai fazer do Santander ou do Bradesco mais pobres. Isso pode resolver meu problema psicológico, mas não radicalizar as lutas sociais. Vai isolar as lutas populares no país. Não concordamos com essa tática e não a aceitamos nas nossas manifestações. Não aceitamos que uma minoria queira impor ao MTST, um movimento organizado, nas manifestações puxadas pelo MTST, formas de luta que tiram da sua cartola sem discutir em nenhum espaço. Prezamos por definição coletiva. Nesse sentido, deixamos isso claro para os black blocs e acho que eles compreenderam e respeitaram, não é que não apareceram nas nossas mobilizações.

Fórum – Você sente que parte da mídia tenta colocar no MTST um adesivo de anti-Copa do Mundo?

Boulos -  Claro. A mídia tentou seduzir o MTST. Ela viu no MTST, pela capacidade de mobilização e organização, uma oportunidade de repetir os aspectos negativos que junho de 2013 teve. E aí fazer isso em ano eleitoral, a poucos meses da eleição, de modo a jogar uma pá de cal na Dilma. Na nossa avaliação, a mídia pretendeu conscientemente utilizar o MTST para essa finalidade. E não conseguiu, porque o MTST se colocou de forma muito clara em relação ao seu discurso, que não é o discurso de “não vai ter Copa”, expressando que o nosso problema é outro. Esses efeitos perversos urbanos decorrentes da Copa não são nem sequer essencialmente por conta dos gastos públicos. Não que nós sejamos a favor dos 30 bilhões gastos na Copa, ao contrário, somos contra; mas, cá entre nós, se a mídia tivesse dedicado um décimo do tempo que dedicou a esses 30 bilhões para falar dos 718 bilhões gastos só ano passado com o pagamento da dívida pública, que é a verdadeira torneira do recurso público, as coisas seriam outras. Trinta bilhões equivalem a quinze dias do pagamento da dívida pública no Brasil. O cerne dos problemas da Copa são essas contradições urbanas, a cronificação e avanço da especulação imobiliária, e por isso construímos uma pauta nesse campo. Fomos muito claros em caracterizar a posição do MTST como uma posição de classe, a nossa cor é a cor vermelha, o nosso discurso é um discurso político, que tem lado. E isso, de algum modo, afastou a mídia, tanto que, já nas últimas semanas, a visibilidade que o MTST tem ganho é menor. A visibilidade que tivemos quarta-feira passada [dia 4 de junho] ao botar 20 mil no Itaquerão não foi nem um terço da visibilidade que tivemos duas semanas antes ao botar 20 mil na Ponte Estaiada. Porque eles já haviam percebido que ali não valia a pena apostar. O MTST não vai cumprir esse papel que queriam que cumprisse, e começaram a tirar o pé do acelerador. Para nós foi bom. Deixamos claro que não vamos trocar posição política por 15 minutos de fama. O MTST tem um lado político claro e contrário às corporações da mídia privada, a quem os financia, e ao Estado capitalista.

Fórum – O Judiciário parece que joga contra os movimentos, embora o direito à moradia esteja garantido pela Constituição. Como lidar com essa situação?

Boulos – É emblemático que os poderes mais conservadores do país hoje – tão conservadores que consideram de esquerda o governo do PT – são o judiciário e a mídia. São os únicos, dos quatro, que não são eleitos. O Judiciário é meio que uma capitania hereditária da grande burguesia, da oligarquia. Um poder que vai passando de família em família, das elites urbanas tomando conta, se tornando juízes, tomando o Ministério Público e levando para dentro dessas instituições toda a sua visão de classe, preconceituosa e atrasada. O Judiciário é isso, não tem nenhum controle público no Brasil. É muito engraçado que quando se fala em controle público do Judiciário é amordaçar, em relação à mídia, é censura. Agora, o Executivo e o Legislativo têm controle público a cada quatro anos. E deveria ser muito maior, deveria ser um controle público permanente, por meio de mecanismos de exercício do poder popular, conselhos e tudo mais. Mas, ainda que precário e dominado pelas grandes corporações como é o sistema eleitoral hoje, há algum grau de controle. O Judiciário e a mídia não têm nenhum, por isso são os poderes mais conservadores e atrasados do país. O advogado pode ganhar uma causa, mas a estrutura está toda carcomida.


Sobre os black blocs: “Quebrar um banco pode parecer muito radical, mas é muito fácil. Quebrar uma vitrine de banco, podemos sair daqui e quebrar. Isso não vai fazer do Santander ou do Bradesco mais pobres. Isso pode resolver meu problema psicológico, mas não radicalizar as lutas sociais.”

Fórum -  Em relação à Copa do Povo, há quanto tempo o MTST monitorava aquele terreno e em que momento a decisão de ocupá-lo foi tomada?

Boulos – Há muito tempo o MTST tinha a intenção de atuar mais firmemente na zona leste, estávamos mapeando o terreno, porque o movimento já havia sido demandado em Itaquera, por conta do avanço brutal da especulação imobiliária. Mapeamos alguns terrenos, fizemos o levantamento de todos e vimos que aquele era interessante para pensar construção de moradia popular, por uma série de razões específicas. O movimento começou a fazer reuniões naquela região, levou reforço de ocupações de outros lugares, o que foi escandaloso para alguns – “Denúncia: pessoas da Nova Palestina foram ocupar”. Foram sim. Foram fortalecer a construção do movimento, e isso foi muito importante. Essas pessoas não foram obrigadas a nada, foram conscientemente. Não temos nenhum problema em dizer que pessoas de outra ocupação foram se solidarizar e fortalecer uma outra ocupação até que ela se consolidasse. A Copa do Povo nasceu desse processo. É claro que a decisão de ocupar teve uma relação com o processo da Copa do Mundo, é natural. Isso é inegável. Ocupar um terreno em Itaquera a um mês e pouco da Copa não foi por acaso. Seria subestimar a inteligência das pessoas se a gente negasse isso. Mas não foi também simplesmente uma ação abstrata anti-Copa, foi resultado de um processo que a Copa ajudou a produzir, que foi a especulação brutal em Itaquera.

Fórum – Qual é o papel do programa Minha Casa, Minha Vida no acesso à moradia? Você diz que ele enxuga gelo. Por quê?

Boulos – Primeiro, tem a discussão da ausência da política urbana. Essa especulação imobiliária brutal produz novos sem-teto. Começo argumentando com um dado: o Minha Casa, Minha Vida produziu dois milhões de moradias nos últimos cinco anos, desde que o programa existe. O déficit habitacional brasileiro nesse período aumentou. Como se justifica? Porque, por outro lado, subterraneamente, há essa política da especulação imobiliária criando novos sem-teto. Afinal, um dos critérios para definição do déficit habitacional de sem-teto no país é o comprometimento de mais de 30% da renda familiar com aluguel. Esse quesito aumentou brutalmente nos últimos anos, aumentando o déficit, mesmo com a construção de novas moradias. Por isso nós dizemos que enxuga gelo, é uma política habitacional que está girando em falso. Agora, a questão é: ela está girando em falso conscientemente. Não está resolvendo o déficit porque seu objetivo nunca foi esse. O Minha Casa, Minha Vida foi criado em 2009, seis meses depois do estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos, não para resolver o déficit habitacional, mas para dar liquidez às grandes empresas do setor da construção, que estavam à beira da falência, por conta de seus investimentos absurdos e irresponsáveis no mercado financeiro. Essa mesma turma, que financia campanha eleitoral no Brasil desde sempre, bateu na porta do Planalto e disse: “Presidente Lula, nós financiamos sua campanha, agora precisamos de ajuda.” E, em abril de 2009, o Lula lança um pacote de 39 bilhões de reais de subsídio, sendo que, desse total, 38 bilhões foram para as empreiteiras, 500 milhões para habitação rural e 500 milhões para entidades. Foi uma política de emergência, anticíclica, para injetar dinheiro público no setor da construção civil, no setor imobiliário. O programa foi concebido para isso e funciona dentro dessa lógica. Ele acaba, na verdade, sendo parte da lógica de fortalecimento do setor imobiliário, de especulação, de uma anti-política urbana no país. Por isso que temos essa posição em relação ao Minha Casa, Minha Vida. Mas não queremos ser injustos com o programa. É sempre importante dizer isso porque senão a nossa crítica pode ser apropriada por uma visão ainda mais atrasada. Essa turma da direita gosta quando a gente critica o Minha Casa, Minha Vida, mas porque eles são contra o programa por aquilo que ele tem de bom. Primeiro, é o fato de que, em 30 anos, desde o fim do BNH [Banco Nacional de Habitação] na década de 80, não havia sido criada nenhuma política habitacional no país. Nenhuma, só as Cohabs, que são políticas fragmentadas, não federais. Segundo: o Minha Casa, Minha Vida incorporou uma reivindicação histórica das lutas sociais por moradia no país, que é subsídio. Não se resolve o problema habitacional dentro da lógica de mercado de financiamento, porque moradia é uma mercadoria cara. 70% das famílias que compõe o déficit habitacional no país ganham menos que três salários mínimos de renda mensal. Quem está nessa situação, não tem como comprovar condição de pagamento de um crédito imobiliário, então não entra. Todos os programas habitacionais, inclusive o BNH, sempre foram pensados por uma lógica de financiamento. O BNH era um banco. O Minha Casa, Minha Vida não fugiu inteiramente disso, tanto que quem o opera é um banco – a Caixa Econômica Federal. Mas, para a faixa 1, que é a de 0 a 3 salários, o programa deu uma quantidade considerável, que pode chegar até 90%, de subsídio. Isso permitiu que ele atendesse uma parcela da faixa que mais precisa. Essa, na nossa avaliação, é uma virtude do Minha Casa, Minha Vida. Mas, no geral, é um programa vicioso.

Fórum – Você acredita que o precedente aberto para a Copa do Povo possa ser expandido para outras ocupações, não só em São Paulo, mas em todo o Brasil?

Boulos – A vitória de ontem [9 de junho, dia do anúncio de entendimento com o governo federal], para nós, foi muito simbólica e emblemática. Depois de meses de intensa mobilização do MTST, com uma pauta nacional definida, o grosso dessa pauta foi atendido. Conseguimos algumas mudanças no Minha Casa, Minha Vida para fortalecer aquela gota no oceano que é o Minha Casa, Minha Vida Entidades, a gestão direta pelos trabalhadores, que produz habitações com muito mais qualidade e maiores, porque você tira a empreiteira. Um exemplo disso é o que estamos fazendo em Taboão da Serra, na região metropolitana: com o mesmo dinheiro que os caras estão construindo apartamentos de 39m², estamos fazendo 63m², com três dormitórios. Conseguimos também medidas para fortalecer o Minha Casa, Minha Vida, corrigir algumas de suas distorções, e, o que para nós é muito importante, a criação de uma Comissão Federal de Prevenção de Despejos Forçados. Será integrada pelos ministérios das Cidades e Justiça, Secretaria-Geral da Presidência da República e Secretaria de Direitos Humanos e vai monitorar e procurar intervir em casos de despejo conflituoso, violento – buscar inibir novos Pinheirinhos, digamos assim. Há também a vitória da Copa do Povo. A Copa do Povo, em particular, é uma sinalização, e nós queremos tratar assim. O governo morre de tratar assim, deve pensar: “Se a gente ceder para a Copa do Povo, todo mundo vai querer ocupar.” Que bom. É isso que nós pensamos. É importante que haja vitórias para que as pessoas percebam que a organização e a luta popular trazem resultados. É uma forma de nos contrapormos a essa institucionalidade conservadora que temos no Brasil hoje. Para nós, a Copa do Povo é um exemplo do que queremos continuar construindo. Se um imbecil de um Reinaldo Azevedo ler esta entrevista, ele vai escrever um artigo dizendo: “É, não falei, eles vão invadir mais”. É isso. É exatamente isso. Estamos em lados opostos e é isso que vamos fazer. A Copa do Povo é um emblema para continuar e avançar.

Fórum – Você pensa, para o futuro, em uma carreira política atrelada a um projeto eleitoral?

Boulos – Eu já tenho uma carreira política.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Uma Copa que não respeita os direitos civis básicos

Escrito por Pablo Ortellado

Postado: Correio da Cidadania

250xNx180614_direitoscivis_jpg_pagespeed_ic_rdLhqu8jUhA cada dia que passa, recebemos notícias mais graves da suspensão dos direitos civis no Brasil. Desde a semana da abertura da Copa, quase todas as manifestações públicas programadas foram dissolvidas preventivamente, ou seja, foram impedidas por força policial de se concentrarem, numa flagrante violação da Constituição.

Centenas de ativistas em todo o território nacional estão sendo regularmente visitados de maneira intimidatória pela polícia, que também os está intimando a depor coercitivamente durante datas de manifestação com o intuito de privá-los de um direito que deveria ser sagrado em qualquer democracia. Até a Polícia Federal está fazendo uso da infame Lei de Segurança Nacional, um dos mais abjetos resquícios da ditadura militar. Tudo isso para que um torneio de futebol ocorra "sem transtornos".

Todos os níveis de governo, os meios de comunicação de massa, o judiciário e a esquerda aliada ao governo federal estão se calando contra as gravíssimas violações aos direitos civis. Oficialmente, 50 mil famílias foram removidas de suas residências para que a Copa acontecesse por aqui – estamos falando de 200 mil pessoas, um em cada mil brasileiros. Boa parte foi mandada para longe – alguns não foram indenizados e a maioria contesta o valor da indenização. Por outro lado, a FIFA e seus parceiros comerciais receberam mais de um bilhão de reais de isenção tributária, valor que permitiria aumentar em 20 mil reais a indenização para cada uma das famílias "oficialmente" removidas.

O movimento que protesta contra a Copa fez uma porção de erros estratégicos e não conseguiu organizar a insatisfação. Mas nada, absolutamente nada, justifica o que está acontecendo e a conivência das nossas instituições.

Um pequeno grupo de vozes dissidentes que inclui ativistas, movimentos sociais e organizações de direitos humanos segue isolado e falando para as paredes, enquanto a direita, a maior parte da esquerda e quase todas as instituições democráticas fingem que nada acontece. A única coisa que oferece consolo é que a imprensa internacional, ao contrário da brasileira, está minimamente fazendo seu papel e tem produzido boas análises críticas da FIFA (afinal, verdade seja dita, a submissão do Brasil à FIFA nada tem de excepcional).

Se sairmos desse episódio com um crescimento da consciência crítica do papel desse monstro privado transnacional, talvez os sacrifícios não tenham sido em vão. Mas talvez nossa oposição não tenha tido força ou organização suficiente para tanto.

Hoje, queria mesmo era estar me divertindo com o meu filho, como meus pais fizeram comigo em 1982. Mas não estou conseguindo separar o futebol de tudo isso que está acontecendo. É uma pena.

‘Teremos duas Copas do Mundo: uma com as imagens bonitas da FIFA e outra tensa, das ruas’

Escrito por Coletivo C.O.P.A., edição do Correio da Cidadania

250xNx100614_jucakfouri_jpg_pagespeed_ic_MahvH4xdEKÀs vésperas da Copa do Mundo, uma iniciativa de diversos atores da chamada ‘mídia alternativa’ promoveu uma entrevista coletiva com o consagrado jornalista Juca Kfouri, talvez a maior referência de profissional crítico na mídia esportiva brasileira. Inimigo de longa data da cartolagem nacional, com dezenas de processos sofridos na justiça, Kfouri foi uma das poucas vozes que se levantou contra a Copa em solo brasileiro desde o momento em que FIFA concedeu tal direito ao país.

“A FIFA não é a culpada de todos os males da Copa. Os primeiros culpados somos nós, que aceitamos fazê-la nas condições que a FIFA exige. Se me perguntar qual legado a Copa vai deixar, e não o vejo como nada desprezível, é o de uma nova consciência que o brasileiro passa a ter. Nunca vi nada parecido, antes de um evento esportivo, com as jornadas de junho. A ideia pela qual vou trabalhar daqui por diante é a de que, para que se aceitem novos empreendimentos de tal porte, seja megaevento ou uma obra como Belo Monte, tenha de ser feito um referendo popular”, disse Kfouri.

A longa entrevista abordou tanto os temas políticos gerais, como aqueles do mundo esportivo, que no fim das contas estão mais interligados do que nunca em nosso atual momento. Juca lembra que o governo brasileiro sempre teve total conhecimento do que se tratava a “máfia que tomou conta do futebol”, que, em suas palavras, sempre existiu, mas em determinado momento percebeu o negócio bilionário em que o esporte mais popular do mundo poderia se tornar e deu o impulso para a sua mercantilização (“hoje em níveis inadministráveis”).

Ainda nesse sentido, a entrevista tratou da elitização do futebol, assunto cada vez mais em voga no Brasil das novas arenas, “uma filha bastarda da globalização”. “Outra mentira, e pode ser averiguada com qualquer urbanista, mesmo de direita, é que estádio novo traz progresso social para seu entorno”, afirmou, citando como exemplo a África do Sul e também o Estádio Olímpico João Havelange, o Engenhão.

Para ele, o futebol brasileiro, mesmo em momento de grande poderio econômico, encontra-se em estágio pré-capitalista. “Sabendo de todos os riscos, eu diria que ainda precisamos de um choque de capitalismo. Não podemos fazer como na Inglaterra, onde qualquer milionário pode comprar um time. Temos de fazer como na Alemanha, onde no mínimo 51% das ações ficam com os torcedores. Estamos longe, porque, no Brasil, temos ladrões de galinha. Veja que grave o que digo: é gente que não tem cabeça sequer pra roubar no longo prazo. E o ‘país do futebol’ tem uma média de público inferior à do campeonato dos EUA”, atacou.

Ainda assim, Juca Kfouri deixa claro que torcerá pelo Brasil na Copa, por não confundir futebol e política dentro daquilo que se tem como paixão, ilustrando seu raciocínio com a vida do país à época da ditadura e a Copa de 70, além de afirmar que resultados esportivos não têm a influência política que muitos imaginam, para bem ou mal.

A entrevista coletiva é parte do projeto Copa 412, idealizado pela Revista Vaidapé, que reúne diversos veículos e coletivos midialivristas em torno de uma produção jornalística alternativa durante a Copa do Mundo. Na ocasião (dia 5/6), além da Vaidapé e o Correio, participaram o Jornal A Nova Democracia, BBC Arabic, Revista Ocas, Coletivo Sacode, Rádio Várzea, Guerrilha GRR e o jornalista Carlos Carlos. A íntegra pode ser lida a seguir.

Você já cobriu muitas Copas do Mundo, em diferentes países e continentes. Diante do que tivemos no Brasil, de 2013 pra cá, o que você vê de semelhanças e diferenças com as outras Copas?

Juca Kfouri: O que aconteceu no ano passado, na Copa das Confederações, eu nunca tinha visto em um megaevento esportivo. Na África do Sul, em 2010, houve fortes manifestações, mas sem a quantidade de pessoas daqui. Na Alemanha também. Pra dar um exemplo, o Partido Verde não se conformou que a cerveja do estádio fosse a da FIFA, a Budweiser, um xixi de caveira na terra da cerveja. Conseguiram impor um quiosque para cervejas locais. Mas em regra foram manifestações sempre limitadas.

O caráter das manifestações de junho eu nunca vi, até pelos riscos e a tensão que trouxeram. Em Fortaleza, eu estava num hotel de onde saía ônibus oficial da FIFA pra levar a imprensa. Avoado, deixei de ir de táxi e fui no ônibus, com outros quatro jornalistas estrangeiros. As pessoas começaram a chacoalhar o ônibus e eu quis descer pra conversar com elas. A estafeta da FIFA que estava no ônibus, cearense, dizia pra mim, quando pedi pra descer e avisar as pessoas de que não tinha nenhum funcionário da FIFA: “se você descer, vão lhe cobrir de porrada”. E não desci, acho que ela tinha razão.

Mas me motivei a escrever, no dia seguinte, uma coluna em homenagem aos companheiros de profissão que cobriram guerra. Ainda brinquei: fui cobrir futebol por cagaço de cobrir guerra. Lembrei de Jose Hamilton Ribeiro e mais um bando de gente que cobriu guerra. A situação era: um holandês, um italiano, um alemão e um norte-americano. O olhar deles era de terror, nunca tinham visto nada parecido. A hostilidade tinha se virado contra a FIFA.

É óbvio que a FIFA não é a culpada de todos os males da Copa. Os primeiros culpados somos nós, que aceitamos fazê-la nas condições que a FIFA exige. O combinado não é caro, nem barato, o Brasil se ofereceu. E quem se candidata já sabe de antemão o que consta no caderno de encargos. Se aceita, tem que fazer como aceitou. Meu exemplo é: você avisa que se casa no mês que vem. Eu, pai da noiva, faço questão de dar a festa. E você fala que “não é simples, minha festa de casamento tem muitas exigências, quero louça inglesa, talher de prata, champanhe francês...”. Eu falo que não tem problema. Aí, dois dias antes da festa, falo: “é o seguinte, vai ser talher e copo de plástico, cidra no lugar de champanhe...”. Você vai falar: “pô, sacanagem”. É a única razão que a FIFA pode ter, mesmo sendo a transnacional corrupta que é. Nós aceitamos as condições.

A porradaria que teve em São Paulo para segurar as primeiras manifestações incendiou o Brasil. E surgiu a brilhante ideia na população do “padrão FIFA”. Todos viram: se somos capazes de fazer estádios magníficos, por que não somos capazes de fazer hospitais, escolas etc. de tal nível? Foi uma manifestação do ‘quero mais’, de gente que emergiu e começou a ter contato com certo tipo de serviço que não tinha, e foi se dando conta de que era ruim. Agora o filho tem escola, mas quer escola melhor.

Falam que o protesto devia ter sido feito sete anos atrás, quando o Brasil foi eleito sede. Não é bem assim, pois:

1) as pessoas não sabiam como seria, anos atrás, e foram se dando conta depois; 2) a promessa do governo e da CBF é que seria a Copa do capital privado, não entraria dinheiro público. E vemos na Copa, quase exclusivamente, o dinheiro público.

Se me perguntar qual legado a Copa vai deixar, e não o vejo como nada desprezível (pelo contrário, é muito bom), é o de uma nova consciência que o brasileiro passa a ter. Consciência de que megaevento é bom pra quem organiza, empreiteiras e agências de propaganda. Não é necessariamente bom pra cidade que organiza. A prova disso é que vemos cidades como Zurique, Estocolmo, Davos, Nova Iorque, por meio de consultas populares, não aceitarem fazer as Olimpíadas de Inverno de 2022. A ideia pela qual vou trabalhar daqui por diante é a de que, para que se aceitem novos empreendimentos de tal porte, seja megaevento ou uma obra como Belo Monte, tenha de ser feito um referendo popular. A cidade resolve se quer ou não.

De toda forma, nunca vi nada parecido, antes de um evento esportivo, com as jornadas de junho. Não sei se vão se repetir durante a Copa. Cheguei a apostar que sim. Teremos duas Copas do Mundo. Uma dentro dos estádios, bonita, festiva, com as imagens que a FIFA distribuirá pelo mundo, e outra Copa do Mundo tensa, nas ruas. Começo a achar que talvez não tenha algo tão forte como na Copa das Confederações, mas de toda forma penso que o brasileiro vai para a rua. Foi muito curioso ver a reação da imprensa estrangeira. Conversei com alguns jornalistas alemães, que me disseram: “estamos morrendo de inveja. Vocês estão fazendo o que devíamos ter feito em 2006”.

Apesar de toda essa dinâmica crescente dos protestos, e de um maior esclarecimento sobre a realidade de um megaevento na população, você é um jornalista que sempre acompanhou de perto os bastidores da política esportiva brasileira e seus personagens, sendo considerado dos mais combativos. Na sua visão, já não eram previsíveis, diante de quem se encarregou da organização, toda essa série de desvios e desmandos?

Juca Kfouri: É só pegar minhas colunas, desde 2007. É muito chata essa coisa de chegar e falar: “ó, eu avisei”. Minha posição era muito clara e hoje é rigorosamente a mesma. As pessoas me perguntavam se eu achava o Brasil capaz de organizar uma Copa do Mundo. Eu dizia que sim, podia. Faz todo sentido que um país cinco vezes campeão do mundo, que gosta tanto de futebol, sedie outra Copa. Desde que fizesse a Copa do Mundo do Brasil no Brasil. A Copa da Alemanha, da Ásia, não podemos fazer. No entanto, era contra que se fizesse Copa no Brasil por uma razão: com essa gente escolhida pra organizá-la, pensava “vai dar merda”. Quando se via o Ricardo Teixeira como presidente do Comitê Organizador Local (COL), estava na cara o que seria. Quando ele escolhe sua filha (Joana Havelange) para ser uma das principais dirigentes, e todas as escolhas do COL são por compadrio, tinha que dar no que deu.

É uma ironia: na Copa da Alemanha, o presidente do comitê organizador era o maior jogador da história do país, Franz Beckenbauer, que não era presidente da federação local. Em 1998, na França, o presidente do comitê era o maior craque francês, Michel Platini, tampouco presidente da federação francesa. Aqui no Brasil, o presidente era o Ricardo Teixeira e, quando ele saiu, veio o Jose Maria Marin. Eu brinco: deve ser porque o Brasil não tem nenhum grande nome no futebol internacional que pudesse emprestar sua imagem... Pensei no Romarinho (atual jogador do Corinthians), mas parece que não gostaram da ideia...

Eu não tinha dúvida alguma, nada do que está acontecendo me surpreende: as coisas não ficarem prontas, o desperdício, o superfaturamento. Essa sempre foi a toada dessa gente que está no comando. O que não perdoo no governo brasileiro é permitir que as coisas chegassem a esse ponto, ainda mais com o Lula, que conhecia muito bem o Ricardo Teixeira. Não podia ter deixado. Podem dizer que o COL é uma empresa privada, um braço da FIFA. Mas lida, mesmo indiretamente, com o nosso dinheiro e encaminha projetos e verbas com o nosso dinheiro. Esse dinheiro não podia ficar na mão deles.

Nas Olimpíadas, sem tirar nem por, temos a mesma situação. O presidente do comitê organizador é o mesmo do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman, que fez aquela lambança toda no Pan-Americano 2007. Nesse caso, já está sob intervenção, não apenas do Comitê Olímpico Internacional, como do governo, que pôs lá um general pra tomar conta da bagunça. Já está atrasado. E vai ter atraso. Daqui a dois anos, veremos, às vésperas das Olimpíadas, uma situação muito parecida com a da Copa do Mundo.

Desse modo, de legado bom só teremos a politização? Estádios novos são o biombo de um projeto mais econômico do que esportivo?

Juca Kfouri: Na Copa de 1998, Marselha usou o mesmo estádio da Copa de 1938. Mudaram a louça do banheiro, instalaram fibra ótica e deram uma mão de tinta. Porque a comunidade local não aceitou jogar o estádio no chão e fazer outro por causa de um torneio de um mês, que lá faria 5 jogos. Tem um livro chamado Soccernomics, onde se coloca um raciocínio muito interessante. Nenhum grande evento deixa lucro no país. Mas, dizem os autores, é uma oportunidade de o país fazer um grande anúncio de si mesmo, por um mês. Correndo um risco: o de fazer um anúncio ruim. O Brasil corre tal risco gravemente. O que sai na imprensa internacional é só porrada. Algumas preconceituosas e ignorantes, é verdade.

Na Copa das Confederações, falei mil vezes com jornalistas estrangeiros que eles não tinham a imagem verdadeira do país. Eles têm a imagem do país do carnaval, das mulheres de biquíni, litoral magnífico... Enfim, interpretam erradamente a ideia do homem cordial, do Sergio Buarque de Hollanda, como se o cordial fosse subserviente, ao invés de emocional. Cordial vem do coração, que age pela emoção antes de agir pela razão. Eu lhes disse que não precisavam saber das grandes lutas regionais da história, chimangos e maragatos, sabinadas, Canudos... Não. Basta olhar de 30 anos pra cá. Em que outros países do mundo mais de 1 milhão foram às ruas exigir Diretas Já! E depois, mais de 1 milhão voltaram às ruas para exigir o impeachment do cara que resultou vencedor do processo das Diretas Já? “Vocês estão assustados agora, mas esse é o Brasil”, lhes disse.

De toda forma, a ideia do livro, que muito me agrada, passa pela seguinte pergunta: pode um estadista fazer seu povo feliz durante um mês? Surpreendentemente, eles dizem: pode. Desde que pergunte antes ao seu povo se ele quer fazer aquela festa.

Aparentemente, é uma proposta cínica. Mas há outra questão, que precisamos analisar com olhar mais verdadeiro, a partir da bobagem que o Ronaldo declarou, sobre não existir Copa com escola e hospital. Não concordo muito com essa coisa de dizer que não podia fazer estádio com tantos problemas mais urgentes. Não existe relação tão direta entre uma coisa e outra; se não houvesse Copa, não investiriam em áreas prioritárias. A questão é o desperdício. Pra que fazer estádio em Itaquera se tinha o Morumbi? Pra que fazer estádio assim em Manaus, Cuiabá, Natal? Algumas dessas cidades mal têm futebol de segunda divisão... E dizem que são arenas multiuso. Mas não vai ter show de Madona ou coisa do gênero em tais cidades, até porque, em geral, nem têm essa demanda toda, não existem 50 mil pessoas dispostas a pagar 150 reais pra ver algo do tipo.

Outra mentira, e se pode averiguá-la com qualquer urbanista, mesmo de direita, é que estádio novo traz progresso social para seu entorno. Não precisa ir até Johanesburgo ver se o Soccer City levou progresso ao Soweto. Ou à Cidade do Cabo, onde 4000 famílias foram desalojadas, postas em cidades de lata, supostamente provisórias, de seis meses, mas que estão lá até hoje. Das coisas mais odiosas que já vi na vida. Numa cidade que faz 40 graus no verão e 5 no inverno. Não precisa ir lá. Vá ao Engenho de Dentro ver o progresso que o Engenhão (estádio João Havelange) trouxe. Nenhum. Zero. E o estádio de sete anos está fechado, o “mais moderno do Brasil” não foi nem cogitado para a Copa.

Vemos, no debate público, duas torcidas. Uma que diz “não vai ter Copa”, e a outra que diz “vai ter Copa”, numa disputa política que vai muito além dos interesses do mundo do esporte. No seu blog, você também se diz contra a mistura de política e futebol, em certa medida. E talvez seja quase impossível sanarmos todos os problemas que os megaeventos trazem. Você manteria a opinião de que o país não deveria ter aceitado a Copa?

Juca Kfouri: Sim. Pra deixar claro, longe de mim dizer que política e futebol não se misturam. Política se mistura com tudo, desde o café da manhã. Eu fui ser jornalista esportivo por ter sido a maneira que encontrei de continuar minha militância. Acho que o jornalista tem lado, não entro na balela da ‘objetividade’ etc. Política e futebol, sim, se misturam, tal como sexo e o que mais quiser. Tudo se mistura com política.

O que digo, e repito, é que não se pode, em nome de uma ideia política, por ser situação ou oposição a um governo, levar tal espírito a um time de futebol. Sou corintiano e detesto o presidente do Corinthians, nem por isso deixo de torcer pelo clube. Posso estar contra o governo, mas a seleção não é do governo. Posso estar a favor do governo, mas não vou torcer pela seleção pra favorecê-lo. Vou torcer porque gosto de futebol, porque o futebol me apaixona.

O que me parece equivocado é cobrar do Neymar pelas mazelas do Brasil, ou os educadores dizerem ser um absurdo o salário dele comparado com o deles. É um absurdo o salário dos educadores e ponto. Não tem nada a ver com o salário do Neymar. O educador é mais importante? É claro, pra educar. Para jogar futebol, não. E o preço que se paga por um jogador, porque envolve milhões ou bilhões de pessoas vendo-o trabalhar, é totalmente diferente. Essa confusão leva à demagogia.

O exemplo que sempre dou é aquele que vivi na carne. Em 1970, estávamos sob ditadura militar. Eu estudava ciências sociais na USP e minha classe me tinha na conta de alienado. Eu era da ALN, colocava minha vida em risco em grupo clandestino. E torci para o Brasil. Me diziam: “é um absurdo, cada gol do Brasil atrasa a revolução brasileira”. No ano seguinte foi pior, pois, nos Jogos Pan-Americanos, a final do basquete foi Brasil e Cuba. “Você é louco, vai torcer contra o time do comandante!”. Eu dizia: a revolução cubana é uma coisa, o jogo entre Brasil e Cuba é outra. Eu sou brasileiro, não sou cubano, vou torcer pelo Brasil. Ainda mais que joguei basquete e até conhecia alguns jogadores daquele time.

Por quê? Porque, e era a minha questão, eu não permitia que a ditadura me roubasse o que eu tinha de mais íntimo. A ditadura já me infundia medo, já me fazia andar olhando pra trás e ver se não era seguido... Quando tocavam campainha em casa, eu já achava que era a polícia. E aí eu era adepto da famosa música do Chico Buarque, “chama o ladrão, chama o ladrão”. Mil vezes entrar o ladrão em casa do que a polícia, porque, com ela, era sinal de que a gente ia para o DOI-CODI, para a tortura... Eu não permitia que a ditadura me usurpasse aquilo que tinha de mais íntimo, ou seja, minha paixão pelo futebol ou a emoção de escutar o hino... Eu perguntava: “quando toca o hino, é o hino da ditadura? Até isso nós permitimos? A ditadura interrompe o processo legal e democrático, e permitimos que ela tome conta de tudo? Se é assim, fomos derrotados, já perdemos”.

A palavra de ordem era não torcer pela seleção. O Brasil estreia em Guadalajara contra a Tchecoslováquia, país da órbita comunista. Gol deles, 1 a 0. “Tamo bem”. As pessoas já ficaram desconfiadas, porque o autor do gol, Petras, ajoelha e faz o sinal da cruz. “Que raio é esse de comunista que não é ateu, filho da puta”. Depois, o Rivelino empata o jogo, batendo falta. Ninguém segurou. Já ouvi a Dilma contar isso: todo mundo na cadeia, acho que no Barro Branco (SP), com um aparelho de TV com antena de palha de aço, pois, pela largura das paredes do presídio, pegava mal. E foi uma baita festa a cada gol do Brasil. Todos os presos contam a mesma história. Felizmente, eu não estava preso. Mas comemorava as vitórias do Brasil, por não confundir as coisas.

Passaram 44 anos. O que a história do Brasil registra daquela Copa? Quem foi o herói? O Médici, de radinho de pilha? Ou ele entrou para a história como o general da tortura? Os heróis são Pelé, Tostão, Gérson, Rivelino, Jairzinho... A primeira Copa que o Brasil ganhou foi sob o governo Juscelino Kubistchek, a segunda sob o governo João Goulart e ambos morreram cassados pela ditadura. O governo de Mussolini teve a Itália campeã duas vezes (1934 e 1938), e morreu de cabeça pra baixo, pendurado pelo povo italiano.

Portanto, essa é a confusão que não faço, assim como não penso que futebol é ópio do povo, alienante. Lembro sempre: a primeira faixa aberta no país pela anistia foi no Morumbi, pela torcida do Corinthians, num jogo contra o Santos, com mais de 100.000 pessoas, por dois jornalistas ainda vivos, o Antonio Carlos Fon e o Chico Malfitani (com a ajuda de Carlos MacDowell).

Eu não sou adepto do quanto pior melhor. Não acho que, se o Brasil perder, a Copa modifica alguma coisa, que a Dilma será derrotada. Ou que, se o Brasil ganhar, aumenta o cacife da Dilma. Ou que a CBF muda. O Ricardo Teixeira teve de fugir do país por trapalhada com dinheiro público, não por perder Copa do Mundo. Ele perdeu a de 1990, 1998, 2006, 2010 e a CBF continuou a mesma coisa, tão corrupta e reacionária quanto sempre foi.

O resultado esportivo não tem a influência que as pessoas imaginam. E eu não vou me submeter a uma racionália política no que diz respeito a minha paixão. Só isso, é simples. Não se trata de não misturar política com futebol. É não achar que uma coisa depende da outra.

Você concorda com a ideia que não se deva lutar contra o futebol em si, mas contra um jogo cada vez mais submetido aos interesses do capital?

Juca Kfouri: Aí não é o futebol. É a luta contra o capitalismo e suas influências. E vamos para um campo mais delicado. Volto a dizer: com 17 anos, já militava em organização clandestina. Depois que fomos derrotados, fui para o Partido Comunista. Anos depois, aconteceu a queda do muro de Berlim. E eu, já madurinho, pai de filho, me assustei. “Cacilda, o que acontece? Ninguém da Berlim ocidental quer ir para Berlim oriental. Todo mundo atravessa o muro para o lado ocidental. Onde é que erramos?”. Alguma coisa estava errada em nossas pretensões. Objetivamente: o capitalismo ganhou. Infelizmente, o capitalismo ganhou.

Qual é a minha luta hoje? É para tornar menos selvagem esse capitalismo. O que é ser de esquerda hoje? É ser alguém que continua brigando pela inclusão dos excluídos, que não dá como uma lei natural a injustiça social ou considera a competitividade do capitalismo a roda da história – eu não concordo com nada disso. O que muda como utopia, para mim, se eu já quis que o Brasil fosse uma União Soviética e hoje me dei conta – já faz tempo – que aquilo lá também não era solução? Tomaram o poder em nome de uma ideia e traíram essa ideia. Hoje, eu olho a Escandinávia e penso: tomara que a gente chegue lá. Claro que não será igual, porque há diferença de tamanho, população e tudo mais. Mas é a minha briga.

Dá pra lutar por um futebol melhor no capitalismo? E sobre os salários de um jogador como o Neymar, não são de fato absurdos em relação ao resto do Brasil?

Juca Kfouri: O Neymar não joga no Brasil, joga na Espanha. No Santos, além do salário, ele ganhava, e bem mais, com publicidade. Ele não ganhava só o salário do Santos. De toda forma, me diga quantas pessoas você conhece que trabalham com 40 mil pessoas observando-as no local de trabalho e com 3 milhões, 30 milhões, 50 milhões as assistindo na televisão? São artistas.

Acho o seguinte: eu não vou criticar o trabalhador que, como fruto do seu trabalho, consegue ganhar o que ganha o jogador de futebol. Eu vou brigar para que o professor ganhe o salário que ele mereça ganhar. Sem necessariamente olhar para o outro.

O que se está falando aqui inclui também a elitização do futebol, o fim da picada, com essa coisa das “arenas”, pasteurizadas e cada vez mais excluindo o torcedor comum. Vamos brigar contra isso. Vamos perder de novo, provavelmente. Mas cito Darcy Ribeiro: “eu me orgulho muito das minhas derrotas”. Eu perco muito mais do que eu ganho. Muito mais. Faz parte. D. Paulo Evaristo Arns tinha uma frase, que um dia escreveu para a revista Placar, num texto chamado ‘Pastoral ao povo corintiano’: “Não existem derrotas definitivas para o povo e as coisas estão em processo, se não estão bem ainda, é porque não chegaram ao fim”. Eu acho que é por aí.

Ainda sobre futebol e política, o Felipão, atual técnico, deu aquela declaração, em 1998, na qual dizia que Pinochet tinha feito muita coisa boa. Você relembrou isso num Roda Vida de tempos atrás. Como você o enxerga hoje na seleção brasileira e em outros times que dirigiu? Técnico bom é esse com característica mais autoritária e com a marca da hierarquização?

 

Juca Kfouri: Eu acho que não é bem assim. Sinônimo de técnico bom, pra mim, é o Guardiola, que não faz isso. Primeiro, a gente precisa olhar para as pessoas como elas são. Qual é a definição que eu faço do Felipão? O Felipão é aquele tio bronco, reacionário, conservador, que todos nós temos, e desde criança esperamos sua chegada para o almoço no domingo. Cara que toma duas caipirinhas e começa a contar piadas sujas, fala palavrão e a sobrinhada gosta. Surpreenda-se ou não, ele faz ou fez elogio ao Pinochet da mesma maneira que ele faria ao Fidel Castro. Eu não faço elogio nem ao Pinochet, nem ao Fidel – deste já fiz, não faço mais. A questão do Felipão é a ordem, ele quer ordem.

Na questão da hierarquia, raros são os momentos no esporte em que alguém se insurge. Quando se insurge, como no surgimento da democracia corintiana, tem-se um momento de luz no esporte. Mas temos de ser realistas o suficiente para olharmos aquilo e dizer: o que ficou? Praticamente nada, a não ser uma ideia romântica, de um médico barbudo que provavelmente vai entrar para a história do futebol mundial como Che Guevara entrou para a história das revoluções, ou seja, uma carga de romantismo indelevelmente ligada a sua imagem.

Faz parte da nossa vida lutar contra isso, lutar contra a concentração em véspera de jogo, lutar contra o paternalismo. No fundo, tais comportamentos de técnicos são manifestações paternalistas. O jogador de futebol não sabe comprar uma passagem aérea. Não sabe fazer um depósito no banco. Porque tem alguém que faça pra ele. Ele acaba de jogar e se vê num mundo para o qual não está preparado, razão pela qual tantos se danam depois que param de jogar futebol.

Mas não vamos diabolizar tais pessoas, porque também são vítimas. Aprenderam que é assim. Podemos dizer que o Muricy não podia chamar a atenção daquele menino do São Paulo como fez. Mas, em particular, ele vai te falar: “cansaram de fazer comigo”. Vocês precisavam ver o que era ser comandado pelo Telê, os esporros que ele dava. Até o Sócrates gostava dele. Até o Sócrates o obedecia. Parou de fumar por um mês para jogar a Copa do Mundo de 1982 porque o Telê pediu.

A vida é dura. E a gente tem, naturalmente, a tendência de rotular. Claro, quando o Felipão fez elogio ao Pinochet, pensamos “tem de descer o cacete no cara, lembrar sempre”. Mas, outro dia, ele disse, também numa entrevista na televisão, que o momento mais emocionante de sua vida foi no sorteio da Copa da África do Sul, quando viu o Mandela entrar e ir falar com ele.

Tudo bem. Do cacete o Mandela. Mas vai na África do Sul ver até que ponto a subida do Mandela ao poder, magnificamente, num processo exemplar, mexeu no capitalismo de lá. Nada. No mais, você tem alguma dúvida sobre como ele seria tratado pela mídia brasileira, se fosse daqui?

Falando do atual processo do futebol, com sua chamada elitização, você vê um acirramento dessa tendência aliada a uma suposta queda do nível técnico, que talvez date da virada de século?

Juca Kfouri: O fenômeno da elitização do futebol é um dos filhos bastardos da globalização. Gosto muito de lembrar de uma aula magna do Ariano Suassuna, na qual ele conta a seguinte história: um dia, numa cidade do interior da Paraíba, terra dele, uma velhinha procurou um médico, que atendia na cidade toda, e disse, sobre o marido: “o velho enlouqueceu, cismou que tem um jacaré embaixo da nossa cama. Eu mostro que não tem, mas não adianta”. O médico disse não acreditar e pediu que a mulher trouxesse o marido, com ela junto. Começaram a ir ao seu consultório todo dia. Conversavam horas. Fizeram tratamento. Um dia, a mulher chegou lá sozinha. O médico perguntou: “cadê ele?”. A mulher respondeu: “O jacaré comeu”. A globalização é isso, o jacaré debaixo da cama. A gente ficava avisando, avisando, avisando... “Isso aí vai dar merda, não vai dar certo”. Um belo dia...

O que vimos? Uma padronização do futebol, a ideia de que “não tem mais bobo no futebol”, o que significou a redução do nível do jogo. Vimos a mercantilização do jogo chegar a níveis inadministráveis. Entre outras coisas, pelo seguinte: dentro da indústria do entretenimento, hoje uma das maiores do mundo, o futebol e o esporte ocupam lugar de destaque, com preços intangíveis. Não somos capazes de calcular quanto custam as coisas. Exemplo:

- Quanto vale o Lionel Messi?

- 150 milhões de euros.

- Mas o Messi só vale ‘um Gareth Bale e meio’?

- Ah, não, vale três.

Então, 300 milhões? E o Pelé, quanto seria, 600 milhões de euros? Como você faz uma transação de 600 milhões de euros? É só ver o caso da transferência do Neymar para o Barcelona e os desdobramentos...

- Quanto vale manter uma Ferrari na Fórmula 1?

- 15 milhões de euros por ano

Só isso, como? Às vezes, no treino da quinta-feira, estouram duas na parede, e precisa de mais duas pra sexta. Depois, se as duas quebram, mais duas são necessárias pra corrida de domingo... Custa 150 milhões por ano.

Mas, na verdade, ninguém sabe, ninguém é capaz de avaliar exatamente o valor das coisas.

Nisso, apareceram os Blatters, Havelanges, Teixeiras, essa máfia que tomou conta do esporte. Já estavam lá, mas em determinado momento se deram conta de que tudo aquilo podia se transformar num negócio de bilhões. E conseguiram. Sem distribuir a quem de direito, sem beneficiar o torcedor.

As torcidas organizadas, por uma questão de despolitização, não têm responsabilidade em tal processo de elitização?

Juca Kfouri: Não é questão de elas terem culpa. São todos vítimas de um mesmo problema, um sistema educacional que não politiza e que faz o time de futebol virar um objetivo de vida de maneira apolítica. Mobilizam-se para ir ao Itaquerão, para não permitirem que os sem teto façam uma manifestação no estádio ou o depredem.

Infelizmente, esse é o fruto de uma democracia incipiente, de um país que passou por duas ditaduras longevas só no século 20, onde as pessoas não têm noção de seus direitos, com uma polícia ainda fruto da ditadura, educada para a guerra, e não para a prevenção, que nos olha não como cidadão que lhe paga o salário, mas como inimigo, rival, que pensa mais em te aniquilar do que em orientar.

Você concebe o futebol sem torcidas organizadas, como de certa forma fez a Inglaterra?

Juca Kfouri: Não. Pois não sou a favor da paz de cemitério. Eu acho absurdo o jogo de uma torcida só. Daqui a pouco tem jogo sem torcida. As organizadas são parte integrante do espetáculo. De novo: não é tão difícil identificar quem atrapalha o processo. Sabemos que os comandos das torcidas conhecem perfeitamente quem é quem e se sentem impotentes. Mais que isso, não querem entregar os colegas e se verem como dedo-duro. E assim a pecha recai sobre todos. Não há como negar que o torcedor comum alega o medo de violência para não ir ao estádio.

Também digo sempre: não há nada que estresse mais o torcedor do que a PM. Até pra organizar uma fila de compra de ingresso joga a cavalaria em cima das pessoas. E quem é tratado como animal reage como animal. Porque o cara entra no estádio estressado e uma brincadeira já pode virar briga, pelo que o cara passou pra entrar no estádio. Tem jeito, há política pra resolver. Mas abdicamos de fazer tais políticas. E claro que a solução não é subir preço de ingresso. Quem acha que briga de torcedor é coisa de pobre não é capaz de responder por que diversos torneios entre universidades de elite não existem mais.

Você citou muito a questão da democracia, de que, quando se deu conta dos caminhos do bloco comunista, ele já não se diferenciava tanto de outros em termos de liberdade. Junho de 2013 e os meses seguintes ficaram marcados pela participação das ruas, inclusive de radicais, o que ensejou a mídia a pedir punições a manifestantes. Não se viu, por sua vez, essa mesma postura quanto à violência policial nas periferias. Diante de tal quadro, dá pra pensar que a elite está preparada para o nível de democracia que se exige?

Juca Kfouri: Se estivesse preparada, já teríamos tal democracia. Essa elite é a que manda no Brasil há 514 anos, é obstáculo à democracia, tem medo de povo. Essa elite quer o controle, lutará ferrenhamente para mantê-lo. Cabe a quem não participa dela, e queira um nível de distribuição mais justo, enfrentá-la.

Eu sei que nessa hora a gente entra nos conceitos da democracia burguesa, do valor do dinheiro, das campanhas eleitorais. E vêm as descobertas tristes, recentes, quando vimos gente em quem confiávamos e tínhamos como exemplo, mas que tentaram ensinar a prostituição no prostíbulo. Usando as mesmas armas. Deu no que deu. Provavelmente, com ideias generosas, que não eram pra si mesmo. Mas acharam de jogar com as mesmas armas.

Eu tenho 64 anos e algumas coisas pra mim já são claras. Meios ruins levam a fins ruins, não tem essa de que os fins justificam os meios. Daí faço a opção de fé sobre conceitos de liberdade e democracia. Não a democracia que está aí, claro que não. Mas como dizia o conservador Winston Churchill, “a democracia é uma merda, mas ainda não inventaram nada melhor”. Tratemos de inventar. É o desafio que cabe a quem quer enfrentar o status quo.

Há uma série de reinvenções. Essa iniciativa midiática aqui é uma reinvenção. A ironia é que amanhã (sexta, 6 de junho) estarei gravando o Roda Viva. Claro que pegaram uma bancada de perguntadores mais próxima do que distante de mim. Mas da mesma maneira que dei um jeito de vir a São Paulo gravar o Roda Viva, dei um jeito de vir aqui, mesmo quando não deveria, pois era para eu estar trabalhando em Teresópolis. Deixei de curtir um tempo com minha família porque acredito que parte da solução passa por aqui.

Faço isso porque acho muito importante. O que acontece nas redes sociais e nos novos meios de informação é essencial pra elevar o nível de discussão, para fugir à aceitação do que não se queira digerir. Essa é a luta. E daí sairá coisa boa. Com equívocos, mas tudo bem, faz parte. O caminho se faz caminhando.

Assistindo ao documentário Mito Garrincha, vi sua fala e as imagens, com referências a como ele foi importante para o futebol, além da conversa sobre os meninos estarem preparados para o futebol e a vida, como dizem alguns jogadores mais velhos. Como você vê o jovem jogador de hoje? Você acha que existe um Sócrates em meio a essa meninada?

Juca Kfouri: Não. Talvez tenha o Paulo André, que exilaram para a China. Do mesmo jeito que o Sócrates foi para a Itália, quando a emenda das Diretas Já não passou, o Paulo André foi jogar na China porque a cartolagem começou a pressionar o Corinthians, pois estava incomodando muito.

Mas, voltando à primeira pergunta, eu tenho me batido sobre o assunto, sendo até um pouco mal interpretado por algumas pessoas, professores etc. De toda forma, digo que essa meninada é tão vítima quanto a esmagadora maioria dos nossos jovens. Porque não teve boa escola, só teve o futebol como meio de ascensão social, dentro daquela lógica “bola ou tráfico”.

Quando tivemos as manifestações do ano passado, o David Luiz, um dos mais carismáticos da seleção, foi perguntado sobre o assunto. Ele disse: “eu apoio. Eu vim de lá, sou da rua, meus pais, irmãos, estão lá”. Eles não são da elite, nunca moraram em Higienópolis. Por isso são vítimas também.

Temos uma tendência de nos olharmos de maneira mais negativa que o merecido. Há cerca de dois anos e meio, tocou meu telefone e alguém falou do outro lado:

- “Jucá? Jucá?”.

- “Sim, quem é?”, eu disse.

- “Daniel”.

- “Que Daniel”, respondi, percebendo que era um estrangeiro.

- “Cohn Bendit. Daniel ‘le rouge’”.

- “E eu sou o papa”, retruquei.

Mas era ele mesmo, a grande figura do Maio de 1968. Resumo da ópera: ele estava vindo ao Brasil fazer um documentário de futebol e queria falar comigo.

- “Por que no Brasil vocês têm tantos jogadores conscientes, enquanto na Europa não temos?”, ele perguntou.

- “Você tá maluco? Que tantos jogadores temos? Contam-se nos dedos, o Sócrates, o Afonsinho, Paulo Cezar Caju, o Reinaldo, agora o Paulo André... Quem mais?”, respondi.

- “Ok. Mas e na Europa? Mencione cinco”, ele argumentou.

Não tinha. Talvez o Eric Cantona... Mas aí, coisa entre franceses, ele disse que era muito histriônico, voltado a si mesmo. Não concordo tanto com a crítica, pois acho que o Cantona presta um papel importante. Mas, enfim...

De toda forma, quando olhamos para jogadores de seleção e pensamos que se trata de pessoas com salários imerecidos, não nos damos conta de que eles são 0,5% dos jogadores de futebol. A maioria esmagadora de jogadores do país é de boias-frias da bola, gente que não ganha 3 salários mínimos. O futebol brasileiro ainda está no estágio pré-capitalista, de socialização da miséria, da acumulação primitiva de capital, por meio de roubo e pirataria puros.

No dia 23 de maio, você escreveu uma coluna na qual falava da manifestação do MTST, que esteve no meio dela, e vimos uma postura mais ‘pé no chão’ da Folha. Há um ano, o mesmo jornal pedia pra polícia descer o cacete, além de fazer ilações totalmente irrealistas, como aquela que fala do Black Bloc ligado a PT, PCC etc. Como você vê o jornalismo dentro do âmbito esportivo?

Juca Kfouri: Não existe um jornalismo esportivo no Brasil, mas diversos. Um deles, o da TV aberta, você pode chamar do que quiser, menos de jornalismo. É entretenimento puro, palhaçada. É o que chamo de ‘leifertização’ da cobertura esportiva. Sem entrar no mérito da capacidade comunicativa dessa pessoa. Mas aquilo que faz é pernicioso. Há uma imprensa escrita mais combativa e, digamos, oásis de independência, que de alguma maneira a ESPN representa.

A cobertura inicial da imprensa brasileira das manifestações de junho é dessas coisas de deixar, ou deveria deixar, rigorosamente, os responsáveis com vergonha. Porque em seguida tiveram de fazer a autocrítica, na hora em que os atingidos foram os próprios jornalistas ou os filhos da classe média. Faz parte do que discutimos sobre as elites. É evidente que a imprensa brasileira é reflexo disso, pois foi feita, a vida inteira, para as elites.

Alargar o quadro cabe a cada jornalista lá dentro, que seja capaz de fazer a crítica. Há limites, mas aos poucos se consegue alargar. Trabalhei na Globo, e criei casos enormes, pois o jornal em que eu comentava era ao vivo. Ouvia coisas como “pô, você atacou o Farah (ex-presidente da Federação Paulista). Atacou o Ricardo Teixeira, e estamos negociando os direitos do Campeonato Brasileiro...”.

O nosso papel é alargar, dar cotovelada, não se conformar com o estabelecido, criticar e mostrar o que está errado. Porque, das duas uma: ou você acredita que existem posições honestas, mesmo equivocadas, ou você não acredita em nada. No segundo caso, caímos fora. Desonestidade não é só roubar dinheiro. A desonestidade intelectual é tão perniciosa quanto. E nessa hora a gente perde sempre, porque em geral não nos sujeitamos a qualquer nível de discussão.

Mesmo esse oásis representado pela ESPN (que pertence a um grande conglomerado estrangeiro e tem seus patrocinadores) não é relativo? O jornalista que está lá já não sabe dos limites também?

Juca Kfouri: De novo, voltamos à discussão sobre o raio do sistema capitalista. Cada um faz suas opções, alguns escolhem fazer o trabalho de comunicação e informação fora da lógica dos grandes veículos. A ESPN, simplesmente, é do grupo Disney, um dos maiores do mundo. E tem lá um bando de assalariados para manter sua programação no ar. É o ponto.

Mas eu poderia dizer o seguinte: eu fiz os jornais Movimento, Opinião, Voz Operária, Voz da Unidade etc. concomitantemente ao meu trabalho na grande mídia, principalmente na Editora Abril. Não é verdade que as pessoas sabem de tais limites. Eu não sei do meu. Eu falo qualquer coisa que me venha à cabeça, desde que respaldada pelos fatos e com responsabilidade. Acabei de fazer um terremoto, ridículo, dentro da Ambev, porque dei uma nota dizendo que não tinha cevada na Granja Comary, que a tal cerveja especial não é de lá. Trata-se do maior anunciante do Brasil e fiz isso no blog do UOL. Porque fui lá, vi e achei divertido contar que a história da propaganda não era verídica. Reagiram mal, podiam falar que era uma metáfora publicitária, mas acharam de querer discutir que a cevada vinha de lá. E aí... Foi parar no Conar.

Cada um escolhe sua maneira de fazer as coisas. E podem me dizer que escolhi a mais confortável, pois ganho bem. É verdade. Mas uma coisa aprendi na militância, e até no DOI-CODI: eu não exijo o heroísmo do pescoço alheio. Eu faço o meu e não exijo do outro que faça igual, corra o risco que eu corro ou que faça diferente. Assim como não critico quem entregou sob tortura, porque acho muito fácil fazer esse julgamento sobre quem foi torturado. A tal ponto que nunca ouvi quem foi torturado, e não entregou, fazer tal crítica sobre quem entregou. Só o faz quem nunca foi torturado. É chavão, desagradável, mas pra compreender é aquilo que já falaram por aí: envelhecer um pouco faz bem.

Dentro do atual momento de sociedade, com hegemonia do mercado, existe algum caminho para uma ‘repopularização’ do futebol?

Juca Kfouri: Na semana passada, respondi a um e-mail da Empresa Brasileira de Comunicação, sobre um documentário para a TV Brasil. E defendo a TV Brasil. Há 1000 problemas. Pode ser. Mas defendo. Os mesmos problemas da BBC quando nasceu. “Ah, mas é instrumentalizada pelo governo, dá traço”... Hoje, a BBC é exemplo de jornalismo público, não tem governo inglês que mexa nela. É o contribuinte que a financia. Não devo ver, mas acredito que minhas netas possam ver uma TV Brasil que faça jornalismo público de verdade.

Enfim, eu respondia sobre uma cobertura esportiva que fosse adequada à TV Brasil: “o que me ocorre, por exemplo, seria voltar os olhos para aquilo que muita gente chama de verdadeiro futebol brasileiro, da várzea, da praia, da rua, do morro...”.

Por que a TV Brasil, ao lado de um Banco do Brasil, não promove um grande campeonato nacional de várzea? Quem disse que não teria audiência? Que se estimule a transmissão de jogos da Série D, que não interessam às grandes emissoras. Outro dia, a transmissão de um jogo do Santa Cruz, na Série C, deu mais audiência que o jogo da série A. São caminhos, para trilhá-los é preciso ter coragem. E não pode desistir no sexto mês porque dá traço. Vai dar traço mesmo.

Esse futebol e o profissional são dois mundos diferentes, o que teriam a ver entre si?

Juca Kfouri: O triste é que o grande futebol brasileiro, aquele do qual temos mais saudade, do Pelé, Coutinho, Garrincha, era fruto desse futebol. Onde os olheiros iam ver talentos? Na várzea, na praia... E hoje? Ou dentro dos clubes ou nas escolinhas. Inclusive, é perigoso um branqueamento do futebol brasileiro. São sintomas do sistema que nos rege. O que começou a acontecer com a várzea nas grandes cidades? A especulação imobiliária está acabando com ela. E o pessoal vira jogador de futsal, de society, de prédio...

Você qualificou o estágio do futebol brasileiro como pré-capitalista, com dirigentes rapineiros. Ao mesmo tempo, talvez estejamos no momento de maior força e influência da globalização no Brasil. Como enxerga o atual momento do futebol Brasileiro? Para além da Copa do Mundo, o que vislumbra por aqui em 2015, 16, 17?

Juca Kfouri: Talvez eu dê uma resposta irritante. Infelizmente, sabendo de todos os riscos, até por ver o que acontece na Inglaterra e na França, eu diria que o futebol brasileiro ainda precisa de um choque de capitalismo. Precisa de gestores profissionais que entendam, com frieza, como exacerbar a capacidade e a paixão. Para que o nosso futebol se transforme em algo parecido com a NBA, porque temos capacidade, e deixemos de ser exportador de “pé de obra”. Pra comparar com a Disney, em vez de exportar os desenhos animados, vendemos o Pato Donald. Precisamos manter nossos ídolos aqui.

No entanto, o capitalismo avançado já nos ensinou coisas que não devemos fazer. Não podemos fazer como na Inglaterra, onde qualquer milionário pode comprar um time. Temos de fazer como na Alemanha, onde no mínimo 51% das ações ficam com os torcedores. Mas, do jeito como a roda tem girado, não vejo muita escapatória. Estamos longe. Porque, no Brasil, o que temos são ladrões de galinha, gente que mata a galinha dos ovos de ouro. Veja que grave o que digo: é gente que não tem cabeça sequer pra roubar no longo prazo. É da mão pra boca. E o futebol está nessa situação: o “país do futebol” tem uma média de público inferior à do campeonato de futebol dos EUA.

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Editado por Gabriel Brito, jornalista do Correio da Cidadania, com a colaboração de Valéria Nader, jornalista e economista, editora do Correio da Cidadania.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Convenção Nacional do PSOL no final de semana vai homologar candidatura à Presidência da República

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Evento em Brasília vai reafirmar nome de Luciana Genro como candidata do partido ao Palácio do Planalto e definir as diretrizes do programa de governo. Às 16h de domingo candidatos a presidente e a vice concederão entrevista coletiva à imprensa

Nos dias 21 e 22 de junho (sábado e domingo) o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) realiza Convenção Nacional, em Brasília, para referendar os nomes dos candidatos a presidente da República e a vice nas eleições de outubro deste ano. Após vários debates que serão feitos ao longo dos dois dias, os membros do Diretório Nacional do PSOL e representantes dos diretórios estaduais homologarão o nome da ex-deputada federal Luciana Genro como candidata do partido ao Palácio do Planalto. O nome do candidato a vice-presidente, ainda em discussão dentro do PSOL, também será definido ao final da Convenção Nacional.   
No sábado (21), primeiro dia da Convenção, os dirigentes promoverão um debate sobre a conjuntura nacional e as diretrizes do PSOL para as eleições deste ano. No mesmo dia à tarde, serão homologadas as candidaturas aos governos estaduais, já definidas nas convenções em cada Estado. Ainda no sábado, os dirigentes também definirão os partidos com os quais o PSOL poderá fazer coligação para a disputa eleitoral.
Já no domingo (22), serão aprovadas as diretrizes do programa de governo do PSOL e também definida a coordenação da campanha nacional. A Convenção Nacional será encerrada após a aprovação das candidaturas de presidente e vice com uma entrevista coletiva à imprensa, marcada para as 16h.
Serviço:
Convenção Nacional do PSOL
Dia 21 de junho (Sábado)
10h - Abertura Oficial
11h - Conjuntura Nacional e Diretrizes para as Eleições 2014
13h – Intervalo
14h - Homologação das candidaturas estaduais
15h - Análise e votação das propostas de coligações estaduais
16h - Análise de recursos às decisões da Convenções Estaduais
18h - Encerramento dos trabalhos
Dia 22 de junho (Domingo)
10h - Posse da Diretoria da Fundação Lauro Campos
11h - Aprovação das Diretrizes do Programa de Governo do PSOL
12h - Aprovação da Coordenação de Campanha Nacional
13h – Intervalo
14h - Apresentação e aprovação da candidatura a Vice-Presidente da República
15h - Apresentação e aprovação da candidatura a Presidente da República
16h - Encerramento e Coletiva de Imprensa
Local: Centro Cultural de Brasília - SGAN 601 - Módulo "B" Asa Norte - Brasília-DF.