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quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Todo poder às assembleias

Prefeito de Itaocara do Partido Socialismo e Liberdade PSOL escolhe secretários de Saúde e Educação após consulta a servidores

POR MARCOS GALVÃO

Rio -  Primeiro prefeito eleito do Psol no País, Gelsimar Gonzaga, de Itaocara, no Noroeste Fluminense, também quer inovar no modo de administrar: é o assembleísmo na política fluminense. Foi numa assembleia popular, dia 7 de novembro, com a participação de representantes de sindicatos e servidores municipais, que Gelsimar escolheu e submeteu à aprovação dois dos seus secretários municipais mais importantes.

Na Saúde, a escolhida foi Margareth Melo, servidora do Ministério da Saúde, e na Educação, a eleição apontou o professor Marcos Aurélio Guerreiro. “A escolha através da assembleia é mais democrática, faz com que o servidor conheça o secretário. É um novo modo de administrar”, diz Gelsimar.

Até o dia 10 de dezembro, Gelsimar pretende escolher, no mesmo sistema, os secretários de Agricultura e de Obras. “Os trabalhadores rurais e os servidores municipais terão direito a voto”, explica. Os demais nomes — são 15 no total — serão escolhidos mediante critérios técnicos. “As outras áreas ainda não têm grande representatividade sindical aqui”, explica.

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O prefeito eleito Gelsimar Gonzaga, do Psol, entre seus pais, Dézio e Maria da Penha | Foto: Luiz Ackermann / Agência O Dia

Gelsimar também pretende adotar uma medida difícil de ser copiada pelos demais prefeitos eleitos: a redução do próprio salário, atualmente de R$ 15 mil. “Acho que é muito. Quero dar o exemplo, ver se algúem me copia”, brinca ele, revelando o seu salário atual, como agente de saúde do município: R$ 545. “Sair de quinhentos e pouco para R$ 15 mil é muito, não é?”, indaga, fundador e presidente do Sindicato dos Servidores Públicos de Itaocara.

Criar um portal da transparência e implantar nas cidades os conselhos comunitários são outras prioridades do novo prefeito. “A população vai poder participar, dizer onde quer que os recursos sejam investidos”, explica Gelsimar.

Prefeito eleito reclama: ‘Não há transição’

O novo prefeito, morador do distrito de Portela, área rural a 28 km do centro de Itaocara, reclama que não está recebendo informações do atual prefeito, Alcione Correia de Araújo, do PMDB. “Não há transição”, reclama.

Gelsimar, que ontem participou do protesto contra a redistribuição dos royalties do petróleo, diz que não teme ser tratado com indiferença, já que seu partido, o PSOL, é oposição aos governos estadual e federal.

“Espero ser tratado de forma republicana. Afinal, represento o povo de Itaocara, que me elegeu”, explica.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Ivan Valente participa da Marcha da Consciência Negra em SP

marcha-1 O deputado federal Ivan Valente participou nesta terça-feira, dia 20 de novembro, da IX Marcha da Consciência Negra em São Paulo. Este ano, a mobilização, uma das mais importantes no calendário dos movimentos sociais, teve como tema “Cotas sim, Genocídio não!”.

No dia 15 de outubro, o governo federal publicou o decreto 7824/12, regulamentando a Lei de Cotas, finalmente aprovada pelo Senado em 7 de agosto, depois de muitos anos de tramitação no Congresso Nacional. A lei reserva 50% das vagas nas universidades federais para alunos de escolas públicas e estudantes negros e indígenas, de acordo com a presença desses segmentos em cada estado da federação, segundo o censo do IBGE de 2010.

Embora cerca de 100 universidades públicas estaduais e federais em todo o país tenham aderido à política de cotas antes da aprovação da lei, em São Paulo a USP continua se negando a discutir o tema. O mesmo procedimento é adotado pela Unicamp e Unesp.

Para fazer frente a essa realidade, um conjunto de entidades do movimento negro e estudantil está organizado na Frente Estadual de Lutas pela Aprovação das Cotas e em apoio ao Projeto de Lei 321/2012 que institui as cotas para ingresso nas universidades paulistas e nas faculdades de tecnologias de São Paulo (FATECs). O projeto está em tramitação na Assembléia Legislativa, e conta com o apoio do PSOL.

Genocídio não!

No Brasil, além da criminalidade urbana e do tráfico de drogas, o alto número de homicídios está associado à ação de grupos de extermínio e à letalidade policial. Mais de 70% das vítimas são pessoas negras e mais da metade são jovens; 75% são jovens negros, em sua maioria homens, com baixa escolaridade e moradores das periferias das grandes cidades, o que revela outra face cruel do racismo contra a juventude.

Enquanto se observa uma tendência de redução de mortes violentas de jovens brancos, cresce a violência contra os jovens negros.

Em 2011, o tema central da Marcha da Consciência Negra foi justamente o genocídio da juventude negra, compreendido como um conjunto de violações intercaladas que resultam na morte desses jovens por ação ou omissão do Estado: violência policial, racismo institucional, encarceramento em massa, violência contra a mulher negra e jovem, etc.

marcha-2 “Temos um extermínio direto e indireto da juventude negra, com um genocídio que atinge números assustadores em todo o país, não só em São Paulo”, explicou Juninho, do Círculo Palmarino e do Comitê contra o Genocídio da Juventude Negra.

Um ano depois, o problema permanece, sendo que a situação foi agravada pela ampliação, em 2012, da violência que atinge todo o estado de São Paulo – realidade que o governador de São Paulo insiste em considerar normal e sobre controle.

“O Brasil ainda precisa avançar muito para superar  o processo de mais de 300 anos de escravidão e opressão contra o povo negro. A prova que até hoje suas conseqüências são sentidas em nossa sociedade são as vítimas dessa mais recente onda de violência”, afirmou Ivan Valente. “Essa lógica de que a solução para conflitos sociais é mais violência, mais polícia, já se mostrou um fracasso.  O poder público estadual e federal precisa dar respostas adequadas. Num quadro de concentração de renda e de poder, tudo isso rebate no racismo”, declarou.

Sobre o Dia da Consciência Negra

marcha-3 Em 2006, o dia 20 de novembro se tornou feriado municipal em São Paulo, por meio da aprovação da Lei 13.707/2004. Cerca de 800 cidades brasileiras também celebram a data com um feriado. O movimento negro tem se empenhado para que o Dia Nacional da Consciência Negra seja feriado nacional.

A Marcha da Consciência Negra acontece desde 2003. A data é dedicada ao líder negro Zumbi dos Palmares, símbolo da resistência e da luta contra a escravidão. Em 1995, depois de 300 anos de seu assassinato, Zumbi dos Palmares foi oficialmente reconhecido pelo governo brasileiro como herói nacional e o Quilombo dos Palmares consagrado um importante exemplo de luta e organização da história do Brasil.
“Hoje é um dia de balanço e de reflexão e consciência da importância da luta pela igualdade. Somente com essa tomada de consciência, pelo conjunto da população brasileira, será possível superar de fato as opressões”, disse Ivan Valente.

CLIQUE AQUI para ver o álbum completo de fotos da Marcha da Consciência Negra em SP

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Zumbi vive na Serra da Barriga

Brasil de Fato
Se apurarmos o ouvido, escutaremos os atabaques chamando às armas, anunciando a chegada dos negreiros malditos

Escultura de Zumbi dos Palmares na praça da Sé, em Salvador (BA) -

Foto: Gorivero/CC

Em 20 de novembro de 1695, Nzumbi dos Palmares caía lutando em mata perdida do sul da capitania de Pernambuco. Seu esconderijo fora revelado por lugar-tenente preso e barbaramente torturado. Mutilaram seu corpo. Enfiaram seu sexo na boca. Expuseram a cabeça do palmarino na ponta de uma lança em Recife. Os trabalhadores escravizados e todos os oprimidos deviam saber a sorte dos que se levantavam contra os senhores das riquezas e do poder.          

Em 1654, com a expulsão dos holandeses do Nordeste, os lusitanos lançaram expedições para repovoar os engenhos com os cativos fugidos ou nascidos nos quilombos da capitania. Para defenderem- se, as aldeias quilombolas confederaram- se sob a chefia política do Ngola e militar do Nzumbi. A dificuldade dos portugueses de pronunciar o encontro consonantal abastardou os étimos angolanos nzumbi em zumbi, nganga nzumba, em ganga zumba. A confederação teria uns seis mil habitantes, população significativa para a época.     

Em novembro de 1578, em Recife, Nganga Nzumba rompeu a unidade quilombola e aceitou a anistia oferecida apenas aos nascidos nos quilombos, em troca do abandono dos Palmares e da vil entrega dos cativos ali refugiados ou que se refugiassem nas suas novas aldeias.         

Acreditando nos escravizadores, Ganga Zumba deu as costas aos irmãos de opressão e aceitou as miseráveis facilidades para alguns poucos. Abandonou as alturas dos Palmares pelos baixios de Cucuá, a 32 quilômetros de Serinhaém. Foi seduzido por lugar ao sol no mundo dos opressores, pelas migalhas das mesas dos algozes.    

Então Nzumbi assumiu o comando político-militar da confederação.           

Para ele, não havia cotas para a liberdade ou privilegiados no seio da opressão! Exigia e lutava altaneiro pelo direito para todos!        

Não temos certeza sobre o nome próprio do último nzumbi que chefiou a confederação após a defecção de Nganga Nzumba. Documentos e a tradição oral registram-no como Nzumbi Sweca.           

Nos derradeiros ataques aos Palmares, as armas de fogo e a capacidade dos escravistas de deslocar e abastecer rapidamente os soldados registravam o maior nível de desenvolvimento das forças produtivas materiais do escravismo, apoiado na superexploração dos trabalhadores feitorizados. As tropas luso-brasileiras eram a ponta de lança nas matas palmarinas da divisão mundial do trabalho de então.  

Não havia possibilidade de coexistência pacífica entre escravidão e liberdade. Palmares era república de produtores livres, nascida no seio de despótica sociedade escravista, que surge hoje nas obras da historiografia apologética como um quase paraíso perdido, onde a paz, a transigência e a negociação habitavam as senzalas. Palmares era exemplo e atração permanentes aos oprimidos que corroíam o câncer da escravidão.        

Como já lembraram, nos anos 1950, o historiador marxista-revolucionário francês Benjamin Pérret e o piauiense comunista Clóvis Moura, a confederação dos Palmares venceria apenas se espraiasse a rebelião aos escravizados dos engenhos, roças e aglomeração do Nordeste, o que era então materialmente impossível.  

Palmares não foi porém luta utópica e inconsequente. Por longas décadas, pela força das armas e a velocidade dos pés, assegurou para milhares de homens e mulheres a materialização do sonho de viver em liberdade de seu próprio trabalho. Indígenas, homens livres pobres, refugiados políticos eram aceitos nos Palmares. Eram braços para o trabalho e para a resistência.  

A proposta da retomada da escravidão colonial em Palmares, com Zumbi com um “séquito de escravos para uso próprio”, é lixo historiográfico sem qualquer base documental, impugnado pela própria necessidade de consenso dos palmarinos contra os escravizadores. Trata-se de esforço ideológico de sicofantas historiográficos para naturalizar a opressão do homem pelo homem, propondo- a como própria a todas e quaisquer situações históricas.         

Palmares garantiu que milhares de homens e mulheres nascessem, vivessem e morressem livres. Ao contrário, em poucos anos, os seguidores de Ganga Zumba foram reprimidos, re-escravizados ou retornaram fugidos aos Palmares, encerrando- se rápida e tristemente a traição que dividiu e fragilizou a resistência quilombola.     

A paliçada do quilombo do Macaco foi a derradeira tentativa de resistência estática palmarina, quando a resistência esmorecia. Ela foi devassada em fevereiro de 1694, por poderoso exército, formado por brancos, mamelucos, nativos e negros, entre eles, o célebre Terço dos Enriques, formado por soldados e oficiais africanos e afro-descendentes. Não havia e não há consenso racial e étnico entre oprimidos e opressores.      

O último reduto palmarino, defendido por fossos, trincheiras e paliçadas, encontrava- se nos cimos de uma altaneira serra.       

A Serra da Barriga e regiões próximas, na Zona da Mata alagoana, com densa vegetação, são paragens de beleza única. Quem se aproxima da serra, chegado do litoral, maravilha-se com o espetáculo natural. O maciço montanhoso rompe abruptamente, diante dos olhos, no horizonte, como fortaleza natural expugnável, dominando as terras baixas, cobertas pelo mar verde dos canaviais flutuando ao lufar do vento.    

Se apurarmos o ouvido, escutaremos os atabaques chamando às armas, anunciando a chegada dos negreiros malditos. Sentiremos a reverberação dos tam-tans lançados do fundo da história, lembrando às multidões que labutam, hoje, longuíssimas horas ao dia, não raro até a morte por exaustão, por alguns punhados de reais, nos verdes canaviais dessas terras que já foram livres, que a luta continua, apesar da já longínqua morte do general negro de homens livres.    

Mario Maestri é professor do programa de pós-graduação em História da UPF.

Zumbi Vive!

Postado: Correio da Cidadania

250xNx131112_zumbi.jpg.pagespeed.ic.9WkP5HuDUx Em 20 de novembro de 1695, Nzumbi dos Palmares caía lutando em mata perdida do sul da capitania de Pernambuco. Seu esconderijo fora revelado por lugar-tenente preso e barbaramente torturado. Mutilaram seu corpo. Enfiaram seu sexo na boca. Expuseram a cabeça do palmarino na ponta de uma lança em Recife. Os trabalhadores escravizados e todos os oprimidos deviam saber a sorte dos que se levantavam contra os senhores das riquezas e do poder.

Em 1654, com a expulsão dos holandeses do Nordeste, os lusitanos lançaram expedições para repovoar os engenhos com os cativos fugidos ou nascidos nos quilombos da capitania. Para defenderem-se, as aldeias quilombolas confederaram-se sob a chefia política do Ngola e militar do Nzumbi. A dificuldade dos portugueses de pronunciar o encontro consonantal abastardou os étimos angolanos nzumbi em zumbi, nganga nzumba, em ganga zumba. A confederação teria uns seis mil habitantes, população significativa para a época.

Em novembro de 1578, em Recife, Nganga Nzumba rompeu a unidade quilombola e aceitou a anistia oferecida apenas aos nascidos nos quilombos, em troca do abandono dos Palmares e da vil entrega dos cativos ali refugiados ou que se refugiassem nas suas novas aldeias.

Acreditando nos escravizadores, Ganga Zumba deu as costas aos irmãos de opressão e aceitou as miseráveis facilidades para alguns poucos. Abandonou as alturas dos Palmares pelos baixios de Cucuá, a 32 quilômetros de Serinhaém. Foi seduzido por lugar ao sol no mundo dos opressores, pelas migalhas das mesas dos algozes.

Então, Nzumbi assumiu o comando político-militar da confederação.

Para ele, não havia cotas para a liberdade ou privilegiados no seio da opressão! Exigia e lutava altaneiro pelo direito para todos!

Não temos certeza sobre o nome próprio do último nzumbi que chefiou a confederação após a defecção de Nganga Nzumba. Documentos e a tradição oral registram-no como Nzumbi Sweca.

Nos derradeiros ataques aos Palmares, as armas de fogo e a capacidade dos escravistas de deslocar e abastecer rapidamente os soldados registravam o maior nível de desenvolvimento das forças produtivas materiais do escravismo, apoiadas na superexploração dos trabalhadores feitorizados. As tropas luso-brasileiras eram a ponta de lança nas matas palmarinas da divisão mundial do trabalho de então.

Não havia possibilidade de coexistência pacífica entre escravidão e liberdade. Palmares era república de produtores livres, nascida no seio de despótica sociedade escravista, que surge hoje nas obras da historiografia apologética como um quase paraíso perdido, onde a paz, atransigência e a negociação habitavam as senzalas. Palmares era exemplo e atração permanentes aos oprimidos que corroíam o câncer da escravidão.

Como já lembraram, nos anos 1950, o historiador marxista-revolucionário francês Benjamin Pérret e o piauiense comunista Clóvis Moura, a confederação dos Palmares venceria apenas se espraiasse a rebelião aos escravizados dos engenhos, roças e aglomeração do Nordeste, o que era então materialmente impossível.

Palmares não foi, porém, luta utópica e inconsequente. Por longas décadas, pela força das armas e a velocidade dos pés, assegurou para milhares de homens e mulheres a materialização do sonho de viver em liberdade de seu próprio trabalho. Indígenas, homens livres pobres, refugiados políticos eram aceitos nos Palmares. Eram braços para o trabalho e para a resistência.

A proposta da retomada da escravidão colonial em Palmares, com Zumbi com um “séquito de escravos para uso próprio”, é lixo historiográfico sem qualquer base documental, impugnado pela própria necessidade de consenso dos palmarinos contra os escravizadores. Trata-se de esforço ideológico de sicofantas historiográficos para naturalizar a opressão do homem pelo homem, propondo-a como própria a todas e quaisquer situações históricas.

Palmares garantiu que milhares de homens e mulheres nascessem, vivessem e morressem livres. Ao contrário, em poucos anos, os seguidores de Ganga Zumba foram reprimidos, reescravizados ou retornaram fugidos aos Palmares, encerrando-se rápida e tristemente a traição que dividiu e fragilizou a resistência quilombola.

A paliçada do quilombo do Macaco foi a derradeira tentativa de resistência estática palmarina, quando a resistência esmorecia. Ela foi devassada em fevereiro de 1694, por poderoso exército, formado por brancos, mamelucos, nativos e negros, entre eles, o célebre Terço dos Enriques, formado por soldados e oficiais africanos e afro-descendentes. Não havia e não há consenso racial e étnico entre oprimidos e opressores.

O último reduto palmarino, defendido por fossos, trincheiras e paliçada, encontrava-se nos cimos de uma altaneira serra.

A serra da Barriga e regiões próximas, na Zona da Mata alagoana, com densa vegetação, são paragens de beleza única. Quem se aproxima da serra, chegado do litoral, maravilha-se com o espetáculo natural.

O maciço montanhoso rompe abruptamente, diante dos olhos, no horizonte, como fortaleza natural expugnável, dominando as terras baixas, cobertas pelo mar verde dos canaviais flutuando ao lufar do vento.

Se apurarmos o ouvido, escutaremos os atabaques chamando às armas, anunciando a chegada dos negreiros malditos. Sentiremos a reverberação dos tam-tans lançados do fundo da história, lembrando às multidões que labutam, hoje, longuíssimas horas ao dia, não raro até a morte por exaustão, por alguns punhados de reais, nos verdes canaviais dessas terras que já foram livres, que a luta continua, apesar da já longínqua morte do general negro de homens livres.

Mario Maestri é professor do programa de pós-graduação em História da UPF.

E-mail: maestri(0)via-rs.net

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Eduardo Galeano: "Ao trabalhador, restam a angústia e o desemprego"

GaleanoCelebrado escritor uruguaio realizou a conferência de encerramento do congresso do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso), realizado na capital mexicana, em que tratou do tema “Os direitos dos trabalhadores: um tema para arqueólogos?”. Em sua fala, Galeano demonstrou como esses direitos são resultado de uma árdua luta com 200 anos de história, mas têm sido cada vez mais violados por governos e grandes corporações.

Marcel Gomes – Carta Maior

Cidade do México – O escritor uruguaio Eduardo Galeano encerrou na noite de sexta-feira (9) o congresso do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso), realizado na capital mexicana, com uma concorrida conferência pautada em um tema caro para os cientistas sociais: a decadência do mundo do trabalho.
Intitulada “Os direitos dos trabalhadores: um tema para arqueólogos?”, a intervenção de Galeano, assistida por ao menos mil pessoas, que lotaram auditório e salas anexas do hotel onde acontecia o congresso, foi construída como um “mosaico” de histórias essenciais sobre os “200 anos de lutas dos trabalhadores do mundo”.
A maior parte delas está disponível no último livro do escritor, “Os filhos dos dias", lançado
neste ano no Brasil. Galeano tratou, por exemplo, da greve operária de Chicago em primeiro de maio de 1886, violentamente reprimida pelas forças de segurança. A data tornou-se o Dia do Trabalho em muitos países, mas não nos Estados Unidos.
“Há sete ou oito anos estive em Chicago e pedi aos amigos que me receberam que me levassem onde aconteceram os protestos. Mas me surpreendi porque eles não conheciam a história”, disse ele. “Só recentemente recebi uma carta deles contanto que tinha acabado de haver uma manifestação na cidade, para lembrar as greves daquela época”, completou.
O escritor, de 72 anos e mundialmente conhecido pela obra "As veias abertas da América Latina", também lembrou o médico italiano Bernardino Ramazzini (1633-1714), precursor da medicina do trabalho. Segundo o uruguaio, o médico natural de Pádua escreveu o primeiro tratado do gênero, vinculando tipos de ocupações laborais com enfermidades específicas.
“Mas ele também escreveu que pouco poderia ser feito com as condições de vida daquelas pessoas, que comiam mal e trabalhavam de sol a sol”, afirmou. Ainda sobre a dureza do trabalho, Galeano lembrou que em 1998 a França reduziu a jornada a 35 horas por semana, mas a medida já foi desfeita.
“Era o sonho de Thomas Morus. Para que servem as máquinas, senão para ampliar nossos espaços de liberdade? Mas acabou em apenas 10 anos. Para o trabalhador, restou desemprego e angústia”, disse o uruguaio, lembrando a crise financeira global iniciada em 2008.
Galeano ainda citou o pouco interesse dos países e grandes empresas pelos 189 acordos e convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), dos quais só 14 foram ratificados pelos Estados Unidos.
“Justamente o país em que o primeiro de maio não é celebrado”, destacou. Ao encerrar sua participação, Galeano contou a história de Maruja, trabalhadora doméstica e moradora de Lima, no Peru, também disponível em seu último livro. É esta que segue:
"Marzo, 30, Día del servicio doméstico"
"Maruja no tenía edad.
De sus años de antes, nada contaba. De sus años de después, nada esperaba.
No era linda, ni fea, ni más o menos.
Caminaba arrastrando los pies, empuñando el plumero, o la escoba, o el cucharón.
Despierta, hundía la cabeza entre los hombros.
Dormida, hundía la cabeza entre las rodillas.
Cuando le hablaban, miraba el suelo, como quien cuenta hormigas.
Había trabajado en casas ajenas desde que tenía memoria.
Nunca había salido de la ciudad de Lima.
Mucho trajinó, de casa en casa, y en ninguna se hallaba. Por fin, encontró un lugar donde fue tratada como si fuera persona.
A los pocos días, se fue.
Se estaba encariñando."
* Viagem realizada a convite do Clacso

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

“Uma política diferente é possível e necessária”, diz Marcelo Freixo (PSOL

Postado: Carta capital

Foto: Luisa Côrtes / Divulgação

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Os guarda-costas o seguem como sombras silenciosas em qualquer momento da sua jornada, mas não parecem perturbar a aparente normalidade da vida do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL). Além disso, o que mais surpreende é a serenidade que emana da sua alma. A força interior que demostra o ex-candidato a prefeito do Rio de Janeiro só pode ser explicada por uma paixão ideal incomum, que ele confirma a cada passo da entrevista. Resistir à pressão desumana das ameaças de morte por parte da “milícia” carioca – sem abrir mão do próprio compromisso político e dos deveres de família – denota virtudes raras, que ele disfarça atrás da modéstia do anti-herói. Recém derrotado por Eduardo Paes (PMDB) na disputa pela Prefeitura, Freixo analisa com CartaCapital o significado deste revés “vitorioso” e outras questões nacionais, denotando uma estatura política que vai alem das fronteiras estaduais.

CartaCapital: Qual é o significado de quase um milhão de votos que você conquistou no Rio de Janeiro?

Marcelo Freixo: Perdemos uma reeleição, não uma simples eleição. Perdemos para uma máquina poderosa, verdadeiro laboratório do capital brasileiro, à luz de todos os investimentos em curso, onde – não por acaso -  a maior diferença de votos se deu nos lugares onde foram feitas obras. Lutamos contra uma aliança de 20 partidos, tendo só 1 minuto e 22 segundos de televisão (contra os 16 minutos de Paes), mas compensamos esta desvantagem com uma militância apaixonada e uma intensa participação da sociedade. Conseguimos os nossos votos – 28% – também em áreas tradicionalmente difíceis para os movimentos sociais – como a zona norte e oeste – e nos consolidamos como uma nova alternativa de esquerda.

CC: Quais as razões da sua satisfação na derrota?

MF: O fato de ter aberto um diálogo permanente com a sociedade, que se ampliou graças às redes sociais. A nossa foi uma campanha vitoriosa também pelos métodos participativos. Conseguimos reafirmar que é possível e necessária uma politica diferente, em contraste com a lógica da governabilidade entre as cúpulas partidárias. “Não ganho um real, estou na rua por ideal” estava escrito nas camisetas dos nossos militantes. Os nossos resultados se explicam também com essa escolha de puro voluntariado, única no Brasil: surgiram autonomamente mais de 100 comités de cidadãos, arrecadamos pela internet contribuições que nem Marina (Silva) e Dilma (Rousseff) conseguiram nas campanhas presidenciais. O grande desafio será de manter essa mobilização de forma permanente. Trabalharemos para que os vários comitês de cidadãos (sobre moradia, economia, ambiente, esporte, etc.) se transformem em estruturas permanentes, imprimindo jornais, elaborando propostas pela cidade, em plena autonomia.

CC: Personagens importantes da cultura declararam que Marcelo Freixo representa a nova política brasileira. Você se identifica com essa definição?

MF: Nós queremos representar e construir exatamente isso. Veja os outros partidos: todos aparecem só durante a campanha eleitoral e, infelizmente, isso acontece também com o PT, que está recolhendo os frutos do que plantou. No Rio, em particular, virou um satélite do PMDB. Tomara que eles entendam e mudem daqui para frente. Alám disso, a participação que caracterizou o nosso movimento teve o mérito de reduzir a personificação da política brasileira. Essas são as diferenças entre nós e os outros partidos. Mais do que partidos, existem muitas siglas no Brasil. O PSOL sai diferente desta eleição, ao lado de um movimento que é maior do que o partido; o que determinará uma recíproca contaminação.

CC: Como projetar um governo futuro sem alianças com os partidos, digamos, tradicionais?

MF: O processo de participação da sociedade não acabou no dia 7 de outubro. Naquela data teve um novo início, para acumular mais força nos anos futuros. Esta é logica da “primavera carioca”, como foi chamada pelos jovens.  Estou disposto a repetir o desafio da eleição em 2016, mas a questão central é consolidar a aliança com a sociedade civil, construir uma oposição de  qualidade, que não faça só criticas, mas que proponha alternativas qualificadas. Eventuais alianças em 2016 devem ser o fruto deste trabalho de quatro anos na sociedade, através da elaboração de propostas dos diferentes núcleos e comitês. Queremos chegar assim a uma nova correlação de forças, evitando qualquer compromisso de cúpula. Em perspectiva, PT e PDT, por exemplo, que podem ter uma concepção de cidade próxima à nossa, serão bem-vindos em uma aliança para a mudança. Com PMDB e PSDB temos uma concepção de cidade diferente e alternativa: com eles não será possível.

CC: Inevitável refletir nesses dias sobre o “mensalão”. Qual é a sua posição à respeito?

MF: Me assusta um pouco, hoje,  a postura do PT em relação ao mensalão. Erra de novo quando afirma que o julgamento é um grande golpe, que não respeita o passado das pessoas. Acho que o melhor caminho para o PT seria admitir o inevitável: o mensalão existiu, é um fato. O julgamento está sendo feito pelo Supremo e não pela Rede Globo. Se defender com a argumentação que foi só caixa dois, eu considero a pior saída. Independentemente da postura da mídia – que todos sabemos não poderia ser diferente – acho que o PT deveria tratar de dar uma virada de página importante, e se – como parece – tem gente que está pensando nisso, eu acho ótimo. O PT é importante pela democracia no país. Ao mesmo tempo, me entristece o Lula – pelo qual eu tenho um afeto gigantesco – apoiando Eduardo Paes ou apertando a mão do (deputado federal Paulo) Maluf. Agora, tem que ser claro que o PT não vai acabar com o mensalão. Certa prática de governo, baseada na corrupção, sempre existiu e, antes do PT, foi o instrumento de governo do PSDB, do DEM e de todos eles. O problema se acentuou quando também o PT quis repetir aquelas práticas, olhando pela governabilidade da mesma forma como os outros partidos sempre olharam. Não me interessa que os fins eram diferentes se os meios foram iguais.

De qualquer forma, me preocupa que, entre tantos comentários, ninguém fala que sem uma reforma politica o mensalão nunca será divisor de águas na política brasileira, como já se notou aqui no Rio na eleição marcada por todos os problemas que geraram os mensalões. Se o poder econômico e o financiamento privado continuarão determinantes para a política, é uma bobagem pensar que a justiça vai favorecer uma nova política. Não estou com isso dizendo que o julgamento do mensalão não seja importante; mais do que isso, acho que ele é justo. Agora, este julgamento não nos dá outra política nem outro Judiciário. A ideia de que o Judiciário é o espaço salvífico da politica é um equivoco.

Leia também:
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CC: Os equilíbrios internos da Justiça mudaram com a evolução da democracia brasileira? A Justiça é agora mais independente e com maior autoridade?

MF: Não vejo isso. Nos tribunais, pelo menos, não. A atuação e imagem do Supremo não se reflete na Justiça brasileira. Acho extraordinário um Joaquim Barbosa virar presidente do Supremo. Os símbolos não são detalhes. Agora, com todas as suas contradições, este Supremo é mais avançado do que a Justiça  brasileira.

CC: Me parece que tampouco se fala muito de novas medidas para combater a corrupção….

MF: Corrupção não é questão de comportamento individual, mas problema estrutural brasileiro. É evidente para todos que tem compra de deputados através das emendas. À politica, eu digo: queremos continuar ou parar?

CC: Então chegamos ã questão da reforma política……

MF: Só é possível pensar em reforma política através de uma Constituinte. Este Congresso não tem a menor condição de fazer uma reforma política, porque não tem vontade de eliminar os próprios instrumentos de poder. Não vai cortar na própria carne. Portanto, é necessária uma ruptura no sistema eleitoral brasileiro, mas não vejo ainda as condições: a correlação de forças é desfavorável. Essa batalha tem que começar e acumular força para um  novo começo republicano, para que se realize um sistema onde quem ganha uma eleição tenha a possibilidade de governar, acabando com os governos engessados.

CC: Vamos concluir a nossa conversa com os problemas da sua segurança: as ameaças de morte não se repetiram recentemente. Você se sente mais tranquilo?

MF: Não tenho tranquilidade nenhuma. Estou pagando a CPI da milícia que resultou em 700 prisões e dezenas de ameaças de morte. A decisão da candidatura e a campanha eleitoral aumentaram minha visibilidade e proteção, mas o período que se abre agora é mais perigoso. Em 2008 eu declarei que a milícia era um problema do Rio, que se não fosse combatido viraria problema nacional. Infelizmente é o que aconteceu. A milícia está presente em vários pontos do Brasil, como Bahia e Nordeste. Candidata homens a deputado e vereador. Ela tem um projeto de ocupação do território para a ocupação de poder. A milícia é uma mafia e, por consequência, quando a tensão esfria aumenta a sua influência e é mais perigosa.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Vamos escrachar José Maria Marin!

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Domingo, 11/11 de 2012 Concentração às 14h, no MASP

Jose Maria MarinJosé Maria Marin é hoje presidente da CBF e da COL, Comitê Organizador Local da Copa do Mundo de 2014. Mas poucos sabem que é também apontado como um dos responsáveis pela morte de Vladimir Herzog, então diretor de Jornalismo da TV Cultura, cruelmente torturado e morto nas dependências do DOI-CODI em São Paulo, aparelho do Estado responsável pela pela repressão e pela tortura de incontáveis brasileiros que lutaram contra o Regime Militar.

José Maria Marin, naquele momento deputado estadual pela ARENA, não gostava do viés jornalístico da TV Cultura, que não dava tanta importância a inaugurações da Ditadura e noticiava misérias do nosso povo, disseminando "intranquilidade" em São Paulo, conforme reprodução do seu discurso no Diário Oficial, 16 dias antes de Vlado ser "suicidado pela Ditadura".

José Maria Marin, que viria a ser vice-governador biônico de Paulo Maluf, tendo o substituído por um ano, dias antes já declarava, também na Assembleia Legislativa de São Paulo, que devia ser reconhecida o grande serviço que Sérgio Paranhos Fleury "e sua equipe" ofereciam ao Brasil. Fleury chefiou durante anos o DOPS, Departamento Estadual de Ordem Política e Social, responsável pela tortura, assassinato e ocultação de cadáveres de milhares de pessoas que ousaram lutar contra a Ditadura.

Neste domingo, 11 de novembro de 2012, às 14h, nos reuniremos no vão do MASP, na Avenida Paulista, para declararmos que não esqueceremos dos crimes da Ditadura Militar cometidos contra a população brasileira!

Não admitimos que, até hoje, as circunstâncias que levaram a morte de Vladimir Herzog não tenham sido completamente esclarecidas e seus responsáveis não tenham sido punidos!

Não consentiremos que homens dessa estirpe continuem a gozar de tal influência no governo a na sociedade!

A sociedade não tolera a impunidade, privilégio ofertado a homens como José Maria Marin!

Neste domingo, 11 de novembro de 2012, vamos escrachar José Maria Marin!

 

ARTICULAÇÃO ESTADUAL PELA MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA DE SÃO PAULO

terça-feira, 6 de novembro de 2012

‘Esse governo só olha o dinheiro, o lucro, esquece que existem povos e nações’

ESCRITO POR GABRIEL BRITO, DA REDAÇÃO

CORREIO DA CIDADANIA

250xNx261012_caciqueladio.jpg.pagespeed.ic.980WNLcoCoComo raras vezes se vê ocorrer, os últimos dias foram e continuam sendo de comoção em torno da maltratada causa indígena no Brasil. Após uma ordem de despejo da 1ª Vara Federal de Naviraí (MS) sobre terra indígena dominada por fazendeiros em Dourados (MS), os índios guarani kaiowá anunciaram através de carta aberta que não aceitavam a decisão e ficariam em suas terras ancestrais, vivos ou mortos, o que chegou a ser interpretado pelo público como um indicativo de suicídio coletivo.

Não era exatamente do que se tratava, pois os índios afirmavam que lutariam até o fim pelas terras e descartavam qualquer retorno à miserabilidade das cidades ou das beiras de estradas. De toda forma, o Brasil inteiro e agora o mundo veem se acirrar o conflito entre os latifundiários e seus habitantes originários, que por sua vez têm sido vítimas de uma crescente violência, representada pelas cerca de 500 mortes de índios guarani no estado desde 2003.

“Só nas aldeias Passo Piraju, Bokerón e Pyelito Kue (região de Dourados), são 412 famílias. Desde 2004, há um mandado de reintegração de posse. Hoje, a aldeia é estruturada, com água, energia, escola, posto de saúde, roça, animais, pomares...”, conta o cacique guarani Ládio Veron, que se encontra em São Paulo até 1º de novembro em busca de apoio e divulgação da causa guarani-kaiowá.

Na conversa com o cacique da aldeia Takuara (também afetada pela violência do “moderno” agronegócio), hospedado na metrópole por militantes sociais, fica claro que a repercutida declaração de guerra dos fazendeiros do Mato Grosso do Sul é concreta, já se traduzindo em cercos armados por pistoleiros em diversas fazendas, ou suas beiradas, ocupadas e acampadas pelos índios, em sua maioria guarani neste estado.

“Já temos 46 novas aldeias prontas pra serem reconhecidas. Três tiveram terras homologadas e outras três demarcadas. Todas foram embargadas pelo STF. Falta o estudo antropológico de todas as outras. A demora da FUNAI leva ao conflito. Nisso, somos muito ameaçados pelos fazendeiros e pistoleiros. E o índio começa a cansar, começa a acampar, mesmo em péssimas condições – sob sol, chuva, na lama, tem índio vivendo assim embaixo só de uma lona preta”, explica Ládio, deixando claro que os indígenas não abrirão mão de retomarem seus territórios, independentemente de saírem ou não as homologações e demarcações que esperam eternamente. “A takuara tem 90 hectares e 88 famílias, aguardando a demarcação. Mas Gilmar Mendes suspendeu todos esses processos de demarcação e homologação que citei”, completa.

Tal decisão não surpreende, ainda mais vinda de um magistrado famoso pela atuação política coronelista desde sua terra natal (Diamantino-MT), onde, por sinal, amealhou terras por meio de seus amigos da ditadura, como já comprovado pela imprensa. O pior, no entanto, é o padrão de decisões da justiça, em especial a sul-mato-grossense, sempre em favor dos proprietários brancos, quaisquer sejam as circunstâncias e perigos em jogo. “Nas mãos da justiça de São Paulo, os assassinos foram presos. Depois, o processo foi pra justiça do MS, que libertou os assassinos do meu pai. Agora, eles voltaram às milícias e continuam aqui nos ameaçando”, denuncia Ládio.

Aliás, o cacique também já foi alvo dos algozes do Cerrado, no que configura um método, no sentido de desfigurar a resistência e identidade indígenas. “Muitas lideranças estão morrendo, caciques, professores, rezadeiras. Eles têm como estratégia eliminar as referências dos índios e com isso enfraquecer mais ainda sua luta. Hoje morrem muito mais índios do que no tempo do FHC, quando nenhuma liderança morria”, disse, desnudando mais esse fracasso do governo Lula, disfarçado pelo ufanismo publicitário que exalta o “dinamismo” do agronegócio e sua importância na balança comercial do país.

Virada

Após prometer que demarcaria todas as terras indígenas já estudadas antropologicamente, o ex-presidente voltou a mostrar suas inumeráveis facetas políticas ao fechar acordo de biocombustíveis com o então presidente dos EUA, George Bush, nos idos de 2007, dando início a um período de inaugurações em série de usinas de álcool e cana de açúcar, geralmente tocadas à base de trabalho escravo e cujos donos foram por ele qualificados como “herois nacionais”.

“Depois das promessas não cumpridas, Lula fez o acordo dos biocombustíveis e foi aí que o jogo virou. Passou a falar em usinas, foi a inaugurações em que foi recebido com tapete vermelho de 10 metros pelos fazendeiros...”, lamenta o cacique.

Como desgraça pouca tem sido bobagem, os indígenas, na prática, não podem contar com o órgão oficial que em tese deveria estar a serviço de seus interesses. “A FUNAI, por sua vez, alega falta de estrutura. Não é o que vemos quando vamos lá. Tem funcionário se amontoando, assim como as cestas básicas que deveriam ser entregues aos índios”, critica.

Conforme avança a conversa com a liderança guarani, o mesmo ocorre com o grau de surpresa a respeito dos atos do órgão indigenista, o que faz suspeitar que seu principal papel seja o de praticar um jogo duplo que contenha a indignação dos índios, ao passo que mantém na mais extrema morosidade os processos de reconhecimento e entrega de terras. Inclusive, fazendo ameaças.

“A FUNAI tenta nos retaliar quando nos pronunciamos, vem dizer que não podemos e fazem ameaças. Foram ao MP pedir algum tipo de decreto que impedisse oficialmente as lideranças de se pronunciarem publicamente. Mas não tenho medo disso, vou falar. Alguém tem que sair de lá e falar. Outros também farão isso”.

Uma política de Estado

Apesar da indignação que se espalha com considerável alcance pelo país ante uma clara possibilidade de genocídio, não se pode vender ilusões de que a atual mobilização pelos direitos indígenas (reconhecidos pelo Brasil em sua Constituição e também por convenções da Organização Internacional do Trabalho) carregue consigo grandes chances de êxito, ao menos no curto prazo.

“Ao contrário do que diz o governador, não queremos o MS todo pra gente. Mas com 3539 hectares habitados por 16.000 famílias não há espaço pra mais nada, não tem onde plantar mais alguma coisa. As áreas que um dia foram demarcadas pelo antigo SPI (Serviço de Proteção ao Índio) já estão todas lotadas. A FUNAI demarcou mais 12, todas já lotadas. E ainda por cima cercadas pelo agronegócio”, explica Ládio.

Dessa forma, depreende-se que não é sem alguma “racionalidade” que os fazendeiros intensificaram sua ofensiva antiindígena nos anos Lula/Dilma. Noves fora a milonga governista, as medidas práticas saídas de Brasília vão no claro sentido de incentivar os monocultivos e a total e desbragada exploração capitalista dos bens naturais.

A recente destruição via parlamentar do Código Florestal apenas escancara o caminho tomado pelo governo autointitulado “democrático-popular”. Com isso, não se pode colocar somente na conta de políticos, magistrados e fazendeiros locais a atual barbárie, representada por diversos cercos a aldeias indígenas em todo o estado, o que denota uma coordenada estratégia política, certamente bem calculada e amparada nos bastidores da República.

“Não tem mais Cerrado, Caatinga, mata alta... Estão acabando com tudo. Não temos mais as plantas medicinais que existiam aqui, por exemplo, pois pra onde se olha é um mar de cana. Eles derrubam tudo mesmo, cada árvore, dizendo que é por causa do veneno jogado por avião nos monocultivos. E aí não tem limites de intoxicação... A água da aldeia Takuara era cristalina; hoje está amarelada, pela poluição, agrotóxicos. Não tem mais peixe, não dá pra caçar, os rios estão secando”, enumera Ládio.

Enquanto isso, os guarani seguem em seu clamor por socorro e solidariedade, pois, ao contrário do homem branco explorado, não aceita ou deseja compreender a retirada do habitat natural em favor de um “desenvolvimento” que jamais debateram. Milênios antes dessa cunha, já tocavam suas vidas em harmonia com a natureza com a clareza de que tais terras são seu sustento, sendo obrigatória sua permanente preservação, através de todas as gerações.

“Esse Código Florestal que fizeram aí já está acabando com tudo. O cheiro da cana é insuportável. Mesmo ficando a alguns quilômetros da cidade, quando o vento bate nessa direção todos podem sentir, a garganta seca, pessoas passam mal... E o Lula teve a coragem de inaugurar usina em cima de terra indígena, no caso a Usina Nova América. Esse governo só olha o dinheiro, o lucro, esquece que existem povos e nações ali”.

Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Guarani-kaiowá: a tragédia anunciada

foto_mat_38658Confinados em reservas como a de Dourados, os guarano-kaiowá encontram-se em situação de catástrofe humanitária: além da desnutrição infantil e do alcoolismo, os índices de homicídio são maiores que em zonas em guerra, como o Iraque. Comparado à média brasileira, o índice de homicídios da reserva de Dourados é 495% maior. Os índices de suicídio estão entre os mais altos do mundo: enquanto a média do Brasil é de 5,7 por 100 mil habitantes, nessa comunidade indígena supera os 100 por 100 mil habitantes. O artigo é de Larissa Ramina.

Larissa Ramina (*) postado: Carta Maior

No dia 8 de outubro, o Brasil tomou conhecimento, por carta dirigida ao governo e à Justiça Federal, de uma declaração de “morte coletiva” de 170 homens, mulheres e crianças da etnia indígena guarani-kaiowá, em resposta a uma ordem de despejo decretada pela Justiça de Naviraí (MS), onde estão acampados às margens do Rio Hovy, aguardando a demarcação das suas terras tradicionais, ocupadas por fazendeiros e vigiadas por pistoleiros.
Trata-se de um ato de desespero em resposta ao que os guarani-kaiowá chamaram de “ação de genocídio e extermínio histórico ao povo indígena” no decorrer de sua história. Em tentativas de recuperação de suas terras, já foram atacados por pistoleiros, sofreram maus-tratos e espancamentos; mulheres, velhos e crianças tiveram braços e pernas fraturados, e líderes foram assassinados.
Agora, os índios pedem que, em vez de uma ordem de expulsão, o governo e a Justiça Federal decretem sua “dizimação e extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos”. No dia 30 de outubro, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos informou que o governo federal conseguiu suspender a liminar que expulsava os índios de sua terra natal.
Em artigo contundente, Eliane Brum relembra que a história dos guarani-kaiowá é a história da ocupação de suas terras pelos brancos e de seu confinamento em reservas, dentro da percepção de que terra ocupada por índios é terra de ninguém. Com a chegada dos colonos, os indígenas passaram a ter três destinos: as reservas, o trabalho semiescravo nas fazendas ou a fuga para a mata.
Durante a ditadura militar, a colonização do Mato Grosso do Sul se intensificou, trazendo muitos sulistas para ocupar a terra dos índios. Com a redemocratização do país e a Constituição de 1988, abriram-se esperanças de que os territórios indígenas fossem demarcados em cinco anos, o que não aconteceu em razão das pressões dos grandes proprietários de terras e do agronegócio.
A situação dos guarani-kaiowá, segundo grupo mais numeroso do país, é considerada a mais grave. Confinados em reservas como a de Dourados, encontram-se em situação de catástrofe humanitária: além da desnutrição infantil e do alcoolismo, os índices de homicídio são maiores que em zonas em guerra, como o Iraque. Comparado à média brasileira, o índice de homicídios da reserva de Dourados é 495% maior. Os índices de suicídio estão entre os mais altos do mundo: enquanto a média do Brasil é de 5,7 por 100 mil habitantes, nessa comunidade indígena supera os 100 por 100 mil habitantes. Pesquisadores identificam na falta de perspectivas de futuro as causas da tragédia.
A indignidade que permeia a vida dos guarani-kaiowá é ultrajante; vivem uma guerra civil no Brasil rural. Como pano de fundo está a questão cultural que identifica nos indígenas uma primitividade inadmissível no século 21 e, portanto, um entrave ao desenvolvimento econômico que deve ser removido. Dessa forma, ignora-se a imensidão de riquezas culturais e de conhecimentos tradicionais dos primeiros habitantes das Américas.
O ex-presidente Lula reconheceu que ficou em dívida com os guarani-kaiowá. É imperioso que o Brasil da presidente Dilma seja realmente “um país de todos”, e reconheça o direito de existência daquele povo, bem como seu direito à alimentação, à saúde, à moradia digna e à preservação de seu patrimônio cultural.
(*) Professora de Direito Internacional da UFPR e da UniBrasil.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

A política do extermínio no Estado de São Paulo

Postado: http://www.ivanvalente.com.br

Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados,

Venho à Tribuna neste momento para expressar toda a nossa preocupação com a brutal onda de violência que atinge a cidade de São Paulo. Os assassinatos recrudesceram nas últimas semanas, mas os números vem crescendo desde o início do ano, sem que o poder público paulista tenha sido capaz de dar uma resposta consequente com as causas dessa situação.

A imprensa tem batido diariamente na tecla dos ataques contra policiais. Mais de 80 foram mortos desde o começo de 2012. Tais crimes devem ser investigados e os responsáveis, punidos. No entanto, há uma outra onda de violência, maior do que os assassinatos dos policiais, porém silenciosa – ao menos para os microfones da grande mídia. Me refiro à execução de jovens, em sua imensa maioria negros, que vivem nas periferias da capital, no interior e na Baixada Santista, e que tem sido mortos em dois contextos que também requerem explicações e para os quais não podemos fechar os olhos: o ataque de grupos de extermínio e a resistência seguida de morte em supostos confrontos com a polícia militar.

Foram mais de 90 mortes nos últimos 20 dias. Na Baixada, as Mães de Maio passaram o dia das eleições no IML buscando a liberação de corpos. Nos últimos dois dias, mais de dez pessoas morreram nessas situações, sendo que três das vítimas eram moradores de rua – ou seja, pessoas que não estavam participando de nenhum ataque a policiais. Os relatos falam de homens encapuzados em motos e carros pretos, que chegam disparando. Os tiros tem alvo certo: a cabeça. Uma das avaliações do Comitê Contra o Genocídio da Juventude Negra, que reúne mais de 30 organizações de defesa dos direitos humanos, fala de dez civis mortos para cada policial morto este ano. A proporção é assustadora.

As entidades apontam para a existência de uma política deliberada de grupos de extermínio dentro dos batalhões da Polícia no estado de São Paulo, sobre as quais praticamente nada tem sido dito e que tem resultado na matança de civis inocentes e de supostos suspeitos. Nesta quarta, os governos federal e de São Paulo bateram boca publicamente; enquanto o primeiro dizia que tinha oferecido ajuda da Polícia Federal para São Paulo, o segundo rebatia que não. Enquanto isso, mais jovens eram assassinados de maneira inexplicável.

No último dia 17, o Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça, em parceria com outras organizações, enviou ao ministro da Justiça e ao Procurador-geral da República uma carta em que denuncia a ação da PM e de grupos de extermínio a ela vinculados. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, de janeiro a agosto de 2012, a Polícia Militar matou oficialmente 338 pessoas. Somente em agosto foram 67 mortes, 80% a mais do que no mesmo período de 2011. Mas se estima que esse número seja muito maior, pois nesta cifra não estão computados os casos de “resistência seguida de morte”, tampouco as mortes praticadas por tais grupos.

A resposta do governo tucano para os ataques contra os policiais foi a mesma de sempre: aumentar a repressão. Partindo do princípio que se trata de uma guerra de bandidos organizados contra a polícia, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo colocou em curso operações de ocupação de favelas na capital. Oficialmente, estão procurando os responsáveis pelas mortes dos PMs. Vimos um filme muito parecido com este em maio de 2006.

As denúncias de truculência e abuso policial em uma das operações, em Paraisópolis, com 600 homens, não param de pipocar. Cerca de 80 mil pessoas vivem na comunidade, e o clima de terror está instalado. Os tucanos negam, mas há dias os bairros vem sofrendo toques de recolher impostos ilegalmente – já que não teriam autorização superior – pelos policiais. A população pobre está sitiada e tem reclamado que os PMs tem entrado nas casas a botinadas. A imprensa também confirmou a ação de PMs com farda sem identificação, prática – também ilegal – que já se tornou de praxe nas ações da corporação em São Paulo.

Na avaliação do Núcleo de Estudos da Violência da USP (Universidade de São Paulo), a ação repressiva da polícia pode até surtir um efeito no curto prazo para o caso dos ataques criminosos a PMs, mas a médio e longo tende a produzir outras crises. Para o NEV, o governo Alckmin deveria explicitar que não concorda com retaliação da Polícia Militar e que PMs envolvidos em crimes também serão investigados. Fora isso, o Estado precisa estar presente nas periferias não com o aparato repressor da polícia, mas através de saúde, jurídico e outras instâncias. Enquanto a política de segurança for investimento na PM e em aumento dos presídios, não vamos sair desses ciclos. Segundo os especialistas da USP, ações como a que estão sendo feitas em Paraisópolis não são novidade e não estão resolvendo.

Desde 2010 organizações da sociedade civil paulista pedem a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa do estado sobre a violência policial. Dados da Anistia Internacional revelam que, em 2011, o número de mortes por autos de resistência apenas no Rio de Janeiro e São Paulo foi 42,16% maior do que todas as penas de morte executadas, após o devido processo legal, em 20 países. O Mapa da Violência 2012 indica ainda que entre 2001 e 2010 o número de vítimas brancas, de 15 a 24 anos, caiu 27,5%, enquanto o índice de negros assassinados aumentou 23,4%. Anualmente morrem 139% mais negros do que brancos na faixa dos 15 a 24 anos.

Esta semana o Comitê Contra o Genocídio da Juventude Negra se reuniu novamente para organizar uma série de ações em contraponto à violência, que está atingindo números de guerra em São Paulo. Haverá uma série de mobilizações em datas simbólicas para os movimentos – como 20 de Novembro, Dia da Consciência Negra, e 10 de Dezembro, Dia dos Direitos Humanos -, audiências públicas e medidas de solidariedade e apoio às famílias das vítimas, inclusive dos policiais mortos pelo crime organizado.

O PSOL se soma a este esforço e mais uma vez vem a público cobrar do governo Alckmin, além de uma explicação convincente e responsável sobre a epidemia de mortes em São Paulo, uma mudança urgente na política de segurança estadual. Os responsáveis pelos crimes – contra os policiais e contra a população – precisam ser punidos. Mas aumentar a repressão contra as comunidades, multiplicar as operações de saturação, aumentando o clima de pânico e os abusos policiais nas comunidades, tendo como única consequencia a explosão dos assassinatos e o encarceramento em massa, é uma prática fadada ao insucesso. A resposta tem que ser outra.

Muito obrigado.
Ivan Valente
Deputado Federal PSOL/SP

‘Os quatorze anos de Chávez à frente da Venezuela trouxeram mais avanços do que problemas’

Gilberto Maringoni - Correio da cidadania

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ESCRITO POR VALÉRIA NADER E GABRIEL BRITO, DA REDAÇÃO

Hugo Chávez tem pela frente mais seis anos na presidência da Venezuela, e seu projeto bolivariano já alcançou duas décadas na direção política do país. Com um dos processos eleitorais mais polarizados do planeta, a Venezuela segue sendo analisada por prismas radicalmente opostos, o que obscurece o panorama para aqueles que não vivem a realidade local.

O jornalista e professor da Faculdade Cásper Líbero, Gilberto Maringoni, conhecedor da realidade venezuelana e também autor do livro A Venezuela que se inventa: poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez, conversou com o Correio sobre este controverso país e seu presidente. Para ele, a vitória de Chávez ilumina a continuidade de um processo iniciado justamente em seu triunfo de 1998, no auge do neoliberalismo na América Latina. Apesar das justas críticas ao burocratismo e centralismo em torno do mandatário, Maringoni acredita que uma derrota seria desastrosa para o processo político da região, num momento em que a Venezuela acaba de entrar no Mercosul, abrindo ótimos mercados para seus parceiros e também ganhando uma “inédita” chance de avançar rumo a uma maior industrialização.

Quanto ao centralismo, o entrevistado lembra que o movimento social foi muito massacrado no país no período anterior, das democracias de fachada do Pacto de Punto Fijo (1958), tendo sido, de fato, reestruturado de cima pra baixo, tal como o PSUV (Partido Socialista Unido de Venezuela). Além disso, destaca que a falta de desenvolvimento industrial e agrícola também acarreta num outro perfil de classe trabalhadora, dificultando a organização popular e sindical num país onde os trabalhadores que orbitam o ramo petrolífero são cerca de 0,3% dos 30 milhões de venezuelanos.

No entanto, Maringoni acredita na continuidade do processo e destaca a figura de Nicolas Maduro, ex-chanceler e com forte atuação internacional, como uma nova liderança a despontar na base chavista. E ironiza o histrionismo midiático, interno e externo, em torno da figura do reeleito, ao afirmar que “a população venezuelana não lê esses jornais, não concorda com eles e continua votando no Chávez”.

A entrevista completa com Gilberto Maringoni pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Como você avalia a mais recente eleição presidencial realizada na Venezuela, no último dia 7 de outubro, que terminou com vitória de Hugo Chávez sobre Henrique Capriles por 55% x 45% de votos, outorgando ao reeleito mais seis anos no cargo?

Gilberto Maringoni: Embora o resultado fosse esperado, vide as pesquisas que davam essa vantagem, não deixa de ser surpreendente que um chefe de governo, após 14 anos no poder, se reeleja com uma votação percentual semelhante à primeira eleição. Um governo submetido a todo tipo de pressão, desgaste, turbulência.

Um governo nacional é uma entidade muito complexa, não depende somente do chefe de Estado, de um líder, uma figura, mas de toda a ação das políticas públicas, cotidianamente, na segurança pública, política de energia, enfim, naquilo que se traduz no conforto, ou não, da vida do cidadão. Acho incrível que tenha repetido aquele percentual de 1998.

Em segundo lugar, sua vitória adquire um caráter não só simbólico, mas importante, porque a primeira vitória do Chávez foi vista como exceção na América Latina no final daquele período neoliberal dos anos 90. E logo depois tivemos uma série de eleições na região que colocou nos governos líderes que eram críticos, em maior ou menor grau, aos caminhos feitos pelos governos neoliberais. De modo que o Chávez inaugurou uma fase na América Latina, o que se confirma não só por ele, mas também com a eleição ou reeleição de Mujica, Dilma, Kirchner, Evo, Correa... Embora não tenham muita identidade entre si, contrapuseram-se ao neoliberalismo.

Correio da Cidadania: Por outro lado, mesmo com a vitória de Chávez, tivemos um notório crescimento da direita, agora mais organizada para o jogo democrático e mais divorciada de tentativas golpistas, ainda que não completamente. A que se deve essa recuperação, ao menos nas urnas, da direita do país?

Gilberto Maringoni: Essa mudança da direita já acontece há alguns anos, não é de hoje. Ela começou a se organizar em 2007, quando o Chávez perdeu o plebiscito constitucional. Mesmo na eleição que o Chávez ganhou do Manuel Rosales, a oposição já tinha se organizado – e com menos condições que hoje. Isso mostra que foi ali que ela começou a usar tal tática. Porque, entre 2002 e 2005, a tática era desconhecer o processo institucional inaugurado pela eleição do Chávez, o que queria dizer não reconhecer a reconstitucionalização do país a partir de 2000.

Assim, foram para o golpe, tentaram tirar o governo à força, fizeram locautes e contaram com campanhas difamatórias da mídia interna, controlada pela oposição, além de enorme parte da mídia comercial mundial. Tentaram desconhecer resultados eleitorais e, não raro, denunciar o processo em organismos internacionais, sem efeito. Agora, aderem ao jogo democrático, se organizam e isso é ótimo para a democracia, coloca o debate de ideias e projetos na ordem do dia e fecha cada vez mais o espaço à sua tendência de golpismo e também a suas alas mais afeitas a tal conduta.

O governo venezuelano recolocar a direita na disputa democrática não é qualquer coisa. Temos aí o exemplo de Paraguai e Honduras, em que a direita partiu para o golpe e levou, também vencendo internacionalmente nesses casos e conseguindo de alguma forma se legitimar.

Correio da Cidadania: Deparar-se com críticas de campos mais progressistas ao projeto chavista não é algo que ronde muito a imprensa à qual temos mais acesso, ventríloqua das críticas à direita ao governo venezuelano. No entanto, com 14 anos à frente do poder, começam a ser denunciadas, na mídia mais à esquerda, algumas fissuras e desgastes no projeto e governo chavistas. O que pensa das críticas advindas desses setores, que acusam, por exemplo, Chávez de barrar a atuação sindical e mais autônoma dos trabalhadores, abusando do centralismo, e impedindo a formação de novas lideranças?

Gilberto Maringoni: Sim, muitas fragilidades vêm à tona. Não estou lá todo dia pra falar melhor, mas o que sentia é que a Venezuela viveu um processo nos anos 60, 70 e 80 de repressão ao movimento social, que não se deu de forma tão aberta, pois a Venezuela não teve ditadura, oficialmente. Atravessou o período com governos eleitos democraticamente. Mas era uma fachada. Como sabido, desde o Pacto de Punto Fijo (1958) houve um acordo de dois partidos majoritários que eliminava o dissenso, eliminava a esquerda e fazia repressão aberta ao movimento social que se contrapunha ao jogo de carta marcada, cooptando a parte mais dócil desse movimento social.

Acontece que a Venezuela chegou à eleição do Chávez com o movimento social totalmente desarticulado. Esse movimento começou a se reorganizar a partir de sua vitória, e de cima pra baixo mesmo. A formação do PSUV (Partido Socialista Unido Venezuelano) e de uma nova central sindical se deram, do mesmo modo, muito de cima pra baixo. Fica difícil dizer se há todo esse controle, mas se trata de uma situação de debilidade do movimento sindical também. É muito difícil organizar uma base social consistente com o grau de ataques feitos aos movimentos no período anterior. Mas nem acho que seja este o problema mais grave. O problema sério é a falta de alternância e de liderança, o que não depende do Chávez querer ou não. Ele até tenta. Agora quem vai para a vice-presidência é o Nicolas Maduro, que foi uma revelação como ministro das Relações Exteriores e que talvez seja, na cúpula do chavismo, o quadro político mais preparado para a sucessão. Existe uma tentativa.

Essa é uma situação comum em países que passam por tensões sociais muito agudas, como em Cuba (apesar de a Venezuela não ter passado por revolução), onde a figura do Fidel Castro, mesmo fora do poder, tem uma preponderância enorme... A população não vê o Fidel apenas como um líder. Ele é visto como um herói que libertou o país de uma ditadura se confrontando com o domínio dos EUA, de forma mítica. Na Venezuela não é muito diferente. O golpe que o Chávez tentou em 1992 se deu numa situação em que tinha acabado de acontecer a repressão de 1989, o Caracazo, com 1200 pessoas mortas pelo aparato de segurança. Houve uma rebelião popular contra o aprofundamento da crise econômica e um governo corrupto, do Carlos Andrés Perez, que estava desgastado. E aí o Chávez tentou um golpe de Estado. Não como loucura irresponsável, mas como saída heroica ao país. O Chávez adquiriu a aura de herói, de quem enfrentou o golpe em 2002, venceu todos esses enfrentamentos e agora venceu o câncer. Ele tem características míticas que não permitem que se coloque qualquer um no seu lugar, não é fácil.

Há que se considerar ainda o fato de a Venezuela ser um país muito menos complexo que o Brasil, por exemplo. Não tem indústria, só a petroleira. O fato de não ter indústria não significa apenas que o país não possa produzir bens de consumo mais sofisticados. As relações entre as classes sociais são muito diferentes. Não existe uma burguesia venezuelana como no Brasil, com uma classe dominante industrial, produtiva. As entidades empresariais de lá, e seus líderes, seriam considerados, com muito boa vontade, médios empresários no Brasil. Porque o grosso dos ricos venezuelanos vive, ou vivia, em volta da riqueza e indústria estatais do petróleo. Podemos pensar em algumas redes empresariais, como telecomunicações, mais fortes, mas são exceção. O Gustavo Cisneros (empresário com fortuna avaliada em 6 bilhões de dólares e próximo ao ex-presidente Carlos Andrés Perez) sequer vive na Venezuela, a maior parte de seus investimentos está nos EUA, espalhada pela América Latina, Ásia, Europa...

Isso também faz com que não se tenha uma classe operária numerosa. De modo que a esquerda venezuelana tinha uma grande debilidade, não porque seus militantes fossem menos heroicos ou aguerridos, mas porque a base social deles era muito pequena em relação ao conjunto da população. Para se ter ideia, o país tem hoje 30 milhões de habitantes. Na indústria petroleira, trabalham 110 mil pessoas, direta e indiretamente, cerca de 0,3% da população. Quais são as outras atividades que existem por lá? Não tem indústria automobilística, de informática, não tem uma agricultura potente... Estão todos no setor de comércio e serviços. E nesses setores, vive-se de importações.

Esta é uma marca das economias petroleiras, não só da Venezuela. Esses países têm petróleo, que brota do solo, é exportado, muitas vezes sem muito refino. Apesar de a Venezuela já fazer refino, recebe uma enxurrada de dólares, o que leva à valorização da moeda nacional. A partir daí, começa-se a importar tudo. É muito mais barato na Venezuela importar carro, computador, qualquer eletrônico, do que produzir internamente. Tem dinheiro sobrando. O Celso Furtado, em 1957, foi quem percebeu esse fenômeno, ao escrever um livro, relançado há poucos anos, chamado Venezuela: subdesenvolvimento com abundância de capital. Ele queria dizer que, geralmente, o subdesenvolvimento é associado a uma carência de capital proveniente de países desenvolvidos. A Venezuela tem muito capital e não se desenvolve. O dinheiro entra, mas, como não há atividade produtiva consistente, não tem onde ser investido de forma permanente. Assim, os ricos mandam esse dinheiro pra fora, ele não fica no país. Por isso o Chávez estabeleceu como política econômica desses 14 anos a apropriação da riqueza petroleira, com a formação de um fundo de desenvolvimento e sustento. Parte da riqueza até pode ficar fora do país pra não valorizar demais a moeda, e essa riqueza pode ser usada pra desenvolver setores produtivos da economia do país.

Consegue? Não. Consegue só em algumas áreas. Eliminando o analfabetismo, alavancando programas sociais importantíssimos. A vida melhorou na Venezuela, o salário mínimo é o melhor da América Latina, corresponde a 1400 reais, mas não consegue dar aquela virada pra fazer o país economicamente autônomo. Ao mesmo tempo em que entra esse dinheiro, pra instalar uma empresa, além do problema de câmbio e da propensão a importar, não se tem um mercado interno forte, que permita, por exemplo, a instalação de uma indústria automobilística de peso.

Correio da Cidadania: O que pensa ainda das críticas do Partido Comunista local, que denuncia uma crescente burocratização e corrupção do aparelho estatal, e a tolerância com a formação de uma nova elite econômica, apelidada por eles de “boliburguesia”?

Gilberto Maringoni: São realidades de qualquer governo. Precisa ver em detalhes. Existe uma burocracia estatal, onde quem está quer ficar. A burocracia em si não é ruim, o Estado precisa de uma rotina de iniciativas que tem esse nome, a própria palavra vem de birô, de escritório. O burocratismo se dá quando a norma, a lógica, a rotina administrativa, suplantam a necessidade de suprir demandas.

Não estou acompanhando em detalhes nesses tempos, mas não duvido, é possível. A formação de uma nova elite não surpreende, o país segue capitalista, ainda não socialista. No capitalismo, temos a característica da concentração de renda, com setores detentores de mais renda que outros. Mesmo assim, essa concentração caiu. É possível que parte dos empresários que presta serviço ao Estado tenha se beneficiado disso. Mas, pelo que vejo, não é uma norma de governo, apenas acontece.

Não estou lá pra ver, na sintonia fina, e ler a imprensa venezuelana não basta. De lado a lado, não é muito fácil se informar bem, pois a tomada de posições é muito forte, com a grande polarização que há e muita troca de acusação. A formação de novas elites econômicas é algo a ser combatido, mas não é estranho ao processo.

Correio da Cidadania: O “Estado-comunal”, que consistiria na formação de comunas que teriam ordenamento jurídico e autonomia política próprios em relação aos estados e municípios, é visto por alguns como um aprofundamento do poder popular, tal como no caso das ‘misiones’; e, por outros, como uma reincidência no excesso de centralismo presidencial. Como encara esta experiência?

Gilberto Maringoni: Essa proposta comunal já existe há uns quatro anos. O problema da Venezuela é aumentar a participação popular, incentivar o engajamento social, com o poder da sociedade exercido de baixo. Isso porque temos problemas com a institucionalidade burguesa – chamemos pelo nome. Problemas no Judiciário, câmaras, prefeituras, assembleias legislativas etc. Não sei como isso vem sendo encaminhado ultimamente, mas, se é pra democratizar a institucionalidade burguesa, é ótimo. Porque nela nós temos problemas, o poder constituído funciona autonomamente em relação às demandas da população. A população vota de dois em dois anos e depois os poderes funcionam sozinhos. Ter um judiciário com conselhos cidadãos, assim como assembleias e prefeituras com poderes emanando de baixo, é muito positivo. Não é fácil construir isso, trata-se muito mais de uma ação de partido, de movimentos, de força política na sociedade, do que de decisão por decreto. Mas, se a ideia de Estado comunal puder ser concretizada na Venezuela, é muito bom. Tem que ver como se casa com a democratização da institucionalidade burguesa realmente existente.

Correio da Cidadania: As críticas progressistas ao governo chavista – tido como uma das poucas experiências autenticamente soberanas na América Latina - remetem, de um certo modo, ao próprio senso crítico mais à esquerda relativo ao governo Lula/Dilma, ambos enfatizando as insuficiências de um projeto de desenvolvimento basicamente assistencialista, incapaz de conduzir a uma efetiva emancipação e distribuição da renda nacional. O que diria frente a esta analogia?

Gilberto Maringoni: Não se trata de assistencialismo, essa é a maneira com que a direita chama qualquer distribuição de renda: “assistencial”, “paternalista”, “populista” etc. Não é bem assim, o aumento de salário mínimo na Venezuela é pra todos, direito universal. Os direitos reconhecidos das minorias são universais. Não tem essa de assistencialismo. Depara-se com um processo de transformação, de aumento de emprego mesmo sem industrialização, mas com serviços, incentivo à pequena empresa, financiamento a pequenas iniciativas, empreendedorismo popular, coisas muito importantes.

Assistencialismo é o seguinte: o governo dar uma mesada pro pessoal não fazer nada. Isso não existe, nem o Bolsa-Família é assim. Há um processo de conquista social muito acentuado na Venezuela, que vem se dando num momento difícil do mundo, de crise econômica, do capitalismo e do neoliberalismo, de agressão do imperialismo, que já tentou e não conseguiu derrubar o Chávez.

As críticas existem, devem ser feitas, há burocratismo, há problema na execução de recursos públicos, mas isso é parte de um processo formador nada fácil de ser tocado nos tempos que correm e num país sem autonomia industrial, como é o caso da Venezuela.

Correio da Cidadania: O que pensa da aproximação de Chávez com o presidente colombiano Juan Manuel Santos?

Gilberto Maringoni: A aproximação do Chávez com o Santos é uma política de Estado, não de partido. Ele não pode só bater num país que, ao lado do Brasil, tem a maior fronteira com a Venezuela, um país que tem essa fronteira desguarnecida e um intenso comércio bilateral, crescente nos últimos anos. A aproximação é positiva.

É preciso dizer que o Juan Manuel Santos não é o Álvaro Uribe. O Uribe fez um governo mais à direita. Os dois são do espectro da direita, mas Uribe era o governo do tacape, do enfrentamento pesadíssimo contra as FARC e também de enfrentamento aberto ao governo Chávez. Era o governo do Plano Colômbia, governo que recebeu bilhões de dólares, muita coisa pra um país daquele tamanho, para um plano de defesa inexplicável. Um plano de defesa que colocava nove bases militares dos EUA no país, para pouso de aviões bombardeiros, cargueiros etc., tornando o país quase um protetorado estadunidense.

O Santos não só deixou de ir adiante com o Plano Colômbia, como deixou de fazer uma política agressiva contra a Venezuela, como o Uribe fez. Com Uribe, era quase declaração de guerra. O Santos, mesmo sendo de direita, procurou o caminho da convivência política mais pacífica. Quem tem de resolver os problemas do governo colombiano é a população colombiana, a correlação de forças internas, não tem por que o Chávez entrar nesse combate. Juan Manuel Santos mostrou querer uma convivência pacífica e até chamou o Chávez para ajudar nas negociações com as FARCs.

Correio da Cidadania: Quanto à entrada do país no MERCOSUL, qual a sua avaliação?

Gilberto Maringoni: A entrada da Venezuela no Mercosul talvez seja o acontecimento político-econômico mais importante do continente nos últimos anos. Isso porque expande o Mercosul de forma inédita. O órgão foi criado nos anos 90, na época do governo Collor, com apenas quatro países (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai), no momento de auge do neoliberalismo. A autonomia do MERCOSUL, não só como mercado, mas como área de intercâmbio político, cultural e social, era nula. Era um projeto 100% neoliberal. Mas o Mercosul vem mudando, não à toa vem sendo combatido por certa direita do continente.

De toda forma, tornou-se um mercado espetacular. Abrir um mercado consumidor como a Venezuela interessa para o empresariado de países como Brasil e Argentina. E abre também, pela primeira vez, a chance de a Venezuela ser um mercado não só de petróleo, mas que se expanda, com isenções aduaneiras e desenvolvimento de novos mercados, implantando novas indústrias internamente. É um mercado monstruoso em termos de população e PIB.

No meio disso, tinha a saída do Paraguai fazendo ruído. Por que eles eram contra a Venezuela no Mercosul? Era um problema meramente político-ideológico, porque ao Brasil (mais) e à Argentina (menos), países mais desenvolvidos, interessava a entrada da Venezuela - o comércio entre Brasil e Venezuela cresceu sete vezes entre 2002 e 2012. E o Brasil tem muita a coisa a vender, leite, frango, gado, aviões, automóveis, assim como a Argentina. O Paraguai não tem nada pra vender pra eles, por isso pôde ser a ponta de lança dos interesses dos EUA dentro do bloco, sendo efetivamente o único país a se contrapor à entrada da Venezuela.

O PIB da Venezuela, agora incorporado ao Mercosul, é de 320 bilhões de dólares, fantástico, sendo um país de mercado interno crescente. Com 30 milhões de venezuelanos, passa-se a ter uma população total nos países do bloco de mais de 300 milhões, cadeias produtivas, como de energia e indústria, mais completas. Tanto que vários países querem fazer acordos de livre comércio na região. Não só Peru e Chile querem ser parceiros, mas também países como Israel, Egito... É uma área que não foi derrubada profundamente pela crise internacional, como Europa e EUA. Os outros países da região têm muito a ganhar. Já o Paraguai, ao dar o golpe de Estado, rompeu com a cláusula de Ushuaia, que determinava a não participação de países que tenham quebrado seu processo democrático.

Correio da Cidadania: Consumada, de todo modo, a vitória chavista, o que o governo precisaria levar adiante para conseguir conter o avanço da direita e aprofundar seu “socialismo do século 21”, dinamizando essa economia gritantemente dependente da renda petrolífera?

Gilberto Maringoni: É difícil dar uma fórmula do que precisa ser feito. Acho que eles estão agindo. A fase é de uma disputa política concreta, melhorando o acesso a recursos públicos, mas fazendo a batalha de ideias. A oposição foi pra batalha de ideias, ganhou grandes setores da classe média, ganhou espaço entre os pobres... Não dá pra dizer que Capriles teve 45% de votos só com base na classe média e na burguesia. Não. Essa é a questão séria: analisar o perfil dos eleitores e fazer o debate nacional.

Não tenho nenhuma dúvida que é muito bom o Chávez falar de socialismo político do século 21, como parte da luta política, exaltando um valor de uma sociedade que não seja comandada pelo mercado. Na prática, o que ele tem feito, e é muito bom, foi tomar a frente dos mecanismos de planejamento e controle econômico do Estado, com uma correspondência com o nacional-desenvolvimentismo, apesar de este ser um conceito de outra época. Mas tem muito a ver com a ideia de Estado forte, que possa suprir as necessidades de serviços públicos da população com razoável competência e dinamismo.

Correio da Cidadania: Como coloca, finalmente, esse pleito no xadrez político latino-americano? Qual seu grau de representatividade neste momento?

Gilberto Maringoni: Fiquei pensando no oposto, o que seria se ele perdesse. Seria um desastre. Acredito que a vitória de Chávez joga continuidade nesse ciclo, mas a Venezuela precisa, pela riqueza do processo político, de novas lideranças para assumirem o lugar do Chávez, que não ficará pra sempre. Se sua doença tivesse se agravado, o país teria problemas nesse sentido, de escolha do sucessor. Mas sua vitória dá luz a um processo de mudança na América latina, que começou com a própria eleição dele em 1998.

Correio da Cidadania: Gostaria de acrescentar algo, especialmente no que se refere ao tratamento midiático dessa disputa, tanto dentro como fora da Venezuela?

Gilberto Maringoni: Li um artigo no Estado de S. Paulo, traduzido do NY Times, em que o colunista dizia que a vitória do Chávez era o início do fim do chavismo. Fui ler para saber por que, e era incrível: quarta vitória presidencial do Chávez, num processo de 14 anos, que se mantém, e ele analisa que o crescimento da oposição é o dado mais importante. Claro que este crescimento é um dado importante, não vamos subestimar. Mas o tratamento da matéria é aquele que sempre tende a distorcer, a colocar o governo de Chávez como um governo ditatorial, autoritário.

Há mil problemas, começando por essa necessária renovação das lideranças, pela conformação de um movimento social autônomo frente ao governo, que não seja controlado de cima pra baixo, pelo melhor manejo de recursos públicos... Tudo isso é verdade, mas os passos que se deram nesses 14 anos são impressionantemente maiores que os defeitos do governo. E foram passos dados num momento difícil da política mundial, com a Europa inteira tomada por governos de direita, as tensões dos EUA, invadindo Afeganistão, Iraque, jogando peso na invasão da Líbia e ameaçando a Síria e o Irã... O poder bélico da direita mundial nunca foi tão grande, assim como a crise econômica dessa direita. E a Venezuela deu a volta por cima, o que não é pouco.

O segredo de fazer política, na imprensa tendenciosa, é exaltar as próprias qualidades e os defeitos dos oponentes. Assim é muito fácil. Todo mundo tem defeitos e qualidades. Se eu exalto minhas virtudes e os seus defeitos, pronto. Aos olhos da opinião pública, com todo esse aparato midiático, é o que vale. O noticiário da Globo, Estadão, Folha é isso, não é surpresa. Mas eles não conseguem mais o que faziam há 10 anos, quando o golpe de Estado na Venezuela foi uma surpresa para os órgãos daqui. Agora eles têm correspondentes lá, um maior intercâmbio. Mas a cobertura continua tendenciosa. Fazer o quê? Eles tocam a vida assim. A população venezuelana não lê esses jornais, não concorda com eles e continua votando no Chávez.

Valéria Nader, economista e jornalista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.