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sábado, 31 de maio de 2014

O inimigo é a velha direita e não o PT, diz candidato do PSOL em SP

Postado: Carta Maior

Gilberto maringoni

Gilberto Maringoni minimiza disputa interna no partido e promete não repetir ataques do PSOL ao PT na disputa em São Paulo. “O petismo pode não ser de esquerda, mas o anti-petismo geralmente é de direita”

por Renan Truffi

O historiador e cartunista Gilberto Maringoni, candidato a vereador pelo PSOL em São Paulo em 2012, teve de “atender a um chamado” do partido na última semana. O professor de filosofia da USP Vladimir Safatle [colunista de CartaCapital], que postulava a candidatura ao governo pelo PSOL, desistiu da disputa em meio a duras críticas contra o diretório estadual. As reclamações foram de que a legenda não tratou sua candidatura como prioridade e, consequentemente, não se engajou para levantar fundos. Maringoni, então, aceitou o desafio de assumir o posto de pré-candidato do PSOL no lugar do colega, a cinco meses das eleições. Professor na Universidade Federal do ABC, ele defende que não se trata de uma candidatura “tapa-buraco”. “Essa é uma forma menos elegante de falar suprir a demanda. Eu atendi um chamado. Não estou tapando buraco, não”.

As condições para realizar a campanha ainda são as mesmas que foram decisivas para a desistência de Safatle. O PSOL não tem dinheiro em caixa e o historiador terá de sair “passando o chapéu” em busca de financiadores de campanha. Maringoni, entretanto, ameniza o conflito interno na sigla. “Essa questão [acusações de Safatle contra o PSOL] esquentou um pouco além da conta, mas nenhum fusível foi queimado. Não me parece que tenha inviabilizado a campanha”, afirma.

Com 18 anos de militância pelo PT, Maringoni tem um perfil um pouco diferente de outros candidatos lançados recentemente pelo partido. Os eleitores não devem esperar dele uma postura parecida com a do então candidato à Presidência pelo PSOL em 2010, Plínio de Arruda Sampaio, que atacou constantemente a hoje presidenta Dilma Rousseff (PT) em entrevistas e debates durante o pleito. Maringoni não tem problema em reconhecer os avanços dos governos Lula e Dilma. Ao contrário. Ele rejeita o “anti-petismo”, mas também não gosta da fama de ser considerado o mais petista dos membros do PSOL.

“Essa piada é genial”, ironiza, apesar de admitir que vai focar suas críticas nos tucanos. “O inimigo continua sendo a velha direita. Embora o PT concilie com isso, seja frouxo para combater isso, ainda é muito diferente da velha direita. Até porque sua base social é muito diferente. Aí que não critico o PT. O petismo pode não ser de esquerda, mas o anti-petismo geralmente é de direita”, defende. Confira a entrevista de Maringoni a CartaCapital.

CartaCapital: Como foi a decisão para sua candidatura? Você foi convocado depois da desistência do Safatle?
Gilberto Maringoni: Eu sou filiado ao PSOL desde 2005. Fui da direção nacional. Coordenei a campanha do Plínio. O Safatle entrou no PSOL em setembro de 2013 e foi logo unanimidade no partido porque era uma chance de sinalizar para quem não é militante tradicional do partido. E o Safatle tem um detalhe interessante porque é um intelectual que faz um debate político mais amplo, um debate cultural da política. Não fica explicitamente na questão governo contra governo, PT contra PSDB, que em outros tempos nós chamaríamos de um debate ideológico. Ele escreve muito sobre os movimentos de junho. Aí ele propôs também uma coisa de muito interesse, que é um seminário com acadêmicos sobre ideias para o plano de governo. E, pelo que eu entendi, não acompanhei isso, não sou do diretório estadual, nacional, é que ele estava na dúvida de lançar a campanha. Não sei se por questões materiais. Não sei ao certo. E só aí me convidaram. Insistiram e eu falei: ‘tá bom’. Eu topei para fazer o debate. Foram vários dirigentes estaduais do PSOL que me chamaram. Fui candidato a vereador, fazer campanha é uma coisa muito boa. Você conhece a cidade, conhece um lado que geralmente não conhece. É uma vivência que eu não tinha tido [até 2012] e que é ótima. Você dá sua cara a tapa. Mas campanha a vereador é uma escala micro em relação a uma candidatura ao governo do Estado. O que me atraiu é saber que vou poder debater projeto, embora saiba que em campanhas como as nossas, com tempo mínimo de TV, as nossas únicas chances são nos debates televisivos. Mesmo assim é interessante você discutir um projeto maior. Aí que decidi aceitar. Depois de aceito é que teve esses problemas da semana passada [declarações do Safatle]. Não tenho vaidade. Estou com 55 anos. Milito desde os 19 anos. Militava na ditadura, participei de movimento estudantil, de partido. Então estou cumprindo uma tarefa cívica e democrática que qualquer cidadão pode cumprir.
CC: A impressão que ficou com a polêmica é que você foi convocado às pressas pelo partido. Sua candidatura é ‘tapa-buraco’?

GM: Tapa-buraco é um pouco menos elegante de falar suprir a demanda. Você pode dizer que a CartaCapital tapa um buraco de revistas politizadas. Sim, ela supre uma demanda. Eu atendi um chamado. Se você quiser chamar de tapa buraco, não é o mais elegante, mas eu não estou tapando buraco, não. Até porque tem muita gente no PSOL para suprir a demanda. Eu fui convencido, aceitei e agora estou achando que vale a pena. Sem ilusão nenhuma de resultado. Sem projeção de interesse pessoal. Eu vou me licenciar [da Universidade Federal do ABC] para cumprir essa tarefa. E é uma situação extremamente delicada que o País está passando agora que é uma ofensiva brutal da direita. E é uma ofensiva internacional. Eu não gosto de teoria da conspiração, mas os resultados das eleições europeias [mostram isso], principalmente na França, na Inglaterra, onde a extrema direita nunca teve tanta força. Isso além das eleições aqui na Colômbia, onde você teve um baixo comparecimento e polarização entre direita e extrema-direita. É uma situação que para nós coloca um quadro preocupante na América Latina.

CC: Uma das críticas que o Safatle fez, após o problema com o PSOL, é que a esquerda fica muito presa a “disputas internas”. Você acha que a esquerda não está madura no Brasil?

GM: Disputa interna tem dentro da direita e da esquerda. A disputa do Aécio e do Serra é histórica. Você organizar o seu time sempre gera uma disputa interna. O problema é que as disputas da direita são sempre abafadas pelo dinheiro ou por alguma liderança maior. É muito sintomático que o PSDB aqui em São Paulo há 20 anos só tenha dois candidatos. O Alckmin, quando terminar esse mandato, vai estar há 9 anos como testa do governo. Isso é sinal de competência? Não, isso é sinal de falta de renovação. O quadro secundário deles é formado por gente como Robson Marinho ou Bruno Covas, figuras secundárias. Se a disputa é fratricida é óbvio que ela é negativa. Agora a disputa em si, ela existe e é saudável. Eu acho que essa questão [acusações de Safatle contra o PSOL] esquentou um pouco além da conta, mas nenhum fusível foi queimado. Não me parece que tenha inviabilizado a campanha. Até porque o PSOL não tem aparelho, não tem máquina. Apesar de que, pelo tamanho, é um partido que tem uma presença além do que é o seu peso orgânico: três deputados federais, um senador, um deputado estadual, um vereador...

CC: O Safatle também criticou o partido por ser refratário em relação à necessidade de montar uma “aliança de frente de esquerda”. Como você avalia a esquerda pós-PT, como disse o Safatle?

GM: Primeiro, acho que não estamos numa era pós-PT. Eu acho que a época do PT não passou. Pós-PT é uma imprecisão. Você pode falar em pós-PCI (Partido Comunista Italiano), mas o PT está aí. Você também pode falar que há uma discordância em relação a algumas diretrizes. O que eu acho é o seguinte: o que nós tivemos com a ida do PT ao governo é que tivemos uma paulatina guinada de adequação ao status quo. O governo representa grandes avanços para a sociedade brasileira. Não sou daqueles que acha que você tem que ser anti-PT. Agora o PT, embora tenha feito grandes avanços, não tocou em nenhum interesse das classes dominantes. Não fez nenhuma reforma que penalizasse as grandes fortunas, não penalizou o capital financeiro, não fez reforma agrária, não fez reforma urbana para minimizar o efeito da bolha imobiliária que há em algumas grandes cidades. Então é uma ação muito aquém do que podia ser feito, mas é um avanço. O que colocamos é que essas reformas que foram postas de lado precisam ser feitas, e é o meu entendimento. Não sei se é o entendimento do PSOL. Agora o inimigo, o adversário mesmo, continua sendo a velha direita. Embora o PT concilie com isso, seja frouxo para combater isso, ainda é muito diferente da velha direita. Até porque sua base social é muito diferente. Aí que não critico o PT. O petismo pode não ser de esquerda, mas o anti-petismo geralmente é de direita.

CC:
Você acha possível uma frente de esquerda? Por que os partidos de esquerda, como PSOL, PSTU e PCdoB são tão divergentes?

GM: Sobre o PSTU, nós disputamos uma base social muito semelhante. Seria de se estranhar se não tivessem rusgas, um falando mal do outro. São partidos que estão disputando o mesmo espectro. É o espectro do movimento sindical e do movimento social radicalizado, e você tem que chegar chegando. Tem que chegar disputando. Isso vai gerar cotovelada. Como nos anos 1950, tinha o PTB, que era uma esquerda getulista e o PCB que era uma esquerda comunista e os dois viviam às turras. Mas volto a dizer o quadro nosso não é um quadro autofágico da esquerda. A gente discute uma frente de esquerda. Talvez saia. Claro que é possível. A relação dos partidos é igual de irmão. Eu vivia de cotoveladas com meu irmão, mas a gente se entendia. É meu irmão.

CC: O senhor é visto com o mais petista dos integrantes do PSOL. Como uma pessoa com esse perfil pode liderar uma frente de esquerda depois que o PT chegou ao governo?

GM: Essa piada é genial. Ué, eu fiquei no PT 18 anos. Se eu quisesse ser petista, ia no PT com todo conforto. Seria bem tratado, não teria problema algum. O que eu acho é que temos que fazer uma política de disputar com o PT uma base popular. Eu não concordo com a política macroeconômica do PT. Não concordo com a aliança com o sistema financeiro, feita via taxa de juros. Não concordo com as privatizações que a Dilma está fazendo, com a aliança com o agronegócio, com o governo petista não ter aberto debate pela regulação da mídia, que é um escândalo. Eu não concordo com nada disso. Mas qual é a base social do PT? Os trabalhadores. A maioria dos sindicatos são simpáticos ao PT, os pobres brasileiros votam majoritariamente no PT. Você tem importantes setores do movimento popular organizado, uma série de ONGs progressistas que, mesmo achando que não dá mais com o PT, vão votar no PT para impedir o crescimento da extrema direita aqui no Brasil. O que eu tenho que fazer? Falar mal do PT ou fazer esse trabalho de disputar essa base social? Então vou disputar essa base social e dizer o seguinte: ‘olha quero conversar com vocês’. Não adianta espancar o PT, dizer que é o demônio na Terra porque aí eu brigo com a base social.

CC: Mas é possível ganhar essa base social com esse discurso, sem atacar o PT? Como tornar possível uma conjuntura de uma “nova esquerda” com esse discurso?

GM: Eu não consigo entender essa coisa de nova esquerda. O PT é o PT que é porque tem base social. Tenho que disputar essa base social, não ficar brigando. Eu tenho que saber ter diálogo, linguagem, abordagem com essa base social. Isso é muito mais radical do que ficar falando que o PT é isso, aquilo e tal. O que adianta eu xingar o Lula? Posso xingar, mas efetivamente isso é muito pouco. Senão você fica no denuncismo, ganha uns votinhos, mas não entra na disputa real.

CC: E é possível conseguir crescer e ganhar espaço só com essa ação política, sem se mostrar diferente do PT?

GM: Nós somos diferentes do PT. Nós não recebemos doação de empreiteiras, de bancos. Nós temos na política econômica questões essenciais para nos diferenciar do PT. A principal sangria é o pagamento da taxa de juros. O Brasil tem uma dívida interna de 2 trilhões de reais no total. Essa dívida faz com que o 40% orçamento público vá para o pagamento da dívida. Criança acima de 10 anos de idade sabe disso. O nosso problema não é o montante da dívida, que é baixa em relação à da Itália, da França. O nosso problema é o fluxo que sai do Tesouro. Esse fluxo é determinado pela taxa de juros que está em torno de 5% em termos reais. Se eu baixo essa taxa, eu piso na mangueira que drena dinheiro. Eu corto o fluxo, e o sistema financeiro pula. Baixar o juros é a medida mais radical que você pode ter na economia brasileira hoje.

CC: E no cenário estadual, o que o PSOL pretende trazer para o debate para se diferenciar do Alexandre Padilha [pré-candidato do PT ao governo do Estado]?

GM: São Paulo tem um terço do PIB brasileiro. Eu estava fazendo as contas. Pelo tamanho do PIB, somos [São Paulo] o 25º país do mundo. Então o peso que São Paulo tem nacional e internacionalmente é muito grande. Um quarto do lucro mundial da Telefônica vem daqui, da área da antiga Telesp. Nos últimos 20 anos, São Paulo foi o laboratório das grandes privatizações da era tucana, e o Estado perdeu capacidade de intervenção na economia e na sociedade. Então essa perda cria um problema sério na oferta de serviços públicos. Sobre a Sabesp, por exemplo, a melhor matéria foi do Fábio Serapião da CartaCapital. Ali fica claro que você destina 58 milhões de reais para os acionistas. Mas por que você destina isso? Porque você não privatizou a Sabesp. Você a transformou numa empresa mista com 40% das ações em mãos privadas. Quando você faz isso numa empresa de capital aberto, tudo bem. Numa empresa de serviços públicos implica você não investir o lucro para a empresa se renovar. Esse é um problema básico de São Paulo que de certa forma está em todo o Brasil. Precisamos recuperar o caráter decisório do Estado nas empresas estatais. E tem outras questões. O aparato de segurança em São Paulo está fora de controle. Não é só uma questão do governo Alckmin ser a favor da truculência. Você precisa desmilitarizar a polícia, rever as relações entre comando e base da polícia, fazer um processo de readequação do aparato policial. Geralmente em países com discrepância de renda muito acentuada os aparatos policiais são violentos. Então também precisamos atacar a disparidade de renda. Não é a pobreza que é violenta, é a diferença de renda. Nenhuma dessas tarefas você faz com um decreto de saída, mas, se você não abre essas picadas, você não atende as demandas de junho na sua raiz, que é a ineficiência dos serviços públicos.

CC: Você levantou duas bandeiras que também devem ser o foco da campanha petista em São Paulo contra os tucanos: água e segurança. Mas apontando para soluções mais radiciais. É isso o que quer dizer com conversar com a base social do PT?

GM: O que o PT vai propor? Eu fico aqui pensando. Vai pegar financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para a Sabesp? Mas injetar dinheiro na Sabesp não vai resolver. Essa é a medida tradicional que o PT tem feito. Essa medida bateu no teto. Então, ou você muda a característica da empresa ou retoma o controle para ampliar sua influência dentro da empresa para que você não fique refém da distribuição do lucro. Senão, não vai adiantar. Vão colocar dinheiro e vai ficar num saco sem fundo.
CC: Um dos motivos  que fez o Safatle desistir foi a falta de dinheiro no caixa do PSOL. Ele disse que levantou com a ajuda de apoiadores 300 mil reais mas falou que só com esse valor é pouco para uma campanha de governador. Você concorda? Como vai ser sua campanha se o partido não tem dinheiro?

GM: Ele está correto no que fala. Essa quantia de 300 mil reais é modesta para uma campanha para governador. Se você pensar que as candidaturas de PT, PSDB e PMDB vão ficar entre 50 e 80 milhões de reais numa conta modesta, 300 mil reais não é nem uma campanha para vereador em São Paulo. Em 2012 algumas campanhas a vereador do PSDB estavam orçadas entre três e seis milhões de reais. Isso na capital paulista. A questão é que o PSOL não tem esse dinheiro agora. E esse dinheiro no PSOL não é um dinheiro que se possa ter na mão, dinheiro vivo. E você tem uma pulverização de candidaturas a deputado estadual e federal, você tem Ivan Valente, Giannazi e uma série de candidatos que acabam potencializando a campanha. É como se você tivesse até mais do que 300 mil reais pulverizados na ação politica, em gente que trabalha voluntariamente. E o nome do governador sai em todo material de campanha de deputado. Em termos absolutos, eu acho que vamos ter por aí mesmo, mas não em dinheiro vivo. E claro que vamos passar nosso chapéu para os amigos. Mas vamos fazer essa campanha militante.  Estamos loucos, malucos? Não, não estamos. Esse é o caminho. Se a gente não sai candidato, perdemos nossos deputados e a gente fica com isso aí: com o PT cada vez mais semelhante ao PSDB nas politicas, embora tenham bases diferentes. E, em uma situação mais adiante, podemos ter um cenário como o da Colômbia. Não estou dizendo que o PT é de direita.

CC: Você falou da importância dos candidatos a deputado federal e estadual para a campanha de governador. Uma questão que o Safatle levantou é que, no PSOL, a candidatura a governador não parece ser prioridade. Você concorda?

GM: Não existe essa questão. Claro que temos mais chances nas proporcionais, mas sem uma candidatura com o mínimo de viabilidade, não daria [para lançar candidato]. Eu não sou nenhum sujeito conhecido, mas eu sei fazer campanha. Você tem que casar as duas coisas, tanto que o primeiro candidato nosso foi o Plinio de Arruda Sampaio, que era um candidato histórico. A gente sabe o tamanho do nosso chinelo, mas não tem esse negocio de prioridade, tapa-buraco. Claro que vão falar que eu sou o mais petista do PSOL. Ao contrário, acho que vamos fazer a campanha mais radical do PSOL, que é disputar a base social do PT.

CC: Você se considera mais radical que o Safatle ou que outros nomes dentro do PSOL?

GM: Eu não vou me comparar. Eu acho ele brilhante. Não tenho um 'radicalômetro'. Eu acho que vou mostrar os limites do PT, mas especialmente as diferenças com o PSDB. Vou mostrar aquilo o que o PT não pode falar, porque privatização não é mais uma diferença entre PT e PSDB. Vou ter que mostrar a questão trazida pelos movimentos de junho. Isso o PSOL faz sempre. Eu tenho dúvidas de que vamos ter movimentos como aquele de novo. Eu acho que os movimentos mudaram de qualidade, como no caso dessas greves dos garis e dos motoristas fora dos sindicatos. Você não pode fazer como o Haddad de dizer que é um movimento de guerrilha. Ele pode discordar do tipo de ação que os trabalhadores fizeram, mas acusar de terrorista é meio exagero. Isso é novo, essas estruturas institucionais, como a própria instituição sindical, estão sendo questionadas. Esse é fenômeno social novo, que é a saída desses canais existentes, conquistados há 30 anos. Todas que andavam em paralelo ao PT.

CC: O Safatle reclamou que o PSOL não pode se contentar com 2% dos votos nas runas. Segundo ele, o partido tem que colocar 6% dos votos como meta. Esse seria um dos desentendimentos com o diretório estadual que provocaram a desistência. Como o senhor vê essa questão? Quanto pretende conquistar de votos nas urnas?

GM: Claro eu queria que o PSOL tivesse até mais do que 6%. O PSOL teve em 2006 uma conjuntura especial, que foi 6% dos votos com a Heloísa Helena. A gente teve 5% em Fortaleza. Tivemos 33% com o Marcelo Freixo. Ganhamos no Macapá. Brasília teve 15%. Aqui a gente fica em torno de 1%. É o eleitorado mais difícil porque o poder econômico está aqui. Eu gosto de 1%? Não gosto. Se eu ficar pensando nisso, eu não faço campanha. Eu quero ganhar. Mas não vou colocar uma meta porque posso me frustrar ao ver que minha meta era muito modesta se eu ganhar as eleições.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Meu novo documentário - Liberem a Maria Juana

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Momento em que o BOPE bloqueia a rua para impedir que a manifestação siga.

Em 18 de maio ocorreu a primeira marcha da maconha de Maceió. Entre 300 e 400 pessoas foram à praia de Ponta Verde para se manifestar pela legalização/regulação da venda e do uso da maconha.  Estavam presentes, estudantes, professores e profissionais de diversas áreas. 

Durante 2 dias fiz filmagens com os organizadores da Marcha e no dia 18 filmei o evento.
Desse conjunto de filmagens saiu um mini-documentário de 16 minutos sobre a realização da Marcha.
Desta vez não fiz um documentário jornalístico como o meu doc anterior, o Derrubaram o Pinheirinho. Fiz um registro da preparação e organização do evento. São mostradas as expectativas dos organizadores e o que eles estavam pensando nos dias anteriores. Também é mostrada uma entrevista concedida à Rádio CBN, além de vários depoimentos deles, sobre o que achavam a respeito da legalização da maconha.
Gostei muito do resultado do documentário e espero que vocês também gostem.

Produzido: Fabianao Amorim

Produzido: Fabianao Amorim

Protestos no Brasil: despreparo e abusos por parte do Estado

Mateus Ramos

Adital

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O ano de 2013, em especial os meses próximos à Copa das Confederações, ocorridas em junho, foram marcantes para o cenário político brasileiro. As ruas do país ficaram tomadas em vários estados por pessoas que tentavam exercer seu papel de cidadãos e exigirem direitos, muitas vezes esquecidos pelos governantes. Desde os "Caras Pintadas”, em 1992, o Brasil não via um movimento tão massivo e que uniu a população de forma tão plural, como os ocorridos no ano passado.

A organização Artigo 19, entidade internacional de direitos humanos com sede no Reino Unido, divulga números inéditos dos movimentos ocorridos e constata a fragilidade brasileira na proteção dos direitos de manifestação e de liberdade de expressão das pessoas. Ao todo, segundo a organização, foram 696 protestos de rua, sendo 15 com mais de 50 mil manifestantes; nessas manifestações foram detidas mais de 2.600 pessoas.

Outro aspecto observado é o despreparo das forças policiais, especialmente a militar, na forma de lidar com as manifestações. "A ação da Polícia Militar não se dá de modo a garantir a dignidade das pessoas e a integridade do patrimônio público e privado; pelo contrário, ela instiga a violência e o conflito. O que presenciei nesses eventos é que com a ação da Polícia a violência e a barbárie se generalizam”, relata em nota pública, Pedro Guimarães Lins Machado, fotógrafo, vítima da violência da polícia enquanto trabalhava nas manifestações.

A Artigo 19 relata que, em números gerais, dos 696 protestos, 16 tiveram mais de 10 pessoas feridas, além de oito mortes em decorrência do emprego desproporcional dos aparatos erroneamente chamados de "armas não letais”, que estariam longe de serem o que o nome sugere. Elas causam ferimentos graves, mutilações e podem, sim, levar à morte, como afirma uma reportagem da revista Galileu. Deveriam ser chamadas de "armas menos-letais”.

Contudo, não foram apenas as "armas menos letais” usadas em meio às manifestações; foram relatados e contabilizados o uso, por 10 vezes, de armas de fogo, ou seja, armas letais.

Uma das violações aos direitos dos manifestantes mais relatada foi a ausência de identificação por parte de muitos policiais. Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), a identificação visível nos uniformes dos policiais é de extrema importância para a responsabilização de culpados no caso de violações a direitos humanos. Alguns policiais chegam a dizer que o motivo de esconderem a identificação é pelo fato de muitos manifestantes estarem usando máscaras. "Se eles podem esconder os rostos, também podemos esconder quem somos.”, afirmou um integrante da polícia, que não se identificou.

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"O discurso policial calcado na ordem está funcionando de forma binária, transformando todo manifestante ali presente num inimigo do Estado, inclusive, de forma sádica, rindo da vulnerabilidade civil.”, desabafa o fotógrafo no relatório da Artigo 19.

Abusos contra jornalistas

Durante os protestos de 2013, não foram apenas os manifestantes vítimas das ações violentas e prisões arbitrárias por parte dos agentes do Estado. A polícia também cometeu violações contra profissionais de comunicação que cobriam os protestos por todo o Brasil, principalmente os que não faziam parte das grandes empresas midiáticas brasileiras. Muitas vezes, o foco eram as mídias alternativas.

O trabalho de denúncia que muitos jornalistas chamados "alternativos”, por fazerem parte de jornais digitais e fazendo transmissões ao vivo e sem interrupções pela Internet, tornaram esses profissionais quase inimigos dos policiais. As ações violentas e as prisões sem razões aparentes eram formas de bloquear o debate público, já que impediam que as informações sobre a atuação policial ou mesmo sobre a dinâmica dos protestos chegassem à população através dos veículos de comunicação.

Ao todo foram 117 jornalistas agredidos e feridos, muitas vezes de forma grave, como foi o caso do fotógrafo Sergio Silva, da agência Futura Press, que perdeu a visão no olho esquerdo após ser atingido por uma bala de borracha. "Essas armas não vão trazer nenhum bem para a sociedade. Não vão trazer nenhum tipo de paz e não vão acalmar as pessoas. O resultado é esse que aconteceu comigo. Um trauma para o resto da vida. Uma família prejudicada. É uma dor que eu desejo que o policial que me acertou nunca sinta na vida dele. É uma dor insuportável. É vontade de morrer ali para não sentir mais a dor”, declarou Sérgio no relatório.

Além do elevado número de jornalistas feridos, 10 foram presos, mesmo portando identificações provando que estavam trabalhando, como foi o caso do repórter Francis Juliano, do Bahia Notícias (BN), detido após questionar aos policiais o motivo de eles estarem espancando um fotógrafo. Segundo uma reportagem do BN, divulgada na época da prisão, além de deter o jornalista, os policiais gritavam que "o BN não tem direito de fazer interrogatório porque quem manda ali é a PM”.

Segundo Frank La Rue, relator da ONU para o direito e a liberdade de expressão e opinião, "no contexto de manifestações e situações de conflito social, o trabalho de jornalistas e comunicadores e o livre fluxo de informações através dos meios de comunicação alternativos como as redes sociais digitais, é fundamental para manter a população informada sobre os acontecimentos, pois cumpre um papel importante de reportar a atuação do Estado e da Força Pública ante as manifestações, prevenindo o uso desproporcional da força e o abuso de autoridade”.

Relatório digital

A "Artigo 19” lança nesta segunda-feira, 02 de junho, o site "Protestos no Brasil 2013”, uma versão digital do relatório homônimo, que busca fazer um registro sobre a série de violações ocorridas durante os protestos de todo o ano passado. Nesse site poderão ser encontrados dados sobre as manifestações ocorridas no ano passado, como estatísticas, infográficos e até depoimentos de pessoas que participaram dos protestos espalhados pelo Brasil.

Mateus Ramos

* Especial para Adital

Itaquera: Quer ir pra casa? Só com autorização da FIFA

Delfim Martins/Portal da Copa

A entidade definiu um perímetro de segurança nos arredores da Arena Corinthians e, quem mora na região, precisará de autorização para circular no próprio bairro

29/05/2014

Do SpressoSP

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Quem mora perto da Arena Corinthians, em Itaquera, zona leste da capital, já começou a ser cadastrado pela CET para entrar no próprio bairro. Isso por que a FIFA delimitou um perímetro de segurança próximo ao estádio e só os moradores cadastrados e com um adesivo no carro poderão entrar nas ruas que fazem parte do perímetro, ainda que seja sua própria residência.

São, ao todo, 130 imóveis que serão cadastrados. O procedimento começou na última segunda-feira (26) e envolve casas e comércios da Avenida do Contorno e das Ruas Doutor Luís Ayres e Manoel Ribas.

O adesivo do cadastro, com as inscrições “Autorização de Acesso ao Morador”, já será obrigatório a partir do próximo domingo (1º), quando ocorre o jogo de teste para a Copa, entre Corinthians e Botafogo.

Além da autorização, o acesso às ruas que fazem parte do bloqueio da FIFA passarão por alterações, conforme explica a CET: “Os moradores residentes na Rua Dr. Luis Ayres, no trecho entre o Túnel Águia de Haia e a Rua Maria Eugenia Celso, farão o acesso às residências apenas no ponto de bloqueio da Rua Peixoto Werneck. Já os moradores residentes na Avenida do Contorno (a partir do numeral 208) e na Rua Manoel Ribas, entre a Avenida do Contorno e Rua Paulo Frontim, deverão acessar suas casas pela Rua Padre Viegas de Menezes e Avenida do Contorno. A saída deverá ser feita pela Rua Manoel Ribas, depois à esquerda na Rua Nova Petrópolis até chegar à Avenida Campanella.”

A Companhia de Engenharia de Tráfego informa que “durante todas as partidas do mundial, só poderão adentrar os bloqueios os veículos que tiverem o adesivo de acesso ao morador”.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Filme O Lucro Acima da Vida terá exibição piloto dia 6 de junho, em Paulínia

Sindicato dos Químicos Unificados de Campinas, Osasco, Vinhedo e região

Lucro acima da vida 01Uma apresentação piloto do filme O Lucro Acima da Vida será realizada no Teatro Municipal de Paulínia, no dia 06 de junho, com início às 20 horas. Participarão desta exibição piloto os ex-trabalhadores Shell/Basf, integrantes da Associação dos Trabalhadores Expostos a Substâncias Químicas (Atesq), dirigentes sindicais, atores, figurantes, produtores, realizadores e patrocinadores. O evento é parte integrante da programação do Sindicato Químicos Unificados pela passagem da Semana do Meio Ambiente 2014, que vai de 01 a 07 de junho. O Dia Mundial do Meio Ambiente é 05 de junho, e, tradicionalmente, o Unificados organiza atividades relativas ao tema.

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Lançamento em dezembro

O lançamento público oficial do filme O Lucro Acima da Vida será em dezembro próximo. No dia 06 de junho, em Paulínia, haverá uma exibição piloto que precederá a finalização do longa metragem.

Entre todas as dificuldades para a produção de um longa metragem por um sindicato, a última vencida foi o recebimento de autorização da Agência Nacional do Cinema (Ancine) que é uma agência reguladora que tem como atribuições o incentivo, a regulação e a fiscalização do mercado do cinema e do audiovisual no Brasil. A Ancine é vinculada ao Ministério da Cultura.

Com esta autorização passa a ser possível captar recursos, com base nas leis de incentivos audiovisuais, e a projeção do filme nas salas de cinema de todo território nacional.

assistir trailer de O Lucro Acima da Vida.

Eternizar e contar uma história de lutas e vitórias
Contra Shell/Basf, duas poderosas multinacionais
por crime de contaminação ambiental em Paulínia

Esta é uma luta que precisa ficar registrada na história. Ela deve ser eternizada e divulgada o máximo possível, por todos os meios, para que cresçam, cada vez mais, a resistência contra a contaminação ambiental, a defesa do planeta e da natureza, e que a vida e a saúde sejam colocadas acima dos interesses pelo lucro e da exploração capitalista, irresponsável e criminosa. Ou seja, que a vida esteja acima do lucro.

O filme longa metragem O Lucro Acima da Vida retrata toda a história do crime ambiental cometido pelas multinacionais Shell Brasil e Basf S.A. na planta industrial localizada no bairro Recanto dos Pássaros, em Paulínia. Ele abordará o período desde antes da denúncia se tornar pública, com o cotidiano dos trabalhadores, passará pelas manobras das duas empresas na tentativa de escaparem de responsabilizações e punições e culminará com a vitória final dos ex-trabalhadores, do Unificados, da Associação dos Trabalhadores Expostos a Substâncias Químicas (Atesq) e de entidades e pessoas que se somaram a esta luta.

Fatos reais

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O filme, uma ficção baseada em fatos reais, é rodado em locações nas cidades de Campinas e Paulínia. Cerca de cem ex-trabalhadores da Shell/Basf atuam como figurantes. O papel principal é do ator Deo Garcez. Ele interpreta o coordenador da Atesq, entidade que junto com o Unificados enfrentou os 12 anos de batalha judicial contra as duas multinacionais.

Também são atores em destaque João Vitti, Dênis Derkian, Celso Batista, Zezé Motta, Ailton Graça e Mateus Carrieri.

Para Deo Garcez, a oportunidade de participar deste filme é única. “Fazer parte de um projeto como este, que trata de uma tragédia humana e ambiental, em que tantas vidas foram perdidas, e o sofrimento ainda perdura, certamente dignifica e dá sentido a qualquer artista preocupado com sua função social”, declara.

História completa da luta

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segunda-feira, 26 de maio de 2014

‘O brasileiro percebeu quais são seus direitos; o medo deixou de existir’

ESCRITO POR GABRIEL BRITO E VALÉRIA NADER, DA REDAÇÃO     

POSTADO: CORREIO DA CIDADANIA

 

x220514_mtst.jpg.pagespeed.ic.gLU-SAPOL-O país se aproxima da Copa do Mundo e as mobilizações populares parecem aquecer-se ainda mais. Enquanto os sem teto ganham os holofotes da mídia em sua sequência de ocupações e mobilizações políticas, greves começam a pipocar cada vez mais. Só em São Paulo, a semana está marcada pelos movimentos dos motoristas e cobradores de ônibus, funcionários da USP e metroviários, além de contar com mais um protesto contra os procedimentos de organização do Mundial.
 
“Eu percebo que é um momento crucial de levarmos nossas pautas de reivindicações a todas as instâncias possíveis. A partir do momento que começar a Copa do mundo, e depois com o período eleitoral, as negociações vão parar”, explicou Jussara Basso, coordenadora do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), em entrevista ao Correio da Cidadania.
 
Em sua opinião, não é possível prever a repetição dos manifestos de junho, mas está claro que o brasileiro adquiriu um nível maior de consciência e abraça cada vez mais as mobilizações pelos direitos e serviços públicos essenciais. “No ano passado tivemos a pauta dos 20 centavos. Hoje, são os condutores e cobradores de ônibus que param. Isso é muito importante para legitimar a soberania deste país enquanto democracia. Apoiamos todo tipo de mobilização. Penso que o momento demonstra que o brasileiro percebeu quais são seus direitos e quer se apoderar deles”, afirmou.
 
Jussara avalia que os protestos vão continuar, pois muitas pessoas teriam perdido o medo. Já o Estado, em sua visão, tem feito blefes para tentar acuar a população, mas seus representantes também têm medo de ficarem marcados pela repressão em período pré-eleitoral. “Não acredito que o país sofrerá uma grande mudança política, mas acredito que as pessoas vão votar mais conscientes e cobrar mais aquilo que tiver sido pauta das campanhas eleitorais”, completou.
 
A entrevista completa com Jussara Basso pode ser lida a seguir.
 
Correio da Cidadania: A poucos dias da Copa do Mundo e com eleições no horizonte, como você enxerga o atual momento de mobilizações dos sem teto, que têm se espalhado por diversas regiões e adquirido grande destaque no cenário político?
 
Jussara Basso: Eu percebo que este é um momento crucial para levarmos nossas pautas de reivindicações a todas as instâncias possíveis. A partir do momento que começar a Copa do mundo, e depois com o período eleitoral, as negociações vão parar - por se tratar de uma época em que o Estado e suas instâncias políticas  não negociam nem liberam nada. E aí nossas reivindicações teriam de aguardar o fim das eleições e o ano que vem.
 
Correio da Cidadania: O que você pode dizer das campanhas que o movimento tem lançado, como aquela nas cercanias do novo estádio de Itaquera?
 
Jussara Basso: O MTST faz parte de uma frente nacional chamada Resistência Urbana. Dentro dessa frente, foi criada a campanha Copa sem povo, tô na rua de novo! É ela que tem puxado as várias lutas que temos feito. A terceira mobilização é nesta quinta, 22. Chamamos a ocupação perto do estádio de Copa do Povo porque o que queremos é uma “Copa popular”, de promoção de direitos. Chamamos a campanha de “Hexa de direitos”. Dentro dela, incluímos saúde, educação, moradia, transporte público de qualidade, justiça (pois nos posicionamos contra o genocídio de pessoas da periferia, tipicamente pretas e pobres) e soberania, uma vez que a promoção da Copa do Mundo veio acompanhada de algumas leis de exceção.
 
Correio da Cidadania: O poder público tem dado respostas satisfatórias nas reuniões feitas com vocês sobre a questão da moradia?
 
Jussara Basso: O poder público funciona mediante pressão. E o que temos feito no último período é pressão para conseguir avanços nas nossas pautas. O Plano Diretor de São Paulo é exemplo disso. Conseguimos sua aprovação em primeira plenária, apesar de a repressão no dia da votação ter sido muito forte. É assim, nossas pautas avançam mediante a pressão que exercemos.
 
Correio da Cidadania: E vocês têm otimismo em relação às promessas de moradia feitas pela prefeitura?
 
Jussara Basso: Elencamos algumas áreas para que fossem marcadas no Plano Diretor como ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social). Como dito, conseguimos aprovar o Plano em primeira plenária, o que é um grande avanço no município. Ainda há uma grande briga pela frente, pela sua votação e aprovação definitiva, e também pelas áreas destinadas às ZEIS.
 
Precisamos pensar também na questão de projetos e na qualidade deles, já que o Minha Casa Minha Vida tem como dimensão mínima os imóveis 39 metros quadrados. E as empreiteiras sempre dão preferência para essa metragem. Porém, sabemos que a população carente frequentemente tem famílias mais numerosas. Assim, morar em apartamentos desse tamanho é quase inviável.
 
Além do mais, há o orçamento público que deve ser criado em torno dos projetos de moradia. A partir do momento em que se constroem moradias numa determinada região, aumenta a demanda de saúde, educação e transporte. Portanto, após a luta por moradia, há a luta por esses serviços.
 
Correio da Cidadania: Quais expectativas vocês têm em relação aos protestos e greves durante a Copa do Mundo? Acredita que teremos movimentos similares a junho de 2013?
 
Jussara Basso: Junho de 2013 foi algo inesperado. Esperamos que volte a acontecer. Não deveríamos ter de falar, mas as pessoas têm o entendimento de que a Copa custou muito dinheiro dos cofres públicos. E a verba que poderia ser destinada a ações que conformam o direito de todos acaba faltando. No ano passado tivemos a pauta dos 20 centavos. Hoje, são os condutores e cobradores de ônibus que param. Isso é muito importante para legitimar a soberania deste país enquanto democracia.
 
Apoiamos todo tipo de mobilização, sejam greves, manifestações nas periferias, no centro da cidade, dos estudantes, da classe trabalhadora etc. Penso que o momento que vivemos demonstra que o cidadão brasileiro percebeu quais são seus direitos e quer se apoderar deles. Está indo às ruas exigir que seus direitos sejam cumpridos.
 
Correio da Cidadania: Como o Estado brasileiro se prepara para tal momento? Pensam que teremos novos instrumentos de repressão colocados em prática?
 
Jussara Basso: Eu avalio que o Estado brasileiro tem sido muito cuidadoso com a questão da repressão. Hoje, percebemos que mesmo o comando da polícia militar tem buscado negociar com movimentos e manifestações para não haver confrontos, pois o mundo está com os olhos voltados ao nosso país. O que eles não querem agora é ser tachados de repressores e violentos.
 
Mas eu acredito que teremos repressão, porque as manifestações não vão parar. As pessoas estão indignadas com os gastos abusivos da Copa, indignadas com a ausência de direitos, serviços públicos etc. Acho que as pessoas estão indo às ruas com o coração na mão e o medo deixou de existir. O Estado blefou muito, equipando a polícia militar, usando carros de jato d’água etc. Tudo foi um grande blefe pra tentar amedrontar a população do país. Mas ao perceber que a população não recuou e exerce seu direito de manifestação, quem vai recuar é o Estado.
 
Correio da Cidadania: Como imagina que um eventual cenário mais efervescente por ocasião da Copa poderá influir nas eleições, considerando as maiores candidaturas? Acha que será aberto espaço para alguma surpresa?
 
Jussara Basso: Penso que o cuidado que o Estado tem tomado em relação às manifestações tem a ver com isso: depois da Copa, nós temos as eleições e todos os candidatos querem garantir seus lugares nas cadeiras do poder. E acredito que as pessoas estarão mais conscientes, vão procurar votar um pouco melhor. Não acho que o país sofrerá uma grande mudança política, mas as pessoas vão votar mais conscientes e cobrar mais aquilo que tiver sido pauta das campanhas eleitorais.
 
Gabriel Brito é jornalista; Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Cerca de 20 mil marcham contra a Copa em São Paulo e prometem "junho vermelho"

Estados do Brasil: São Paulo

Postado: Brasil de Fato

MTSTEstaiada

Divulgação MTST
Liderado pelo MTST, o protesto teve o intuito de recolocar a necessidade da garantia dos direitos humanos ante ao atendimento dos negócios milionários da FIFA e de empresários

23/05/2014


Por Bruno Pavan
De São Paulo (SP)

O vermelho era a cor predominante no Largo da Batata, zona oeste de São Paulo, na tarde de última quinta-feira (22). Liderados pelo Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), inúmeros movimentos como a Frente de Resistência Urbana, Movimento Passe Livre (MPL), Comitê Popular da Copa, entre outros, foram às ruas no protesto “Copa sem povo, tô na rua de novo ”.

Em nota, essas organizações populares e de juventude alertaram que "a Copa do Mundo nem começou e já tem seus derrotados. Para atender aos negócios milionários da FIFA e suas empresas parceiras, os governos instauraram um verdadeiro estado de exceção onde os direitos básicos da população são violados. São milhares as famílias vítimas da Copa em todo Brasil". 

De acordo com o movimento e com quem presenciou o ato pacífico, mais de 20 mil pessoas estiveram presentes. Foram quase seis quilômetros até a ponta Octávio Frias de Oliveira para protestar contra o dinheiro gasto na realização da Copa do Mundo e a especulação imobiliária na região de Itaquera. “O legado da Copa é o aumento do meu aluguel”, dizia uma das faixas.

Eram cerca de 18 horas quando a marcha começou, já com escolta da PM, que não foi esquecida nos gritos dos manifestantes. “Ei, Alckmin, pode mandar a tropa, se não tiver o povo, não vai ter Copa”. O prefeito Fernando Haddad também não foi poupado: “Ei, Haddad, paramos a cidade”.

Ao longo da avenida Faria Lima, inúmeros olhares curiosos se lançavam à massa. Muitos comércios abaixaram as portas esperando que a marcha passar. Um princípio de confusão entre um sem teto e um segurança se deu em frente ao Shopping Iguatemi, mas foi logo abafada por outros manifestantes.

Já no final da marcha, os Sem teto tomaram a Ponte Estaiada e, aos gritos de “a Estaiada é nossa”, o líder Guilherme Boulos prometeu que o mês da Copa será um “junho vermelho”.

Copa do sem povo estou nas ruas de novo!

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Como nascem os preconceitos

 

ESCRITO POR FREI BETTO      
SEXTA, 23 DE MAIO DE 2014
 
POSTADO: CORREIO DA CIDADANIA
 
xbanqueiro.jpg.pagespeed.ic.oxB4UqDMYfGarcía Márquez, em Doze contos peregrinos, conta a história de um cachorro que, todos os domingos, era encontrado no cemitério de Barcelona, junto ao túmulo de Maria dos Prazeres, uma ex-prostituta.
 
Com certeza se inspirou nas histórias reais de Bobby, um terrier de Edimburgo, Escócia, que durante catorze anos guardou o túmulo de seu dono, enterrado em 1858. Pessoas comovidas com a sua fidelidade cuidavam de alimentá-lo. O animal foi sepultado ao lado e, hoje, há ali uma pequena escultura dele e uma lápide, na qual gravaram: “Que a sua lealdade e devoção sejam uma lição para todos nós.”
 
Em Tóquio, ergueram também uma estátua, na estação Shibuya, em homenagem a Hachiko, cão da raça Akita que todos os dias ali aguardava seu dono retonar do trabalho. O homem morreu em 1925. Durante onze anos o cachorro foi aguardá-lo na mesma hora em que ele costumava regressar. Hoje, a estação tem o nome do animal.
 
Cães e seres humanos são mamíferos e, como tal, exigem cuidados permanentes, em especial na infância, na doença e na velhice. Manter vínculos de afeto é essencial à felicidade da espécie humana. A Declaração da Independência dos EUA teve a sabedoria de incluir o direito à felicidade, considerada uma satisfação das pessoas com a própria vida.
 
Pena que atualmente muitos estadunidenses considerem a felicidade uma questão de posse, e não de dom. Daí a infelicidade geral da nação, traduzida no medo à liberdade, nas frequentes matanças, no espírito bélico, na indiferença para com a preservação ambiental e as regiões empobrecidas do mundo.
 
É o chamado “mito do macho”, segundo o qual a natureza foi feita para ser explorada; a guerra é intrínseca à espécie humana, como acreditava Churchill; e a liberdade individual está acima do bem-estar da comunidade.
 
O darwinismo social é uma ideologia cujos hipotéticos fundamentos já foram derrubados pela ciência, em especial a biologia e a antropologia. Basta ler os trabalhos do pesquisador Frans de Waal, editados no Brasil pela Companhia das Letras. Essa ideologia foi introduzida na cultura ocidental pelo filósofo inglês Herbert Spencer, que no século XIX deslocou supostas leis da natureza, indevidamente atribuídas a Darwin, para o mundo dos negócios.
 
John D. Rockfeller chegou ao ponto de atribuir à riqueza um caráter religioso ao afirmar que a acumulação de uma grande fortuna “nada mais é que o resultado de uma lei da natureza e de uma lei de Deus.”
 
Na natureza há mais cooperação que competição, afirmam hoje os cientistas. O conceito de seleção natural de Darwin deriva de sua leitura de Thomas Malthus, que em 1798 publicou um ensaio sobre o crescimento populacional. Malthus afirmava que a população que crescer à velocidade maior que o seu estoque de alimentos seria inevitavelmente reduzida pela fome.
 
Spencer agarrou essa ideia para concluir que, na sociedade, os mais aptos progridem à custa dos menos aptos e, portanto, a competição é positiva e natural. E os que são cegos às verdadeiras causas da desigualdade social alegam que a miséria decorre do excesso de pessoas neste planeta, e que medidas rigorosas de limitação da natalidade devem ser aplicadas.
 
Nem Malthus nem Spencer se colocaram uma questão muito simples que, em dados atuais, merece resposta: se somos 7 bilhões de seres humanos e, segundo a FAO, produzimos alimentos para 12 bilhões de bocas, como justificar a desnutrição de 1,3 bilhão de pessoas? A resposta é óbvia: não há excesso de bocas, há falta de justiça.
 
Quanto mais são derrubadas barreiras entre classes, hierarquias, pessoas de cor de pele diferente, mais os privilegiados e seus ideólogos se empenham em busca de possíveis justificativas para provar que, entre humanos, uns são naturalmente mais aptos que outros.
 
Outrora os nobres eram considerados uma espécie diferente, dotada de “sangue azul”. Como quase não tomavam sol e tinham a pele muito branca, as veias das mãos e dos braços davam essa impressão.
 
Com a Revolução Industrial, gente comum se tornou rica, superando em fortuna a nobreza. Foi preciso então uma nova ideologia para tranquilizar aqueles que galgam o pico da opulência sem olhar para trás. “Que o Estado e a Igreja cuidem dos pobres”, insistiam eles. E tão logo o Estado e a Igreja passaram a dar atenção aos pobres (e é bom frisar, sem deixar de cuidar dos ricos, que o digam o BNDES e a Cúria Romana), como no caso do Estado de bem-estar social, do socialismo e da Teologia da Libertação, os privilegiados puseram a boca no trombone, demonizando as políticas sociais, acusadas de gastos excessivos, e a “opção pelos pobres” da Igreja. Preconceitos e discriminações não nascem na natureza. Brotam em nossas cabeças e contaminam as nossas almas.
 
Frei Betto é escritor, autor de “A obra do Artista – uma visão holística do Universo” (José Olympio), entre outros livros. Página e Twitter do autor: http://www.freibetto.org/ -  twitter:@freibetto.

terça-feira, 20 de maio de 2014

‘Apesar da repressão policial bem aprimorada, manifestos populares vão prosseguir’

ESCRITO POR GABRIEL BRITO E PAULO SILVA JR., DA REDAÇÃO, COLABOROU VALÉRIA NADER

POSTADO: CORREIO DA CIDADANIA

x160514_copapraquem.jpg.pagespeed.ic.MPfmqbx3K5A Copa do Mundo no Brasil se aproxima e, junto com ela, vai aparecendo, a cada dia mais evidente,  um sentimento popular generalizado de irritação e contrariedade com o evento. Nem mesmo pode ser tomado como surpreendente este clima nada ufanista no país do futebol, pois a realidade que cerca a Copa do Brasil tem também se imposto com muita clareza aos olhos da grande maioria.
 
“Com certeza existe algum legado positivo, é inegável. Mas apenas para as empreiteiras, para as polícias que estão se 1907346_706459592751547_4193047187468928331_nfortalecendo e cheias de recursos, para as empresas parceiras da Copa, para as parceiras de prefeituras que farão as ‘fan fests’ e todos aqueles que lucraram com as intervenções urbanas. Mas com certeza não há legado para a população, trabalhadores ambulantes, pessoas que têm problemas de moradia ou estão em situação de rua”. É o que diz a jornalista e socióloga Marina Mattar, porta-voz do Comitê Popular da Copa, em entrevista ao Correio da Cidadania, por ocasião do Dia Internacional de Lutas Contra a Copa em São Paulo, nesta quinta-feira, 15 de maio.
A jornalista relata que, apesar de um notável aprimoramento dos métodos de repressão policial, o saldo desse dia foi bastante positivo. Houve atos descentralizados, não só em São Paulo, mas em cidades do Brasil inteiro, chamados pelos Comitês Populares da Copa. Mattar acredita ademais que os protestos devem continuar, ainda que com formato bem diferente daqueles de 2013, e apesar de todas as tentativas de governos de distintas esferas, municipais, estaduais e federal, “de assustar as pessoas e espantá-las das ruas”. Até porque “a mídia internacional está toda aqui”.
O protagonismo do MTST (o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) nessa jornada de lutas foi destacado pela jornalista  (afinal, já foram mais de 250.000 remoções por conta da Copa), que também fez crítica veemente à acusação que sofre o Comitê Popular da Copa de atuar como linha auxiliar da direita:  “penso que a reação dos governos federal, estaduais e municipais vai acabar prejudicando eles próprios. Principalmente o PT, pois a maioria de seus eleitores, muito provavelmente, é bastante contrária a ações de tanta repressão a manifestações de movimentos sociais”.
 
A seguir, a entrevista completa, mais uma em parceria com webrádio Central 3.
 
Correio da Cidadania: O que você pode dizer do protesto realizado em torno da convocatória do Dia Internacional de Lutas Contra a Copa em São Paulo, nesta quinta-feira, 15 de maio?
 
Marina Mattar: Vale destacar que houve atos descentralizados, não só em São Paulo, mas em cidades do Brasil inteiro, chamados pelos Comitês Populares da Copa, que existem em todas as cidades-sede do Mundial de 2014. Estamos na articulação para promover um dia cheio de manifestações desde dezembro do ano passado.
 
Acredito que, apesar da grande repressão da polícia aqui em São Paulo, tivemos um saldo positivo. Foi um dia repleto de manifestações, começando com o MTST (Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto) e outros movimentos de moradia, claro que com suas pautas e preocupações, mas aderindo ao dia internacional de lutas e outras ações no 15 de maio, como os metroviários e outros trabalhadores.
 
O ato terminou na avenida Paulista, e estava muito grande. Acho que havia umas 10 mil pessoas. Mas, infelizmente, a manifestação não pode durar mais do que 15 minutos.
 
Correio da Cidadania: Mas por que a manifestação foi tão encurtada?
 
Marina Mattar: A polícia militar tentou acabar com o ato logo no começo, várias vezes. A “tropa ninja” estava presente desde o início. Eles ficavam na lateral, tentaram uma incursão no meio da manifestação e um pouco depois na frente do ato. Foi bem parecido com aquele caldeirão que eles fizeram numa manifestação em fevereiro. Não tiveram sucesso nessa primeira tentativa, mas depois jogaram muita bomba de gás lacrimogêneo. Isso dispersou o ato e nos fechou na rua da Consolação.
 
Foi uma sensação muito parecida com o 13 de junho do ano passado, mas dá pra perceber que a polícia aprimorou bastante a repressão. Eles estão fazendo tudo de uma maneira mais rápida, eficiente e menos visível aos olhos da mídia. Tanto que a cobertura da imprensa está horrorosa.
 
Correio da Cidadania: Vocês pensam que teremos novos instrumentos de repressão colocados em prática? Isso pode ensejar protestos do mesmo tamanho daqueles vistos no ano passado?
 
Marina Mattar: Acho que as manifestações não vão se repetir da mesma forma que no ano passado, mas já reverberaram muito em 2014 e neste pré-Copa. As pessoas estão muito injuriadas com a Copa, é perceptível. Para um primeiro ato (convocado pelo Comitê Popular da Copa), teve bastante gente. A tendência é que continue assim. Apesar da repressão, vai continuar. Todos os governos, municipal, estadual e federal, vão tentar assustar as pessoas e espantá-las das ruas, mas ao mesmo tempo a mídia internacional está toda aqui.
 
Correio da Cidadania: Vocês têm acompanhado as remoções de comunidades? Como tem sido esse processo, que vemos agora também bastante protagonizado pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto)?
 
Marina Mattar: Temos a estimativa de que, por conta da Copa, 250 mil pessoas foram removidas ou estão sob ameaça de remoção. Imaginamos que a maior parte já foi removida. Significa que já foram tiradas de casa, sem nenhuma indenização, no máximo com bolsa-aluguel, uma ajuda temporária e muito pequena. Em São Paulo, são 300 reais mensais. Não paga aluguel nenhum.
 
Assim, a moradia foi um dos primeiros pontos a serem mais afetados pela Copa. Fora a especulação imobiliária. Em Itaquera, os aluguéis sobem muito. Tanto que a ocupação do MTST, chamada Copa do Povo, ficou lotada rapidamente por pessoas que moravam lá na região e deixaram de dar conta do aluguel nos últimos tempos.
 
Os movimentos de moradia sempre tiveram papel relevante nas mobilizações da Copa. Em São Paulo, foram eles que tiveram a ideia de formar o Comitê Popular da Copa. E continuam com um papel bem ativo e importante.
 
Vejo que o MTST está com um calendário de lutas muito interessante. A ação da semana passada, de ocupar empreiteiras, foi uma ótima ideia, tem tudo a ver com o questionamento em torno da Copa, na linha do “Copa para quem?”, “oportunidades para quem?”, “lucro para quem?”. E os sem teto estão indo às ruas pra valer, como foi o caso deste 15 de maio.
 
Correio da Cidadania: Como imagina que um eventual cenário mais efervescente por ocasião da Copa poderá influir nas eleições, considerando as maiores candidaturas, Dilma, Aécio e Campos? Acha que os atuais protestos podem influenciar o pleito e até abrir espaço para alguma surpresa?
 
Marina Mattar: Estão totalmente relacionados os assuntos, invariavelmente. Assim como junho de 2013 acaba se relacionando com isso tudo. Por dois sentidos. Primeiro: desde o começo do ano vemos uma reação de setores ligados ao governo federal e ao PT, no sentido de espalhar um discurso contra as pessoas que criticam a Copa, alegando que assim ajudamos a direita a ganhar as eleições presidenciais. É um discurso até hoje muito presente, temos que enfrentá-lo a toda hora. A direita também assume o discurso contra a Copa, pra tentar pegar o PT. O que faz a diferença é a forma como tratamos e criticamos a Copa, e a maneira com que colocamos tais questões na rua. Penso que até agora tivemos bastante sucesso, de modo que não é possível alguém falar que mobilizamos uma massa de manobra favorável a setores da direita.
 
Porém, penso que a reação dos governos federal, estaduais e municipais vai acabar prejudicando eles próprios. Principalmente o PT, pois pensamos que a maioria de seus eleitores, muito provavelmente, é bastante contrária a ações de tanta repressão a manifestações de movimentos sociais. Que declarações são essas da Dilma, contra as manifestações, dizendo que “não mudaram nada, não representam nada”?
 
Portanto, apesar de sermos acusados de auxiliar a direita a voltar ao poder, vejo que existem setores do PT que ajudam nisso, pois não escutam os movimentos. Por outro lado, os movimentos sociais, de forma geral, colaboram com os questionamentos que fazem. Hoje, contra a Copa, mas há também outros questionamentos. E esclarecem muito bem quem está no poder no Brasil. Não falo dos governantes, mas das empreiteiras, grandes empresas e atores que participam desse jogo, que não são revelados e só têm aparecido agora.
 
Correio da Cidadania: Agora que estamos às portas da Copa, com diversas obras que não serão entregues, qual o legado, termo tão utilizado na publicidade do evento, vocês diriam que teremos?
 
Marina Mattar: Com certeza existe algum legado positivo, é inegável. Mas apenas para as empreiteiras, para as polícias que estão se fortalecendo e cheias de recursos, para as empresas parceiras da Copa, para as parceiras de prefeituras que farão as ‘fan fests’ e todos aqueles que lucraram com as intervenções urbanas.
 
Mas com certeza não há legado para a população, trabalhadores ambulantes, pessoas que têm problemas de moradia ou estão em situação de rua. É bem claro para quem a Copa é benéfica, para quem os estádios foram construídos. Quem vai entrar neles, quem vai ver futebol?
 
Dessa forma, o termo ‘para quem?’ utilizado pelo Comitê é muito bom nessas horas. Já existem pesquisas e estudos mostrando que muitas das afirmações dos governos, de que a Copa traria legado de mobilidade urbana, entre outras promessas, não se concretizaram. As obras não foram feitas e não veremos nenhuma alteração na mobilidade urbana nas cidades-sedes.
 
Correio da Cidadania: Teremos um outro tipo de legado, isto é, um salto qualitativo na consciência do povo brasileiro, no sentido de elevar sua capacidade de contestação a processos políticos e econômicos?
 
Marina Mattar: Eu acho que sim. Creio que a gente já consegue ver isso. As pessoas não parecem estar tão empolgadas com a Copa, como normalmente ficam, com aquela coisa de país, do Brasil, o país da paixão do futebol... Não tem sido este o clima. E acho que se trata de um sentimento generalizado.
 
Mesmo entre as pessoas que não estão nas ruas agora existe um sentimento de injustiça geral sobre a Copa, e isso está se refletindo nas pesquisas de opinião sobre o evento, que está com um índice de rejeição bem alto. E também reflete na popularidade de alguns políticos que estavam por aí propagandeando a Copa.
 
Portanto, é inegável que a crítica aos megaeventos, principalmente pela forma como são conduzidos, já repercute bastante na sociedade.
 
Gabriel Brito e Paulo Silva Jr.  são jornalistas.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Diretório do PSOL SP indica Gilberto Maringoni para governador

maringoni_governadorReunido neste domingo, 18 de maio, o Diretório Estadual do Partido Socialismo e Liberdade de São Paulo indicou por 23 votos e uma abstenção o nome do professor e jornalista Gilberto Maringoni como pré-candidato a governador. Seu nome ainda será oficializado na Convenção Estadual do partido que acontecerá no dia 14 de junho.

Gilberto Maringoni é professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, historiador, jornalista e escritor. Autor de 12 livros sobre América Latina, desenvolvimento e outras questões. Tem uma longa trajetória de militância na esquerda e junto aos movimentos sociais.

O PSOL segue o debate sobre a composição de aliança em São Paulo com o PSTU e PCB. As definições das demais candidaturas da chapa majoritária (vice governador e senador) e da chapa proporcional (deputados estaduais e federais) ainda serão tratadas na próxima reunião do Diretório Estadual.

O Diretório Estadual também deliberou sobre a continuidade dos Seminários Governar após Junho. Já fizemos cinco debates temáticos sobre temas como transporte público, direitos humanos, moradia, trabalho e emprego. Outros quatro debates estão previstos para antes da Convenção estadual. Este ciclo de debates serve como subsídio para a elaboração do programa de governo.

Veja abaixo o documento de apresentação da pré-candidatura de Gilberto Maringoni aprovado pelo Diretório.

Gilberto Maringoni governador

Uma alternativa democrática e de esquerda para São Paulo!

São Paulo tem sido palco de grandes lutas sociais por moradia, mobilidade urbana, segurança pública, saúde e educação. Governado há vinte anos pelo PSDB, nosso estado não aguenta mais a continuidade de uma política neoliberal. Ela se baseia na maximização de lucros privados e baixa qualidade dos serviços públicos essenciais, e em corrupção e repressão policial contra movimentos sociais e a população negra e pobre.

A crise mais recente, provocada pela falta de investimento e aumento de distribuição de lucros da Sabesp, está sendo a gota d’água para a maioria dos paulistanos. Todos nós somos agora chamados a pagar a conta dessa irresponsabilidade. Isso se soma à multiplicação dos escândalos conduzidos pelos governos tucanos no metrô paulistano.

A indignação que esteve nas ruas em junho do ano passado, quando a população – em especial a juventude – protagonizou grandes manifestações, segue sem respostas por parte dos governantes. Se por um lado o PSDB buscou apenas reforçar o discurso do medo para justificar a ampliação de sua política repressiva, sem qualquer incremento dos investimentos sociais, por outro, o governo federal, encabeçado pelo PT e pelo PMDB, optou por manter a política econômica baseada em altas taxas de juros e baixos investimentos em infraestrutura e serviços públicos.

Enquanto o governo brasileiro e o paulista se submetem a todas as exigências do mercado financeiro, da Fifa e das forças conservadoras, nosso país continua diante de uma crise social latente. Esta se expressa no incremento dos atos de linchamentos em praça pública, no descontrole de uma polícia violenta e militarizada, nas mortes de jovens nas periferias das grandes cidades e no envio de bilhões de recursos que poderiam ser direcionados para enfrentar esses problemas sociais para o bolso dos banqueiros e especuladores.

O PSOL é, na atual conjuntura, o partido que melhor pode apresentar uma alternativa ao governismo conservador e a direita reacionária. O centro da ação governamental precisa ser a inversão de prioridades e o investimento maciço em políticas sociais.

Ciente dos desafios e do espaço existente para a consolidação e o fortalecimento de uma alternativa de esquerda, lançamos o nome do companheiro Gilberto Maringoni para representar o PSOL nas eleições para o governo de São Paulo em 2014. Professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, historiador e jornalista, Maringoni tem capacidade política e disposição militante para enfrentar o debate eleitoral e colocar a esquerda a altura desse desafio.

Em torno de sua candidatura, construiremos um movimento de opinião em favor das mudanças progressistas e necessárias para fazer de São Paulo o estado da inclusão social e do combate à desigualdade, ao racismo, ao machismo, à homofobia e a toda forma de opressão e discriminação. Um estado em que o planejamento urbano seja definido pelo bem estar das pessoas, e não mais pela sede de lucro da especulação imobiliária, da ditadura do automóvel e da falta de planejamento.

Em cada escola, universidade, local de trabalho, bairro, lutas sociais e manifestações por direitos, o PSOL estará presente para defender uma alternativa socialista, programática e popular. Onde tiver alguém lutando por uma vida melhor, pode ter certeza, aí tem PSOL, aí tem Maringoni governador. Vamos juntos! Vamos mudar São Paulo!

Diretório Estadual do PSOL SP

São Paulo, 18 de Maio de 2014

domingo, 18 de maio de 2014

NOTA PÚBLICA DOS MOVIMENTOS: COPA SEM POVO, TÔ NA RUA DE NOVO!

 

No próximo dia 22 de maio estaremos novamente nas ruas!

Quinta, 22 de maio às 17:00 no Largo da Batata - São Paulo

 

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A Copa do Mundo nem começou e já tem seus derrotados. Para atender aos negócios milionários da FIFA e suas empresas parceiras, os governos instauraram um verdadeiro estado de exceção onde os direitos básicos da população são violados. São milhares as famílias vítimas da Copa em todo Brasil.
 
Enquanto as construtoras e empreiteiras têm lucros astronômicos há milhares de trabalhadores sendo removidos de suas casas, seja pelas ações violentas de despejo, seja pelo preço exorbitante dos aluguéis a partir do avanço da especulação imobiliária. Ao mesmo tempo, o número de operários mortos nas obras da Copa não para de crescer.

Tudo amparado por um enorme aparato repressivo que tenta impedir a livre expressão e o direito do povo de se manifestar contra as injustiças
.
Neste dia 15 de maio (15M) voltamos às ruas para virar o jogo. Fizemos mobilizações durante todo o dia. Mais do que uma taça, o que o Brasil merece é o “Hexa dos Direitos”. Para que possamos exigir nas ruas o hexa de direitos, é urgente a garantia do direito à livre manifestação como fundamento de uma sociedade democrática. Basta de repressão. terrorista é a FIFA!

As organizações populares e de juventude que construiram esse 15M se uniram para dar um basta ao desgoverno da FIFA e recolocar a necessidade da garantia dos direitos:
 
1 – MORADIA - Nenhuma remoção forçada pela Copa do Mundo! Abaixo a especulação imobiliária, pelo controle do valor dos aluguéis e mudanças no Minha Casa Minha Vida. Desapropriação imediata do terreno da Ocupação Copa do Povo, para Habitação Popular!
2 – JUSTIÇA - Abaixo a repressão e as leis antiprotesto. Desmilitarização da polícia já.
3 – SAÙDE – Mais verbas para a saúde pública, fim ao subsídio aos planos de saúde e às privatizações. 10% do PIB para a saúde pública
4 – EDUCAÇÂO – 10% do PIB em educação pública, atendimento à toda a demanda por creches e democratização do acesso às universidades públicas
5 – TRANSPORTE – Aumento de tarifas nunca mais! Por um transporte gratuito e de qualidade como direito de todos
6 – SOBERANIA – FIFA Go Home! Nenhuma ingerência da FIFA no Estado brasileiro, garantia do trabalho informal e prevenção efetiva da exploração sexual
 

MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM-TETO (MTST)
FRENTE DE RESISTÊNCIA URBANA
MOVIMENTO PASSE LIVRE (MPL)
COMITÊ POPULAR DA COPA
SE NÃO TIVER DIREITOS, NÃO VAI TER COPA
COLETIVO JUNTOS
ASSOCIAÇÃO DOS TRABALHADORES DA FEIRA DA MADRUGADA (ASCINP)
NÓS DA SUL
FRENTE NACIONAL DE LUTA - CAMPO E CIDADE
REDE EMANCIPA DE CURSINHOS POPULARES

sábado, 17 de maio de 2014

Eleições no Unificados confirmam grande representatividade dos dirigentes junto à categoria

17 de maio de 2014
Químicos Unificados e Intersindical Central da Classe Trabalhadora

Resultados das eleições na Regional Osasco mostra que 96,64 % dos trabalhadores aprovam a Chapa 1 para dar continuidade à administração do sindicato. Após três dias de votação, que começaram em 14 de maio e se encerraram dia (16) às 18h, deu-se início à contagem dos votos.

A apuração (foto acima) contabilizou 3.336 votos válidos, dos quais 3.224 foram para a Chapa 1, com 83 votos em branco e 29 nulos. O resultado das eleições mostra que as trabalhadoras e trabalhadores da base da Regional Osasco do Unificados querem a continuidade das lutas da categoria e a renovação trazida pelos novos dirigentes eleitos, que se somam às companheiras e companheiros experientes que já integram a direção atual.

Representatividade inquestionável

Com o encerramento das eleições no Sindicato Químicos Unificados, o resultado das urnas deixa incontestável a grande representação da atual direção das regionais de Campinas, Osasco e Vinhedo junto às trabalhadoras e trabalhadores.

Foram três votações altamente expressivas nas três regionais para a Chapa 1 que, com grande renovação, conta com a chegada de novas companheiras e companheiros que se somam à experiência dos dirigentes atuais. O mandato dos dirigentes agora eleitos será até 2017.

Apuração eleições Regional Osasco 2014

 

Os resultados das eleições nas Regionais Campinas e Vinhedo


Dirigentes atuais, novos integrantes da direção do Unificados, trabalhadores(as) e militantes comemoram na divulgação do resultado das eleições na Regional Campinas

•    09/05/14 – 98% aprovam direção da Regional Campinas nas eleições no Unificados


Apuração dos votos na Regional Vinhedo, em 13 de maio

•    13/05/14 – 97,69% aprovam nova diretoria da Regional Vinhedo do Unificados

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Sem-teto protestam contra aluguéis caros e despejos forçados gerados pela Copa

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Divulgação

Há ainda a expectativa da criação de uma política federal de prevenção de despejos forçados. O MTST cobra mudanças em programa habitacional que garantam melhor localização e maior qualidade das obras

15/05/2014

Por Jorge Américo,

Da Radioagência Brasil de Fato

Dando continuidade à campanha “Copa Sem Povo, Tô na Rua de Novo”, os sem-teto organizam mobilizações em diversas cidades do país. Na manhã desta quinta-feira (15), manifestantes bloquearam importantes vias na cidade de São Paulo. As ações contaram com a participação de famílias das ocupações “Copa do Povo”, de Itaquera (veja vídeo abaixo), e “Nova Palestina”, da zona sul.

Protestos parecidos ocorreram em outras capitais. Além de denunciar as contradições da Copa do Mundo da Fifa, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) pede o “controle público do reajuste de aluguéis urbanos estabelecendo o índice inflacionário como teto dos reajustes”. Esta seria uma maneira de combater a especulação imobiliária.

Há ainda a expectativa da criação de uma política federal de prevenção de despejos forçados. O MTST também cobra mudanças no Programa Minha Casa Minha Vida que sejam capazes de garantir melhor localização e maior qualidade das obras.

A campanha foi lançada no dia 8 de maio, quando as sedes das empreiteiras Odebrecht, OAS e Andrade Gutierrez foram ocupadas, em parceria com o Movimento  dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). As empresas são apontadas como responsáveis pela maior parte dos estádios da Copa e beneficiárias de contratos públicos bilionários.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Impunidade dos EUA: o Golpe de 64, Bush, Operação Condor, a Comissão da Verdade e as guerras da Síria e Iraque

ESCRITO POR RAMEZ PHILIPPE MAALOUF

Postado: Correio da cidadania

x120514_golpe64_1.jpg.pagespeed.ic.LFDuCM2q_UAos poucos, as suspeitas de que o presidente João Goulart (“Jango”), deposto pelo golpe de Estado de 1964, o ex-presidente Juscelino Kubitschek (“JK”) e o ex-governador da Guanabara Carlos Lacerda foram assassinados entre 1976 e 1977 estão sendo confirmadas com grande riqueza documental. Eles teriam sido assassinados pela Operação Condor, para ser mais preciso, uma espécie de “MERCOSUL do Terror”, conforme está sendo comprovado pelas comissões da verdade na Argentina e demais países do sul-americanos. Falta a confirmação a respeito de Carlos Lacerda, supostamente morto em decorrência de um infarto.

Como a Operação Condor foi inspirada na Operação Gladio, similar europeia do programa de “caça aos comunistas e aos nacionalistas”, perpetrado pela Agência Central de Inteligência (CIA), só podemos concluir que a CIA foi responsável indireta pelos assassinatos destas lideranças brasileiras.

Afinal, quem era o diretor da CIA na época do apogeu da Operação Condor, o ano de 1976? A resposta é George Herbert Walker Bush, uma das figuras mais sinistras do século XX, ao lado de Winston Churchill, Theodore Roosevelt, Adolf Hitler, Benito Mussolini, Lyndon Johnson, Richard Nixon, Ronald Reagan e Neville Chamberlain, entre outros genocidas e ditadores. George H. W. Bush foi diretor da CIA entre 30 de janeiro de 1976 e 20 de janeiro de 1977, sob a presidência de Gerald Ford, que assumira o comando dos EUA após o golpe de Estado que derrubara Richard Nixon, em 1974, que a mídia ocidental denominou de processo de “impeachment”.

Entretanto, Henry Kissinger continuou no poder como secretário de Estado mesmo após a derrubada de Nixon. W. H. Bush, Ford e Kissinger deram os primeiros passos do que nos meios de pesquisas de geopolítica chamam de “roll-back”, ou seja, a brutal “viradeira” para a retomada da hegemonia mundial do poder dos EUA, abalada (na visão dos ianques) pela deposição de Nixon, a derrota no Vietnã, a crise do petróleo, independência na África meridional, a revolução sandinista na Nicarágua, a ascensão da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), o desenvolvimento econômico do Brasil, do Iraque e da Coréia do Sul, a emergência da Europa e do Japão e, por fim, o surgimento de governos aliados da extinta União Soviética (URSS) na Ásia, África e América Latina. Com H. W. Bush na direção da CIA, os EUA promoveram, em 1976:

• a invasão e a ocupação militar do Timor Leste pela Indonésia, apoiada pela Austrália, na qual mais de 180 mil timorenses foram assassinados, iniciada em dezembro de 1975;

• a intervenção da Síria no Líbano, apoiada tacitamente, para “neutralizar” a coalizão “islamo-progressista”, liderada pela OLP, que estava prestes a vencer a guerra do Líbano (e de exterminar os libaneses cristãos), em maio. A intervenção síria favoreceria o ataque da extrema-direita cristã liberal à resistência palestina, culminando no Massacre de Tal al-Za’atar, no qual mais de 2 mil palestinos foram assassinados;

• o assassinato do diplomata chileno Orlando Letelier, opositor da ditadura liberal do general Augusto Pinochet, em Washington D.C., capital dos EUA, em setembro;

• por meio do governo de Pretória, o Massacre de Soweto, em junho, na África do Sul, feroz repressão a um levante de jovens estudantes negros contra o regime de “apartheid”, que exterminou cerca de 500 pessoas, inclusive crianças;

• golpe da Junta Militar da Argentina, em março, que inaugurou uma das mais sangrentas ditaduras da história recente do Cone Sul.

Foi neste contexto internacional que o ex-presidente Juscelino Kubitschek e o presidente e eleito constitucional e democraticamente João Goulart foram assassinados, sendo que o último, morto na Argentina, em dezembro de 1976. Recentemente, no entanto, no Brasil, a Comissão Nacional da Verdade (CNV), da qual um dos integrantes é o obscuro politólogo Paulo Sérgio Pinheiro (PSP), concluiu que a morte de JK na rodovia Presidente Dutra, que liga as capitais de São Paulo e do Rio de Janeiro, foi resultado de um mero acidente de trânsito, em agosto de 1976.

Negativas convenientes?

As conclusões da CNV, da qual Paulo Sérgio é integrante, colidem com o relatório da Comissão Municipal da Verdade de São Paulo (CMVSP), que afirma que JK foi assassinado por uma conspiração e um atentado político cujo objetivo era eliminar lideranças oposicionistas ao governo autoritário para controlar a abertura política. No caso, JK, com direitos políticos cassados, se articulava com o ex-governador Carlos Lacerda e o presidente deposto João Goulart para por fim à ditadura civil-militar.

No mesmo ano, outros políticos sul-americanos foram assassinados, sob circunstâncias misteriosas, por se oporem às ditaduras de segurança nacional impostas pelos EUA no Cone Sul a partir do golpe de 1964 no Brasil. A Operação Condor teria sido constituída pelos países sul-americanos para reprimir e “neutralizar” a ação dos opositores a estas ditaduras pró-ocidentais. É pouco crível que os EUA não estivessem por detrás da montagem deste aparato repressivo. Há vários informes de que a zona ianque do Canal do Panamá servia como local de coordenação de informação de inteligência de todo o Cone Sul na época.

Qual seria o objetivo da CNV em contrariar a CMVSP e negar o assassinato de JK? Paulo Sérgio jamais escondeu suas simpatias pelos EUA e Israel. Em agosto de 2013, ele presidia a Comissão Internacional de Investigação para a Síria (CIIS), quando ocorreu um ataque químico no subúrbio de Damasco, em Ghouta, de autoria desconhecida, matando centenas de pessoas. Em maio do mesmo ano, uma das integrantes da Comissão, Carla Del Ponte, afirmara categoricamente que o “rebeldes”, que combatem o governo de Bashar al-Assad, eram responsáveis pelo uso de armas químicas na Guerra da Síria. Os “opositores” do presidente sírio são armados, treinados e financiados pelos EUA e seus aliados regionais (Turquia, Catar, Israel e Arábia Saudita) desde o início dos combates, em março de 2011.

No início de junho de 2013, Paulo Sérgio veio a público afirmar que a CIIS não poderia determinar quem usou armas químicas no conflito após a entrega de supostas provas pelos governos dos EUA, França e Inglaterra. Só se podia afirmar, segundo ele, que armas químicas estavam sendo usadas no conflito. Em dezembro, o jornalista ianque Seymour Hersh, que em uma longa reportagem investigativa sobre o ataque a Ghouta, acusou o grupo al-Nusra, filiado à rede terrorista al-Qaeda, pelo uso e ataque de armas químicas no referido subúrbio damasceno, ratificando as declarações de Del Ponte.

No entanto, a mídia ocidental acusava abertamente o governo de al-Assad, sem apresentar provas concretas, pelo ataque químico contra a própria população nos arredores de Damasco. O uso de armas químicas foi considerado pelo presidente-ditador dos EUA Barack Obama uma “linha vermelha”, a qual o governo sírio estava impedido de atravessar, pois, do contrário, haveria uma resposta militar. Analistas internacionais entenderam que os EUA pareciam buscar apenas um pretexto, mesmo que fosse forjado, para atacar a Síria, tal como ocorrera no Vietnã, em 1964, e no Iraque, em 1991 e em 2003, quando a suposta existência de armas de destruição em massa foi usada exaustivamente pelo governo W. Bush e pela mídia ocidental como casus bellipara o extermínio do país mesopotâmico.

Ao desmentir a comissária Del Ponte e aceitar as supostas provas indicadas por Washington D.C., Paulo Sérgio livrava tanto os “rebeldes” da acusação como também permitia a Barack Obama impor a sua versão dos acontecimentos na Síria, abrindo caminho para um bombardeio ianque sobre a Síria, cujo resultado poderia ter sido a deflagração de uma III Guerra Mundial aberta. Isto quase ocorreu de fato, pois a frota ianque no Mediterrâneo chegou a disparar um míssil contra a Síria, no início de setembro do ano passado, que foi interceptado pelos russos.

Ao se negar a reconhecer que JK foi assassinado (assim como Jango e Lacerda), apesar dos abundantes indícios neste sentido, que não param de crescer, a CNV parece tentar isentar não apenas a Operação Condor, mas, sobretudo, a participação dos EUA na repressão das ditaduras sul-americanas. Por tabela, a responsabilidade de George H. W. Bush no assassinato de um ex-chefe de Estado e de um chefe de Estado deposto ficou ocultada.

Com a impunidade garantida, a carreira de crimes cometidos por H. W. Bush não foi encerrada com sua saída da chefia da CIA. Ele se tornaria presidente dos EUA em 1989, e como um ditador ao estilo romano declarou guerras sem pedir autorização ao Congresso, invadindo o Panamá, em 1990, onde mais de 4 mil pessoas foram assassinadas, a Somália, em 1992, e, sobretudo, o Iraque, país em que mais de 150 mil pessoas foram exterminadas pelos bombardeios ianques de saturação por mar, ar e terra, ao longo de 41 dias, no inverno de 1991.

Um legado colonial

Seria, portanto, desnecessário dizer que os EUA têm uma longa tradição de invadir países e derrubar governos que não lhes agradam? Infelizmente, é necessário. É preciso lembrar que os EUA foram o principal autor do golpe de Estado de 1964 que derrubou o presidente João Goulart. Washington D.C. despachou uma frota para atacar o Brasil (a Operação Brother Sam), para motivar os golpistas e também para vergar uma provável resistência ao golpe. E existiam motivos para temer uma resistência, pois as eleições presidenciais se aproximavam e Jango e o seu projeto de “reformas de base”, visando um desenvolvimento econômico e social soberano, gozavam de enorme popularidade. Sem a ameaça de intervenção militar ianque, não haveria como dissuadir uma eventual resistência armada ao golpe (que poderia se esboçar com a mobilização do III Exército, no Rio Grande do Sul). Portanto, mesmo contando com empresários, classes médias e significativos efetivos militares favoráveis à queda de Jango, sem a participação dos ianques a deposição do presidente seria impossível.

Com o golpe dos EUA contra o Brasil, apoiado por setores do empresariado, dos militares e das classes médias, em 1964, inaugurou-se o ciclo de ditaduras de segurança nacional no Cone Sul. Com tais ditaduras, as forças armadas destes países foram convertidas pelos EUA em forças de ocupação militar estrangeira, dando prosseguimento às diretrizes geopolíticas traçadas pelo geógrafo ianque Nicholas Spykman para a contenção da URSS e o controle da Eurásia. Por meio destes governos antidemocráticos, Washington D.C. promoveu sua guerra contra as políticas econômicas nacional-desenvolvimentistas sul-americanas, que ameaçavam a retaguarda imperial, sem a qual seria impossível a projeção de poder sobre a ilha-mundo euro-afro-asiática e, portanto, sobre toda a humanidade.

Hoje, a direita brasileira reconhece a participação dos EUA no golpe de 1964, porém, como há um esforço por uma parte significativa da esquerda brasileira em subestimar e até mesmo negar a participação decisiva dos ianques no golpe e na ditadura civil-militar inaugurada em 1964 (a ponto de manter silêncio com a participação de um partidário de Washington D.C. na CNV), é preciso mais do que nunca resgatarmos as raízes históricas do nosso atual Estado liberal-colonial, que se consolidou a partir dos governos Collor e FHC. Sob o regime liberal, o Brasil se tornou uma das nações mais violentas do mundo.

Ramez Philippe Maalouf é historiador (UERJ), mestre e doutorando em Geografia Humana (USP).

Publicado originalmente no Oriente Mídia.