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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Brasil de 200 bilhões de barris

Escrito por Paulo Metri

Correio da Cidadania

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O setor do petróleo fornece um farto material para a constatação da ganância humana. Com a pretensão de trazer alguma explicação para o que acontece nestes dias com o Brasil, sem existir preocupação alguma da mídia para explicar, defendo a tese de que ocorreu uma rápida ascensão do nosso país no ranking daqueles atrativos para o capital internacional. Até 2006, era um país com abundância de recursos naturais, território e um razoável mercado consumidor. Mas ele não possuía petróleo em quantidade suficiente para se tornar grande exportador. Era fornecedor de minérios e grãos não tão valiosos no mercado internacional quanto o petróleo. Implícito está que o preço do barril irá subir brevemente para algum valor, pelo menos, em torno de US$80.

A partir dos anos 90, o Brasil perdeu graus de soberania e passou a ser um exemplar subalterno do capital internacional. Por exemplo, tem uma lei complacente de remessa de lucros, permite livre trânsito de capitais, não protege a empresa nacional genuína, tem uma política de superávit primário e câmbio que tranquiliza os rentistas, permite a desnacionalização do parque industrial, oferece a subsidiárias estrangeiras benefícios fiscais e creditícios, tem uma mídia hegemônica pertencente a este capital, que aliena a sociedade, e possui uma defesa militar incipiente. Assim, pode-se dizer que, após 1990, a sociedade brasileira passou a ter uma maior sangria de suas riquezas e seus esforços para o exterior. Este era o Brasil subalterno, que só tinha 14 bilhões de barris de petróleo, suficientes somente para 17 anos do seu consumo.

Em 2006, descobre-se o Pré-Sal, que pode conter de 100 a 300 bilhões de barris de petróleo, dos quais 60 bilhões já foram descobertos – e em menos de dez anos. Ao mesmo tempo, começou-se a recuperar a proteção à industria nacional, com a proibição da compra de plataformas de petróleo no exterior. Também, decidiu-se recompor as Forças Armadas, com o desenvolvimento de submarinos e caças no país, e, também, novos equipamentos de defesa para o Exército. Recentemente, decidiu-se desenvolver um avião militar de transporte de carga.

O Brasil, que já vinha participando do Mercosul, amplia sua interação soberana em outros fóruns internacionais, como a Unasul, a Celac e os Brics, contrariando interesses geopolíticos dos Estados Unidos. Recentemente, um banco e um fundo monetário dos Brics foram criados. Ocorreu no período, também, a mudança da política externa do Brasil, que buscou a aproximação com os países em desenvolvimento da África, do Oriente Médio e de outras regiões, sem hostilizar os Estados Unidos, a Europa e o Japão. A presidente Dilma propôs aos países da ONU uma ação conjunta para conter a espionagem internacional, que tem participação da CIA e da NSA, do governo dos Estados Unidos.

Com a descoberta do Pré-Sal, abandona-se o modelo das concessões, que permitia a quase totalidade do lucro e todo o petróleo irem para o exterior. Adota-se o modelo do contrato de partilha para esta área, que é melhor do que a concessão. No contrato de partilha, uma parte adicional do lucro, acima do royalty, vai para o fundo social e parte do petróleo vai para o Estado brasileiro. Decidiu-se também escolher a Petrobras para ser a operadora única do Pré-Sal, o que é importante para maximizar a compra de bens e serviços no país. No leilão de Libra, foi formado um consórcio com a participação de duas petrolíferas chinesas, fugindo-se ao esquema de só participarem empresas ocidentais. No final do ano de 2014, quatro campos do Pré-Sal, que somam cerca de 14 bilhões de barris, foram entregues diretamente à Petrobras, sem leilão, o que contrariou as petrolíferas estrangeiras que desejavam vê-los leiloados.

A partir da descoberta do Pré-Sal, a Quarta Frota da Marinha dos Estados Unidos é reativada (em 2009), o presidente norte-americano Barack Obama vem ao Brasil em 2011 e seu vice-presidente se transforma em figura fácil de ser encontrada aqui. Ele se reúne diretamente com a presidente da Petrobras, o que é muito estranho. O governo norte-americano procura levar a qualquer custo a presidente Dilma para uma visita oficial aos Estados Unidos, com direito a jantar na Casa Branca, considerada uma honraria sem igual. Por esta e outras razões, FHC gostaria muito de o Pré-Sal ter sido descoberto no seu mandato, mas ele só se preocupava em preparar a Petrobras para a privatização. Surpreendentemente, meu candidato a um prêmio das Nações Unidas para grandes promotores da paz no mundo, Edward Snowden, nos informa que até os telefones da presidente Dilma foram interceptados pela inteligência estadunidense.

O tempo passa e chega o momento de nova eleição presidencial no Brasil. O capital internacional de forma geral e, especificamente, o capital do setor petrolífero, com grande influência na Casa Branca, quiseram aproveitar esta eleição para mudar algumas regras de maior soberania, estabelecidas nos últimos anos, inclusive as do Pré-Sal. Além disso, o capital internacional quer eleger um mandatário do Brasil mais subserviente. Assim, explica-se a campanha de muito ódio e enorme manipulação executada pela mídia deste capital no período eleitoral. Possivelmente, a NSA e a CIA, utilizando empresas estrangeiras aqui estabelecidas, devem tê-las incentivado a contribuir com recursos para eleger os seus candidatos em 2014, formando uma bancada no Congresso Nacional que é um misto de entreguistas com alienados corruptos, porém, muito fiéis aos doadores de campanha.

Com o acontecimento independente da descoberta dos ladrões na Petrobras, aliás, muito bem-vindo pelos estrategistas do roubo do petróleo nacional, o terceiro turno da campanha presidencial tomou corpo na mídia, assim como a tarefa de confundir a população para acreditar que a Petrobras rouba dinheiro do povo e não são os ladrões ocupantes de cargos nela que roubam.

Com uma Petrobras fraca, de preferência até privatizada, fica mais fácil levar o petróleo do Pré-Sal. Um fato importante é que, no governo FHC, existiram denúncias que a Polícia Federal e o Ministério Público pareceram ser ineptos e a mídia criminosamente benevolente com o governo. Uma destas denúncias foi a de compra de votos para a reeleição, que, mesmo com um réu confesso declarando ter recebido dinheiro para votar a favor da reeleição, nada teve de apurada; já a mídia, deu divulgação mínima e o Ministério Público não apresentou denúncia à Justiça.

Enfim, para o bem ou para o mal, tudo mudou de figura. Morreu o Brasil de só 14 bilhões de barris de petróleo. Ele terá, brevemente, uma reserva de 200 bilhões de barris, que corresponderá a uma das três maiores do mundo e irá requerer muitas medidas de soberania, se é que a sociedade brasileira deve usufruir desta riqueza. Assim, agora, na visão do capital internacional, o Brasil não chega a estar se tornando um país antagônico, como China, Rússia, Irã e Venezuela, mas está criando regras e tomando medidas hostis a este capital. Está-se no estágio da busca da cooptação dos poderes e do controle da população pela mídia do capital.

Contudo, a população não está, na sua imensa sabedoria, acreditando tanto na mídia. Se a população não der apoio para o plano do impeachment da presidente, novas tramas poderão acontecer, como uma “primavera brasileira para tirar os ladrões da Petrobras do governo”. Eventualmente, será um golpe de Estado dado pelo Congresso com o apoio da mídia. O povo precisa não dar apoio à quebra do regime democrático e não apoiar também governantes que permitam a perda do Pré-Sal.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Julgamento dos repressores da ditadura consolida democracia argentina

Reprodução

Dezenas de novos julgamentos se abrem a cada ano, chegando inclusive agora médicos, parteiras e capelães comprometidos com a repressão

Por Sérgio Ferrari,

Da Adital

Há uma década, a Argentina vive um verdadeiro tsunami em nível de julgamentos de repressores dos anos setenta e oitenta. Mais de 1.600 militares de alta graduação já foram processados por crimes de lesa humanidade cometidos durante a última ditadura — 1976 a 1983. Mais de 500 entre eles foram condenados, muitos dos quais a prisão perpétua.

Dezenas de novos julgamentos se abrem a cada ano, chegando inclusive agora médicos, parteiras e capelães comprometidos com a repressão. E os oficiais que dirigiram algumas prisões do país, como é o caso de Coronda, ao norte de Santa Fé. Em paralelo, as Avós da Praça de Maio continuam sua tenaz luta para recuperar os bebês nascidos em cativeiro de pais desaparecidos.

Um intenso ativismo em favor da memória, a verdade e a justiça, que, entretanto, pode ver-se condicionado pelas eleições presidenciais de outubro do ano em curso, afirma Alfredo Vivono, ex-subsecretário de Direitos Humanos da Província de Santa Fé, no período de 2005-2007. Com apenas 21 anos, Vivono, então militante da juventude peronista, foi detido e desaparecido (rapidamente legalizado) por sua participação na resistência antiditatorial. Desde 1984 até agora tem sido tem sido testemunha e requerente em quatro processos jurídicos — dois deles em curso — contra militares que receberam condenações de entre 10 anos e prisão perpétua. Entrevista.

Que significado têm os julgamentos contra os principais responsáveis pela ditadura argentina que se vêm dando desde 2004, ao anular-se as leis anteriores de indulto?

Alfredo Vivono - Acredito, quase com certeza, que se trata de algo único no mundo. A experiência mais conhecida têm sido os Julgamentos de Nuremberg contra os criminosos de guerra nazi. Mas se tratou de tribunais especiais com leis próprias para esses processos. A especificidade da Argentina é que estes julgamentos são realizados pelo próprio Estado que havia cometido os crimes. E fundamentalmente com tribunais e leis ordinárias. O que torna quase impossível que alguém possa tentar voltar atrás nesses processos e pretenda, no futuro, declarar a inconstitucionalidade dos mesmos.

Como promotor — e testemunha — de quatro desses julgamentos, qual é sua avaliação desses processos e as condenações resultantes?

AV - Os processos jurídicos permitiram e permitem ainda desvelar a verdade do ocorrido no país. A documentação oficial que sustentou esses processos — assim como as sentenças dos juízes — deixou claro que na Argentina não se tratou de uma guerra com dois demônios de responsabilidades similares e simétricas (o Estado e a resistência anti-ditatorial). Mas, sim, que se tratou da implementação sistemática de uma política de terrorismo de Estado para impor um modelo econômico de exclusão das maiorias.

E no terreno na vivência mais pessoal...

AV - Para as vítimas, se trata de um fato essencial de reparação. Impossível de substituir nem com anos e anos de terapias psicológicas. Poder ser escutado ante um tribunal; sustentar os relatos e acusações, muitas vezes, inclusive, em meio a lágrimas. Deixa em cada testemunha uma enorme sensação de alívio-reparação difícil de descrever. E ainda mais quando chegam as condenações dos juízes.

É importante dizer que muitos juízes não compartilham hoje, na Argentina, as posições político-ideológicas das vítimas. Mas não puderam eludir sua responsabilidade e emitiram sentenças adequadas ao direito. Isto significa um enorme triunfo da democracia.

Como explica este esforço pela verdade histórica na Argentina, que não se tem dado em outros países latino-americanos que sofreram também ditaduras e crimes de lesa humanidade?

AV - Menciono três fatores que, talvez, expliquem parcialmente a generalização desta luta pela memória, a justiça e a reparação na Argentina. Em primeiro lugar, a repressão massiva e sangrenta atingiu grande parte dos argentinos. Todos fomos afetados. Quem não havia sido vítima direta tinha algum familiar, vizinho, companheiro de trabalho sequestrado, preso ou assassinado.

Em segundo lugar, a luta heroica e inabalável das vítimas diretas, ou seja, dos organismos de Direitos Humanos, em geral, e, fundamentalmente, as Mães e Avós da Praça de Maio. Foram elas quem mantiveram a pequena chama acesa pela memória, a verdade e a justiça ainda nos momentos mais difíceis da história recente: seja quando sancionaram as leis de indulto e obediência devida — que beneficiou os militares —; ou nos anos dramáticos do neoliberalismo desenfreado quando o tema da memória tentou ser relegado. O prestígio nacional e internacional de Mães e Avós tem sido decisivo!

Outro elemento importantíssimo é o envolvimento ativo do ex-presidente Néstor Kirchner e da atual presidenta Cristina Kirchner em reivindicar os direitos humanos como essência da política de Estado.

O que significa concretamente essa avaliação? No exterior não faltam as críticas diretas contra o "Kirchnerismo”...

AV - O ex-presidente Kirchner disse, em seu primeiro discurso à Nação: "Não vou deixar minhas convicções na porta da Casa do Governo” e cumpriu. Uma de suas primeiras ações foi receber as Mães e Avós da Praça de Maio juntamente a outras organizações e vítimas. Fui testemunha, já que assisti a duas dessas reuniões. Escutou nossas reclamações — igualmente à que a atual presidenta, e ambos geraram políticas públicas favoráveis a facilitar o acesso à memória, à verdade, e à justiça reclamadas durante tantos anos. Apesar das fortes pressões contrárias de muitos fatores de poder na Argentina.

As Avós e as Mães, em sua maioria, já são idosas. Como assegurar continuidade da vigência do tema dos Direitos Humanos no futuro imediato?

AV - É impossível "herdar” o prestígio das Mães e Avós que deram fortaleza a nossas exigências. Em consequência, há de se gerar organização em torno do tema dos Direitos Humanos para poder substituí-las. Os filhos dos desaparecidos (hoje entre 30 e 40 anos de idade) estão cumprindo um rol importante de destaque.

A respeito da especificidade do terrorismo de Estado, os próximos passos consistem em avançar com os julgamentos pendentes dos responsáveis diretos pela repressão e estendê-los a ideólogos e responsáveis econômicos. Por exemplo, assegurar a continuidade do processo iniciado contra a empresa Mercedes Benz, pelo desaparecimento forçado de 14 operários e delegados dessa fábrica, e que é também impulsionado na Alemanha.

Estes julgamentos contra os que outrora foram os verdadeiros "chefes” dos militares serão mais dificultosos de promover do que dos militares mesmos. Especialmente pelos fatores de poder que dizem respeito, que hoje seguem sendo enormes.

Entra-se em um ano eleitoral na Argentina. Em que medida este processo de memória/julgamentos/castigos/reparação poderia frear-se?

AV - Há riscos. Quase toda a oposição — com expressões mais frontais ou mais encobertas — pensa encontrar a forma de pôr freio aos julgamentos. Penso que a ameaça não pesa somente sobre os direitos humanos em seu sentido mais tradicional. Mas, sim, sobre toda uma série de conquistas sociais, econômicas e culturais como a Lei de Meios de Comunicação (que controla os monopólios midiáticos); o casamento igualitário; o direito à identidade de gênero; as paritárias (livre discussão de salários e condições de trabalho); programas de educação e saúde gratuitas; subsídios às crianças pobres em idade escolar etc. que fazem, à essência da ampliação de direitos em seu sentido mais amplo.

Gostaria de concluir com um tema muito sensivelmente ligado à dinâmica europeia dos direitos humanos. Diversas organizações espanholas de vítimas do franquismo têm encontrado na Justiça argentina o caminho mais efetivo para abrir processos contra os repressores da Espanha ditatorial. Seu comentário.

AV - Reforça minha análise sobre o compromisso da justiça e do Estado argentinos direcionado a todos os processos de justiça-castigo, considerando-os como peças essenciais da reconstrução da memória coletiva. É muito meritório que tenha sido uma juíza argentina a que emitiu, no último mês de outubro, a ordem de detenção contra uma vintena de altos responsáveis por essa terrível época da história espanhola.

A verdade e vigência dos direitos humanos é uma e única. E, se certos mecanismos legais espanhóis obstacularizam julgamentos pendentes há décadas, a via argentina é pertinente e correta. Já que os crimes de lesa humanidade devem ser sancionados, os repressores condenados e as vítimas ou seus familiares reparados. Não esquecemos que quando, na Argentina, estavam paralisados por lei os julgamentos, o juiz espanhol Baltazar Garzón os impulsionou a partir da Espanha, conseguindo a detenção e condenação de alguns dos repressores.

Como, por exemplo, Ricardo Cavallo, que sequestrou e assassinou, entre outros, o militante popular argentino e escritor Rodolfo Walsh; as monjas francesas que trabalhavam na Argentina, Alice Domon e Léonie Duquet; Azucena Villaflor, uma das fundadoras das Mães da Praça de Maio. Lamentavelmente, quando o juiz Garzón decidiu investigar estes crimes, ao interior da Espanha foi destituído. Seja na Argentina ou na Espanha... Os direitos humanos são universais e, portanto, não têm fronteiras.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Coordenador da Federação Sindical Mundial debate Cuba, em Santos

Postado: bancários de Santos / Intersindical Central da Classe Trabalhadora

BLOQUEIO AINDA EXISTE, RELAÇÕES CUBA X EUA E AMÉRICA LATINA.

Ramon-Cardona O cubano Ramon Cardona, secretário geral da Federação Sindical Mundial (FSM) na América Latina e Caribe, e integrante da Central de Trabalhadores de Cuba (CTC), vem a Santos no próximo dia 25/2 a convite do Sindicato dos Bancários de Santos e Região e da Intersindical – Central da Classe Trabalhadora. Cardona participa de debate, aberto ao público, sobre a atual conjuntura política:

O encontro acontece às 19 horas, na sede do Sindicato, que fica na Avenida Washington Luis, 140, Encruzilhada, Santos. Durante a conversa o dirigente da FSM falará sobre a luta da classe trabalhadora e dos povos contra os planos impostos pelo grande capital, os desafios do movimento classista diante da crise internacional, a situação de Cuba em relação aos Estados Unidos e a luta contra o bloqueio imposto pelo imperialismo há mais de 50 anos. 

1º de maio em Cuba

1 de maio em Cuba

O companheiro Cardona tem longa experiência junto à classe trabalhadora no combate aos ataques do capitalismo, que coloca o lucro acima da vida. Além disso, é fundamental ouvirmos seus relatos e análises sobre Cuba, porque boa parte da mídia dissemina informações distorcidas sobre a realidade no país”, afirma o presidente do Sindicato dos Bancários e secretário de Relações Internacionais da Intersindical, Ricardo Saraiva Big.

Após a atividade na Baixada Santista, Cardona segue para encontros com trabalhadores na região de Campinas (interior de São Paulo). “Nós da INTERSINDICAL, que temos compromisso para com um sindicalismo classista, e propomos o socialismo, como um modelo de sociedade diferente em favor dos trabalhadores e trabalhadoras e dos povos empobrecidos por este sistema capitalista, temos uma grande tarefa a realizar”, ressalta Big.

"TRABALHADORES DO MUNDO UNI-VOS" (Karl Marx)

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Stédile não acredita em impeachment de Dilma

Postado: Rede Brasil Atual

Ouça aqui:

Stédile não acredita em impeachment de Dilma

João Pedro Stédile, da coordenação nacional do MST, não vê possibilidade de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, acredita que a política implementada pelo PT no governo federal se esgotou e que os bancos e o setor agromineral é que mandam no país. Para o líder sem-terra há interesses políticos e econômicos por trás das denúncias contra a Petrobrás mas reclama da falta de transparência sobre aos royalties da empresa. Stédile promete batalhar pela reforma política e pela democratização dos meios de comunicação, critica a guinada à direita na composição da equipe ministerial da presidenta Dilma e traça estratégia para a luta contra a privatização da Caixa Econômica Federal. O uso excessivo de agrotóxicos no Brasil, a falta d'água e o acampamento numa fazenda em Goiás de um senador do PMDB do Ceará, também são temas da entrevista exclusiva que Stédile concedeu à Rádio Brasil Atual após análise de conjuntura político-econômica do Brasil que fez nesta segunda-feira (09/02), no Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região. Reportagem Marilu Cabañas. Foto: Brasil de Fato.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Quando a execução sumária é legitimada como gol de placa

Escrito por Cidinha da Silva

Postado: Correio da Cidadania

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Doze meninos e homens negros executados pela polícia baiana com tiros na nuca. Havia marcas de tortura como braços quebrados e olhos afundados, mas poderia ser obra da polícia paulista, alagoana, carioca, pernambucana. São práticas disseminadas pelo país. O mais novo tinha quinze anos, o mais velho 27.

Uma chacina não é só mais uma chacina, não deveria ser. Chacina praticada pelo braço armado do Estado é a falência total da política de segurança pública e dos valores republicanos, violação de direitos humanos.

A novidade desta foi o discurso público do governador recém-eleito, caracterizando-a como operação exitosa da polícia que mata preventivamente. Foi mais longe o chefe maior da polícia, em manhã inspirada pela crônica policial que banaliza e desrespeita a vida de pessoas que pagam impostos e o salário da polícia que mata – quando deveria protegê-las. O mandatário definiu a chacina como um gol dos policiais artilheiros, que decidem (matar) em segundos e mais acertam do que erram.

Testemunhas amedrontadas do Cabula, bairro do assassinato coletivo, por sua vez, disseram que os doze meninos e homens estavam desarmados, não houve confronto, eles foram rendidos e espancados antes de serem conduzidos a um campo de barro, cercado por matagal, e lá executados.

Como o governador é de partido de esquerda, houve gente declarando saudade dos tempos truculentos de ACM. Brincadeira de mau gosto tão cruel quanto a metáfora futebolística de Rui Costa.

O governador metido a cronista respondeu irônico à pergunta feita em entrevista coletiva sobre o possível susto que a violência da operação poderia causar aos turistas paulistas, habitués do carnaval baiano. Atacou a segurança pública do estado sudestino, dando a entender que turista paulista está acostumado com a violência, pois São Paulo apresenta recorde de roubos a caixas bancários. Como sabemos que a polícia executora alegou que os doze rapazes chacinados iriam praticar assalto a bancos, não seria leviano inferir do contexto que os baianos-negros foram mortos (preventivamente) para proteger os turistas-branco-paulistas. É público também que são os turistas brancos de São Paulo que inundam o carnaval baiano em busca do decantado exotismo da Bahia negra. O intertexto racista do discurso governamental é tão macabro quanto a aplicação de pena de morte aos jovens negros.

O secretário de Segurança Pública de São Paulo não deixou por menos e chamou o governador baiano de grosseiro e ignorante (a troca de farpas lembrou uma briga de fotonovela). Revelou que o índice de criminalidade da Bahia é quatro vezes pior do que o de São Paulo (aspecto da ignorância). Concluiu que as declarações do mandatário nordestino desrespeitavam o carinho que os paulistas têm pelos baianos e a importância que o turismo tem para a Bahia (aspecto da grosseria). Pronto! A supremacia geopolítica de São Paulo encerrou o papo. Até a tréplica, lógico, quando o coronel-moderninho das metáforas futebolísticas responderá ao coronel-robocop da metrópole que despreza nordestinos.

E os doze moços mortos, cadê? Sumiram no discurso volátil e popularesco dos assassinatos justificados pelo combate à criminalidade.

E as famílias das vítimas? Ninguém as escuta, ampara, indeniza. São vítimas do artilheiro-matador num jogo pavoroso, comprado, no qual o perdedor já está definido antes do cara ou coroa do juiz. Uma voz isolada tem nome, sobrenome e endereço, uma senhora, não um jovem irmão ou primo de vítima que pode ser a próxima vítima. A avó de Natanael de Jesus Costa (17) grita na porta do hospital que o neto fora levar pizza à casa da namorada, próximo ao campo de barro, palco da encenação do combate na noite do crime. O menino sumiu de casa e reapareceu na lista de corpos a serem reconhecidos no IML.

E o grosso da população dos bairros pobres e miseráveis, o que faz? Repete como papagaio o discurso de legitimação da morte ouvido nos programas sensacionalistas da TV-caça-bandidos. Julgam que, ao se aliarem aos mais fortes, aos donos das armas, receberão proteção, pois são trabalhadores e os outros são bandidos. Que nada. Ninguém, ninguém é cidadão! E o gosto do sangue das vítimas só chegará à boca e aos olhos dos apoiadores das chacinas quando os tiros ceifarem a vida dos meninos criados por suas famílias e pela comunidade, aqueles que viram crescer e que buscavam pizzas para a namorada, ou foram vencidos pela dependência química, ou pela pressão ostensiva e de ostentação do tráfico. Sempre meninos queridos, que se transformarão em corpos estendidos no chão.

Nenhuma dessas doze mortes se justifica, seja qual for a ficha criminal de quem a tinha, e ainda menos atesta o sucesso de uma operação policial. Uma operação que resulta em doze mortos é arbitrária e ilegal. É catastrófica. O policiamento ostensivo deve preservar a vida, e não eliminá-la escusada por tecnicalidades explicativas.

A sobrevivência de jovens negros está em jogo diante da construção racista do suspeito preferencial. Isso já é inadmissível. Mais temerário ainda é que um governante venha a público legitimar a matança como “gols de placa” que eternizam policiais-artilheiros nos bairros populares e desprotegidos que não podem e não devem ser oficializados como estádios de futebol, nos quais se pratica tiro ao alvo negro e jovem, como quer o boleiro-governador.

Cidinha da Silva é escritora e mantém a coluna semanal Dublê de Ogum.

Foto: Morgana Damásio, em manifestação de 2014 contra o genocídio da população negra, promovida pela corajosa e destemida campanha REAJA OU SERÁ MORT@!, na cidade do Salvador, Bahia.

Publicado originalmente em Nota de Rodapé - http://www.notaderodape.com.br/2015/02/quando-execucao-sumaria-e-legitimada.html

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Guilherme Boulos: ‘O modelo petista de governabilidade se esgotou’

Escrito por Gabriel Brito e Valéria Nader, da Redação

Postado: Correio da Cidadania

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“Vimos que a opção da presidente Dilma de construir uma política neoliberal logo no início de 2015 é expressão do esgotamento de um modelo. Da mesma forma, o avanço da mobilização social no país desde junho de 2013 (o ano passado foi de muitas mobilizações e 2015 tende a ser também) é outro sintoma do esgotamento desse mesmo modelo”. Foi assim que Guilherme Boulos, dirigente do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), definiu o momento político em que se encontra o país, em entrevista ao Correio da Cidadania.

Na conversa, que visa analisar um complexo início de ano, Boulos lembrou do clima eleitoral, quando um discurso à esquerda de Dilma se beneficiou do medo da volta do PSDB ao poder central, com um neoliberalismo “puro sangue”. Para surpresa de muitos, mas não todos, os tão denunciados “retrocessos foram encarnados pelo novo mandato petista”, que incorporou por inteiro o programa imputado apenas a um eventual mandato de Aécio. Assim, o líder do principal movimento de moradia do país não espera grandes avanços em nenhuma área social, inclusive a da moradia.

“O movimento buscou propor, ao dialogar com o governo e a presidenta no ano passado, modificações importantes no Minha Casa Minha Vida. Mas, lamentavelmente, não temos nenhuma perspectiva de que as modificações ocorram, no sentido de o programa ser menos voltado ao lucro das construtoras, e mais voltado à qualidade das habitações e à gestão popular e direta dos projetos. Todas as sinalizações do governo são de que o programa, quando começar a andar, virá com os mesmos vícios das edições anteriores”, criticou.

Além de prever um ano de fortes mobilizações sociais, no esteio dos últimos dois, Guilherme Boulos também tratou das articulações com centrais sindicais e outros setores governistas para o que pode vir a ser uma ampla “Frente de Esquerda”. Nesse sentido, deixou claro que de modo algum tal iniciativa visa buscar conciliações e caminhos institucionais, mas uma agenda comum de lutas do interesse das classes populares.

“Não podemos ter peio de sentar com setores governistas e de relação histórica com o PT. A contradição não é nossa. É dos setores que apoiam o governo e que estão sendo forçados pelos ataques do próprio governo a se mobilizar. É um fator positivo na conjuntura. É fundamental que cada ataque do governo seja respondido à altura pela mobilização popular. Uma frente dessa natureza é, para nós, uma necessidade”, explicou.

A entrevista completa com Guilherme Boulos pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Como encarou a vitória de Dilma para um segundo mandato e, especialmente, o rumo que se insinua, a partir das escolhas ministeriais da presidente?

Guilherme Boulos: As eleições do segundo turno foram extremamente polarizadas e também tiveram um componente de mobilização social que não víamos há vários anos. Houve, em dado momento, um alinhamento do setor mais tradicional da direita e até setores da extrema-direita em torno da candidatura do Aécio Neves. Numa parte importante da sociedade e dos trabalhadores, gerou-se um receio quanto ao risco de um maior retrocesso.

É importante pontuar que as políticas dos 12 anos de governos do PT foram essencialmente conservadoras, não foram políticas que enfrentaram os grandes desafios, no sentido de buscar saídas para um projeto popular de país. As reformas estruturais não foram pautadas. De todo modo, houve um receio, naquele momento, de que uma vitória do Aécio representasse um retrocesso nos pequenos avanços do período, como o maior investimento social, em favor de uma política neoliberal puro sangue, de ataque frontal aos direitos trabalhistas.

No entanto, mal acabaram as eleições e vimos aquele risco de retrocesso ser encarnado pela própria Dilma, embora na eleição tenha guinado à esquerda em seu discurso. Mas ela não deu qualquer sinalização aos setores de esquerda que lhe deram apoio, crítico ou não, no segundo turno, e deu todas as sinalizações ao mercado, realizando integralmente o programa defendido por Aécio Neves: aumentos sucessivos de taxas de juros (já há três meses), aumento do combustível, declaração de abertura de capital da Caixa Econômica Federal, indicação de um dirigente do Bradesco pra conduzir a economia do país e, mais recentemente, ataques diretos a direitos trabalhistas, como seguro-desemprego e pensões, além de cortes em investimentos sociais. Tal cenário caracteriza como a Dilma encarnou o retrocesso.

Portanto, para nós, do MTST, está bem claro que 2015 será um período de grandes mobilizações contra esses ataques que querem fazer os trabalhadores pagarem pela crise, ao lado de uma plataforma de esquerda e popular, que pedirá avanços para o Brasil.

Correio da Cidadania: Como liderança do MTST, como acredita que deva caminhar o tema habitacional neste governo, especialmente em um ano que promete grave e profunda recessão?

Guilherme Boulos: Pois é. O programa Minha Casa Minha Vida 3, que pretende construir 3 milhões de casas, já foi lançado duas vezes, e não foi iniciado até agora. Foi lançado em junho passado, depois no discurso de posse, mas até agora não se deu 1 real para o programa. O Ministério das Cidades, que opera o programa, é o segundo que mais sofreu cortes no contingenciamento da tesoura do Levy, atrás apenas da Educação. Assim, a primeira questão é a dúvida sobre o fato de haver, ou não, recursos para viabilizar o programa.

Porém, mesmo que tais recursos sejam empenhados, e nós acreditamos que em algum momento serão, porque há um grande interesse das construtoras, do capital da construção civil e do setor imobiliário no andamento do programa, tudo será feito de acordo com os interesses desses mesmos grupos.

O movimento buscou propor, ao dialogar com o governo e a presidenta no ano passado, modificações importantes no programa Minha Casa Minha Vida. Mas, lamentavelmente, não temos nenhuma perspectiva de que as modificações ocorram, no sentido de o programa ser menos voltado ao lucro das construtoras, e mais voltado à qualidade das habitações e à gestão popular e direta dos projetos. É o contrário. Todas as sinalizações do governo são de que o programa, quando começar a andar, virá com os mesmos vícios das edições anteriores.

Correio da Cidadania: O que tem a dizer sobre as manifestações e protestos que mudaram a tradicional cara pacata de anos que se iniciam, e tomam conta de 2015?

Guilherme Boulos: 2015 foi o ano que começou antes do carnaval. E com muita intensidade. Começou com as respostas aos ataques feitos pelos próprios governos. O tema das tarifas de transporte está no país todo, pois em todas as capitais e grandes cidades houve aumento, o que tem gerado, e deve continuar gerando, mobilizações contra esse que é um ataque à economia popular.

Ao mesmo tempo, começam a surgir mobilizações quanto ao tema da água, particularmente em São Paulo, por conta da política desastrosa do governo Alckmin – mas tende também a afetar outros estados do Sudeste. Tem também a moradia. Com o não lançamento do Minha Casa Minha Vida 3, temos um vácuo. Não se pode contratar, pois os recursos do programa 2 acabaram e o 3 ainda não foi lançado. Ou seja, temos um período sem contratações de habitação popular no país, o que tende a acirrar tensões.

O MTST já realizou três mobilizações neste ano e realizará mais. Além do mais, teremos a mobilização encabeçada pelas centrais sindicais, mas também com o apoio do conjunto do movimento social brasileiro contra o ataque aos direitos trabalhistas. Na semana passada, já tivemos um dia de luta nesse sentido e teremos outros nas próximas semanas.

É fundamental que cada ataque do governo seja respondido à altura pela mobilização popular. O MTST e outros movimentos temos construído o enfrentamento a essa linha de fogo, pra não deixar os ataques sem resposta.

Correio da Cidadania: Portanto, vocês têm clara a necessidade de atuarem em conjunto com outros segmentos, inclusive pelos interesses do próprio movimento de moradia.

Guilherme Boulos: Sem dúvida. A própria pauta do MTST não é estritamente pela moradia. No ano passado deixamos isso muito claro, com mobilizações em torno de vários outros temas urbanos. O MTST é um movimento de luta por reforma urbana e transformação da sociedade. Mesmo o sem teto que luta por uma casa precisa de água na torneira e pega transporte público pra ir trabalhar todo dia. Portanto, são pautas articuladas.

Mas não é só. Temos participado e estimulado a construção de uma frente ampla pelas reformas populares e contra os ataques aos direitos sociais no país, para que a luta seja travada em maior escala.

Correio da Cidadania: Nesse sentido, como explica e o que pensa da estratégia de aproximação e formação de uma agenda comum de lutas entre os novos movimentos e partidos e a esquerda mais institucional e governista?

Guilherme Boulos: Para nós, é essencial, numa frente articulada, saber a plataforma que se defenderá e a forma de mobilização a ser adotada. A frente que queremos construir é com plataforma caracterizadamente de esquerda, em favor de reformas populares e estruturais, e contra o ataque aos direitos trabalhistas, inclusive do próprio governo petista. É uma frente voltada ao processo de mobilização, não para costuras institucionais. Uma frente dessa natureza é, para nós, uma necessidade.

Não podemos ter peio de sentar com setores governistas e de relação histórica com o PT. Para nós do MTST isso não é um problema, porque temos segurança da nossa posição, que demonstramos no dia a dia, tanto nas mobilizações como nos discursos e posições políticas do movimento, de completa autonomia e crítica a qualquer governo.

Pensamos que quanto mais amplo for e quanto mais setores pudermos juntar numa plataforma unificada de esquerda, mais poderemos avançar em políticas sociais pelo país.

Correio da Cidadania: Acredita que entidades como a CUT, por exemplo, que começam a ir às ruas, mas cujas pautas e atuação nos últimos anos foram visivelmente rebaixadas diante do atrelamento ao governismo, possam de fato intensificar uma postura mais reivindicatória e de enfrentamento, em função da grave recessão que se anuncia?

Guilherme Boulos: É o processo que vai mostrar. Essa contradição não é nossa. É dos setores que apoiam o governo e que estão sendo forçados pelos ataques do próprio governo a se mobilizar. Da parte do MTST, não existe contradição alguma. No entanto, a atuação do governo petista no final de 2014 e começo de 2015 tem sido tão ofensiva às pautas dos trabalhadores que forçou os próprios setores historicamente ligados ao governo a darem resposta e se mobilizarem.

É um fator positivo na conjuntura. Não é problema. Seria um problema maior se, mesmo com tais ataques, esses setores ficassem parados, contendo suas bases. Temos de ver esses fatos, pelo ponto de vista mais amplo da conjuntura, como fatores positivos, a serem potencializados. O limite disso tudo é o processo que irá revelar.

Correio da Cidadania: Finalmente, com tantas crises que se anunciam, algumas dentre as mais graves da história do país, como o desabastecimento de água, energia, além das pautas mais discutidas nessa entrevista, você se arrisca decretar o esgotamento do modelo político e de desenvolvimento econômico adotado pelo país nas últimas décadas?


Guilherme Boulos: Para nós, existe uma análise consolidada de que o modelo petista de governabilidade se esgotou. O petismo produziu, particularmente nos primeiros seis anos de Lula, uma tentativa de amplo processo de conciliação de classes na sociedade. Consegue-se tal conciliação por um período, e com relativo sucesso, se tivermos as forças sociais desmobilizadas e, fundamentalmente, crescimento econômico.

O que permitiu ao Lula produzir lucros recordes ao setor financeiro, às empreiteiras, ao agronegócio, enfim, uma bonança inédita ao grande capital, ao mesmo tempo em que se ampliaram o salário mínimo e o crédito aos trabalhadores, além de programas sociais como o Bolsa Família e o próprio Minha Casa Minha Vida? Foi o período de crescimento econômico. Entre 2003 e 2010, a média de crescimento era de 4% ao ano.

O problema é que veio a crise de 2008, com forte queda na exportação de produtos primários, particularmente para a China. Os preços caíram, a economia chinesa desacelerou e esse crescimento foi para o buraco. A média de crescimento dos 4 anos de Dilma foi de 1,5% ao ano. Diminuiu-se a margem de manobra para a conciliação, o que força o governo a tomar opções mais claras e drásticas. Ao mesmo tempo, isso gera reações e resistências em setores organizados da sociedade.

Vimos que a opção da presidente Dilma de construir uma política neoliberal logo no início de 2015 é expressão do esgotamento de um modelo. Da mesma forma, o avanço da mobilização social no país desde junho de 2013 (o ano passado foi de muitas mobilizações e 2015 tende a ser também) é outro sintoma do esgotamento desse mesmo modelo.

O papel de uma esquerda socialista e combativa no país é apontar a perspectiva para um novo modelo político e econômico. E temos clareza de que isso não será alcançado por meio de disputas institucionais. Será alcançado por meio de construções de processos sociais, amplas mobilizações e intensificação das lutas populares no país.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Terceirização: um problema conceitual e político

Le Monde Diplomatique

Postado: Intersindical Central da Classe Trabalhadora

Terceirização

Forças empresariais atacam em diversas frentes para legitimar um novo ciclo generalizante da terceirização no Brasil. Mas, afinal, o que é terceirização? Quais são as reais consequências desse fenômeno que provoca grande celeuma em todos os campos em que é tratado?

Desde o início da reorganização capitalista da produção, globalmente desencadeada no último quarto do século passado, a terceirização tem sido utilizada, por todos os tipos de empresa, como um dos instrumentos centrais de suas estratégias de acumulação.

Trata-se da forma de contratação laboral que melhor tem se ajustado ao formato neoliberal imposto aos mercados de trabalho, concedendo às empresas uma série de benefícios, como a flexibilidade de manejar força de trabalho a um custo econômico e político reduzido. As consequências podem ser ainda mais amplas: internalizar nas mentes e corpos – e, é claro, positivar no direito – um novo valor e um novo discurso que eliminem o fundamento da regulação social anterior do capitalismo, isto é, que possam dissociar – ideológica, política e juridicamente – a empresa de seus trabalhadores; algo que possa quebrar, portanto, a noção de que há qualquer vínculoentre os lucros auferidos e os trabalhadores necessários à reprodução dessa riqueza.

Esse discurso aportou no Brasil durante a década de 1980. Buscando um lugar na nova ordem econômica, a terceirização vem sendo, desde então, crescentemente utilizada e ferrenhamente defendida pelo empresariado e seus representantes. Em 1993, essas forças obtiveram uma significativa vitória, pois lograram a liberalização dessa forma de contratação por meio da edição da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que permitiu a contratação de trabalhadores por empresa interposta desde que a atividade em questão não atingisse o que se denominou de “atividades-fim” da empresa contratante. Todavia, hoje nos encontramos diante de uma nova ofensiva patronal no Legislativo e no Judiciário, que tem por objetivo superar qualquer obstáculo jurídico às possibilidades de terceirização, permitindo sua utilização em todas as atividades das empresas.

Mas, para entender o ponto a que chegamos e o horizonte que se apresenta, é preciso resgatar uma discussão mais conceitual e analítica. Afinal, o que é, efetivamente, terceirização? Quais são suas reais consequências? Esse fenômeno provoca grande celeuma em todos os campos em que é tratado. A própria definição de terceirização não é gratuita, o que é, evidentemente, expressão de interesses opostos e em conflito.

Convidamos o leitor, portanto, a discutir o que está em jogo.

A luta pelo conceito

Nas ciências sociais em geral, afirmar que os conceitos não são neutros não é nenhuma novidade. Qualquer discussão só pode começar a partir dessa constatação, o que significa, sobretudo, identificar os interesses subjacentes a cada tipo de formulação com pretensões analíticas. Por exemplo, isso já se faz, de longa data, com os conceitos de globalização e flexibilização do trabalho, formulados nos marcos de uma visão de modernidade acrítica, segundo a qual só existiriam progresso e ganhos econômicos para todos.

O conceito de terceirização está igualmente longe de ser ingênuo. É reproduzido, comumente, como se fosse algo inexorável e positivo. O corolário, assim, é a restrição ao contraditório. Mesmo a literatura crítica, ao assumir o conceito, tem caído na armadilha analítica criada pela noção hegemônica de terceirização, pois, a despeito de identificar consequências nefastas do fenômeno, acaba por admitir sua inevitabilidade, mesmo que a negue retoricamente.

Vejamos em que ponto está o atual consenso, suas contradições e inconsistência.

A terceirização é generalizadamente conceituada como a transferência de parte do processo produtivo de uma empresa, a contratante, que passaria a ser feita por outra organização (normalmente classificada como pessoa jurídica) – a contratada ou “terceirizada”. A ideia é que a contratante passaria a focar as atividades em que seria especializada, deixando de realizar aquelas menos importantes para seus propósitos. A contratada, por sua vez, teria justamente nessas áreas o seu foco, ou seja, seria supostamente especializada nas atividades que foram sujeitas à terceirização. Quando bem realizada, os resultados dessa reengenharia seriam o aumento na qualidade de produtos, serviços e maior eficiência.

É esse, em linhas gerais, o argumento empresarial. Ele é sustentado por estudiosos da administração que enfatizam a necessidade de a empresa definir seu foco de ação, seucore business, e transferir as demais para terceirizadas – luta vitoriosa, como apontamos, pois a ideia foi incorporada por súmula do TST que criou, dentro dessa lógica, os termos jurídicos de “atividade-fim” e “atividade-meio”.

Em suma, supõe-se que a terceirização seria a radicalização da divisão do trabalho numa economia capitalista “pós-fordista”. Ou seja, se a figura de empresa típica do fordismo foi caracterizada como extremamente vertical, com a reestruturação produtiva adveio um formato de empresa mais horizontalizada, que exigiria a fragmentação do processo produtivo.

Contudo, empiricamente, a terceirização está distante dessa imagem. Ela não implica a externalização das atividades nem a radicalização da divisão social do trabalho das empresas capitalistas, apesar de reivindicar e procurar vestir esse traje.

Esse fato pode ser apurado nos resultados concretos de centenas de pesquisas sobre o tema. Um olhar mais atento às atividades empresariais – o qual adentra o interior das empresas, analisa os contratos que firmam, a organização do trabalho, seu modus operandi– demonstra que, nos casos estudados, inclusive os que nós pesquisamos, de empresas de todos os portes, setores, nacionais e transnacionais, as empresas contratantes não deixam de comandar a atividade terceirizada.

É importante que esse ponto seja destacado: a terceirização aparentemente divide e fragmenta o processo, podendo haver, eventualmente, segregação espacial de atividades, mas a relação não se efetiva entre empresas “autônomas”. Pelo contrário, a essência docontrole de fatodo processo produtivo das atividades terceirizadas não muda, continua sendo da empresa contratante. Esse controle pode ser feito por diferentes métodos (até insidiosamente), mas invariavelmente inclui a detenção do know-how da atividade e a gestão da força de trabalho empregada.

Portanto, a terceirização não significa externalização de fato de atividades da produção. O que se efetiva é uma contratação diferenciada da força de trabalho por parte da empresa tomadora de serviços. Com isso, procura-se redução de custos e/ou externalização de conflitos trabalhistas, aumento de produtividade espúria, recrudescimento da subsunção do trabalho, flexibilidade e externalização de diversos riscos aos trabalhadores. Em suma, com maior ou menor intencionalidade, as empresas buscam diminuir as resistências da força de trabalho e as limitações exógenas ao processo de acumulação.1

A divisão do trabalho sempre existiu e continuará existindo no capitalismo. Por isso, confundi-la com a terceirização apenas serve para fortalecer o argumento da inevitabilidade. Todavia, o próprio caráter do capitalismo global comprova essa diferença. Afinal, se seus defensores estivessem corretos, ou seja, se a terceirização representasse transferência de partes do processo produtivo para redes de empresas especializadas e autônomas, o resultado seria uma crescente pulverização de capitais. No entanto, presenciamos exatamente o inverso, isto é, o acirramento da centralização de capital em escala global.

Por isso talvez seja interessante repensar o próprio conceito de terceirização, que poderia ser conceituada como o processo de valorização do capital por meio de organização e gestão do trabalho em que não há admissão da relação contratual com os trabalhadores em atividade e que se utiliza, para tanto, de um ente interposto (seja pessoa jurídica, cooperativa etc.).

Resultados empíricos:

precarização do trabalho

Estamos diante, portanto, de uma forma específica de contratação de trabalhadores, que se vale de figuras interpostas (normalmente pessoas jurídicas) para atingir seus objetivos. Mas poder-se-ia objetar: isso é necessariamente ruim? Não seria apenas o modelo de contratação mais adequado aos novos tempos e a novos padrões de consumo, os quais exigem rapidez e qualidade na produção de mercadorias e prestação de serviços?

Ocorre que o sentido histórico da terceirização é outro. Se o assalariamento em si desconhece limites à exploração, a terceirização potencializa esse processo. Não por acaso, o uso desse mecanismo tem um efeito visível, identificado pelas pesquisas sobre o tema: a precarização do trabalho.

O grau de atrelamento das terceirizadas em relação às contratantes e a precarização do trabalho que é gerada podem ser demonstrados de diversos modos e por meio de vários indicadores. O caso emblemático discutido pelos estudos do trabalho é o chamado “modelo japonês”, formulado originalmente pela empresa automobilística Toyota, que, para promover uma forma de produção com ampla redução de custos, criou uma rede extensa de pessoas jurídicas terceirizadas totalmente vinculadas à empresa central. A diferença essencial era que os direitos e benefícios atrelados à empresa principal não se estendiam à rede de subcontratação.

Para o capitalista individual, a intenção imediata da terceirização comporta alguma variação, o que quase sempre inclui corte de custos. Mas essa forma de contratação também acarreta redução dos limites impostos à exploração do trabalho, mesmo quando tal consequência não se insere deliberadamente nos cálculos empresariais.

No Brasil, as implicações deletérias da terceirização, fartamente apontadas, não são meras contingências ou desvios, mas derivam da redução ou ausência de limites à acumulação na vigência desse mecanismo de contratação. Os trabalhadores terceirizados recebem salários menores, têm jornadas mais extensas e menor resguardo de direitos e benefícios.

E, sobre um aspecto ainda mais grave, segundo dados do Ministério do Trabalho, a terceirização tende a promover o trabalho análogo ao escravo mais do que uma gestão do trabalho estabelecida sem a figura de ente interposto, o que a vincula às piores condições de trabalho apuradas em todo o país (degradantes, exaustivas, humilhantes etc.).

Considerando os dez maiores resgates de trabalhadores em condições análogas às de escravos no Brasil em cada um dos últimos quatro anos (2010 a 2013), em 90% dos flagrantes os trabalhadores vitimados eram terceirizados. Poder-se-ia objetar que são casos apenas de terceirizações informais, realizadas por empresas fraudulentas. No entanto, mesmo em situações plenamente formalizadas, ou seja, em que os trabalhadores têm carteira de trabalho assinada, a maioria dos resgates ocorre com terceirizados formalizados por empresas interpostas. Entre esses resgates com terceirizados formalizados, figuram desde médias empresas desconhecidas até gigantes da mineração e da construção civil, do setor de produção de suco de laranja, fast-food, frigorífico, multinacional produtora de fertilizantes e obras de empresas vinculadas a programas do governo federal.

No Brasil, as terceirizações também elevam a probabilidade média de morrer trabalhando. Com base em dados da Rais, pudemos identificar fortes indícios da relação entre setores econômicos com maior incidência de mortes e o predomínio maciço de terceirizados entre as vítimas.2

Interessante observar que as empresas não apresentam em suas pesquisas as comprovações de seu discurso e ignoram, ou não reconhecem, os inúmeros estudos acadêmicos das organizações sindicais e das instituições do direito do trabalho.

Conjuntura

O cenário atual é desanimador, mas ainda pode piorar muito, pois há vasto espaço para o crescimento da terceirização, cujas estimativas de existência no país apontam para algo em torno de um quarto da força de trabalho contratada.

Na prática, as terceirizações muitas vezes acontecem mesmo nas chamadas atividades-fim, a despeito da proibição jurídica. Justamente por isso, a nova ofensiva empresarial procura acabar com essas amarras. O empresariado agora quer anular quaisquer limites e controles sociais existentes.

A luta mais avançada nesse sentido concentra-se hoje em dois flancos. No Legislativo, com a tentativa de aprovação do Projeto de Lei n. 4330. No Judiciário, a ofensiva reside no Supremo Tribunal Federal (STF), onde tramita um processo específico de terceirização ao qual foi atribuído um caráter de repercussão geral e que, se a Corte Suprema considerar, por meio dele, inconstitucional a Súmula n. 331 do TST, vai agora permitir, na prática, a terceirização indiscriminada.

Após mais de vinte anos, paradoxalmente, as entidades e os movimentos dos trabalhadores contrários à terceirização são forçados a se amparar nos termos criados pelo próprio discurso empresarial. Mesmo que as noções de atividade-meio e atividade-fim sejam apenas construções jurídicas que podem amenizar a tendência predatória que decorre da verdadeira finalidade das empresas – isto é, seu fim é a busca de lucro, e as próprias mercadorias e serviços são apenas meios para tanto –, o fato é que, na atual conjuntura, essas noções ainda permitem colocar um freio às tendências precarizantes, especialmente se vigorar a responsabilidade solidária das empresas contratantes e a prevalência da norma coletiva mais favorável entre os sindicatos de trabalhadores envolvidos.

Qual futuro?

Ao se lançarem numa ampla cruzada para demolir os obstáculos à terceirização em atividades-fim, os grupos empresariais apenas comprovam que a estratégia diz respeito à flexibilização da contratação de trabalhadores. Ora, como poderiam auferir lucros abdicando de todas as atividades, inclusive o que eles próprios alegam ser o “principal” de sua produção?

Durante décadas, as empresas defenderam a retórica de que precisariam externalizar para se concentrar no essencial. Se agora querem terceirizar tudo, simplesmente confirmam que o conceito defendido é inconsistente. Na verdade, querem fazer com a atividade-fim o que já fazem com as atividades-meio: gerir sua força de trabalho, com o uso de um ente interposto, obtendo todos os benefícios que essa forma de contratação lhes propicia.

A terceirização, se liberada ainda mais, será um grande golpe contra o direito do trabalho. A história, contudo, já nos dá subsídio para desmascará-la, com base na realidade concreta exposta nas diversas pesquisas sobre o tema e na própria retórica daqueles que se beneficiam dessa forma destrutiva de gestão do trabalho.

Vitor Filgueiras e Sávio Machado Cavalcante

Vitor Filgueiras é auditor fiscal do trabalho, pós-doutorando em Economia no Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit); e Sávio Machado Cavalcante é professor do Departamento de Sociologia (IFCH-Unicamp).

Ilustração: Adão Iturrusgarai

1         Para uma definição que enfatiza essas características, ver Paula Marcelino e Sávio Cavalcante, “Por uma definição de terceirização”, Caderno CRH, Salvador, v.25, n.65, 2012.

2          Para uma descrição detalhada desses pontos, ver Vitor Filgueiras, “Terceirização e os limites da relação de emprego: trabalhadores mais próximos da escravidão e morte”, Campinas, 2014. Disponível em:http://indicadoresderegulacaodoemprego.blogspot.com.br/2014/08/terceirizacaoe-os-limites-da-relacao-de.html