Translate - Tradutor

Visualizações de página

sábado, 28 de novembro de 2015

Ato contra a Reorganização das escolas realizado em Sorocaba


A intersindical Central da Classe Trabalhadora e o Siproem Sorocaba​ filiada a Intersindical participaram do ato convocado pela Fórum Popular de Educação de Sorocaba.  Foto: Carlos Roberto kaká

A dignidade ronda as escolas paulistas ocupadas

Postado: Brasil de Fato

No seus rostos está estampado o desejo de lutar pelo que lhes pertence, tal como está escrito no muro que recebe aos próprios estudantes e a jornalistas estrangeiros, como nós, em sua barricada de dignidade: “defendemos o que é nosso”.

 

Por Milena Perdomo, Colombia Informa

Fotos: Marcelo Aguilar, do Brecha (Uruguai)

Desde 9 de novembro, diversas escolas do estado de São Paulo vêm sendo ocupadas, e já são mais de 170 as que se encontram tomadas por crianças, jovens e professores. Em seus semblantes está o desejo de lutar por aquilo que lhes pertence, tal como diz o muro que recebe a eles e aos jornalistas estrangeiros, como nós, em sua barricada de dignidade: "defendemos o que é nosso". Assim, acompanhamos um grupo de alunos em uma das escolas ocupadas na zona leste da cidade.

A Escola Estadual Salvador Allende é uma das 190 escolas tomadas em São Palo. Casualidade? Não, este é um nome apenas condizente com a luta digna deste grupo de 50 pequenos jovens que, não conformados só em ocupar a escolas, se dispuseram como grupo de apoio para as ações em toda a região.

Está localizada na periferia de São Paulo (Itaquera), na zona leste, a mais pobre e populosa da cidade. Seus estudantes são moradores do bairro; rebeldes, não submissos e organizados em meio a um contexto adverso de vigilância e criminalização.

Todas as decisões que tomam são consultadas em assembleias populares. Discutem quando, como, porque e para que ocupar as escolas. Os trabalhos são divididos de maneira justa. Não descansam um segundo. Contam com um esquema de controle para as entradas e saídas dos visitantes na escola. Só eles decidem quem os entrevista, fotografa, apoia nas decisões e assiste suas reuniões.

MA_Escolas em luta (1) copia

Escola Salvador Allende, zona leste de São Paulo

A origem

Tudo se iniciou com o Decreto de Reorganização Escolar, emitido pelo governador do estado, Geraldo Alckmin, do PSDB, o principal opositor do governo atual, encabeçado por Dilma Rousseff, do PT. O decreto prevê o fechamento de pelo menos 94 escolas, prejudicando mais de 311 mil e 74 mil professores.

Um estudante do terceiro ano da Escola Estadual Fernão Dias disse ao Brasil de Fato, dias antes, que "a quantidade de pessoas que terão que mudar de escolas, muito distantes de suas casas, é muito grande", acrescentou ainda que "a escola é um espaço para a formação política, não só para entregar trabalhos e fazer avaliações".

E o governo estadual? Sua atitude é de silêncio e negação. Apenas em 19 de novembro manifestaram a "vontade" de suspender o decreto, gesto que os estudantes interpretaram como  uma estratégia de distração para que, ao chegar as férias de final de ano, se implemente a reorganização sem consulta popular. A proposta não prosperou.

Por outro lado, os pedidos do governo de Alckmin para a reintegração de posse das escolas ocupadas, foram negadas pela Justiça de São Paulo.

MA_Escolas em luta (3)copia

A solidariedade

Thiago Pacheco pertence ao Levante Popular da Juventude, organização de jovens que integra a recente coalizão de movimentos populares, Frente Brasil Popular. Este coletivo popular, que está em todo o país, apoia os secundaristas, mas nas palavras de Thiago: "são eles os protagonistas".

Para ele, se trata de ser solidário nas tarefas cotidianas como a limpeza das escolas, cozinha, o café. "Tentamos construir outro modelo de escola, porque acreditamos que isso é possível", afirma.

Da mesma forma, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) doou mil litros de leite, 500 litros de suco de uva e mil caixas de achocolatado, provenientes das cooperativas da reforma agrária, como gesto de apoio ao movimento dos secundaristas.

Para a direção do MST, "é importante apoiar a organização social autônoma dos estudantes que, neste momento, estão dando aulas de consciência e mobilização na luta pelo direito à educação, que é uma bandeira de toda a sociedade. Nesse sentido, toda a solidariedade é necessária", comunicaram em sua página na internet.

Nas redes sociais circulam vídeos, memes, fotos e textos que pessoas compartilham com entusiasmo. Em um desses materiais, um menino de 13 anos questiona um policial que tenta entrar na escola para fazer a reintegração. Até esta data o vídeo tem cerca de quatro milhões e meio de visualizações.

A esperança

"João" é um dos jovens que aposta tudo nesta mobilização. A escola vizinha à sua, a Salvador Allende, se tornou uma referência. Seus estudantes e docentes apoiam a ocupação e a resistência das escolas vizinhas.

A primeira tentativa de ocupar a Escola Estadual Salim Maluf, outro centro educativo vizinho, foi frustrada. Eram 21h em São Paulo quando um grupo de dez estudantes, que acompanhamos, tentaram quebrar os cadeados da porta principal. Imediatamente, um policial armado, que se encontrava próximo dali, abordou os pequenos.  Pouco a pouco fomos nos dispersando com o sentimento de tristeza pelo ocorrido.

Porém, "João" e os seus companheiros não se deram por vencidos. Ao chegar novamente à Salvador Allende reuniram um grupo de estudantes, todos valentes, em um salão do segundo andar. Tivemos o privilégio de assistir a uma assembleia que "João" liderava com o espírito de compromisso inabalado.

En la pizarra verde plasmaron el contenido de una hoja blanca que Juan cargaba en su bolsillo. Una línea, varios cuadros, otros símbolos: “Este es el mapa de la escuela”, señaló. Así iniciaron las hipótesis de cuál era la mejor forma de ocupar la Salim Maluf, contando siempre con el antecedente del factor sorpresa roto por la llegada de la Policía.

Na lousa verde escreveram o conteúdo de uma folha branca que João carregava no seu bolso. Uma linha, vários quadros, outros símbolos. "Este é o mapa da escola", disse. Assim, iniciaram as hipóteses de qual era a melhor forma de ocupar a Salim Maluf, contando sempre com o fator surpresa da chegada da polícia.

Pela porta detrás, por alguma das três da frente, um pátio, outro mais. Portas, portões, muros. As opções eram múltiplas. O salão foi enchendo progressivamente e o primeiro grupo de dez estudantes e professores chegou aos 40, enquanto o debate se estendia até as 23h. Finalmente, a decisão foi de tomar a escola durante a madrugada, com um plano detalhado que contemplava desde uma ação de distração da polícia, até a quantidade e a maneira de dividir os alunos na ocupação.

"Falem um de cada vez, assim não conseguimos pensar, levantem a mão", disse João, e em seguida deu respeitosamente a palavra a um professor: "Desculpe professor, agora pode falar". O segundo, e assim sucessivamente para armar a lista de opiniões. A atitude dos estudantes é comovedora. Eles têm muito claro o que estão defendendo. E porque.

MA_Escolas em luta (4) copia

Cresce o movimento

Por muitos cantos deste grande estado são os pequenos que alimentam a esperança popular e a mantêm com firmeza, muito além de si mesmos. Na delicada situação política que a América Latina atravessa, - enquanto os rejeitos tóxicos produzidos pelo rompimento da barragem de minério da empresa Vale em Minas Gerais enterram povos inteiros e chegam a desembocar no mar -, estes jovens encaram a esperança.

Por quê? Porque são um exemplo de rebeldia, que hoje é cada vez mais urgente. Cada vez são mais as escolas ocupadas em todas as partes da cidade, e cada vez são mais jovens os que creem na mobilizção como saída ao despejo.

Hoje, a coragem e a dignidade está ocupando 170 escolas em São Paulo, mas amanhã é possível que sejam muitas mais. E também é possível que a rebeldia se multiplique e ocupe outros lugares.

domingo, 22 de novembro de 2015

Educação às avessas

Postado: Correio da Cidadania

Escrito por Maria Orlanda Pinassi

 

escolas ocupadas“ A coincidência da modificação das circunstâncias e da atividade humana só pode ser apreendida e racionalmente compreendida como prática transformadora”.

Marx.

Aqueles que perdem seu precioso tempo com arengas politicistas precisam ficar mais atentos à grande sintonia que se estabelece entre o Plano Nacional de Educação do Governo Federal e o Plano Estadual de Educação do Governo de São Paulo quando se trata de atender as urgências do capital. A título de um “necessário” ajuste fiscal, forjado para o pagamento da dívida pública, os governos de lá e de cá cortam, respectivamente, 10 bilhões de reais e 1,2 bilhão de reais do orçamento destinado à educação no início deste ano.

No caso paulista, o corte é coerente com a reestruturação/precarização praticada desde os tempos de Mário Covas e que, mais recentemente, resultou no fechamento de 3390 salas de aula, na demissão de 21 mil professores da categoria “O” e no aumento de 45 para mais de 60 alunos por classe – as salas do EJA (Educação para Jovens e Adultos) já apresentam um número de 100 alunos.

É flagrante, portanto, o aprofundamento da degradação imposta às condições de trabalho de professores e ao aprendizado oferecido aos alunos. Todos esses ataques ensejaram uma das mais longas e desgastantes greves de professores da rede pública de São Paulo (2015), que experimentaram amarga derrota frente às práticas crescentemente antidemocráticas do governo tucano.

Em setembro último, sem qualquer discussão prévia com os atingidos imediatos e sem fundamentar, pedagogicamente, a intencionalidade das medidas perante a sociedade, o governo não vai além dos argumentos tecnocráticos para comunicar o fechamento imediato de 94 escolas e outros tantos “rearranjos” sobre um número muito maior delas.

O destaque vai para o encerramento dos períodos noturnos e o deslocamento forçado de centenas milhares de estudantes pobres de todas as faixas etárias. As medidas seguem uma tendência de municipalização e sucateamento da educação pública que visa transferir a responsabilidade do ensino para o terceiro setor e posteriormente para as empresas privadas.

Ou seja, promover um amplo processo de privatização da educação em massa no estado, nos mesmos moldes do que já vem sendo feito com a saúde e os presídios.

No entanto, o quadro vem sendo amplamente divulgado – em muitos casos, manipulado – pelas redes, pelas mídias, pela imprensa.

O que pouco se percebe é que, neste exato momento, não seria absurdo dizer que a mais bem sucedida dupla de pedagogos do país atende pelos nomes de Geraldo Alckmin e Herman Voorwald. Isso porque, se num ato arbitrário, governador e secretário suprimem o direito constitucional à educação pública, ao mesmo tempo suspendem a normalidade alienante de uma política pedagógica imbecilizante, que não contempla sequer minimamente a expectativa e a capacidade intelectual dos seus alvos.

Atiram-nos num limbo de onde os estudantes encontram imensa razão para a luta. Aí é que, mobilizados em torno de uma causa institucional – a luta contra a supressão do direito de estudarem numa escola pública –, muitos jovens terão sua primeira experiência de agirem como sujeitos. Espaços serão criados para desenvolverem outras pedagogias críticas que a Escola sem política pretende lhes negar. Compreenderão o sentido da solidariedade pela luta do outro, como foi o caso de um grupo de estudantes em relação à greve dos trabalhadores da Usiminas.

Quando ocupam escolas confiscadas pelo Estado, enfrentam a truculência da repressão e descobrem, aos 14, 15, 16 anos de idade, que educação não se aprende somente na sala de aula. Ela pode e vem da liberdade de desobedecer e questionar a ordem adversa. Certamente, voltarão à normalidade, se ela for restabelecida, muito melhores e mais enriquecidos de como iniciaram essa luta que é deles e é de todos nós.

“Não tem arrego, você tira minha escola e eu tiro o seu sossego”.

“Não vim prá escola prá sair de camburão. Sou estudante, não sou ladrão”.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Chapa apoiada pela Intersindical luta pela saúde dos Metalúrgicos de Mogi Guaçu

Postado: INTERSINDICAL CENTRAL DA CLASSE TRABALHADORA

MetMogi-001_01

A situação dos Metalúrgicos de Mogi Guaçu é extremamente grave. A atual direção não tem agido em defesa da saúde dos companheiros e até o momento encontra-se suspenso o processo eleitoral para escolha de nova direção para a entidade. O pleito havia sido convocado para os dias 22 e 23 de outubro, no entanto, a Justiça do Trabalho determinou a suspensão do pleito devido a uma série de irregularidades envolvendo membros de uma das chapas e também devido problemas na prestação de contas da atual direção.

A Intersindical – Central da Classe Trabalhadora apoia a Chapa 2 – Resgate, encabeçada por José Roberto de Souza, também presidente da Associação de Trabalhadores Portadores de Doenças Ocupacionais e Acidentados do Trabalho de Mogi-Guaçu – CAAT.

Na semana passada, ele e trabalhadores da Mahle Metal Leve S.A, principal metalúrgica da região, denunciaram à imprensa, a prática indecente por parte da Mahle e Unimed de não aceitar o agendamento de consulta com ortopedista para trabalhadores e dependentes da Mahle.

A associação já está apresentando denúncia ao Ministério Público do Trabalho contra as duas empresas por negligenciarem atendimento médico e submeterem os trabalhadores a condições degradantes do ponto de vista da saúde.

Uma reportagem veiculada pela TV Record em 12 de novembro mostra os trabalhadores da Mahle tentando agendar consulta com ortopedista pela Unimed Mogi-Guaçu, porém quando declaram que pertencem ao quadro da empresa, são informados de que não é possível efetuar o agendamento e são orientados a procurar a Mahle para esclarecimentos.

Para o presidente do CAAT, José Roberto de Souza, esta prática por parte da Mahle é uma forma de dificultar a identificação de uma situação alarmante de número de lesionados, e assim mascarar um grave problema que ocorre dentro da empresa, resultado de pressão por produção que têm causado Lesões por Esforço Repetitivo nos (as) trabalhadores (as).

Trabalhadores impedem golpe

Os metalúrgicos de Mogi-Guaçu conseguiram impedir o golpe contra os direitos dos trabalhadores, articulado pela atual direção do sindicato, que chamou às pressas, em plena campanha salarial, uma assembleia para tentar filiar o sindicato à Força Sindical.

Essa proposta tinha como único objetivo impor aos metalúrgicos convenção coletiva que interessa aos patrões. Ou seja, o sindicato em conchavo com as empresas para retirar direitos e piorar a situação dos trabalhadores em relação a salários, benefícios e cláusulas sociais.

A convenção coletiva da Força Sindical não garante estabilidade aos trabalhadores lesionados até o momento de aposentadoria. Ou seja: este direito seria perdido.

Os trabalhadores foram informados pela Chapa 2 – encabeçada por José Roberto –, sobre esta proposta absurda da atual direção e compareceram em peso para dizer que não aceitariam o golpe de filiação à Força Sindical, vencendo a assembleia do dia 12 por maioria.

No entanto, a direção do sindicato não quer aceitar a decisão dos trabalhadores e comunicou que irá realizar novas assembleias nas fábricas, utilizando falsos argumentos de que houve tumultuo na assembleia.

“Somos contra a filiação à Força Sindical. Isso não interessa aos trabalhadores. Só interessa às empresas”, afirma José Roberto, da Chapa 2 – Resgate.

Audiência de conciliação

Na tarde desta terça-feira (17), houve uma audiência de conciliação para tratar do processo eleitoral do sindicato dos Metalúrgicos de Mogi Guaçu. Como não houve acordo, a Juíza decidiu manter as eleições suspensas e encaminhou o processo a julgamento, ainda sem data prevista para acontecer.

A Justiça pode acatar os pedidos de impugnação da candidatura de membros da chapa concorrente, decidir pela realização das eleições ou, ainda, pela continuidade do mandato da atual direção. A Chapa 2 – Resgate seguirá acompanhando o processo que corre na Justiça e lutando para que os Metalúrgicos de Mogi Guaçu não sofram mais ataques a direitos, como a recente manobra da atual direção do sindicato.

MetMogi-001_04

Zé Roberto (à frente, de camisa) encabeça a Chapa 2, que percebeu o golpe de filiação à Força Sindical.

MetMogi-001_03

Trabalhadores reunidos em frente à sede do sindicato.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

“EUA fizeram vista grossa diante do crescimento do Estado Islâmico”, afirma pesquisador

Por: Brasil de Fato

Cientista político descreve origens do Estado Islâmico, comenta os interesses em disputa por potências mundiais na Síria e fala sobre os riscos do crescimento da islamofobia.

Por Vivian Virissimo,

Do Rio de Janeiro (RJ)

obama_esta_is_118Após os ataques do Estado Islâmico em diferentes pontos de Paris, que resultaram em mais de 150 mortes e 300 feridos, o sentimento de solidariedade ao povo francês tomaram o noticiário, as conversas e as redes sociais em todas as partes do mundo. Para entender as razões do atentado e o que está sendo disputado por potências mundiais na Síria, o Brasil de Fato entrevistou o cientista político Pedro Paulo Bocca.

Brasil de Fato – Quais as razões do ataque feito pelo Estado Islâmico ocorrido em território francês na última sexta-feira. Quais são as raízes desse conflito?

Pedro Paulo Bocca – É importante entender o processo de criação do Estado Islâmico. Ele se origina no Iraque após a invasão dos Estados Unidos. Após a queda de Saddam Hussein, começa a crescer uma disputa religiosa interna entre sunitas e xiitas, já que o governo provisório eleito com o apoio dos EUA é xiita e passa a reprimir a maioria sunita. É neste contexto que nasce o Estado Islâmico, sunita, em 2004. Os Estados Unidos fizeram vista grossa diante do crescimento do Estado Islâmico, já que isso dividia o povo iraquiano e facilitava a dominação estadunidense. É bom lembrar que o Estado Islâmico foi constituído também por uma dissidência da Al Qaeda, que eram os ditos inimigos dos EUA na época. Hoje, mais da metade do Iraque é dominado pelo grupo. Com o início da guerra civil na Síria, o Estado Islâmico viu a oportunidade de expansão de fronteira e a tomada do território sírio para consolidar seu objetivo de criar um Estado em toda a região. No início do processo, as potências ocidentais acharam esse movimento conveniente, pois eram contra o governo sírio, mas isso fugiu do controle.

O que as potências têm feito atualmente diante desse cenário?

Há dois blocos atuando hoje contra o Estado Islâmico. Um, de defesa do governo da Síria, de Bashar Al-Assad, que reúne Rússia, Irã e Líbano e que atua por terra com o objetivo de expulsar o Estado Islâmico da Síria. Por outro lado, há ações coordenados por Estados Unidos e outros membros da Otan - incluindo a França - de bombardeios aéreos. Esta coalizão, durante a guerra civil na Síria, se posicionava ao lado dos rebeldes sírios, com a proposta de derrubada de Assad.

O que teria sido o estopim para o ataque da última sexta-feira?

A França tem apresentado muita resistência ao crescimento do extremismo islâmico, especialmente após o ataque ao jornal Charlie Hebdo, no começo deste ano. Além disso, o país é identificado pelo Estado Islâmico como o principal oponente europeu porque os bombardeios ao seu território, pela coalisão da Otan, são realizados majoritariamente a partir de caças franceses. Na semana passada, a França explodiu um campo de extração de petróleo no território controlado pelo Estado Islâmico. Atualmente, o grupo extremista está numa dinâmica de criar um cenário de instabilidade e tensão como resposta aos países que o tem atacado: foram os responsáveis pela explosão de um avião russo em território egípcio que resultou em mais de 200 mortes, realizaram um atentado em Beirute, no Líbano, que deixou mais de 40 mortos, e agora os atentados em território francês.

Qual o impacto na geopolítica mundial?

A Síria é o grande nó na geopolítica mundial. Mesmo que EUA e Rússia se unam para combater o Estado Islâmico e o destruam, fica a pergunta: O que fazer com esse território depois? A Rússia não abrirá mão da manutenção do governo de Bashar Al-Assad, enquanto o plano dos Estados Unidos e das demais potências ocidentais é exatamente o contrário. A Síria cumpre um papel geopolítico e econômico fundamental para os interesses russos, e Vladimir Putin não abrirá mão de Assad. Esse pós-Estado Islâmico, caso haja de fato uma reação maior, é a grande questão. Depois dos acontecimentos sexta-feira não há nada certo.

Como o Estado Islâmico poderia ser caracterizado?

Ele é talvez a grande expressão do extremismo muçulmano que tem sido historicamente construído naquela região, fomentado pelas grandes potências ocidentais. Hamas, Al Qaeda e Boko Haran são exemplos desses movimentos islâmicos muitos radicais, os chamados jihadistas que praticam a “guerra santa”. Eles objetivam a expansão do Islã e constituição de regimes de governo islâmicos através do uso da força. É importante, porém, deixar claro que estes grupos não representam de maneira nenhuma a imensa maioria dos árabes ou dos muçulmanos, que muitas vezes acabam sendo confundidos com os extremistas. De qualquer modo, nenhum desses outros movimentos citados teve algo semelhantes às condições que o Estado Islâmico possui, ele é a expressão mais radical e mais estruturada deste processo. Sua força se dá pois conseguiram se aproveitar do momento histórico. No começo dos anos 2000 o Oriente Médio estava relativamente sob controle, com Estados fortes controlados por governos que tinham legitimidade: Saddam Hussein no Iraque, Muammar Kadafi na Líbia e Bashar Al-Assad na Síria, eram um exemplo disso. Porém, a intervenção dos Estados Unidos no Afeganistão e no Iraque cria novamente uma instabilidade política na região, que é propícia para o desenvolvimento de organizações extremistas. Como alguns Estados foram destroçados pela intervenção estrangeira, inicialmente no início da década, e mais recentemente com a derrubada de Kadafi pela Otan e a guerra civil na Síria, aumenta ainda mais a possiblidade de se organizarem com planos maiores. Hoje o Estado Islâmico tem grandes proporções, tem influência em outros países, recruta membros inclusive em outras regiões do mundo. Isso garante uma condição de articulação e um poder muito maior. É uma organização que tem grande capacidade financeira graças ao controle de áreas que produzem petróleo e gás, distribuídos pelas monarquias árabes como a Arábia Saudita, que possui fortes relações políticas tanto com o Estado Islâmico, quanto com os Estados Unidos.

Após os ataques na França, vários países estão anunciando que vão endurecer as medidas contra os refugiados. Que repercussão isso terá?

Após os últimos acontecimentos, as intervenções no território sírio e no Iraque tendem a aumentar e isso ampliará o contingente de refugiados. Após os ataques em Paris poderá haver uma diversificação do local de imigração. Com as portas europeias ainda mais fechadas, a tendência é que os refugiados mudem de destino, pode ser que haja muitas pessoas se deslocando para outros países. Ainda que a visão da mídia dê a entender o contrário, a quantidade de sírios e iraquianos que ingressam na Europa Ocidental é pequena se comparado ao número total de cerca 11 milhões de refugiados que tiveram que sair das suas terras graças a este conflito. A Turquia, por exemplo, recebeu sozinha mais refugiados do que toda a Europa.

Que impacto terá para os refugiados que já moram em território europeu?

A França, por exemplo, já enfrentava problemas com a população islâmica no interior do país, que soma entre 8 e 9% da sua população. Mas após estes atentados, a situação dos muçulmanos franceses e os espalhados pelos demais países pode ficar ainda pior. A tendência é de fechamento da política europeia, aumento da perseguição aos árabes e crescimento do nacionalismo europeu que vai cobrar da França e de outros países da Europa ações enérgicas para o conflito. Novamente, temos que reforçar que o Estado Islâmico não representa a imensa maioria dos muçulmanos, especialmente no caso dos refugiados. Pelo contrário, quem mais sofre com a ação destes grupos é a própria população árabe. Os refugiados são refugiados porque fogem justamente desses grupos, que destruíram suas cidades, seu país e sua cultura. Existem estimativas que, só em 2015, mais de 10 mil sírios e iraquianos foram assassinados nas ofensivas do Estado Islâmico na região.

A islamofobia já era um problema na Europa. Como esse sentimento de repulsa ao islamismo tende a piorar após os ataques na última sexta?

Ao contrário de outros países europeus na França os muçulmanos não foram completamente integrados à sociedade. Enquanto na Alemanha, por exemplo, isso se deu de forma menos “traumática” com os turcos ainda no século passado, na França, a integração tem sido muito difícil, são comunidades muito guetizadas, a comunidade árabe tem uma dificuldade social, política e econômica de integração com a sociedade francesa. Daí os conflitos nos últimos anos, principalmente nas periferias de Paris. Há anos existe um clima de preconceito étnico que a direita já usava com muita força. Agora, diferente dos atentados no início do ano ao Charlie Hebdo, um órgão de imprensa, agora é um ataque à França, um ataque declarado de uma força estrangeira ao Estado francês. Até mesmo no governo francês, do Partido Socialista, que podemos considerar a centro esquerda da política francesa, cresce a cobrança por uma ação enérgica. Importante ressaltar a declaração de Obama que classificou a ação do Estado Islâmico como um ataque aos valores ocidentais. É um forte contraponto a pessoas que praticam outra religião, falam outra língua e tem outros costumes.

Como fica a situação das forças de libertação que atuam na Palestina?

Há que se ter especial cuidado no que diz respeito à confusão, que na maioria das vezes é proposital, entre os exércitos de extremistas islâmicos e os movimentos de resistência nacional-popular árabes. As forças de libertação nacional que operam na Palestina e no Curdistão, por exemplo, e os governos que não pactuam o plano ocidental para a região (notadamente Líbano, com a participação do Hezbollah, Irã e, claro, Síria) tendem a estar ameaçados por uma nova ofensiva dos países da Otan na região. É importante separar as coisas. Neste sentido, é importante aumentar a atenção na Palestina. Os levantes populares que têm acontecido nos últimos meses (muitas vezes, infelizmente, também relacionados a ações terroristas) podem e serão utilizados por Israel para legitimar uma ofensiva militar de repressão nos territórios ocupados. Essa é uma questão de imensa importância

Como avalia o posicionamento do governo Dilma Rousseff diante do atentado na França?

Tímido. O Brasil tem evitado se posicionar de maneira mais contundente sobre o conflito, não é de hoje. A política externa de Dilma é mais tímida do que a que se destacou durante os dois mandatos de Lula. No plano internacional, a Rússia tem feito pressão dentro do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) para que esses países que se somem na defesa do governo sírio. O Brasil tem se esquivado de tomar uma posição clara. Inclusive recentemente votou contra o governo sírio no Conselho de Direitos Humanos da ONU, numa moção sobre supostas violações direitos humanos no governo Assad. O Brasil votou diferente de Rússia e China que pediram a anulação dessa moção. O país vinha se abstendo nesse tipo de votações. Alguns analistas apontam que esse voto contrário à Síria pode ter a ver com as negociações de reaproximação conduzidas por Dilma na recente visita à Washington. Acho difícil que o governo brasileiro se posicione ao lado da coalização da Rússia ou dos Estados Unidos, caso essa bipolaridade se confirme com mais força, porque isso faria alguns dos lados descontentes com o Brasil, e este é um cenário que o governo não pode se dar ao luxo de construir neste momento.

A recepção aos refugiados sírios no Brasil tem sido satisfatória?

O Brasil tem uma contradição na questão dos refugiados sírios. O país tem sido apontado como exemplo internacional por ter feito acordo com a ONU, facilitando as questões burocráticas para a entrada de refugiados sírios no país, garantindo mais direitos e menos problemas legais, por exemplo, para a obtenção de vistos de trabalho e do Registro Nacional de Estrangeiro. Por outro lado, os sírios que chegam aqui não têm assistência nenhuma. Não há qualquer apoio para garantir a inserção no mercado de trabalho, por exemplo, mesmo para profissionais qualificados que chegam nestas condições. Além de problemas com moradia, educação, o aprendizado do português, enfim, uma série de problemas. Cerca de 2 mil sírios estão refugiados hoje no Brasil. É um contingente pequeno, se compararmos com o todo, mas ainda assim é necessário que existam políticas públicas que facilitem a inserção destes refugiados em nossa sociedade. Em São Paulo, que é a cidade que mais tem recebido os refugiados, a inserção deles tem se dado mais a partir de iniciativas da sociedade civil e de organizações internacionais como a Acnur (Agência da ONU para Refugiados) do que do próprio Estado brasileiro.

Você considera que este atentado facilita a aprovação da lei antiterrorismo no Brasil?

É muito possível. Desde os ataques isso já está sendo pautado na imprensa com ênfase por conta das Olimpíadas. O Brasil não tem nenhuma relação com o conflito armado. Porém, as Olimpíadas já foram palco de atentados no passado, e o Brasil receberá delegações, como as francesas e russas, e sabemos que o Estado Islâmico poderia tentar fazer uma ação midiática. Por isso haverá pressa para aprovação de uma lei antiterror, até para dar uma resposta. Além disso, há uma pressão internacional, independente da direita brasileira. Entre os mais importantes países do mundo, o Brasil é o único que não tem uma lei antiterror clara e o país sempre foi cobrado nesse sentido. Esse grande evento e a agenda antiterror pós-atentados na França só vai fazer com que esta pressão aumente. O problema é que, pela maneira com que esta lei está sendo construída no Brasil, são os movimentos populares que criticam ou contestam o Estado que acabarão sofrendo as consequências, caso essa lei seja aprovada. Como já foi dito que é feito em relação aos movimentos de resistência popular árabe, a direita brasileira vai aproveitar a lei para vincular os movimentos sociais ao terrorismo, aumentando ainda mais a criminalização da luta social e a repressão. Não podemos vacilar em relação a isso, e devemos lutar pelo direito legítimo de organização e de luta popular, que nada tem a ver com o terrorismo.