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sexta-feira, 31 de julho de 2015

EU E ELE, NÓS E ELES (Sebastião Neto fala sobre Vito Giannotti)

Em texto, Sebastião Neto homenageia Vito Giannotti – militante político, historiador das lutas operárias e criador do Núcleo Piratininga de Comunicação -, que morreu aos 72 anos na madrugada do sábado, 25 de julho.



Vito Giannotti e Sebastião Neto (de barba), em ato contra a privatização da Petrobras no dia 17 julho, em frente ao Edifício Sede da Petrobras no Rio de Janeiro
Dedico aos jovens que brilhavam os olhos ao ver Vito falar, imprecar e politizar. E particularmente aos participantes do Curso de Comunicação Popular do NPC. Como diria o Elias: “se temos que esperar alguma coisa, será dos jovens”.

Sentia que esse momento estava chegando. Tava antevendo. Tive na sexta passada com o camarada Vito no Rio de Janeiro. Era o mesmo como ser político, mas parecia fragilizado fisicamente. Já de meses, sua companheira Cláudia e sua equipe no NPC o acarinhavam, preocupados com as sequelas de tratamentos brabos que ele tinha passado.

Durante muitos anos, eu e ele fomos inseparáveis na ação e diferentes em quase tudo para quem olhava a superfície das coisas. Dois jeitos distintos. O ambiente que ainda hoje permanece entre os velhos camaradas da Oposição Metalúrgica de São Paulo permitia e permite a convivência com diferenças políticas. Nos uniram laços inquebráveis de concepções politicas: a independência de classe, o internacionalismo, a obsessão pela defesa e necessidade das organizações de base dos trabalhadores numa concepção das estruturas horizontais de poder, a democracia dentro das organizações de trabalhadores. Vito trazia a cultura comunista da esquerda europeia – leia-se: NÃO da Terceira Internacional – com uma marca italiana e particularmente tudo que era não stalinismo, não burocracia. Lembremos que a Itália no final dos 60, começo dos 70, tinha, talvez, o sindicalismo mais avançado da Europa, dizíamos “o mundo”. Como tudo isso foi para a casa do cazzo, como diria o Vito, é um bom motivo de reflexão para a esquerda que vê as barreiras colocadas pela burguesia e prefere os atalhos da conciliação. Vito, na sua busca pela revolução, tinha cheirado que dali não sairia nada.

Eram de nomes como Bordiga, Pannekoek, Rosa de Luxemburgo, Rossana Rossanda, grupo "Manifesto", o extraparlamentarismo de que ele empurrava textos e textos fora do senso comum da esquerda. E Gramsci!! Não foi a OSM-SP no Brasil a que difundiu aos milhares OS CONSELHOS DE FABRICA DE TURIM? E a essa visão conselhista se somava uma férrea defesa dos SOVIETS. Fora a burocracia, viva os Sovietes!

É imaginável que tenhamos distribuído milhares de cópias do texto de Lenin "Sobre as greves" (edição Jornal do Jornais) inclusive em outras categorias?

Fizemos os decretos principais da Comuna de Paris em formato de cartazes. Essa visão conselhista era visto por muita gente boa como basismo.

Formou-se em São Paulo e irradiou pelo Brasil a partir da OSMSP uma vanguarda. Vanguardista, às vezes, mas vanguarda de classe.

Quando uma bandeira como as Comissões de Fábrica é assumida por milhares de trabalhadores que vão à greve, como em 78, reivindicando o reconhecimento das Comissões de Fábrica tanto quanto o reajuste salarial mostra que essa vanguarda permaneceu anos dentro das fábricas urdindo o tal trabalho de base. Não foi assim na Cobrasma quando da greve de Osasco?

Bebíamos em boa fonte.

São centenas de dirigentes de base estimulados, conscientemente formados em pequenas reuniões, em visitas nas casas, atividades de formação e quando a ditadura começou a cambalear atividades maiores e participação nas lutas. Essa vanguarda não foi forjada no estilo de ficar escondida atrás das máquinas. São muitas pequenas lutas por N motivos. Trabalhei por acaso um ano junto com o Vito na BUSSING-STAHL na Mooca, e com o Eliseu que seria o diretor da TVT em São Bernardo até o perdermos também. Quando entrei no início de 1970, tinham feito greves inclusive por atraso de pagamento. Eu estava com prisão decretada e ficava meio na moita e via aquele italiano falar incansavelmente, repassar muita literatura.

Trabalhavam umas 150 mulheres na produção. Era uma fábrica com a cara do milagre brasileiro. Condições de trabalho pré-revolução industrial, despotismo absoluto da chefia, revezamento de turnos, horas extras determinadas em cima da hora. Dali, através trabalho do Vito, sairá em 72 a primeira mulher candidata numa chapa da Oposição, Terezinha Paparazzo. E uma amizade de vida inteira com o Eliseu.

Essa cultura que o Vito (e outros) trazia, mais a paciente tradição do trabalho de base capitaneado por Rossi, herdeiro do jocismo do ver-julgar-agir, dos Queixadas, da greve de Osasco somadas aos militantes de diversas organizações clandestinas, que diante da tarefa enorme que era "tomar" o Sindicato (é do Vito o "delenda Cartago”) fizeram a mais rica – sem modéstia – convivência democrática na esquerda brasileira. Pautada por uma regra singela: a base organizada decide. Não é episódico, embora pitoresco, que militantes de partidos contrariavam as orientações e votavam com a região que representavam. Fazer o que? Como os comunardos, éramos pela revogabilidade de mandatos.

Não foi o velho MOSMSP, execrado por gente tão bem pensante, como anarco-sindicalismo, os que não queriam ganhar o Sindicato? As ratazanas, hoje gordas, com alguns chafurdando na lama da política; os ganhadores que trataram a OSM-SP como “primos pobres”, ignorando não só a realidade da luta de classes que contrapunha projetos tão distintos como, de um lado a OSM-SP, e por decorrência a CUT, e do outro a emergente Força Sindical; aqueles que pactaram um “Ialta-Teerã” no sindicalismo brasileiro, que queriam "enterrar a OPOSIÇÃO no caixão do Joaquinzão", esses eram a malta, a banda que o Vito não queria andar junto.

Após a diáspora imposta, a palestinização da Oposição nos anos 90 quando a combinação dos avanços do neoliberalismo, a opção da CUT pelo "propositismo", o aparar das barbas no PT e a negação pura e simples que os metalúrgicos de São Paulo fizessem chapa de Oposição a partir de 93, levaram Vito a mudar de ares, indo para o Rio de Janeiro. É verdade que a tragédia da perda do filho André nunca foi superada. Isso também o empurrou para fora de São Paulo. Os anos 90 foram para os metalúrgicos de Oposição de sobrevivência pura e simples. Fomos para o subemprego, para se esconder nas pequenas.

Depois do exílio nas fábricas nos anos 70, enfrentando a tríplice aliança empresários-militares-pelegos, fomos jogados nos 90 na pirambeira do desemprego, lidando com os trabalhadores que prudentemente estavam de cabeza gacha. E o “sindicalismo de resultados”. O sindicato collorido era o arauto da desregulamentação e da flexibilização em nome do negocial melhor que o legal. Em menos de dois anos, Collor liquida um quarto dos empregos industriais em São Paulo.

Estava vencido como etapa. A partir da derrota de Lula na maravilhosa campanha de 89, foi determinada uma divisão de águas na esquerda. Mal se podia imaginar que o aggiornamento ocorreria também por aqui. Que boa parte da esquerda historicamente construída na resistência à ditadura, em nome dos interesses maiores, desistisse dos enfrentamentos. Além do realismo político, não havia porque reforçar que a incontrolável Oposição Metalúrgica ganhasse o maior Sindicato operário. Os palestinos não podem ganhar, é isso. Acabou o gás. Ficamos sem a retaguarda.

Mas Vito recomeça, esse cavaleiro errante que já tinha andado pelo Oriente Médio, que foi pescador no Espírito Santo, depois de décadas militando em São Paulo, mudará para o Rio de Janeiro. "Recomeçarás sempre, com magnífica honestidade” (Barbusse).

O Vito era o cara da imprensa. Em depoimento para o Projeto Memória da OSM-SP, ele afirma que a Oposição foi inclusive, contando os sindicatos da época, quem MAIS publicou e distribuiu. Essa incontrolável gente era composta de forma variada por todas correntes de esquerda. Era incontrolável por qualquer uma das correntes participantes, muito menos de fora. A concepção de FRENTE DE TRABALHADORES tem a ver, claro, com um método, uma concepção, mas também é resultado do tamanho da tarefa (eram 400 mil metalúrgicos, em mais de 13.000 empresas; milhares de pequenas firmas e algumas de grande concentração de gente) do poder do inimigo que obrigava a UNIDADE.

A CUT PELA BASE será herdeira dessa tradição de FRENTE de Trabalhadores. Com a presença de diversas organizações, se manterá unida no mesmo método "assembleario". Quando o esgarçamento das relações começou a tornar forte a relação entre as correntes políticas, ela implodiu.

Vito tinha aprendido muito a fazer imprensa desde o final dos 60. E escrever. Fazia isso incansavelmente. Sua preocupação era sempre defender princípios e intervir na política ajudando que todos pudessem ter compreensão na sua militância. Desde, se não me engano, o primeiro livrinho feito com o Elias Stein (mais alguém?) sobre a História da Classe Operária no Brasil, construiu sua marca.

O trabalho com a Cláudia (e tant@s outr@s) consolidara essa obsessão de colocar como tema central a questão da COMUNICAÇÃO E DA DISPUTA DA HEGEMONIA.

Morrerá sem ver uma imprensa revolucionária de massas expoente de um projeto político de esquerda. E tudo indica que estamos ficando cada vez mais longe dessa possibilidade.

Os cursos anuais do NPC em novembro juntam as correntes de esquerda num ambiente de confraternização e rica discussão política. Sobreviveu Vito dando cursos em todo o país. Os sindicalistas de base, os formadores o veneravam.

Muitos de nós são respeitados, mas Vito é daqueles camaradas como o Martinelli e o Rossi. Mais que respeitados, eles são amados.

LONGA VIDA AOS QUE LUTAM!

Sebastião Neto
Vitão_presente

quinta-feira, 30 de julho de 2015

‘É preciso acabar com a sangria da dívida pública para mudar a agenda do Brasil’

Escrito por Valéria Nader e Gabriel Brito, da Redação

Por: Correio da Cidadania

ft_marialuciafatorelliMaria Lúcia Fattorelli

Em momento em que se abrem claros sinais de intensificação da recessão no país, associada às medidas de política econômica levadas a cabo pelo atual governo, o Correio entrevistou Maria Lúcia Fattorelli. Auditora da Receita Federal desde 1982, e coordenadora do movimento Auditoria Cidadã da Dívida, Fattorelli tem sido uma ferrenha crítica da predominância da ótica financeira na condução das políticas públicas. A auditora, que já participou do processo de auditoria pública da dívida do Equador, foi recentemente convidada por Zoe Konstantopoulou, deputada do Syriza, que ocupa a presidência do Parlamento Grego, a compor o Comitê pela Auditoria da Dívida Grega.

Sobre a experiência que tem vivido na Grécia, Fattorelli destaca que “ caso grego, a partir de um setor oficial, tem muita importância, porque significa levantar a cabeça e começar a ver alguma reação em relação ao que ocorre desde 2008. Obviamente, a pressão também aumentou sobre o Executivo, tanto que em 9 de abril o país pagou o FMI”.

Quanto ao que temos vivido em solo pátrio, a auditora considera uma enorme lástima um país, com as potencialidades do Brasil, mas com a pior distribuição de rendo do mundo, adotar um modelo que trava o desenvolvimento socioeconômico,principalmente por conta da adoção de um modelo econômico equivocado, que coloca como principais metas o superávit primário, sem questioná-lo, e metas de inflação. E de forma totalmente equivocada, porque o modelo de combate à inflação adotado no Brasil não combate o tipo de inflação que temos. Ele visa privilegiar o sistema financeiro, mais uma vez”.

Crítica também contumaz do modelo de atuação do BC nesse esquema, “que enxuga o dinheiro dos bancos, fica com esse dinheiro e lhes entrega títulos da dívida pública, para garantir-lhes rendimento com esses títulos”, Fattorelli clama por uma campanha ampla de conscientização popular sobre os nefastos e sombrios caminhos de nossa economia – única forma de inverter a lógica predadora, que enriquece o setor financeiro em detrimento da economia real e do povo trabalhador.

Leia abaixo a entrevista exclusiva, em que a auditora discorre ainda sobre os esquemas corrompidos que levaram à atual dívida exorbitante do estado de São Paulo, e sobre o sistema de financiamento eleitoral como indutor do distorcido esquema de prioridades do Brasil.

Correio da Cidadania: Após alguns meses à frente da auditoria da dívida pública grega, como você avalia o processo neste início de governo Syriza, no que se refere à nova condução que se propõe para a economia e às dificuldades que já aparecem no horizonte para enfrentar a Troika?

Maria Lucia Fattorelli: A comissão de auditoria foi criada em 4 de abril. E os trabalhos começaram em maio. Sua criação foi um ato político, a partir do parlamento grego, não do Executivo, e envolve tanto pessoas estrangeiras convidadas, como no meu caso, como também gregos que participam de órgãos governamentais, além de cidadãos, professores etc.

É uma iniciativa muito importante, porque significa a primeira atitude de questionamento desde o início da crise de 2008, quando a primeira reação geral foi empurrar o peso da crise para os países, que foram aceitando as medidas de austeridade e aumentaram suas próprias dívidas pra socorrer bancos, sem nenhum tipo de reação - à exceção da Islândia e, mais timidamente, da Irlanda.

O caso grego, a partir de um setor oficial, tem muita importância, porque significa levantar a cabeça e começar a ver alguma reação em relação ao que ocorre desde 2008. Obviamente, a pressão também aumentou sobre o Executivo, tanto que em 9 de abril o país pagou o FMI.

Também trocou o ministro das Finanças Varoufakis pelo ministro das Relações Exteriores nas negociações com credores, de modo que a pressão para que tudo continue como antes, com aplicação de políticas de austeridade e novos empréstimos para pagar empréstimos anteriores, sem nenhum questionamento, é brutal.

Por isso movimentos sociais lançaram manifesto pedindo apoio da comunidade internacional, autoridades, pessoas conhecidas, movimentos sociais, cidadãos, em apoio ao povo grego. A ideia é aumentar o apoio internacional pra criar um contraponto na conjuntura.

Os trabalhos estão só começando, ainda em fase preliminar.

Correio da Cidadania: Que comparação você faria da experiência vivida agora com a que teve lugar no Equador, também sob sua direção?

Maria Lucia Fattorelli: No Equador, foi uma coisa única, porque partiu de iniciativa do presidente da República, o Rafael Correa, que baixou um decreto, criou uma comissão, nomeou seus membros, tanto estrangeiros, como equatorianos, de órgãos oficiais ou especialistas. O peso político da Comissão de Auditoria no Equador era impressionante. Ele nos deu poderes pra questionar diretamente qualquer órgão, obrigando-os a atender qualquer pedido nosso e estabelecendo até uma pena para o não atendimento. Como nomeada, eu mesmo redigi pedidos de informações ao Banco Central equatoriano, à Procuradoria da Fazenda, encarregada do parecer jurídico de cada empréstimo.

Foi esse poder político que nos permitiu ter acesso direto a arquivos públicos e dos órgãos encarregados de manejar a dívida pública do país. Essa autoridade delegada pelo presidente permitiu que conseguíssemos realizar o que realizamos. Porque uma auditoria só acontece de fato quando se tem acesso a documentos e contratos. Caso contrário, fica-se à mercê de estudos publicados, sendo que a maioria vem de institutos ligados ao mercado financeiro, como o FMI, entre outros, financiados pelos próprios bancos, que são quem lucram com as dívidas públicas.

Correio da Cidadania: Contrariando as promessas de campanha, em poucos meses de mandato, o novo governo Dilma Rousseff impôs o chamado Ajuste Fiscal ao povo brasileiro, sem qualquer forma de debate público, e em detrimento de diversas áreas sociais e de infraestrutura pública. Como alguém que hoje está diante do drama grego enxerga esse quadro no Brasil?

Maria Lucia Fattorelli: É lastimável. O Brasil tem tudo pra viver uma realidade completamente diferente do que estamos vivenciando. Apesar de toda a espoliação desses 500 anos, ainda somos a sétima potência econômica mundial. Mas quando olhamos os indicadores sociais, temos a pior distribuição de renda do mundo, o fosso social do Brasil é o pior do mundo. Estamos com o desenvolvimento socioeconômico totalmente travado, principalmente por conta da adoção de um modelo econômico equivocado, que coloca como principais metas o superávit primário, sem questioná-lo, e metas de inflação. E de forma totalmente equivocada, porque o modelo de combate à inflação adotado no Brasil não combate o tipo de inflação que temos. Ele visa privilegiar o sistema financeiro, mais uma vez. O Copom já aumentou a taxa de juros pra 13,25 % e os títulos da dívida são vendidos a taxas bem superiores.

Qual a razão pra subir mais ainda juros já indecentes? A alegação é controlar a inflação. Mas quem provoca inflação no Brasil? Aumento dos preços da energia, do combustível, da água, dos transportes e alguns alimentos, em função de políticas agrícolas também equivocadas. Subir juros vai incidir no preço de alguma dessas coisas? Não, de jeito nenhum. Subir juros no momento é unicamente pra sangrar mais o país, garantir ainda mais recursos para o setor financeiro, que já leva a maior parte do nosso orçamento federal, justamente através dos juros. Afeta estados, municípios, impede totalmente a atividade econômica efetiva. E a ação do BC afeta não só tais juros da dívida, como também afeta, profundamente, os juros que o mercado financeiro cobra do setor privado, de empresas, de pequenos ou grandes comerciantes, de qualquer pessoa física.

No meu artigo ‘Por que os juros são tão altos no Brasil?’ explico por que tais políticas provocam um aumento absurdo da dívida: pra fazer uma troca com o mercado financeiro. O BC não tem deixado que os bancos fiquem com dinheiro no caixa. Significa que, se os bancos recebem um enorme volume de depósitos e remessas do exterior, dinheiro especulativo, o BC ‘enxuga’, fica com esse dinheiro e entrega títulos da dívida pública aos bancos, para garantir-lhes rendimento com esses títulos. Isso provoca aumento brutal da dívida,  já que o Tesouro repassa os títulos ao BC; o Tesouro emite e repassa. Já há 1 trilhão de reais de dívida do Tesouro com o BC, pra repassar aos bancos com tal mecanismo.

A consequência é que os bancos não vão emprestar dinheiro à população ou a pequenas empresas pra promover a atividade econômica. Pra que correr risco de emprestar no mercado, se tem a segurança de que o BC vai ficar com o dinheiro e pagar o rendimento do título da dívida com os maiores juros do mundo? Portanto, só se empresta à população ou a pequenos empreendimentos com taxas absurdas, escorchantes, que impedem a movimentação saudável da nossa economia.

Quanto mais negócios, mais empregos. Se os empregos são gerados, mais pessoas têm rendimento. E consomem mais, comem melhor, possibilitam melhor educação aos filhos... Isso é que gera um ciclo positivo na economia. Na medida em que seca o recurso financeiro, trava-se tudo. E o próprio BC impõe essa lógica, ao garantir rendimentos generosíssimos aos bancos, enxugando tais recursos.

Por que a Dilma entra nessa de ajuste fiscal, corte de direitos e impede reajustes salariais dignos? Vai travar a nossa economia. Ao mesmo tempo, abre mão de todos os limites e aumenta juros. Das eleições pra cá, sem contar o último aumento de juros, as taxas já subiram 16%. Não dá. Estamos empurrando o país para o aprofundamento de uma crise. É evidente.

Acredito que isso aconteça, em primeiro lugar, pelo atrelamento ao financiamento de campanha.

Embora a Dilma tenha feito um discurso à esquerda, se olhamos os dados do TSE,  vemos que ela e o PT foram fortemente financiados pelo sistema financeiro. Só a campanha da Dilma recebeu cerca de 24 milhões de Reais dos bancos. Infelizmente, isso não é de graça. Sabemos que é uma forma de comprar mandatos. Financiamentos elevados por parte de grandes corporações e setor financeiro têm preço, sempre cobrado depois. Através de benesses, financiamentos do BNDES ou adoção de políticas favoráveis ao setor. Isso é claro.

Existe ainda a pressão que a mídia sempre faz, ao descobrir e denunciar casos de corrupção, outra maneira de pressionar certas medidas. É assim que começa o governo Dilma.

Correio da Cidadania: Como imagina que vá ser, portanto, a condução da política econômica no Brasil nos meses vindouros e qual será o impacto, a seu ver, no crescimento do país, no emprego formal e no rendimento médio do trabalhador? E o que você diria desse processo de ajuste fiscal e política de austeridade que terão lugar no Brasil face a processos semelhantes por que passaram países europeus nos últimos anos, a exemplo de Portugal e Grécia?

Maria Lucia Fattorelli: Já estamos vivendo essa crise. Se olhar os servidores públicos federais, nem a perda inflacionária foi coberta nestes anos. Os servidores tiveram reajuste de apenas 5% nos últimos anos e a inflação superou os 5%. Em âmbito estadual e municipal, a mesma coisa, sem reajuste. No caso do setor privado, o ano começou com o crescimento elevado da taxa de desemprego.

Ao mesmo tempo, o governo limita o acesso ao seguro-desemprego. O que representa um fator de dificuldade para a pessoa que perde o emprego e não tem perspectiva, porque a economia está em retração. O comércio passa por crise gravíssima. O que mais vemos em todas as capitais do país são placas como “passa-se o ponto”, “aluga-se”, lojas fechando etc. Na indústria, já estamos há anos em processo de desindustrialização e gerando mais desemprego. Aqueles incentivos de redução de IPI etc. também bateram no limite.

Entramos num período da economia sem geração de emprego e reajuste salarial, com os preços subindo absurdamente. Quando se aumenta o preço da telefonia, energia, combustíveis e transportes, provoca-se aumento de tudo, porque todos os bens e serviços embutem tais quesitos em seus preços. Com a massa salarial em queda, os estoques ficam sem saída. E começamos a entrar num ciclo vicioso, aquela espiral que leva pra baixo.

Infelizmente, isso aconteceu na Grécia, Portugal, Espanha, Itália e até em países de economia mais avançada da zona do euro, como Alemanha e França. Todos que entraram nesse ciclo vicioso tiveram sua economia puxada pra baixo e desemprego brutal. A situação da Grécia, país entre os mais afetados, é considerada de crise humanitária, tamanho o volume de desemprego e desespero. Se pensarmos que a crise começou em 2010 e já estamos em 2015, imagine o desespero de um pai desempregado anos a fio, recebendo um seguro que não cobre despesas e sem saída, porque a economia só acumula dificuldade.

É um modelo doente, totalmente viciado, que coloca os interesses financeiros como um fim. O fim último é sacrificar tudo pra entregar dinheiro, juros e alimentar a ciranda financeira. A questão da dívida, há muito tempo, deixou de ser um instrumento de financiamento do Estado e passou a ser instrumento e grande negócio do setor financeiro. Todos os países aqui citados estão vivendo em função de sacrificar a população e a economia real – indústrias e comércio, que produzem bens e serviços que servem à população.

Os países sacrificam tudo apenas pra servir o setor financeiro. Este, sim, deveria estar a serviço da economia real. Tal inversão ocorre há anos no Brasil. Vemos na Grécia o que eles chamam de crise humanitária – pessoas sem energia, vivendo do lixo, sem acesso mínimo a alimentos –, mas quantos milhões de brasileiros estão há anos nessa condição, vivendo de uma simples Bolsa Família, que atinge mais de 50 milhões de pessoas?

Resumindo, as políticas adotadas neste início de governo Dilma enterram cada vez mais o país. E abrem brecha para a continuidade das privatizações, como vimos no anúncio do ‘pacote positivo’, que, na verdade, é de privatizações em vários setores. É pra isso que o sistema financeiro pressiona a dívida e seu sistema. Além de receber dinheiro dos juros, a dívida serve pra pressionar por mais privatizações. O que desejam é apoderar-se da economia real inteira.

Correio da Cidadania: Resumidamente, como está a atual divisão do bolo do PIB brasileiro?

Maria Lucia Fattorelli: Da massa da renda nacional, a parte que vai ao capital avança de forma brutal, por meio da dívida pública, tanto em âmbito federal, como estadual e municipal. Vivemos a mesma crise em todos os níveis dos entes federados. A participação da renda das pessoas vem encolhendo e precisamos rever a situação. Rever urgentemente.

Não acredito em solução a curto prazo, não consigo ver. E nem uma solução de cima para baixo, isto é, que viesse do legislativo ou executivo, exatamente por conta do atrelamento ao financiamento de campanha. Quem está nesses postos está atrelado aos setores financeiro e mega-empresariais. Mais de 90% chegaram lá financiados por tais setores. E eles estão muito satisfeitos, pois, apesar de ser o governo do PT, o projeto que está posto é de interesse do setor financeiro e mega-empresarial.

Portanto, não acredito em solução de cima, e sim a partir da sociedade, construída a partir da conscientização de como funciona o sistema da dívida hoje, o papel do Banco Central nas altas taxas de juros, que afetam até quem não tem empréstimo, afetam o país inteiro, como expliquei no artigo citado “Por que os juros são tão altos no Brasil?”. Resume um pouco do que falo aqui.

Assim, toda a sociedade tem de conhecer tais mecanismos, temos de vencer o mito de que compreender a economia é tarefa de especialistas, quem entende os termos complicados etc. Faço questão absoluta de não usar essa linguagem, pois nossa tarefa é urgente e temos de incluir toda a população pra exigir mudanças. E exigir de forma consciente e organizada. Por isso puxamos várias ações no âmbito da auditoria, criamos núcleos pra popularizar nossos estudos, produzimos cadernos, livros, todos de forma didática. Chamamos atos públicos cada vez mais pra denunciar a política que privilegia o setor financeiro e eleva tanto os juros da dívida como do setor privado, por ação do próprio BC.

Neste ano, vamos fazer um grande seminário nacional, porque vemos a crise em que vamos nos aprofundar – afinal, já estamos dentro dela. A ideia é partirmos de seminários locais, para depois chegarmos fortes em São Paulo, em julho. Não tem outra saída, se não fizermos formação e pressão social muito fortes, a crise será bem cruel.

Correio da Cidadania: Acredita que, de alguma forma, ou em algum momento, possa se instaurar no Brasil um processo de revisão e auditoria da dívida pública? Em que medida o trabalho desenvolvido no Equador, e agora na Grécia, serviria como molde a uma eventual iniciativa semelhante no Brasil?

Maria Lucia Fattorelli: Acredito que sim, lutamos pra isso. Nosso trabalho já serviu ao Equador, que conseguiu anular 70% dos títulos de sua dívida externa, que eram a parte mais onerosa da dívida. Essa ação permitiu uma inversão. Antes, os gastos da dívida eram um terço do orçamento social. Depois, o gasto social passou a ser o triplo do gasto com a dívida. Isso permitiu ao Equador reconstruir o sistema de saúde, pois os ajustes fiscais eram tão brutais que o financiamento do sistema de saúde pública chegou a zero.

O Correa reergueu o serviço, que agora chega ao país todo, e também teve dinheiro pra investimentos geradores de emprego e de infraestrutura, que são a base do desenvolvimento socioeconômico. Enfim, nosso trabalho serviu ao Equador e, se deus quiser, vai servir para a Grécia. Está só começando, mas só de dar esperança ao povo grego já é algo muito grande. Depois da inauguração dos trabalhos, ouvimos gente dizer “o povo grego voltou a sorrir”.

Vou ficar mergulhada quase dois meses na Grécia e espero que consigamos ajudar a rever a situação cruel de lá. E lutamos pra que nosso trabalho sirva ao Brasil. Esse é o nosso principal objetivo: a auditoria está prevista na Constituição brasileira e temos de lutar por ela. Já temos indícios de fraudes, ilegalidades, ilegitimidades inaceitáveis, em todos os níveis federativos. Em São Paulo, por exemplo, é um escândalo.

Correio da Cidadania: O que você poderia contar da dívida paulista?

Maria Lucia Fattorelli: A dívida do município de São Paulo é um escândalo. Em sua imensa maioria, mais de 90% dela é refinanciada pela União. Se voltarmos lá atrás, qual é o refinanciamento? É uma dívida que fizemos na década de 90, quando Paulo Maluf era prefeito, Celso Pitta secretário; depois, Pitta assumiu a prefeitura. Aconteceu com ajuda de grandes bancos privados – e isso foi provado em uma CPI da dívida - e corretoras. Os bancos ajudavam o município de São Paulo a produzir uma lista de precatórios. O que são os precatórios? Uma dívida resultante de decisão judicial.

Está documentado na CPI. Um servidor público ou uma empresa questionava um crédito junto à prefeitura na justiça e ganhava a ação. A seguir, a prefeitura era obrigada a pagar a dívida. Vale lembrar que na década de 90 os municípios e os estados tinham autorização para emitir títulos da dívida a fim de pagar os precatórios, porque eram obrigados a cumprir com a decisão judicial e não tinham dinheiro no orçamento para isso. Assim, lançavam seus títulos da dívida no mercado, vendiam e, com o dinheiro da venda, pagavam os seus precatórios.

Depois, a Constituição foi reformada e não existe mais essa prerrogativa. Mas na época existia, e qual era o esquema? Instituições financeiras, inclusive algumas bem importantes, participaram do processo. Aceitavam e compravam títulos da dívida que tinham sido emitidos para pagar precatórios, sendo que todo mundo no mercado sabia ser uma fraude, porque aquela era uma lista que já tinha sido utilizada anteriormente ou era uma lista montada ali dentro, como denunciava a CPI. Os títulos eram emitidos e, como o mercado sabia, pagava pouquíssimo. Um título lançado, se valia 1000 reais, era vendido por valor muito abaixo. Várias denúncias afirmaram que tais títulos chegaram a ser vendidos por 50% do valor, 30%, até 15%.

Dessa forma, os títulos eram vendidos a preços muito baratos, a prefeitura arrecadava pouco e logo em seguida os bancos faziam grandes negócios com os mesmos títulos no mercado secundário. Ainda que os títulos fossem vendidos um pouco abaixo do valor normal, esses negócios aconteciam no mercado secundário e possibilitavam altos ganhos. Virou uma ciranda tão grande que a base da dívida da prefeitura de São Paulo é desses títulos fraudulentos. Fraude comprovada por CPI da Câmara de Vereadores e outras. Houve também uma CPI dos títulos no Senado federal que também provou o mesmo. O que aconteceu? Absolutamente nada.

Quando a União, através do Tesouro Nacional, refinanciou a dívida da prefeitura de São Paulo, o fez por 100% do valor de passe, pelos “1000” de cada título, embora tais títulos tenham sido vendidos no mercado secundário por aqueles valores ínfimos que eu citei, de 15%, 30%. Há uma lesão total ao povo de São Paulo. Essa dívida é refinanciada. E mais: com uma taxa de juros absurda, algo que atualiza a dívida mensalmente com base no IGP-DI, um índice medido pela fundação Getúlio Vargas que engloba toda a variação cambial e toda a expectativa de crise que, às vezes, nem chega a se concretizar.

É por isso que a dívida refinanciada lá na década de 90 era de 11 bilhões, a prefeitura pagou 28 bilhões para a União e ela chegou, no final de 2013, a 53 bilhões de reais. É um grande esquema. E quem está ganhando? Unicamente o setor financeiro, que comprou os títulos na bacia das almas, bem baratinho, fez grandes negócios sabendo que eles eram fraudulentos e, depois, teve tais títulos financiados em 100% do valor. Ou seja, receberam todo o dinheiro de volta; e continuam recebendo juros altíssimos, porque, para refinanciar a dívida, a União teve que vender títulos da dívida federal para os mesmos bancos, pagando os maiores juros do mundo. Enquanto isso, a dívida aqui da prefeitura era corrigida de forma exponencial, em tempos de Plano Real, que pregava o fim da atualização monetária.

Ou seja, acabou a atualização monetária para tudo, para salários, preços, tudo, mas para a dívida não acabou. A dívida está  sendo corrigida mensalmente de forma cumulativa e, em cima da sua correção, correm os maiores juros do mundo. Portanto, se a sociedade não tomar conhecimento e reagir, essa dinâmica não será quebrada. Precisamos lutar por uma auditoria da dívida no âmbito da cidade de São Paulo, nos estados (porque o esquema da dívida nos estados também é inaceitável) e pela auditoria da dívida da União. Para isso temos que formar muita gente. É tarefa para gente muito animada. Precisamos incluir muitas pessoas e derrubar de vez o mito de que o tema é para especialistas.

Correio da Cidadania: Caso estivesse com as rédeas da economia da nação em suas mãos, o que a Auditoria Cidadã proporia como um modelo econômico alternativo para o Brasil, nesse exato momento em que medidas de forte impacto recessivo estão em andamento?

Maria Lucia Fattorelli: Um modelo econômico totalmente diferente do que está aí. Um modelo econômico de grandes investimentos. Temos de colocar, em primeiro lugar, o setor financeiro a serviço da economia e isso exigiria uma nova arquitetura da economia. O BC não pode continuar a serviço do sistema financeiro, tem de estar a serviço da nação. A preocupação número 1 do BC tem de ser a geração de emprego e renda, porque a população só é feliz se tem o ganha-pão, se tem o sustento da própria família, se tem como viver as suas potencialidades. Quando as pessoas estão desempregadas e subempregadas, sem condições de dar vazão às suas potencialidades, vemos o país inteiro perder.

A mudança começa pelo Banco Central e parando de tirar dinheiro dos bancos. Os bancos têm de ficar com dinheiro em caixa porque não vão querer perder, vão querer emprestar para a população. E vão chegar ao ponto de emprestar até a juros negativos, como está acontecendo no Japão. O que o Japão está fazendo depois daquela crise, do Tsunami que destruiu cidades e afetou a economia? Eles passaram a emitir moeda para investir. Aqui no Brasil, nós não podemos emitir moeda sob a justificativa de que vai gerar inflação. Mas nós podemos emitir dívida à vontade.

Olha o contrassenso. Teríamos de ver a questão da emissão de moeda em volumes necessários para financiar investimentos produtivos. E eu desafio os economistas que pregam que essa medida gera inflação a provarem que o recurso colocado para gerar investimento produtivo, saúde e emprego causa inflação. Pelo contrário, hoje eu coloco um exemplo bem fácil de compreender a nossa situação atual. Por que a energia está tão alta? Porque não foram feitos os investimentos necessários. Faltou dinheiro.

Se tivessem emitido moeda exclusivamente para investimentos em fontes alternativas de energia, inclusive fontes limpas, desenvolvimento de tecnologia de ponta (e nós temos todas as fontes energéticas possíveis nesse país), se tivessem emitido moeda para financiar cientistas, estudos, investimentos na construção e geração de energia alternativa, hoje nós não teríamos esse impacto brutal nas nossas vidas, provocado pela duplicação das nossas contas de energia. Afeta a indústria, que afeta o comércio, que afeta o consumo, que afeta a vida das famílias, ou seja, o aumento do preço da energia aumenta em cascata a inflação no país. Se lá atrás tivéssemos feito investimentos, tal não estaria acontecendo.

Portanto, podemos ver que é o contrário do que muitos economistas pregam. Primeiro, a mudança começaria na atuação do Banco Central. Ele teria de deixar dinheiro no caixa dos bancos e obrigá-los a emprestar para atividades produtivas. Teríamos de retomar as leis que impedem a especulação e regulamentar o sistema financeiro – desde o início do governo Lula, em 2003, o artigo 192 da Constituição foi totalmente apagado e o sistema financeiro está à vontade para fazer o que quer. Teríamos de coibir a emissão de derivativos, já que ela produziu o estouro da bolha da Europa e, a partir de 2009, o Conselho Monetário Nacional abriu as brechas para os bancos brasileiros operarem e criarem os derivativos no Brasil - uma verdadeira farra, uma ficção, que está produzindo uma bolha financeira. Teríamos de incentivar a atividade produtiva, principalmente os pequenos negócios. Teríamos de investir em tecnologia.

Olha, vocês têm ideia de quantos anos demora para sair uma patente no Brasil? Tenho uma amiga em Minas Gerais que fez uma descoberta revolucionária na área de implantes dentários e entrou com um pedido de patente aqui no Brasil. Fazem dez anos. Essa descoberta dela vai reduzir brutalmente o preço dos implantes e também o impacto na reabsorção óssea, é um negócio incrível. Resultado: ela entrou também com pedido de patente internacional. Já saiu a patente norte-americana e ela está vendendo sua invenção lá nos Estados Unidos, entendeu? Ela entrou com o pedido há 10 anos. Por que isso? O INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) não tem técnicos, ou tem só meia dúzia.

Nós temos que investir em tecnologia e destravar essa burocracia. O povo brasileiro é altamente criativo. O que acontece? Enquanto a coisa não deslancha aqui, nós temos noção de quantas são as patentes japonesas, norte-americanas etc. a partir de produtos brasileiros? Portanto, o primeiro passo na área econômica é destravar e modificar completamente a situação do Banco Central. Depois, investir em ciência e tecnologia - e a agenda número 1 seria investir pesadamente em educação. Toda escola do país tem que passar a ser escola de tempo integral, professor tem que ser a categoria mais respeitada do país, precisa viver só para se formar e ser um bom mestre, porque está formando as gerações.

Hoje acontece o contrário. Quantos estados brasileiros sequer cumprem o piso salarial dos professores? Quando se investe em educação, acaba se investindo em saúde, porque um povo bem informado adoece menos, polui menos, usa melhor todo o potencial etc. E é preciso investir em educação de todos os níveis: básica e universitária. Nós temos passado por uma decadência em função dos cortes, dos desrespeitos às classes dos professores e profissionais do ensino.

É necessário mudar radicalmente a agenda e para tudo isso precisa de dinheiro. Se não se derrubar o sistema da dívida, será muito difícil mudar a agenda. Pode até mudar, mas seria uma mudança a conta-gotas que não significa uma mudança real, apenas enganação. Para mudar tem de se rever o modelo e ter coragem de chegar e falar: chega de farra do sistema financeiro, agora vamos fazer uma agenda para o Brasil e para os brasileiros. Porque, se o Brasil funcionar bem, ajuda a América Latina inteira, ajuda a África, vai ser bom para o mundo inteiro.

Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito e Raphael Sanz são jornalistas.

terça-feira, 28 de julho de 2015

Dia 20/08: tomar as ruas por direitos, liberdade e democracia. Contra a direita e o ajuste fiscal

Intersindical Central da Classe Trabalhadora
Foto: Ato na Avenida Paulista Quinta-Feira Vermelha
O Brasil passa por uma grave crise política, social e econômica de desdobramentos incertos. Para um desenlace da crise favorável à classe trabalhadora é necessário que os setores populares tenham disposição de enfrentar a ofensiva da direita e o ajuste fiscal do governo. Apesar de importantes lutas sociais desenvolvidas por diversas categorias e movimentos populares, com destaque importante para o MTST, a pauta do país é dominada por uma agenda nefasta e antipopular que vem de diversas frentes, como do Congresso, do STF, do governo federal, mas também dos grandes grupos econômicos que obtiveram lucros bilionários -, inclusive de forma ilegal, e se aproveitam da crise para promover demissões e chantagens junto aos trabalhadores para que aceitem redução de salários.
Do congresso conservador, cuja expressão maior é Eduardo Cunha, redução da maioridade penal, terceirização, financiamento empresarial de campanhas, entre vários outros projetos em tramitação como o que visa desmontar e privatizar a Petrobras, demonstram o peso político dos setores conservadores no poder legislativo.
A opção por uma política econômica ancorada em elevadas taxas juros, cortes do orçamento destinados às políticas sociais e redução dos investimentos em infraestrutura, entre outras medidas restritivas adotadas pelo governo Dilma, levou a economia brasileira a um quadro de recessão e aumento do desemprego e facilitou à direita impor sua pauta. Além disso, direitos trabalhistas e sociais estão sendo atacados como parte do ajuste fiscal de caráter neoliberal, como as MPs 664, 665 e, mais recentemente, a MP 680 que permite às empresas reduzir salários e jornada com argumento de manutenção dos empregos. Essas medidas, entre outras, demonstram que o governo Dilma joga a conta da crise nas costas dos trabalhadores e do povo pobre, ao invés de realizar o ajuste cobrando dos ricos, como a taxação das grandes fortunas, heranças e cobrança de impostos dos rendimentos da intermediação financeira.
Esse conjunto de medidas do governo federal deve ser combatido, assim como dos diversos governos estaduais e municipais que também apostam num ajuste fiscal antipopular.
Por outro lado, está em curso uma campanha orquestrada pela direita conservadora e reacionária, com apoio da grande mídia corporativa, que fortalecem e divulgam a proposta de impeachment da presidenta Dilma. Nessa conjuntura, a substituição de Dilma não seria seguida por um governo mais progressivo, ao contrário, essa tentativa de golpe da direita busca impor um governo ainda mais comprometido com os interesses do capital financeiro e do imperialismo e numa repactuação do regime de dominação do país em condições ainda mais desfavoráveis aos de baixo. Por isso, os trabalhadores devem rechaçar essa tentativa de golpe, pois a ofensiva da direita é contra tudo o que é progressivo, democrático ou de esquerda no país. Dos direitos humanos e sociais, passando pelo papel do estado e do serviço público, a estratégia da direita é clara: estado mínimo para o social e máximo para o capital.
Diante desse cenário, a Intersindical – Central da Classe Trabalhadora entende que a saída é pela esquerda com a conformação de uma Frente social de mobilização envolvendo todos os setores dispostos a combater a ofensiva da direita e o ajuste fiscal, pois é a melhor resposta que a classe trabalhadora e suas organizações podem dar a essa conjuntura. Neste sentido, a realização de grandes manifestações sociais no dia 20/08 em todo o país contará com todo o empenho de nossa militância e entidades aliadas para derrotar as pautas conservadoras e retirada de direitos, como a terceirização, e recolocar na agenda do país reformas populares que possam chegar às raízes dos principais problemas que afligem a maioria do povo brasileiro, como:
  1. Reforma Tributária para desonerar salários e diminuir os impostos indiretos, instituindo imposto sobre grandes fortunas e heranças, imposto sobre os ganhos de capital visando uma melhor distribuição de renda, redução das desigualdades sociais promovendo justiça tributária.
  2. Reforma Urbana com o combate à especulação imobiliária, garantia do direito à cidade por meio do acesso à moradia digna para famílias de baixa renda e mobilidade urbana para todos/as.
  3. Reforma Agrária que garanta democratização do acesso à terra, ao crédito, assistência técnica e as políticas sociais na área da saúde, educação e saneamento básico para sem terras e populações tradicionais.
  4. Democratização e controle social dos meios de comunicação, garantindo ampla liberdade de expressão para todos. Liberdade de imprensa para todos não pode ser confundida com liberdade de empresa.
  5. Fim do financiamento empresarial das campanhas eleitorais, garantindo participação igualitária para as diversas posições políticas, ampliando mecanismos de democracia direta e de participação popular.
  6. Redução drástica dos juros praticados pelos bancos, que prejudicam os clientes e os que necessitam de crédito, bem como suga as riquezas do país através do pagamento dos títulos da dívida pública. Auditoria da dívida pública.     
  7. Por um modelo de desenvolvimento inclusivo, solidário e que não gere desequilíbrio socioambiental.
São Paulo, 26 de julho de 2015.

Intersindical lamenta morte de Vito Giannotti




Vito Gianotti 001_01Todos/as trabalhadores/as que conheceram Vito Giannotti em sua longa trajetória militante estão de luto. A morte deste destacado companheiro que dedicou sua vida aos interesses da classe trabalhadora é, sem dúvida, notícia muito triste.
 
Porém, a alegria de Vito seguirá presente em todos os que combatem pela transformação social.
 
Deixamos um abraço solidário à sua companheira, Cláudia Santiago, e a tod@s amigos e amigas.
 
Seguiremos lutando pela democratização das comunicações, buscando resignificar o socialismo e fortalecendo, sempre, a formação e a luta que motivaram a vida do bravo Vito.
 
Vito Giannotti, presente!
Vito Gianotti 002_01
Uma das grandes publicações de Vito que inspiraram milhares de lutadores sociais.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Uma semente chamada Vito Giannotti

Estamos de luto porque perdemos sexta-feira, dia 24 de julho, o companheiro Vito Giannotti. Nascido na Itália, brasileiro de coração, Vito foi operário, da produção material e da comunicação popular.

Da Redação no Rio de Janeiro (RJ)

Brasil de Fato

vito

Essa semana o Brasil de Fato vive um misto de tristeza e alegria.

Estamos de luto porque perdemos sexta-feira, dia 24 de julho, o companheiro Vito Giannotti. Nascido na Itália, brasileiro de coração, Vito foi operário, da produção material e da comunicação popular.

Vito foi a semente que deu bons frutos. Diversos veículos da imprensa chamada de "alternativa" o tiveram como mentor. Sua contribuição para a imprensa sindical e popular no país dificilmente será igualada.

Diálogo com povo

Expansivo, dedicado, "boca suja", atencioso, extremamente comprometido em dialogar com o povo e fazer a "batalha das ideias", Vito colaborava conosco há dois anos no Brasil de Fato - RJ. Membro fundador de nosso conselho editorial, Vito contribuiu enormemente para que o jornal tivesse a linha editorial, a diagramação e a qualidade gráfica que tem. A despeito da idade, seu entusiasmo com essa experiência dos tablóides regionais do Brasil de Fato faziam-no parecer um menino.

Nos 12 anos de experiência do Brasil de Fato nacional e nos dois de existência dos tablóides regionais, fomos muito felizes por contar com seu alto astral - mesmo quando adquiria uma aparência ranzinza -, com seus conhecimentos e sua inspiradora determinação de seguir em frente, mesmo diante das maiores dificuldades.

Essa partida não poderia ter acontecido em um momento que gerasse mais sentimentos contraditórios do que o presente. Exatamente nesse momento da dor que a perda do Vito nos gera, estamos, por outro lado, muito felizes com algo que vinha deixando-o extasiado: hoje, segunda-feira, dia 27 de julho de 2015, iniciamos uma nova fase no Brasil de Fato - RJ. Os leitores no Rio de Janeiro receberam hoje, pela primeira vez, a segunda edição semanal.

A partir de agora, os cariocas nos encontrarão, nas ruas e na internet, toda segunda e quinta.

Levaremos adiante esse projeto com o qual Vito Giannotti sonhava. A semente dará à luz a muitos bons frutos mais. Batalharemos até que o Brasil de Fato RJ seja um jornal diário e para que a classe trabalhadora construa mais instrumentos de comunicação para travar a luta contra os veículos da mídia patronal.

Muitos anos e muitas novas centenas de edições o Brasil de Fato - RJ terá pela frente. Tudo isso por conta da semente chamada Vito Giannotti.

Camarada Vito Giannotti: presente, presente, presente!!!

terça-feira, 21 de julho de 2015

CPI da Bike investiga qualidade e implementação de ciclovias no Rio

É cada vez maior o número de pessoas que utilizam a bicicleta como meio de transporte na cidade.

Por Fania Rodrigues

Do Rio de Janeiro (RJ) BRASIL DE FATO

 

O Rio de Janeiro possui, hoje, 300% de ciclistas a mais que dez anos atrás, segundo dados da ONG Transporte Ativo. E poderiam ser muito mais, não fossem os problemas diários enfrentados pelos adeptos da bicicleta. Dentre as principais dificuldades estão a falta de ciclovias adequadas, de educação no trânsito e de segurança de modo geral.

Isso foi o que apurou a CPI da Bike instalada na Câmara dos Vereadores do Rio, em junho desse ano. A comissão parlamentar foi criada depois do assassinato do médico Jaime Gold, morto em um assalto na Lagoa Rodrigo de Freitas enquanto passeava de bike. No entanto, os vereadores apuraram que a principal causa de agressões e mortes de ciclistas é o atropelamento. “Apesar do clamor por mais policiais onde circulam os ciclistas, constatamos que o trânsito é o maior vilão. Cerca de um a dois ciclistas são vítimas de acidentes, por mês, no Rio”, garante Jefferson Moura (PSOL), presidente da CPI da Bike.

pablociclo

Foto: Pablo Vergara

Problemas

Os vereadores agora querem investigar as condições, a qualidade e a extensão das ciclovias construídas nos últimos anos, assim como os novos projetos em andamento. “A ciclovia de Laranjeiras tem pontos preocupantes, como banca de jornal no meio da pista. Em uma parte do trajeto, contado como ciclovia, as bicicletas vão circular junto com os carros. Tem alguma coisa errada nesse projeto, que custou mais de um milhão de reais”, denuncia Moura.

A CPI deve encerrar os trabalhos em novembro e o relatório final, segundo o vereador, vai apresentar sugestões de mudanças para o setor, como a criação de delegacia especializada no roubo de bike e no atendimento ao ciclista. Também deve aumentar o rigor na compra e venda de bicicletas.

Vendas

Atualmente, mais de 80% das vendas de bikes pela internet são feitas sem nota fiscal, de acordo com a CPI. Sobre isso, o vereador Jefferson Moura informou que foi realizada uma reunião com os representantes da OLX e do Mercado Livre. Os dois gigantes da web assumiram o compromisso de publicar o número de registro das bicicletas no anúncio de venda. “Agora essas informações poderão ser cruzadas com o banco de dados da Polícia Civil e assim vamos dificultar o comércio ilegal de bike”, afirma o presidente da CPI.

Novos hábitos

A comerciária Patrícia Rodrigues de Araujo já incorporou a bicicleta em seu estilo de vida. Ela mora no Grajaú e trabalha no centro. O trajeto que hoje ela faz em 30 minutos pedalando, antes demorava mais de uma hora de ônibus. “Economizo tempo, é um transporte mais saudável e não polui o meio ambiente. Mas falta ciclovia e segurança. Outra coisa importante é a integração com o transporte público. Hoje só podemos transportar bicicleta no metrô depois das 21h, durante a semana. Seria bom estender esse horário e ter pelo menos um vagão onde isso fosse permitido”, reivindica a ciclista. Patrícia trabalha no Rio Bike Café, um lugar no centro do Rio que oferece bicicletário e banheiros com duchas para os usuários de bikes. “Observamos que o número de ciclistas vem aumentando, mas poderia ser maior se o usuário contasse com mais estrutura e incentivo”, afirma.

A servidora da Petrobrás, Carmen Navas, também usa bicicleta todos os dias, mas só até a estação de metrô mais próxima da sua casa. A Petrobrás construiu um bicicletário em 2013, com 50 vagas. O número foi ampliado para 75 vagas em 2014, mas ainda assim é pouco. “Faltam vagas para bike e essa é uma briga antiga. Também não há segurança nos túneis por onde passo, então tenho medo”, explica a servidora. (FR)

segunda-feira, 20 de julho de 2015

A fórmula mágica da paz social se esgotou

Escrito por Paulo Arantes, especial para o Correio da Cidadania

ImagemO Correio da Cidadania convidou o filósofo Paulo Arantes para uma entrevista que acabou se tornando uma longa reflexão a respeito dos desígnios brasileiros – políticos, sociais, econômicos e culturais – do momento em que diversos dilemas se colocam. “Exaustão”, foi a palavra escolhida para definir o atual fim de ciclo em curso, que se refere também ao próprio ânimo popular, não somente a um “modelo”. “Do manejo macroeconômico ao distributivismo indolor, tudo bateu no limite. Mal menor não é progresso, mas estabilização numa desgraça incontornável”.

 

Crise econômica, ameaça de grande regressão nos direitos sociais e crise política. Crise de governo, da democracia, fim de ciclo?

Vivemos o fim de um ciclo. Mas não um ciclo qualquer, tampouco uma crise cíclica, como é da natureza de um sistema descrito por Marx como a contradição em processo. Estamos simplesmente vivendo o fim de toda uma era. Há quem veja nesse desfecho, que se arrasta aos trancos e barrancos desde junho de 2013, talvez a mais grave crise de nossa história. Por isso mesmo não é de fácil identificação. Não é uma crise saneadora a mais, ao fim da qual o bom negócio chamado Brasil entraria nos eixos. O drama agora é outro. E olhe que a recessão econômica mal está começando, o desemprego ainda não bateu forte, a polarização está muito longe dos padrões venezuelanos ou mesmo argentinos, para ficarmos nos ingredientes clássicos, dentre os quais nem precisei mencionar um ainda muito remoto surto inflacionário.

No entanto, semana sim, semana não, a remoção institucional da presidente entra na agenda, na dependência de um arranjo entre os caciques de sempre, enquanto a esquerda legal se limita a soltar manifestos. Creio que dá para sentir o drama e sua novidade nessa trivialização da conversa sobre as modalidades de cassação de um mandato popular, em meio à gesticulação de uma esquerda que na melhor das hipóteses já é apenas memória e comentário.

Esse é o meu ponto. Nunca se falou tanto de uma crise, no próprio momento em que ela transcorre, como se já fosse passado passando, por assim dizer. Não sei se é mera impressão, mas, para ser sincero, acho que ninguém aguenta mais falar justamente da “mais grave crise de nossa história”! Menos ainda ouvir ou ler a respeito. Estamos todos à bout de soufle. Não por acaso se falou muito do fôlego curto dos manifestantes de junho. Desconfio que não sou o único a ter chegado a esse ponto de saturação. Mesmo assim, sabendo de antemão que mal serei lido, pois todo mundo já disse de tudo ao longo desses seis meses de ata-não-desata, vou procurar responder à pergunta. E precisamente puxando por esse fio a meu ver revelador da sua natureza profunda, só aparentemente frívola: estamos cansando de tanto falar da crise, no fundo estamos sendo vencidos pelo cansaço.

Ouvi certa vez um especialista dizer que a Revolução dos Cravos batera no teto e refluíra até se extinguir, para além dos obstáculos mais ou menos previsíveis, como o veto da OTAN, a desmoralização soviética ou o dinheiro da União Europeia, porque o povo português simplesmente cansara da batalha diária nas ruas durante meses a fio. O fôlego simplesmente acabara. Exatos quarenta anos depois, não é menos verdade que neste último dia 5 de julho não se sabe bem onde 60% dos eleitores gregos foram buscar a energia que faltava para derrotar, por enquanto nas urnas, o regime de austeridade imposto pelo atual sistema europeu de poder sobre a moeda comum. Numa palavra, venceram o cansaço provocado por cinco anos de um arrocho que parecia sem fim e ainda não se sabe que destino terá. Nos dois contextos de crise, uma revolucionária, outra de restauração da ordem, o cansaço pode muito bem se apresentar como uma chave política capaz de fechar ou abrir uma conjuntura que está longe de ser apenas mental.

Quanto a nós, está claro que não chegamos ao fim de nenhum capítulo da mítica Revolução Brasileira da minha geração. Era só o que faltava, embora não seja menos impressionante a sensação incongruente de estarmos nos defrontando com uma contrarrevolução (que não veio para liquidar ou prevenir revolução alguma, ou mesmo as tais “conquistas sociais” que não ameaçavam ninguém, antes contribuíam para o desarmamento moral da nação, muito embora o pau continuasse comendo solto nos porões da Democracia), mas a um fim certamente chegamos e, além do mais, exaustos.

Pois, assim, é esse um dos sintomas desconcertantes dessa anomalia com cara de crise à moda antiga. A inexpressiva vitória eleitoral do ano passado, à base de voto no “mal menor” e correria esquerdista de última hora, revelou uma sociedade cansada e soterrada por uma avalanche conservadora que de geração espontânea não tinha nada, crescera nos anos das tais “conquistas”.

Paralelos com 1964

Durante a Ditadura, o que mais se debatia nos círculos oposicionistas era a natureza do “modelo”, como se passou a falar desde então. Discutia-se qual a natureza do modelo econômico ou do modelo político do regime, quais os seus limites, em função dos quais, cedo ou tarde, se esgotariam caso não se renovassem. Foi esse, então, o momento da crise e, portanto, o momento ótimo para a virada que ela representava, segundo a acepção clássica do termo. E ela finalmente veio com as crises conjugadas da dívida, da inflação, do petróleo etc. Todas interpretadas como choques, a um tempo externos e internos. Como também passaram a ser de choque as terapias adotadas para reverter a fase aguda da crise. Como um teórico observou recentemente, cada época tem as suas doenças paradigmáticas. Assim, tanto a Guerra Fria como o Terror Branco das ditaduras do Cone Sul seguiram o esquema imunológico, na verdade um autêntico dispositivo militar de ataque e defesa orientado pelo princípio de eliminação de tudo o que fosse estranho, mesmo que desprovido de qualquer intenção adversa; bastava a estranheza enquanto tal.

Todo o repertório punitivo de hoje em torno de choque disso ou aquilo, ordem, gestão ou mesmo capitalismo, como disse um sábio no fim dos anos Sarney, é resíduo arcaico daquele período idem. O Choque está nas ruas desde junho, mas os assim chamados golpistas (outra reminiscência) estão tratando a corrupção endêmica como uma falha imunológica generalizada, como nos tempos em que subversão e corrupção eram intercambiáveis. Não há mais campanha de vacinação contra o vírus comunista, por mais que alguns homens das cavernas espumem. O estresse agora é outro, ou melhor, só agora o paradigma do estresse tornou-se lugar comum, estendendo-se da saúde estourada no trabalho ao colapso dos ecossistemas.

Mas voltemos ao tempo em que os modelos entravam em crise e se esgotavam, a fim de reparar que talvez (ou melhor, com certeza) não seja mais assim, sendo a crise um nome antigo para uma coisa nova. Seja como for, por inércia, ou clarividência que ainda não encontrou a palavra da vez, de esgotamento é o que mais se fala, seja das virtudes terapêuticas do lulismo, seja de políticas específicas, a começar pela exótica nova matriz econômica. A novidade é o esgotamento simultâneo, ambos fatores reforçando-se mutuamente, desde vários mecanismos de governo até as coisas e as populações, para prolongar a velha distinção de Saint Simon da qual a tradição de esquerda não soube se desvencilhar.

A esta altura, desnecessário enumerar as múltiplas falências, do manejo macroeconômico ao distributivismo indolor. Tudo bateu no limite, pelo que se lê nas centenas de comentários. Tampouco vale qualquer comentário o circo de horrores político. Salvo pela paródia grotesca da antiga equação keynesiana, do bom governo que induzia cada classe a assumir o papel da outra, de tal modo que o capitalismo no centro de tudo parecia um jogo de soma positiva. Por aqui o que vemos são centrais sindicais fechando com os megaprojetos tocados pelas empreiteiras chocadas pela Ditadura enquanto as pavorosas bancadas da bala, da bíblia e do boi jogam cascas de banana nas políticas de direita de um Executivo de esquerda. Mas chega de varejo e conjuntura, o que não falta é colunista em cima dessa rapadura.

Para voltar, assim, ao nosso “esgotamento”, de tudo e ao mesmo tempo, é bom não perder de vista o timing nada trivial do encadeamento dos diversos estresses (para variar) hídricos das grandes regiões metropolitanas, aos quais se soma a iminência de outros tantos apagões. Na mesma linha, um governo em queda livre, um dia depois de sua posse, não deixa de ser no seu gênero um evento extremo. Se estivéssemos à procura de uma metáfora que resumisse todo esse clima de consumação de uma época, nada melhor do que o olho clínico de um personagem carismático no seu ocaso. É no “volume morto” que nos encontramos mesmo, em todos os sentidos abaixo da linha de captação do que quer que seja. Esgotamos por predação extrativista um imenso reservatório de energia política e social armazenada ao longo de todo o processo de saída da Ditadura.

A entropia avassaladora de agora não afeta apenas os últimos doze anos e meio de hegemonia lulista como se costuma resumir o polo prevalecente nesse período de FlaxFlu eleitoral ininterrupto, mas o longo prazo iniciado por uma Transição que está morrendo agora na praia. Os pretensos herdeiros desse espólio simplesmente não sabem o que os espera ao apressarem seu fim institucional. Estarão abreviando sua própria sobrevida, pois a fuga para frente que ainda insistimos em chamar de crise é antes de tudo um processo ao qual nenhum lance dramático porá fim, nem suicídio, quanto mais intrigas regimentais de políticos e negocistas de quinta. Vencidos pelo cansaço, então, também é isso: trinta e cinco anos ralando, e de permeio um descomunal desperdício, o próprio emblema da tragédia segundo os Antigos.

A crise é assim, essa convergência desastrosa de uma inédita exaustão de todo tipo de recursos, dos mais elementares aos mais elevados, da polinização à imaginação política. Até a potência de Junho parece que se esgotou. Pois é tal a entropia do capitalismo, desorganizado desde o Big Bang de meados dos anos 1970 em seu núcleo orgânico, que desorganiza até mesmo as forças antissistêmicas. Só para efeito de comparação, veja-se o caso do outrora maior partido de esquerda do Ocidente. O PT não está agonizando por força de rejeição imunológica, por maior que seja o efeito do choque externo das ondas sucessivas de anticorpos enraivecidos até o ódio mortal, mas por motivo de uma combustão interna que o consumiu, por assim dizer, do berço ao túmulo. Nenhum ato de violência de classe o desviou de sua vocação original, pura e simplesmente dissipou-se a energia que o mantinha em funcionamento. Bem como a das grandes centrais sindicais e movimentos sociais históricos que gravitavam em sua órbita. Foram todos vencidos pelo cansaço, como sabe todo batalhador de movimento social, quase sempre à beira de um burnout.

Dito assim, parece, quando muito, a expansão duvidosa de uma metáfora, mas apenas porque esquecemos que o PT nasceu antes de tudo de um colapso, mais precisamente do colapso da construção da sociedade do trabalho no Brasil, justamente – mas agora em plano global, pois estamos falando de modernização capitalista – por uma falha do “motor humano” de todo o edifício. Como não posso me explicar, corto o caminho por uma recapitulação de época, afinal estamos tentando desde o início identificar o fim de uma época e não a enésima alternância de ciclo e crise.

O fim de uma narrativa de Brasil

Como lembrado, o raio detonador da crise caiu em junho de 2013. Em março daquele ano, a aprovação do governo beirava níveis norte-coreanos. Três meses depois, se ainda não estava no chão como agora, rolava ladeira abaixo. Por isso ganhou mal as eleições, ao contrário da direita que perdera convencida de que o seu ressentimento já era uma praga nacional – outro recurso que se esgotou e marquetagem alguma renovaria. Para uma comunidade política de expectativas imaginadas como a brasileira, e como tal embalada desde o berço por uma procissão de milagres e miragens, uma reversão traumática. Em menos de quinze dias de ação direta nas ruas, e outros tantos de uma insurgência coxinha jamais vista, embora estivesse na cara a tremenda sociedade aquisitiva-conservadora que o elixir lulista irrigara, virou letra morta a grande narrativa contemporânea do Brasil global player que deu certo e rendia conforto e boa consciência à recaída neodesenvolvimentista da esquerda, literalmente um projeto amazônico de poder para escola superior de guerra nenhuma botar defeito.

Mas deixemos de lado, por enquanto, nossa Segunda Guerra Fria, parcialmente imaginária como a primeira, embora quentíssima na periferia, também como a outra. Numa palavra, a fórmula mágica da paz simplesmente se esgotou, como todos os demais recursos que alimentaram o jogo de cena da trégua lulista. Todo mundo sabe de trás para frente quais eram esses recursos: o consenso das commodities, o acesso facilitado ao crédito e consequente endividamento popular em grande escala, o consumo de massa puxado por uma descomunal e caótica expansão urbana etc. Como também todo mundo sabe, nada disso teria sido possível caso o monstruoso renascimento do poder de mercado chinês não tivesse subvertido todo o metabolismo do capitalismo global, tanto pela reconfiguração da divisão internacional do trabalho como pela divisão internacional da natureza, Amazônia incluída.

Como resumiu Camila Moreno, “nós estamos dentro da China, e a China está dentro de nós”. Um dia ainda nos daremos conta de que o drama de época que está se encerrando agora foi representado em dois palcos distintos, transitando do finado Consenso (financeiro) de Washington ao não menos fantasmagórico Consenso (extrativista) de Pequim. Mas não estou querendo resumir toda essa época dizendo que o cobertor encurtou, o armistício rompeu-se e a guerra social voltou, pois ela nunca foi embora, nossa “pacificação”, como as aspas de rigor indicam, nunca deixou de ser crescentemente armada, a quarta população carcerária do mundo não é apenas uma enormidade estatística, mas uma política de sequestro de populações selecionadas para apodrecer.

O que, portanto, está virando pó, ou definitivamente já virou, não era em absoluto um horizonte em expansão, mas antes de brutal contração, ofuscada, no entanto, pela poeira de uma ditadura que batia em retirada. Nem por isso deixa de virar pó aquela narrativa ascensional, segundo a qual uma nação reencontrara o seu destino, deixando para trás um ciclo autoritário, constitucionalizando a nova ordem, contendo a hiperinflação e estabilizando a moeda para em seguida incluir os pobres num mercado interno de consumo de massa, desenhar políticas sociais celebradas mundo afora como best practices, projetar suas próprias transnacionais e arrastar consigo megacanteiros de obras de infraestrutura e muitos outros etcéteras, todos igualmente milagrosos, pois sem ônus para qualquer interesse estabelecido.

Nada nessa narrativa de redenção que acabou rendendo capa na Economist era inteiramente falso, pela simples razão de que poderia ter sido muito pior. Mal menor não é progresso, mas estabilização numa desgraça de qualquer modo incontornável, como de resto sabem todos os envolvidos no conflito Israel-Palestina, para dar um exemplo extremo porém congruente, um impasse que um insuspeito historiador do problema dos refugiados palestinos, Beny Morris, chamou de apocalíptico. A verdade verdadeira em nosso caso de sucesso, a caminho, de sucesso em sucesso, do esgotamento de agora, consistia, ao fim e ao cabo, no êxito na contenção de um processo de desintegração múltipla que exigia um novo tipo de governo na contramão da rigidez disciplinar do desenvolvimentismo de caserna.

O horizonte de expectativas tão brutalmente rebaixado de Junho para cá tinha na realidade um perfil baixo desde o início. O fato é que lá atrás recomeçamos por baixo, com uma democracia de baixa intensidade (novamente “racionada”, como diria Marighella e relembrou recentemente Lincoln Secco), acoplada a um processo de desestruturação produtiva altamente explosivo que da noite para o dia descartou por falta de interesse econômico uma massa considerável de futuros trabalhadores inviáveis, salvo para o subemprego nos mercados informais ou ilícitos.

O sopro novo conquistado no processo de saída da Ditadura, sem ser de modo algum efeito de uma respiração artificial, foi se esgotando desde então à medida que uma queda social jamais vista exigia uma política “presentista” de pronto atendimento, igualmente inédita em termos de engenharia social. Resumindo de outro modo: à constatação silenciosa de que a construção de uma sociedade do trabalho no Brasil era página virada, respondeu-se com a invenção (aliás, bipartidária) de um novo governo do social, cuja fratura a eclipse do trabalho selara. Como no seu país de origem, a França, estava fora de cogitação uma sociedade salarial no Brasil. Porém, o mais desconcertante naquela saída em falso, na qual somente mais tarde reconheceríamos o que era, a rigor uma saída de emergência, é que com ela se abria uma outra frente de trabalho.

Entendamo-nos. Por assim dizer, o que se deteriorava por um lado brotava do outro: uma onda nunca vista de trabalho social militante parecia varrer o país, que passava a ser visto como um imenso mutirão de resgate de uma dívida social histórica que a Ditadura agravara ainda mais. Tudo se passava, então, como se o choque causado pela crise da dívida, que explodiria na moratória de 1987, tivesse intensificado por sua vez uma certa percepção social de emergências acumuladas, como se o flagelo da hiperinflação, a fome velha e nova, a demanda por direitos achados na rua, a dívida externa impagável que ninguém contraíra etc. etc. formassem um grande continuum de urgências pedindo outras tantas intervenções. O take off celebrado mais à frente, quando moeda estável e inclusão através dessa mesma moeda formaram outro continuum, decolaria justamente desse campo humanitário minado.

Sob o signo da carência sem fim, aos poucos a política deixava de ser vista como luta para se converter em ação terapêutica voluntária. Até mesmo o ciclo de acumulação primitiva e seu cortejo de violências saneadoras representada pela onda de privatizações e âncoras cambiais também não deixaram de ser uma fuga para frente e como tal uma outra ilusão encobridora de nossa queda. A dominância financeira que se consolidou a seguir amarrou de vez nosso capitalismo de cupinchas (nossa versão do crony capitalism inventado no sudeste asiático), do qual o Estado, paradoxalmente ampliado pelas privatizações, tornou-se o nó de todos os nós de toda aquela rede de big shots consorciados.

Uma exaustão que não deixa nada

Empurrada pelo trabalho social de inclusão – em suas várias vertentes: estatal, empresarial, Terceiro Setor, igrejas, e operadores dos mercados de substâncias ilícitas – pode-se dizer que a monetização integral do laço social era uma questão de tempo... E dinheiro. A começar pela redenção em dinheiro vivo justamente daqueles sujeitos monetários sem dinheiro, deixados no caminho pela marcha de nosso crescimento oco pós-colapso. Mas é claro que não vou reabrir agora o dossiê das Transferências Monetárias Condicionadas, o Welfare do século 21, segundo Lena Lavinas. Um modelo (isso mesmo, mais um modelo) cujos recursos (em todos os sentidos, mágicos inclusive) estão precisamente, não custa repetir, se esgotando (também em todos os sentidos), por incrível que pareça. Ou melhor, faz todo o sentido: política social como colateral de acesso ao sistema financeiro, de forma a potencializar o consumo represado por pobreza e salários historicamente baixos.

O fato é que batalhando por, e em nome de, emancipação, alargávamos uma espécie bizarra de Câmaras de Compensação e Reparações onde cabia todo tipo de acertos de contas: novamente um continuum no qual se expressa uma outra relação da política com o tempo, uma tremenda novidade em sociedades nacionais que se formaram orientadas para o futuro, de acertos seja com as contas de um passado de abandono ao deus dará social, seja com um passado de grandes violações de direitos humanos em que a reparação monetária passa a entrar, sim, em linha de conta, como se os crimes da história se pagassem agora com dinheiro (note-se de passagem que a história deixou de ser uma estrela guia), ou ainda na forma de ajustes pontuais a título de redução de danos, e mais uma montanha de etecéteras na mesma linha da política de ambulância e governos terceirizados. Uma sociedade cansada de gestão e agora em crise dessa mesma gestão é isso: intervenções para enxugar gelo e retardar um pouco um processo entrópico maior. No limite, uma sociedade em que até trabalhar pela própria emancipação parece cansar mais do que se deixar sucumbir de uma vez pela intensificação alucinada desse mesmo trabalho que ninguém consegue encontrar.

Estamos viajando? Pois voltemos aos trilhos. Não é mero acaso que toda a engrenagem da transição para um pretenso capitalismo descarbonizado (e mais ou menos como num processo dito de Justiça de Transição) esteja baseada precisamente num mercado de compensações no qual se compra o direito ao mal menor das emissões excedentes, tal como o dano colateral num ataque de Drone desincumbindo-se de sua kill list entra na conta de uma prevenção humanitária maior (um massacre de turistas numa praia mediterrânea qualquer). Tudo se compensa, além do mais, e cada vez mais, monetariamente, neste cenário de desgraças comparadas, sob o fundo do qual falar no avanço de nossas conquistas sociais que a “crise” estaria estancando, se não digo que beira o escárnio é por ser simples falta de noção, embora sempre se possa dizer: antes isso do que nada.

Mas é justamente essa visão progressista do progresso por degraus de melhoria a subir ou a descer que caducou. E esvaziou-se precisamente tal lógica ascensional escandindo o curso do mundo quando se passou, enfim, a convocar como último recurso (novamente) o direito dos pobres ao dinheiro, se não estou abusando do esforço esclarecedor do filósofo Homero Santiago de pensar os efeitos paradoxais do Bolsa Família.

Entretanto, vai na direção contrária, embora raciocine a bem dizer nos mesmos termos, a figuração da segmentação dos pobres nas periferias segundo o sociólogo Gabriel Feltran, cenário sombrio onde se aposta pesado no dinheiro como única mediação do conflito entre grupos que de outro modo se confrontariam em condições de alteridade radical e violenta: sejam legais ou ilegais os mercados onde circula livremente o pagamento à vista em efetivo, o dinheiro é a última fronteira do “comum”. Como é o último recurso mesmo, quando também ele começar a secar na chapa quente de um outro aquecimento global, o regime de espoliação punitiva que é o Estado de Austeridade, voltaremos a rolar ladeira abaixo depois da insustentável pausa conservadora das antirreformas ou não-reformas lulistas (urbana, agrária, tributária etc.).

Para se ter uma ideia dessa ladeira e dos sucessivos horizontes que por ela vão se estreitando desde que caímos para cima, como diziam os humoristas nos tempos da descompressão política com inflação nas nuvens, basta lembrar que houve época em que o assalariamento e a correspondente subordinação ao comando do capital parecia aos despossuídos e estropiados em geral a única rota de fuga aos horrores do mando proprietário num país de raízes coloniais. E para alguns, selecionados a dedo pela máquina varguista da “cidadania regulada”, na fórmula famosa de Wanderley Guilherme, uma estreita porta de acesso ao mundo dos direitos básicos do eleitor-trabalhador. Agora que o assalariamento se dessocializou, pulverizando a classe, o acesso ao dinheiro nu e cru se apresentou como a tábua de salvação da vez. Qual será a próxima em nossa Câmara de Compensações, cujo fornecimento de oxigênio a atual geopolítica de recursos escassos está cortando?

Para que não haja mesmo dúvida a respeito do que vem por aí, relembro que um coletivo carioca, agrupado teórica e politicamente em torno da Crítica do Valor, há algum tempo vem refinando suas análises acerca do que denominam “gestão da barbárie”, sobre a qual se explicam e ilustram, por exemplo, no livro Até o último homem, a respeito da gestão armada da vida social na cidade olímpica do Rio de Janeiro. Foi precisamente essa gestão da barbárie que se esgotou com a crise exposta pela reviravolta de Junho, esquerda e direita confundidas na mesma ressaca, e que evoquei nesta digressão sobre a crise de exaustão numa sociedade cansada. Sai a gestão, resta a barbárie. Como tal gestão e o fabuloso arranjo lulista são uma só e mesma coisa, pode-se dizer que deixará saudades – que seja dito em agradecimento e louvor à esquerda que está sendo escorraçada agora na ignomínia. Alguém lembrou com justeza que o ônus será coletivo. Iremos todos pedalar no inferno por uma geração, na melhor das hipóteses.

domingo, 19 de julho de 2015

Programa de Proteção ao Emprego permite a empresas chantagear trabalhador

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O governo federal editou a Medida Provisória 680 que permite redução de salário em até 30% com redução proporcional da jornada de trabalho. Pela proposta, chamada de Programa de Proteção ao Emprego (PPE) recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) serão utilizados para complementar metade da perda salarial.

A MP, segundo o governo, se destina a preservar empregos nos setores em crise e precisa ser aprovada pelos trabalhadores em assembleia. A MP foi assinada pela presidente Dilma na presença de empresários e dirigentes da Força Sindical e CUT, que defenderam a medida.

A medida não resolve o problema do desemprego e acaba por colocar os trabalhadores e o movimento sindical à mercê de chantagem empresarial para que aceitem redução dos salários.

Cabe lembrar, também, que outros mecanismos prejudiciais aos trabalhadores vêm sendo largamente utilizados e os empregos continuam sendo eliminados. Este é o caso de acordos de lay off, que vêm sendo assinados por sindicatos de diversas matizes, da Força Sindical à CSP Conlutas. Durante o período de lay off, o dinheiro do FAT também é utilizado para pagar parte do salário de quem está com contrato suspenso.

A ameaça de demissão funciona como uma chantagem patronal.

Recentemente, uma proposta de redução de salário com redução da jornada foi rejeitada pelos trabalhadores da Mercedes-Benz em São Bernardo do Campo/SP. A proposta era defendida pela direção do sindicato cutista.

Já o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, SP, dirigido por companheiros do PSTU, defendeu em assembleia e assinou acordo com a General Motors em 2013 que flexibilizou a jornada de trabalho e reduziu drasticamente o piso e a grade salarial. Esse acordo não previa garantia de emprego e objetivava garantir investimentos na fábrica da GM na cidade previstos para acontecer em 2017.

As mesmas empresas que remetem lucros milionários às suas matrizes querem responsabilizar o salário do trabalhador brasileiro pela crise. Isso é uma falácia. É sabido que a diminuição do salário e do poder de compra do trabalhador aprofunda a crise, na medida em que restringe a atividade econômica.

É necessário ressaltar que o setor automobilístico recebeu mais de R$ 27 bilhões de incentivos fiscais do governo e mesmo assim não deixou de eliminar postos de trabalho.

Portanto, a MP 680 é mais uma medida que beneficia o grande capital. Não é razoável o governo economizar recursos do FAT quando se trata do abono salarial para quem ganha até dois salários mínimos, enquanto utiliza o dinheiro do mesmo fundo para subsidiar grandes empresas, na maioria das vezes, oligopólios internacionais.

Para proteger o emprego é necessário reduzir a taxa de juros e interromper o ajuste fiscal que derruba investimentos, além da adoção de medidas estruturais como uma reforma tributária. O país precisa desonerar salários e impostos indiretos, taxar bancos e os fluxos de capital e instituir imposto sobre as grandes fortunas e heranças. E é preciso mudar a agenda de retrocessos sociais e recolocar na pauta do país a redução da jornada de trabalho sem redução de salários para 40 horas semanais, medida suficiente para gerar dois milhões de postos de trabalho.

Indio Intersindical *Edson Carneiro Índio é Secretário Geral da Intersindical Central da Classe Trabalhadora

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Delator acusa Eduardo Cunha de pedir pessoalmente propina de 5 milhões de dólares

 

O objetivo do repasse, segundo Júlio Camargo, era garantir um contrato de navios-sonda da Petrobras.

Postado: Brasil de Fato

Eduardo Cunha

Créditos da foto: ABr

O consultor Júlio Camargo afirmou, em depoimento à Justiça Federal, nesta quinta-feira (16), que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o pressionou a pagar US$ 10 milhões em propina. O objetivo do repasse, segundo Camargo, era garantir um contrato de navios-sonda da Petrobras. De acordo com o relato, Cunha teria pedido US$ 5 milhões pessoalmente a ele.
As informações foram obtidas pelo jornal O Globo, a partir de pessoas presentes no depoimento de Camargo.
Júlio Camargo é um dos primeiros a fechar acordo de delação na operação Lava-Jato. Trabalhou como consultor das empreiteiras Toyo Setal e Camargo Corrêa. Nesta semana, ele voltou a ser interrogado pelo juiz Sérgio Moro, responsável pela condução das investigações, e fez revelações não presentes em seus depoimentos prévios.
Pelo relato dos que acompanharam o depoimento, Júlio Camargo afirmou que Cunha teria lhe dito que estava “no comando de 260 deputados”.
Pelos menos três advogados confirmaram que Camargo citou Cunha e que ele seria o responsável pela divisão dos pagamentos irregulares com Fernando Baiano, “sócio oculto de Eduardo Cunha”.
Redes sociais
Conhecido por recolocar em votação assuntos nos quais fora derrotado, Cunha passou a ser ironizado por internautas após a denúncia de Júlio Camargo.
O presidente da Câmara negou a acusação veiculada pelo jornal e afirmou que o delator é um “mentiroso”.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Movimentos debatem resposta à ofensiva da direita, mas são contra ajuste

Por: Intersindical – Central da Classe Trabalhadora

Fonte: Estadão Conteúdo

Quinta feira vermelhaOs movimentos sociais começam a debater uma resposta ao que consideram uma crescente ofensiva de setores da direita contra a institucionalidade democrática. Ao mesmo tempo em que condenam articulações para o impeachment da presidente Dilma Rousseff ou para sua cassação, as lideranças não apoiam abertamente a gestão da petista e fazem questão de destacar as críticas.

“Não podemos defender um governo que tem se tornado cada vez mais indefensável, que quanto mais acuado mais cede para a direita. Temos que enfrentar esse golpismo da direita, mas isso não significa defender o governo”, disse Guilherme Boulos, líder nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) ao Broadcast Político, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado.

Na tarde de segunda-feira, 6, o MTST coordenou uma reunião com outros movimentos, como os estudantis UNE e UBES, as centrais Intersindical – Central da Classe Trabalhadora, a Federação Única dos Petroleiros (FUP), o coletivo Juntos, além de representantes do PSOL. A Central Única dos Trabalhadores (CUT), historicamente ligada ao PT, não participou por uma questão de agenda, mas informou que pretende estar presente nas discussões. O encontro deu continuidade a debates que têm como mote central “contra a direita por mais direitos”, mas tratou do cenário político do País, após um fim de semana com subida de tom do PSDB e de setores do PMDB por um afastamento de Dilma do poder.

A reunião marcou uma data, ainda preliminar, de manifestação no dia 20 de agosto. Seria uma resposta ao 16 de agosto, quando estão previstos protestos pelo País, organizados por movimentos que defendem o impeachment da presidente, como o Vem Pra Rua, o Revoltados Online e o Movimento Brasil Livre. Segundo lideranças dos movimentos, o 20 de agosto ainda centraria na defesa dos direitos dos trabalhadores e de minorias, contra a pauta “conservadora” do Congresso Nacional, mas a depender da temperatura dos debates em torno de impeachment, pode tomar um mote mais claramente contra o “golpismo”.

“O PSDB tem caminhado a passos largos em direção ao golpismo. Desde a derrota eleitoral, figuras expressivas do PSDB têm defendido a quebra institucional, a derrubada do governo. O PMDB sempre fez a política da conveniência, então não é novidade que abandone o barco quando está afundando. Agora, ninguém da esquerda está vendo com tranquilidade essa movimentação da direita”, disse Boulos.

“A derrubada do governo Dilma, na minha opinião pessoal, seria uma tragédia, viria algo ainda pior, mais comprometido com o capital financeiro. Qualquer processo que aprofunde o controle da direita sobre o Congresso, sobre o governo, é ruim para os trabalhadores”, afirmou Edson Carneiro, o Índio, secretário-geral da Intersindical.

O líder sindical também destaca o não apoio ao governo e considera pífios os acenos recentes de Dilma para a base social e trabalhista, com a proposta alternativa ao fator previdenciário e o Programa de Proteção ao Emprego anunciado ontem. “A saída para a questão do emprego não é reduzir salários, é mudar essa política econômica recessiva. Tem que baixar juros, mudar política cambial”, afirmou.

De acordo com Boulos, a articulação que começou ontem é exclusiva dos movimentos e não houve qualquer conversa com interlocutores do governo sobre a manifestação. Na semana que vem deve haver outra reunião dos movimentos para debater conjuntura e falar da organização dos atos previstos para o dia 20.

terça-feira, 14 de julho de 2015

Diante de calote e demissões, trabalhadores ocupam Estaleiro Mauá

Por: INTERSINDICAL CENTRAL DA CLASSE TRABALHADORA

Ocupação estaleiro Maua

A parte alugada pelo Mauá para o Estaleiro Brasa também foi paralisada. Ocupação pode provocar prejuízo de R$ 500 mil por dia para empresa.

O Estaleiro Mauá está ocupado desde a manhã de hoje por trabalhadores que tiveram seus direitos ignorados. Os 1000 funcionários do Estaleiro Eisa Um (Estaleiro Mauá) demitidos não receberam até agora suas indenizações. Outros 400 que na semana seguinte foram colocados no olho da rua também não viram a cor do dinheiro.

Os 2 mil metalúrgicos que estão em licença por tempo indeterminado não receberam seus salários e não têm ideia do que irá acontecer. A falta de informação e o descaso da empresa forçaram os trabalhadores a tomar uma atitude para fazer doer no bolso dos empresários.

Após assembleia realizada na porta do estaleiro, hoje pela manhã, os trabalhadores decidiram pela ocupação. Os prejuízos com a paralisação das atividades podem com a chegar a R$ 500 mil por dia.

“A orientação é dormir aqui, acampar e trazer mais pessoas”, afirma o dirigente sindical da categoria José Batista Júnior, conhecido como Júnior Metalúrgico.

Ocupação

Um grupo de 350 pessoas conseguiu entrar no estaleiro Mauá com o carro de som e paralisar as poucas atividades ainda em curso no local.

O que mais pesa para a empresa é a paralisação das atividades do navio plataforma Cidade de Maricá, importado da China e que servirá à Petrobras. O Estaleiro Mauá alugou parte de suas instalações para o Estaleiro Brasa finalizar o Cidade de Maricá e poderá perder até R$ 500 mil por dia com a suspensão dos trabalhos no local.

O setor de reparos também foi paralisado. “A segurança teve que recuar, os trabalhadores estão mobilizados e estão convocando mais pessoas para estarem aqui amanhã”, diz Júnior Metalúrgico, que também é dirigente da Intersindical Central da Classe Trabalhadora.

Petroleiros fazem manifestações em Brasília

O setor naval está realizando milhares de demissões evocando a crise na Petrobras. Apesar de terem lucrado bilhões nos últimos anos, jogam sobre os trabalhadores o ônus da crise. E isso não é aceitável. Os trabalhadores esperam outro desfecho para a crise, que respeite empregos e a importância da atividade econômica para o país.

“Por isso, os metalúrgicos dos estaleiros defendem a política de conteúdo nacional da Petrobras, seu regime de partilha e defende o controle estatal do petróleo da camada pré-sal”, conclui Júnior Metalúrgico.

Está marcada para hoje (14), em Brasília, uma forte mobilização de petroleiros diante da ameaça do Projeto de Lei do Senado (PLS) 131/15, do senador José Serra (PSDB-SP), que pode transferir para as multinacionais os lucros que o povo brasileiro teria com a exploração dos recursos do pré-sal.

O ato tem o apoio da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Petrobras. A votação do projeto está na pauta do Senado desta semana, mas o regime de urgência caiu e os movimentos sociais ganharam mais tempo para protestar e pressionar os parlamentares.

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