Por: Jorge Luís Souto Maior
Teor da entrevista concedida por Jorge Luiz Souto
Maior a Vitor Nuzzi, da Revista do Brasil, tratando do "negociado sobre
o legislado" e outras tentativas de redução de direitos trabalhistas:
O
governo interino parece relacionar a melhoria da economia com as
pretendidas reformas, particularmente da Previdência e trabalhista. Uma
coisa depende mesmo da outra?
Se
melhoria da economia estivesse relacionada à redução dos custos
trabalhistas o Brasil seria uma das maiores potências econômicas do
mundo, pois o custo do trabalho no Brasil é um dos mais baixos do
planeta. Além disso, o Brasil tem feito reformas trabalhistas, na linha
da redução de custos, desde 1964, e nenhum resultado positivo se obteve
para a economia nacional. Os benefícios serviram às multinacionais que
se enriqueceram às custas do trabalhador brasileiro, sendo que os lucros
foram remetidos ao exterior.
Em
texto, o senhor afirma que o propósito central do golpe é eliminar
direitos trabalhistas. A CNI e outras entidades empresariais estariam
“cobrando a fatura” do governo interino?
O golpe não se
estabeleceu pelas entidades empresariais, mas algumas delas perceberam
que a onda de quebra institucional instalada no país e justificada para,
supostamente, acabar com a corrupção ou a imoralidade, constituiria o
ambiente favorável para eliminar as instituições que, apesar de tudo,
ainda resistem aos avanços da exploração do trabalho, quais sejam, a
Constituição Federal, a Justiça do Trabalho e o Direito do Trabalho.
Desde o final de 2015 passaram, então, a insuflar o impeachment,
favorecendo grupos políticos específicos, e agora, efetivamente, cobram a
conta do governo interino, até porque este não tem como se manter no
poder senão com o apoio dessa parcela empresarial, afinal não possui
qualquer base eleitoral. Essa associação entre o governo e parte do
setor empresarial denuncia a existência do golpe de Estado, já que o
impeachment não está de fato relacionado a efetivas e significativas
infrações da presidenta e sim ao propósito de obter vantagens com a
quebra institucional.
O que o senhor pensa da tese do negociado sobre o legislado? É, de fato, uma “modernização” do universo do trabalho?
Isso
não é uma tese. É uma ofensa explícita à classe trabalhadora, uma vez
que nunca houve obstáculo para que o negociado prevalecesse sobre o
legislado, com a exigência de que o que se negocia traga vantagens aos
trabalhadores superiores às garantias já fixadas em lei, que são fruto
de lutas históricas. Então, o que se quer é destruir os avanços
conquistados, sob o falso argumento de que se está “modernizando” as
relações de trabalho, valendo lembrar que argumento igual a esse já se
expressava desde o início da década de 90.
Há
um projeto na Câmara que trata do tema. As condições de trabalho
ajustadas mediante convenção ou acordo coletivo prevaleceriam sobre o
disposto na lei, desde que não contrariem a Constituição e as normas de
medicina e segurança do trabalho. O presidente do TST, ministro Ives
Gandra Filho, é simpático à proposta.
O que está dito não é
o que se quer realizar, até porque se a negociação não pode contrariar a
Constituição e se a Constituição diz que as normas
infraconstitucionais, incluindo as que decorrem de negociação coletiva,
devem melhorar a condição social dos trabalhadores, não haveria a
possibilidade jurídico-formal, conferida pelo próprio PL, de uma
negociação coletiva reduzir direitos fixados em lei. O que se quer é
usar a negociação para reduzir direitos e, mais ainda, o que se pretende
é mesmo acabar com a proteção legal do trabalho, promovendo, ao mesmo
tempo, uma destruição da ação sindical. Ora, em um ambiente sem garantia
de emprego e com desemprego alarmante os sindicatos seriam facilmente
chantageados a aceitar reduções de direitos e isso dificultaria ainda
mais a identidade do trabalhador com a entidade sindical, sendo que o
mesmo problema ocorreria se o sindicato não aceitasse a redução e a
empresa, por vingança, efetivasse a dispensa coletiva de trabalhadores. A
questão é que a ação sindical serve para melhorar as condições de
trabalho e não para legitimar reduções. Atribuir essa função ao
sindicato equivale a destruí-lo na essência.
O interessante é que nos
momentos de pleno emprego, com sindicatos fortes, instrumentalizados
por um direito de greve não submetido a intervenção estatal, os
empregadores não querem a livre negociação coletiva, defendendo a
prevalência da legislação, como se deu no Brasil na década de 30. A
promessa constitucional foi a da melhoria da condição social dos
trabalhadores, e nenhum argumento de crise pode obstar a implementação
de um esforço neste sentido, até porque o Direito do Trabalho é
essencialmente um direito de tempos de crise, para impor limites à sanha
autodestrutiva do capital.
E
quanto ao projeto de terceirização, aprovado na Câmara e agora
tramitando no Senado? Governo e empresas falam em “segurança jurídica”,
enquanto os trabalhadores afirmam que a proposta, como está, representa
“precarização”.
Se essas empresas defendem segurança
jurídica, por que não aceitam conferir aos trabalhadores estabilidade no
emprego? Isso sim seria uma segurança jurídica saudável para as
relações de trabalho e para a economia como um todo. Independentemente
disso, qualquer cidadão ou empresa só terá efetiva segurança jurídica se
cumprir as leis. O que parcela do empresariado quer, para satisfação de
seus interesses particulares e não para a melhoria da economia
nacional, é descumprir a Constituição, que alçou os direitos
trabalhistas a patamar de direitos fundamentais. E querem fazer isso com
“segurança jurídica”, sendo que a melhor forma que encontraram para
atingir esse objetivo foi a de fragilizar a classe trabalhadora,
precarizando não apenas as suas condições de trabalho, mas a sua própria
condição humana, vez que essa situação praticamente impede a ocorrência
de reações individuais ou coletivas no sentido da exigência quanto ao
efetivo cumprimento de direitos.
Em
2014, em entrevista, o empresário Benjamin Steinbruch falou que nos
Estados Unidos “você vê o cara comendo sanduíche com a mão esquerda e
operando a máquina com a direita”. Sugeriu que o horário de almoço
poderia ser objeto de negociação direta entre as partes. Talvez seja
factível, mas não é um exemplo extremo?
Já que disse isso,
seria, então, muito interessante ver esse senhor trabalhando como
terceirizado na construção civil, comendo com uma mão e serrando madeira
com a outra; ou em um frigorífico, comendo com uma mão e passando o
facão na carne com a outra; ou como motorista de carreta, dirigindo 14
horas por dia, sete dias por semana, e comendo com uma mão e dirigindo
com a outra…
Retóricas à parte, o fato é que a ordem jurídica,
voltada à preservação da dignidade humana, foi construída de forma a não
sofrer qualquer tipo de abalo diante das cobranças do pensamento
econômico que despreza a condição humana do trabalhador.
Jorge Luís Souto Maior
Graduação em Direito pela Faculdade de Direito Sul de Minas (1986),
Mestrado (1995) e Doutorado (1997) em Direito pela Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo. Pesquisa, em nível de pós-doutorado,
realizada na França em 2001, financiada pela CAPES, sob orientação do
Prof. Jean-Claude Javillier, professor da Universidade de Paris-II.
Atualmente é professor livre docente da Universidade de São Paulo. Tem
experiência na área de Direito, com ênfase em Direito do Trabalho,
atuando principalmente nos seguintes temas: Direito do Trabalho, Teoria
Geral do Direito do Trabalho, História do Direito do Trabalho, Direitos
Humanos, Processo do Trabalho e Justiça do Trabalho.
Reproduzida em:
http://www.dmtemdebate.com.br/jorge-luiz-souto-maior-nao-e-tese-e-ofensa-explicita/
Vide também:
http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/120/nova-agenda-velha-8988.html