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sábado, 31 de janeiro de 2015

O BNDES a serviço do ajuste neoliberal

Escrito por Luis Fernando Novoa Garzon

Correio da Cidadania

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Em meio aos anúncios de tetos decrescentes de oferta de financiamento público de longo prazo - no contexto de um ajuste fiscal que prepara o terreno para novas reestruturações financeiras e patrimoniais -, cabe observar e analisar o lugar do BNDES no âmbito do Estado brasileiro e, a partir dessa posicionalidade específica, avaliar a relação do Banco com os capitais privados e suas associações representativas. Não poderia deixar de ser um “lugar” mutável e cambiante, tratando-se de um Banco, de um Estado e de uma economia que se transfiguraram nas reformas neoliberais e processos de reestruturação produtiva a partir dos anos 90.

Após décadas de disciplinamento privado diferenciado, com sistemas de comando não necessariamente alinhados, pode-se falar de uma “refundação”, o que não implica em diminuição ou retração do Estado. A relação entre agências estatais tornou-se simultaneamente uma relação entre capitais, sendo que estes capitais têm poder variado de regulação privada do setor público. Haveria dois tipos de relação do BNDES com o empresariado: direta e pontualmente ou indiretamente estabelecidas em arranjos institucionais setoriais e inter-setoriais, através de associações representativas.

O Estado entretece-se nos embates sociais, o que faz com que sua autonomia seja sempre devedora do equilíbrio de forças do último acerto de contas inter e intraclasses. Não há “Estado patrimonial” em si, sem que haja antes um processo particularista e privado de patrimonialização. Mesmo nos chamados anos de “desmonte neoliberal” foi preciso fortalecer os mecanismos estatais para levá-los a termo. Nunca houve retraimento da interferência do Estado na economia, e sim alteração do foco e do formato dessa interferência. Existem conjunturas, estruturas e lugares que tornam predominante um ou outro padrão de intervenção estatal.

Ao contrário da ideia de uma gangorra entre mercado e Estado, que remeteria à separação um do outro, configura-se uma dinâmica de “estatalização” que compreenderia, por um lado, desdobramentos e repercussões da ação estatal para além do aparelho do Estado, e, por outro, incorporações e incrustações de dinâmicas privadas neste mesmo aparelho. No interior de cada um desses espaços, Estado e mercado alternam e intercambiam forma e conteúdo. Nesse arcabouço, multiplicam-se formas de “empresariamento do Estado” por meio de híbridos institucionais - como as PPPs, as Agências Regulatórias, colegiados empresariais, grupos inter-setoriais de coordenação privada que conduzem pautas, instâncias e despesas públicas.

Contrapostas ao paralelo coreano (entre os anos 70 e 80), as escolhas do “desenvolvimentismo real” brasileiro recaíram não sobre atividades de maior capacidade de “transferência de tecnologia” ou de “aprendizado institucional”, mas sobre os setores com uso intensivo de recursos naturais. Eram os setores disponíveis e capazes de impulsionar mais uma “fuga para frente” que quiçá contrarrestasse os efeitos da crise de 2008.

Foi conjugando-se com este mesmo setor que os segmentos chamados “industrialistas” no BNDES reconfiguraram a política industrial, procurando induzir transbordamentos nas empresas-líderes dos ramos frigorífico, de papel e celulose, de petróleo e gás, de mineração e siderurgia básica. A política das “empresas campeãs” serviu como efeito-demonstração dos limites “criacionistas” do Banco ou de qualquer política industrial que queira ser mais que um empenho governamental frente a metas acordadas entre as grandes empresas.

A crítica ao Banco provinda dos movimentos sociais, articulações de grupos sociais atingidos e da intelectualidade crítica se dirige não ao “poder de escolha dos vencedores” - espantalho criado pelo discurso ultraliberal em ofensiva intensiva contra qualquer “interferência” extra-mercantil. A questão é: aonde se chega com esse experimento regulatório? Com que métodos? Com quais atores e interlocutores? O Banco de Desenvolvimento, dessa forma, viabiliza e turbina os setores com utilização intensiva em recursos naturais, com grande poder de desestruturação ambiental/territorial e com efeitos redutores das cadeias produtivas, o que significa mais precarização do emprego e mais disparidade de renda.

Vê-se cristalinamente como o neodesenvolvimentismo é um neoliberalismo por outros meios. Fechada a cortina da pantomina eleitoral, PT e PSDB são plenamente intercambiáveis. Além da convergência em torno do tripé macroenômico, há razoável consenso entre eles quanto à efetivação de megaeventos esportivos e de megaprojetos de infraestrutura, pois favorecem a aterrisagem incondicionada da esfera territorializada dos investimentos em detrimento da diversidade territorial posta.

Trata-se de suspensões do tempo e do espaço, ou ajustes espaço-temporais que permitem uma intensificação do ritmo da acumulação com base na queima e na criação de novos campos de valorização e mercadorização. No caso dos grandes projetos de infraestrutura, e com base neles, são ofertadas vantagens quase monopólicas aos negócios que terão acesso regulamentar às novas zonas de valorização e novos blocos de riqueza a partir da extensão da malha viária e elétrica.

A entronização de uma agenda econômica única é apresentada como sinal do “amadurecimento” do país. Amadurecimento do capitalismo brasileiro como ele é, fundado na espoliação de bens públicos e direitos sociais, despossessão de espaços e sociabilidades extra-mercantis e na pilhagem sistemática da dívida pública. E o que está em jogo na reformatação do BNDES é o ajustamento da condução dos processos de concentração e centralização de capital no país.

Para os porta-vozes da alta finança, o ativismo do BNDES - em especial o relativo a políticas verticais, isto é, seletivas - seria um indicador preocupante na caracterização de um ambiente amigável aos negócios, porque viabilizaria “ambientes institucionais desfavoráveis”. As políticas verticais, portanto, incluindo as que dão suporte a fusões e aquisições, devem ser, doravante, “espontaneamente” definidas pelos mercados.

No atual cenário de “incerteza institucional” induzida, tornou-se hegemônica a proposição de atrofia programada do BNDES. Admite-se sua atuação em caráter mandatário ou previamente delimitada. Para tais segmentos, o BNDES só deve ser ativado para viabilizar novas privatizações nos setores de transportes e energia e para “fomentar” a criação de um mercado de capitais de longo prazo no Brasil, ou seja, gerir sua auto-extinção. Isso porque, num caso ou noutro, fica comprometido o Banco nos moldes em que está constituído, pois fundos e agências especializadas bastariam para cumprir essas tarefas.

A posição financeiro-rentista (podemos chamar assim a fração burguesa mais internacionalizada com atuação no Brasil) tem por pressuposto a crítica do "crédito direcionado" como favorecedor de práticas crowding out. Como essa fração tem plena ciência que o mercado financeiro brasileiro não irá se “colocar” espontaneamente no horizonte de longo prazo na economia, o argumento tem um propósito rotulador e pirotécnico para fins de “adequação” do Banco.

A coalizão financeiro-empresarial formada após as eleições em nome de um “governo único” do Brasil estabeleceu metas de refluxo da atuação do BNDES, o que implica em redução e depois vedação a novas transferências do Tesouro ao BNDES, além da “equalização” da TJLP pela Taxa SELIC em alta, tal como definido pelo Conselho Monetário Nacional - o que implica em uma descapitalização seletiva e um maior alinhamento do Banco às políticas de privatização da infraestrutura e de monopolização e desnacionalização do parque produtivo sobrante.

É a mais efetiva ferramenta de planejamento de que o Estado brasileiro atualmente dispõe, que está sob enquadramento e esterilização. O BNDES evocou, com seus ciclos de maior ou menor atuação no mercado de créditos e de capitais, equilíbrios complexos que foram sendo estabelecidos historicamente. Traz, portanto, “resíduos” sedimentados em seu discurso, memória, políticas operacionais e em sua burocracia, que os “purificadores do mercado” pretendem suprimir da esfera da política econômica e de financiamento: um conjunto de experiências contraditoriamente institucionalizadas que resultaram das lutas sociais e das disputas intraestatais nas últimas décadas.

Essa limpeza de rastros de tudo que possa servir de pistas ou atalhos para transições socializantes não pode prosseguir sem que a denunciemos, sem que explicitemos a lógica ruinosa que a preside.

Luis Fernando Novoa Garzon, sociólogo, professor da Universidade Federal de Rondônia, pesquisador do ETTERN - IPPUR/UFRJ.

E-mail: l.novoa(0)uol.com.br">l.novoa(0)uol.com.br

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Falta de investimento, manutenção e de novas tecnologias: eis a face dos apagões no Brasil

Escrito por Telma Monteiro

Postado: Correio da Cidadania

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Pois bem, a realidade está falando mais alto. Em 19 de janeiro de 2015 o caos aconteceu. Faltou energia elétrica em 11 estados brasileiros e no Distrito Federal. Os problemas parecem ser idênticos aos que levaram ao apagão de 2009. O Operador Nacional do Sistema (ONS) deu a ordem para redução da carga. Motivo? Está sendo apurado, mas já adianto que divulgarão uma mentira. Eles sempre fazem isso: distorcem a realidade. Não faltou energia, a falha foi na transmissão de energia de alta tensão que opera no limite de sua capacidade.

Um sistema de transmissão de alta tensão leva a energia da unidade geradora – hidrelétrica, termelétrica, eólica – até a subestação transformadora, de onde saem as linhas de distribuição para o consumidor. O conjunto da transmissão de alta tensão é formado de cabos condutores, cabos para-raios, estruturas metálicas, espaçadores-amortecedores, cadeias de isoladores, torres autoportantes ou estaiadas e subestações transformadoras que têm mais outros tantos componentes.

Quase todas as linhas de transmissão no Brasil têm mais de 30 anos, exceto o terceiro circuito de Itaipu Itaberá-Tijuco Preto III, que foi concluído em 2001, depois de um histórico de quatro anos de irregularidades no processo de licenciamento, questionadas pelo Ministério Público.

Visitei subestações de Furnas e tive a impressão de ter voltado no tempo, para a idade da pedra em tecnologia. Impossível não notar os painéis de controle na base das luzinhas coloridas piscando como árvores de natal, alavancas mecânicas, sinais sonoros, reloginhos de ponteiros e salas de controle em estado de sucata, além de decibéis incompatíveis com a saúde do trabalhador. Eis alguns dos problemas.

Novas tecnologias

Em 2010, foi inaugurada a linha de transmissão de energia em tensão ultra-alta, a mais extensa e potente do mundo, na China. O projeto Xiangjiaba-Xangai, de 800 kW (kilowatts), tem aproximadamente 2.000 quilômetros e é uma nova referência em capacidade de transmissão, ocupa menos espaço e as perdas ficam abaixo de 7%. A economia é equivalente à demanda de energia de aproximadamente um milhão de pessoas na China. No Brasil, as perdas de transmissão ultrapassam os 20%.

Esse sistema de alta capacidade, na China, compreende uma única linha de transmissão aérea. A nova tecnologia dispõe de um sistema de controle avançado, com maior capacidade e eficiência e é adequada para países com dimensões continentais, onde os centros de consumo estão localizados longe das geradoras de energia.

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Portanto, diante desses avanços tecnológicos, não faz o menor sentido construir o sistema de transmissão das usinas do Madeira com tecnologia ultrapassada – são duas linhas, uma ficará em stand by, o que comprova não só a falta de confiança no sistema como o interesse do setor de energia em promover obras desnecessárias –, considerando um corredor de 10 quilômetros de largura, que atravessa a floresta, cidades, comunidades.

Infelizmente, o desenvolvimento de novas tecnologias, novos conceitos de equipamentos, a manutenção e as especificações técnicas de componentes mais evoluídos com sistemas informatizados, controle digital, menor impacto e mais eficiência, ainda não chegaram no Brasil. Há empresas oferecendo linhas de transmissão de alta tensão subterrâneas. Mas, como as empresas estatais Eletronorte, Furnas e Cemig dominam o setor de transmissão de alta tensão, só nos resta amargar prejuízos.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) tem o papel de defender os consumidores desses prejuízos causados pelos recorrentes apagões e pela incapacidade gerencial, falta de investimentos em novas tecnologias das empresas estatais e concessionárias de distribuição. Depois da privatização das distribuidoras de energia, não houve investimento em modernização de estações transformadoras, subestações e muito menos nas redes de distribuição e transmissão.

Outro ponto a considerar sobre transmissão seria a substituição da CA (corrente alternada), usada em todas as linhas no Brasil, por CC (corrente contínua), mais eficiente. Porém, é uma tecnologia ainda não dominada por aqui. Devido à falta de investimento em tecnologias, o sistema de transmissão do Madeira só ficará pronto neste ano de 2015, muito depois da primeira turbina de Santo Antônio começar a operar!

A tecnologia de corrente contínua requereria a repaginação de todas as hidrelétricas em operação no Brasil, pois existe uma incompatibilidade com as máquinas geradoras antigas em operação há mais de 30 anos. A linha de transmissão do Madeira – com os dois circuitos de 600kv CC - será acompanhada de outras linhas de transmissão convencionais paralelas (no plural porque são várias), mas com o mesmo conceito e componentes ultrapassados (fabricados pelas mesmas indústrias desde sempre), usados há três décadas ou mais.

Quanto à geração, o problema virá com a diminuição da capacidade das hidrelétricas com mais de 30 anos e numa curva descendente, pois ultrapassaram em muito o limite da vida útil dos seus reservatórios já assoreados (já estamos vivendo esse problema). Turbinas de última geração estão disponíveis no mercado e a simples troca das ultrapassadas poderia revitalizar e aperfeiçoar a capacidade de geração. Esse passo teria evitado a construção de Belo Monte, inclusive; no entanto, não interessou às concessionárias investir em modernização, já que estavam no final do contrato de concessão.

Enquanto a China resolve seu problema de transmissão especial de alta tensão a longa distância, reduz as perdas e os corredores, poupa energia, aumenta a eficiência e utiliza métodos de transmissão econômica segura e eficiente, nós, no Brasil, continuamos nas mãos da ineficiência da Eletronorte, Furnas, Cemig, AES Eletropaulo, enfrentando apagões.

Clique aqui para ler e ver imagens que constam do Relatório de Furnas, sobre as causas e consequências do apagão de 10 de novembro de 2009. Ele mostra o estado da arte da falta de investimento e manutenção na transmissão no Brasil.

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Conclusão do relatório sobre o apagão de 2009

*Este artigo foi originalmente escrito em 2011. Mas, como a história se repete, apenas atualizei o texto e mantive as informações do relatório do artigo original.

Telma Monteiro é ativista socioambiental, pesquisadora, editora do blog http://www.telmadmonteiro.blogspot.com.br, especializado em projetos infraestruturais na Amazônia. É também pedagoga e publica há anos artigos críticos ao modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

A GRÉCIA NOS DÁ ESPERANÇA

Por Vito Giannotti do NPC

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Depois de tantas derrotas da esquerda, finalmente uma boa notícia. Na Grécia um partido/coligação de esquerda ganhou as eleições. E não é qualquer coisa. Os jornais do mundo, e até O Globo, se dobraram à realidade e tiveram que escrever: “Extrema esquerda vence na Grécia”. O Syriza, nome do novo partido é uma junção de vários agrupamentos de esquerda. Mas todos eles deixam claro seu programa: combater o neoliberalismo, liderado... pela Alemanha, que há uma década desgraça a Grécia. Há dez anos aquele país foi vítima da política de recessão, privatizações, arrocho salarial e a retirada de todos os direitos dos trabalhadores. A população grega foi reduzida à miséria mais desgraçada.

Os latões de lixos assaltados por ex-trabalhadores caídos na maior miséria. E aí, o que o povo fez? Se juntou em vários grupos de esquerda, todos contra a política europeia de beneficiar o capital e fazer os trabalhadores pagar o pato. Ousaram se colocar contra as medidas impostas pelo FMI e pelo Banco Central Europeu que só servem às grandes empresas e bancos internacionais.

Exemplo para a Europa e a América Latina

A vitória dos trabalhadores gregos é uma lição muito séria para a Europa inteira: Espanha, Portugal, Itália, França, Inglaterra; É tudo a mesma desgraceira neoliberal. Em todos esses países a classe operária está sofrendo fortes derrotas. Perdendo velhas conquistas de décadas passadas. Aqui, na América Latina, os Estados unidos estão querendo continuar a mandar e desmandar como sempre. Os inimigos declarados de hoje são a Bolívia, Equador, Venezuela e a Argentina.

No Brasil com várias lorotas de crise internacional e de recessão os partidos de sempre querem impor fortes derrotas aos trabalhadores. Basta ver as primeiras medidas que a presidente Dilma tomou no começo do mês de Janeiro. Todas são uma festa para os patrões e uma desgraça para os trabalhadores. Em resumo são todas as retiradas de direito: auxilio doença, seguro desemprego. O que fazer? Olhar o exemplo da Grécia e...seguir adiante. Essa é a receita. Povo na rua por anos seguidos e a construção de um projeto político diferente do projeto neoliberal.

Coletivo Tarifa Zero Salvador: “a luta contra a tarifa irá acontecer seja quem for o governante”

Escrito por Irlan Simões

Por: Correio da Cidadania

Principal pauta das históricas Jornadas de Junho de 2013, a luta contra o aumento da tarifa do transporte público e pelo fim das concessões privadas volta a agitar as ruas brasileiras em 2015. Como aconteceu na maioria das grandes capitais brasileiras, Salvador terá um aumento de 7% na tarifa do ônibus, atingindo o valor impressionante de R$3,00.

A medida foi sancionada pelo prefeito ACM Neto naquele período que se tornou estratégico para os gestores municipais amarrados ao lobby das empresas de transporte público: no dia 23 de dezembro, no período de férias e festas, para efetivação a partir do dia 1º de janeiro.

O reajuste reacendeu os movimentos pelo passe livre na cidade. Em entrevista respondida em grupo pelo Coletivo Tarifa Zero, ficamos a par dos acontecimentos dos últimos anos e entendemos a diferença da nomenclatura local para o Movimento Passe Livre nacional.

Confira.

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“Mãos para o alto! A Tarifa é um assalto!”

Qual a atual conjuntura dos movimentos contra o aumento da tarifa?

Tarifa Zero: A luta não é somente local. Hoje há no país uma quantidade incontável de lutas acontecendo, puxadas por coletivos do MPL (Movimento Passe Livre) em diversos casos, porém, muitas delas por fora ou em articulação com o MPL. Em 2015, os prefeitos resolveram aumentar as tarifas no período de férias e de festas, aprenderam com a derrota imposta pelas ruas em junho de 2013 e isso projetou um movimento nacional, mas ainda muito desarticulado. Assim, temos que entender como a conjuntura nacional rebate em Salvador.

Em Salvador, o que há de especial é um prefeito extremamente habilidoso politicamente, com altos índices de popularidade, o que dá margem para medidas impopulares, como o aumento da tarifa. Por outro lado, o MPL estava extinto na cidade, só ressurgindo em 2013 na fagulha das mobilizações, com o nome de Tarifa Zero. Uma série de organizações ligadas ao PT usou e continua usando o nome do MPL para se autopromoverem, sem, contudo, assimilarem a história e as práticas do movimento. Em Salvador, portanto, há enormes barreiras para uma mobilização mais ampla e mais radical.

É preciso descontruir a popularidade do prefeito, lidar com a situação do sequestro da sigla do MPL e organizar a luta através de um coletivo recém-nascido. O que há a favor é a história da cidade de mobilizações mais radicais e alguns coletivos e movimentos que já existiam antes de 2013 que apoiam a luta. Entretanto, uma nova onda de protestos espalhada nacionalmente, com quase toda certeza, rebateria em Salvador e impulsionaria as lutas por aqui também. Hoje derrotar o aumento é algo muito difícil, mas tudo pode mudar em alguns dias.

O que ocorreu nos últimos anos relacionado a essa pauta? Congelamento? Enfrentamento? Aumento?

Tarifa Zero: Em Salvador, as mobilizações de rua impediram que fosse proposto o aumento da tarifa em 2013. A tarifa, portanto, não foi reduzida como em algumas cidades, mas ficou congelada por um bom tempo. Foi uma vitória. Entretanto, os aumentos em Salvador, anteriores ao ano de 2013, foram frequentes e acima da inflação. Salvador tem uma das tarifas mais altas do país e um dos piores sistemas de transporte público. A situação é muito massacrante para a maior parte da população, e a exclusão só se amplia.

Já é do conhecimento geral a Revolta do Buzu, de 2003, e na década de 80 aconteceu um grande quebra-quebra. Se continuarmos voltando no tempo, vamos encontrar mais episódios de revoltas generalizadas contra o sistema de transportes e questionamentos constantes à lógica de mercadoria, à qual se submete o transporte público.

Se nos atermos ao último ano, o que aconteceu foram alguns questionamentos dos movimentos sociais direcionados ao processo licitatório que vendeu o sistema de transportes por muito pouco às mesmas empresas de sempre, sem garantir melhoras significativas para a população. Houve questionamentos ao corte de linhas e à privatização da Lapa.

Também não podemos deixar de lembrar da greve dos rodoviários, por cima das direções sindicais, exigindo aumento salarial e melhores condições de trabalho. As peças do tabuleiro, após junho de 2013, se moveram muito rapidamente.

Como outras organizações se relacionam com a pauta, como sindicatos, movimentos sociais etc.?

Tarifa Zero: Já pontuamos que em Salvador aconteceu o sequestro da sigla do MPL. Setores ligados ao PT usam da sigla do MPL para se promoverem. Tentam, com isto, se aproximar de setores hostis aos partidos políticos usando do capital simbólico do MPL. A maioria dos grandes sindicatos e alguns dos movimentos sociais acaba por corroborar com esta prática, porém, eles não pautam de forma verdadeira a questão da mobilidade urbana. Quando o problema é colocado no centro dos debates, que é o que acontece quando novos aumentos são anunciados, há algum tipo de articulação, sem maiores pretensões.

Por outro lado, um conjunto de novos movimentos e coletivos, e até partidos políticos mais à esquerda que o PT, começou a se articular para pautar de forma mais consistente a questão da mobilidade urbana e promover lutas contra o aumento da tarifa. A pauta se coloca no centro da disputa neste momento, porém, correndo o risco de mais à frente ser esquecida pela grande maioria destas organizações da esquerda.

O desafio é enraizar a pauta da Tarifa Zero em todos os movimentos sociais, superar a ideia de “passe livre estudantil” e consolidar o transporte enquanto direito. Para tanto, também será necessário articular a Tarifa Zero com outras pautas do “direito à cidade”, como moradia e segurança. Não é uma luta fácil e está apenas no começo.

Qual a relação com o governismo?

Tarifa Zero: O governismo está muito confuso neste momento. Em São Paulo, acontece agora uma ofensiva contra o MPL, pois o prefeito da cidade é do PT e é uma das esperanças de renovação do partido. As mobilizações contra o aumento desgastam muito a imagem progressista de Haddad, então os governistas criticam muito o MPL, mas ainda não podem ir contra ele. Tentam a todo custo se apropriar da pauta e transformá-la em algo palatável aos governantes de plantão.

Em Salvador, por outro lado, o prefeito é de oposição ao governo federal e estadual, assim, os governistas podem usar do MPL com mais tranquilidade, mas retaliam em muito as práticas do movimento (autonomismo, apartidarismo, horizontalidade, ação direta etc.). Não se sabe até quando isso vai acontecer, ainda mais com a possibilidade real de nacionalização da luta contra a tarifa.

O governismo pode continuar a ter uma tática local para enfrentar o MPL: ofuscando o movimento, cooptando quando possível ou usando dele para obter seus ganhos; ou pode também partir para uma contraofensiva nacional. O que importa saber é que em Salvador, o Tarifa Zero, federado ao MPL, não colabora com os governistas, sejam eles ligados aos governos estadual e federal, sejam ligados ao governo municipal. A luta contra a tarifa irá acontecer seja quem for o governante.

 

Irlan Simões é editor da Revista Rever.

sábado, 24 de janeiro de 2015

Quarto ato contra a tarifa termina com repressão da PM em São Paulo

Postado:Brasil de Fato

Rodolfo Pavan

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Poucos metros antes da passeata chegar ao seu final, ouviu-se um estrondo que foi o suficiente para a PM dispersar o ato

24/01/2015

Por Bruno Pavan

Da Reportagem

As ruas do centro da capital foi o cenário escolhido para o quarto grande ato contra o aumento da tarifa de trens e ônibus na capital. Depois do ato da última terça (20),  que foi o primeiro que conseguiu terminar pacificamente, as milhares de pessoas concentradas no Teatro Municipal, esperavam que seu trajeto não sofresse com a ação da PM.

Antes do ato começar, o militante do Movimento Passe Livre Lucas Monteiro reforçou que os manifestantes esperavam tomar as ruas de São Paulo pacificamente.

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A tradicional queima da catraca
Foto: Rodolfo Pavan

“A intenção do movimento não é fazer um ato com confronto com a PM mas sim demonstrar a força da população nas ruas e mostrar que este aumento é inaceitável. Essa é nossa expectativa para o ato, mas a gente não tem como prever qual vai ser a reação da Polícia Militar”, disse.

Como nos atos anteriores, o trajeto foi escolhido democraticamente alguns minutos antes do protesto começar. Evitando passar pela avenida Paulista, os manifestantes escolheram tomar as ruas centrais de São Paulo. Passariam pela prefeitura, partiriam para a frente da Empresa Metropolitana de transportes Urbanos de São Paulo (EMTU), rumariam para a Assembleia Legislativa e terminariam o ato na Praça da República.

Nem a forte chuva que caiu durante grande parte da passeata nem o cerco permanente da PM durante o trajeto desanimou os 15 mil manifestantes, de acordo com o movimento, e 1.200, de acordo com a Polícia Militar. A reportagem acompanhou a considera que o número do movimento tenha se aproximado mais da realidade.

A repressão

Por volta das 20h30, quando o ato estava próximo de chegar ao seu destino final, a Praça da República, começou a confusão envolvendo alguns manifestantes e a PM.

Um grande barulho pôde ser ouvido, mas a reportagem não conseguiu identificar de onde partia. Um pequeno grupo de Black Blocks andou, durante boa parte do protesto, ao lado de nossa equipe.  Ao ouvir o barulho e que a polícia se preparava para reprimir a manifestação, militantes do Passe Livre pediam calma e para que ninguém descesse ao encontro dos PMs.

Depois do estouro, um rojão foi lançado em direção a polícia, que a essa hora já estava cercando a manifestação por completo e começou a dar tiros de borracha e lançar bombas de gás lacrimogêneo. Em questão de minutos os manifestantes de dispersaram completamente e o centro da cidade já estava tomado com viaturas da PM. Poucos minutos depois do início da confusão, caminhões da Rota já saiam das esquinas.  

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Minutos depois da dispersão do ato,
ruas do centro já estavam tomada de policiais
Foto: Rodolfo Pavan

A versão oficial da Polícia Militar diz que a tropa foi atacada pelos manifestantes. Já dezenas de manifestantes ouvidos pela reportagem disseram que a bomba partiu da própria PM.

De acordo com informações dos advogados que estavam auxiliando os manifestantes, seis deles foram levados ao 2o DP e outros dois ficaram feridos.

A próxima manifestação do movimento já está confirmada para a próxima terça0feira (27), a partir das 17 horas, no Largo da Batata, zona oeste da capital.

“Estava saindo do trabalho e fui agredido”

Nos momentos de correria no centro da cidade, a polícia acabou agredindo um jovem que não estava na manifestação. Igor da Silva Rodrigues trabalha na Praça da República em uma empresa de cobrança e é filho de um delegado da Polícia Civil.

“Eu estava saindo do trabalho e esperei a manifestação passar pra ir embora. Quando eu pisei na rua a polícia veio a começou a bater nas minhas costas. Não consegui ver nada porque ele estava de capacete e escudo, mas se não fosse meus colegas de trabalho me puxarem pra dentro, eu ficaria caído no chão”, contou.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

O que nos promete o ano que se inicia?

Escrito por Waldemar Rossi

Postado: Correio da Cidadania

anos de 1980 são chamados de “a década perdida”. Isso segundo a ótica do capital, que sempre enxerga cifrões diante do seu nariz. Entretanto, aquela década foi extremamente nociva para a classe trabalhadora e para o povo em geral. O desemprego, o achatamento salarial, a miséria crescente invadindo os lares, o desespero de chefes e arrimos de famílias que não conseguiam encontrar saída para sua situação, e outros males, nos permitem dizer que não foram apenas anos de “década perdida”, mas de vidas comprometidas.

Os indicadores políticos e econômicos apontam 2015 como mais um ano de enormes dificuldades para os que vivem do seu trabalho. Do lado político, teremos que conviver com um Congresso Nacional mais conservador que os últimos, o que implicará em medidas políticas para garantir mais vantagens econômicas para o capital, tanto o industrial, quanto o do agronegócio e o financeiro. Logo, mais problemas para os trabalhadores em geral.

Como já tratamos no artigo anterior, a composição do novo governo Dilma, rigorosamente comprometida com os interesses do capital, já nos mostra que sua política econômica será de maior arrocho sobre os salários do funcionalismo e de redução de investimentos nos setores sociais da Saúde, Educação, Moradia, Previdência Social. No caso da Previdência, especialmente para trabalhadores doentes que, ao que tudo indica, terão sua remuneração mensal achatada. Diz o velho provérbio popular: “desgraça pouca é bobagem”.

Do ponto de vista econômico, até o momento não há um só indicador de que haverá crescimento da economia produtiva industrial, nem mesmo crescimento das exportações industriais ou de produtos agrícolas. Claro que, se isto ocorrer, implicará em redução do emprego, na cidade e no campo, com o respectivo processo de achatamento salarial para quem conseguir se manter no trabalho - porque, no caso, será grande também o processo da rotatividade da mão de obra. A cada emprego perdido, um novo só virá com redução salarial, pois é também assim que o capital explora quem produz suas riquezas.

Se a vida de milhões de famílias já não é das melhores, o que se pode esperar caso isso tudo aconteça? De mais uma coisa devemos ter consciência: o crescimento de tais dificuldades para o povo redundará também no crescimento da já incontrolável violência, que destrói vidas e gera a insegurança em geral, pois nem mesmo os mais abastados estão fora do seu alcance. Que o digam as estatísticas oficiais.

Resta refletir sobre como reagirá o povo, como reagirão os setores engajados nos movimentos sociais mais recentes (esperar dos movimentos mais antigos é acreditar que o Papai Noel tenha passado pelo Brasil, fazendo derramar seu saco de presentes em termos de consciência cívica).

Quanto aos nossos (des)governantes, estes estão preparados para manter e até mesmo ampliar a repressão sobre a massa humana insatisfeita com os desmandos que tomam conta do país. Não se pode esquecer que nossas “tropas” foram e continuam sendo adestradas sofisticadamente para atacar os movimentos sociais que ousem legitimamente protestar e exigir seus direitos sonegados.

Apesar do quadro nada animador, acreditamos que as novas gerações não irão abrir mão dos seus legítimos direitos, de ousarem se tornar protagonistas das mudanças estruturais há tantos anos exigidas pelo povo, sempre prometidas em tempos eleitorais e sempre ignoradas durante os anos seguintes às eleições. Cremos nessas reações, porque o sabor das várias iniciativas de ações reivindicatórias, praticadas por trabalhadores dos vários setores da economia, não foi extinto pela repressão aplicada sobre o povo a fim de garantir o “sucesso” da Copa. Apesar da criminosa violência praticada pelas polícias, que conseguiu apagar muita chama, cremos que muita brasa está fumegando por baixo das cinzas e preparando a lenha que deverá ser acesa no momento oportuno.

Cremos também que o sabor das mobilizações de 2013 tenha deixado um gostinho de “quero mais”, mesmo sabendo que a repressão estará atenta. Não se pode esquecer das lições da História da Humanidade: toda tirania tem seu tempo de duração e seu fim decretado. O que se espera é que as lições das experiências anteriores façam crescer a compreensão de ser preciso sempre dar mais qualidade às ações de massa, a começar pela sua organização de base, nuclear.

O povo precisa entender que não se pode viver num clima de “paz de cemitério”, pois a verdadeira paz, como nos ensinam experiências seculares, é fruto da justiça social. Enquanto a justiça não for conquistada pelo povo, a paz não ordenará a vida do povo, nem do conjunto da nação.

Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.

sábado, 17 de janeiro de 2015

Segurança alimentar, revolução no prato

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Para Flavio Luiz Schieck Valente, Secretário-Geral da Rede de Articulação e Informação Alimentação Primeiro (FIAN, em Inglês), a sociedade tem que mudar os costumes e práticas para que a fome seja vencida no mundo

Bruno Pavan

da Redação Brasil de Fato

Em novembro do ano passado acon­teceu em Roma (Itália), a 2ª Conferên­cia Internacional de Nutrição (CIN 2). Apesar de alguns avanços no combate à fome no mundo em relação ao primeiro encontro, realizado em 1992, um dado ainda assusta: em pleno século 21, 850 milhões de pessoas são cronicamente subnutridas.

O conceito de segurança alimentar é cada vez mais presente nesse deba­te. Mais do que matar a fome da popu­lação, o Comitê de Segurança Alimen­tar (CSA) afirma que é preciso que “to­das as pessoas tenham acesso físico, so­cial e econômico a uma alimentação su­ficiente, segura e nutritiva, que satisfaça suas necessidades dietéticas e preferên­cias alimentares para garantir uma vida ativa e saudável”.

Fora do Mapa da Fome da ONU des­de 2014, o Brasil ainda tem o que evo­luir nessa questão. Para o Secretário-Ge­ral da Rede de Articulação e Informação Alimentação Primeiro (FIAN, em Inglês) Flavio Luiz Schieck Valente, programas como o Bolsa Família dão o primeiro passo, mas não bastam.

Para ele, estas medidas são limitadas em relação ao que seria necessário pa­ra conter a expansão criminosa do agro­negócio e causas diretas dela como a de­vastação dos recursos naturais e huma­nos, o êxodo rural, a redução da concen­tração de renda e propriedade e as desi­gualdades flagrantes.

Brasil de Fato – Muito se falava sobre o combate a fome no mundo. O conceito de segurança alimentar foi adicionado faz pouco tempo para o grande público. O que seria segurança alimentar?

Flavio Luiz Schieck Valente – Se­gundo o Comitê de Segurança Alimen­tar Mundial (CSA), a segurança alimen­tar existirá quando: “...todas as pesso­as tem acesso físico, social e econômi­co a uma alimentação suficiente, segura e nutritiva, que satisfaça suas necessida­des dietéticas e preferencias alimentares para garantir uma vida ativa e saudável. Os quatro pilares da segurança alimen­tar são disponibilidade, acesso, utiliza­ção e estabilidade”.

No Brasil, ela é vista como um conjun­to de princípios que podem colaborar para a promoção e proteção integral do direito humano à alimentação e nutrição adequadas, entendido como um direi­to de todo e toda habitante do território nacional, e uma obrigação do Estado. O estabelecimento do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), a criação por lei federal do Sistema Nacional de Segurança Alimen­tar e Nutricional (SISAN), são conquis­tas do povo brasileiro em direção à erra­dicação da fome e promoção do bem- es­tar nutricional para todos e todas.

Ele é um conceito que continua a ser debatido e disputado no mundo, mas que ainda se encontra à reboque dos in­teresses do grande capital, em especial pelas transnacionais do agronegócio. É impossível orientar políticas que com­batam as causas estruturais da fome, da má nutrição e da desigualdade, na me­dida em que o conceito não lida com a questão do poder e do controle sobre os recursos naturais, produtivos e culturais necessários para a produção de uma ali­mentação diversificada e saudável.

Muitos dizem que, pela expectativa de vida estar crescendo no mundo, estamos adotando medidas mais saudáveis. A declaração da CIN aponta o contrário. Afinal, estamos comendo melhor ou não?

A expectativa de vida no mundo tem aumentado devido a uma redução signi­ficativa da mortalidade infantil, mas sem que isto signifique uma melhora progres­siva na qualidade de vida. Tem-se obser­vado nos países mais ricos e industriali­zados e nos chamados emergentes, uma redução da expectativa e da qualidade de vida entre os grupos sociais mais pobres, devido a doenças associadas à obesidade e sobrepeso, como a pressão alta, derra­mes, infartos, diabetes, entre outras.

A Declaração oficial da Conferência Internacional de Nutrição (CIN 2) apon­ta que cerca de 850 milhões de seres hu­manos vão toda a noite para a cama com fome e cerca de 2 bilhões apresentam di­ferentes formas de desnutrição, entre os quais 200 milhões são crianças com desnutrição aguda e crônica. Ao mes­mo tempo, cerca de 1 bilhão e meio estão obesos ou com sobrepeso.

Todas estas doenças estão associadas à desigualdade, à contaminação dos cam­pos, alimentos e pessoas, e a um padrão alimentar inadequado e pouco saudável, caracterizado pela redução da diversida­de alimentar, excesso de açúcares, de sal e gorduras saturadas.

O modelo de crescimento neodesenvolvimentista do Brasil e em grande parte do mundo tem sido alvo de muitas críticas. Como podemos superá-lo para que um sistema mais sustentável de produção de alimentos possa surgir?

O modelo atual de desenvolvimen­to brasileiro e de outros países que bus­cam ocupar um espaço econômico, so­cial e político mais relevante no contexto internacional é o reflexo de uma disputa de projetos de sociedade, ainda profun­damente hegemonizado pelo capital in­dustrial e financeiro internacional.

A reforma do CSA em 2009 foi lide­rada pelos estados membro da Améri­ca Latina e Caribe e somente foi possí­vel mediante aliança com o forte Movi­mento Global pela Soberania Alimentar, facilitado pelo Comitê Internacional de Planejamento pela Soberania Alimen­tar, convocado pela Via Campesina. Da mesma forma, a iniciativa do governo do Equador, de propor a criação de um Grupo de Trabalho Intergovernamental no Conselho de Direitos Humanos para elaborar a proposta de Pacto Internacio­nal vinculante regulando a atuação das multinacionais, no que se refere a viola­ções de direitos humanos, somente foi vitoriosa devido à forte pressão estabe­lecida junto aos governos de países ri­cos e demais países renitentes, no sen­tido de que a ação não fosse bloqueada. Mais uma vez a presença dos movimen­tos populares foi crucial.

Neste contexto, a declaração da socie­dade civil à CIN 2 entende que “...é ne­cessário reafirmar a centralidade dos produtores e produtoras de pequena es­cala e familiar , sendo estes e estas os su­jeitos chaves e os condutores dos siste­mas alimentares locais e os maiores in­vestidores na agricultura”.

Quais medidas podem ser tomadas pela ONU, por exemplo, para que a soberania alimentar seja respeitada?

A sociedade civil global que trabalha com alimentação e nutrição, em parti­cular os movimentos populares, enten­deu que alguns grandes eixos de ações são necessários para que avancemos em direção a construção de uma sociedade mais equitativa e justa onde todos e to­das tenham seu direito humano à ali­mentação e nutrição adequadas.

O primeiro é que a ONU vem sendo as­fixiada, em nome do neoliberalismo, por conta da redução do aporte dos fundos necessários para o seu funcionamento como entidade pública a serviço dos po­vos. Os governos precisam recuperar o controle democrático sobre a ONU e co­locá-la efetivamente a serviço dos inte­resses da maioria.

Em relação à governança sobre o te­ma, os movimentos populares, as Orga­nizações Sociais da Sociedade Civil (OS­Cs) e os governos têm que proteger os es­paços das políticas públicas de alimenta­ção, nutrição e saúde contra a ingerência de acordos de comércio e investimentos. Eles também devem garantir a regula­ção adequada e a responsabilização de atores econômicos poderosos, como as corporações transnacionais, como por exemplo, relacionado ao acaparamento de terra e publicidade para crianças.

Outro fator fundamental para o avan­ço da proposta da soberania alimen­tar seria a progressiva aproximação das agendas de lutas dos diferentes movi­mentos, e a possibilidade do estabeleci­mento de objetivos estratégicos conjun­tos. Este processo já está em andamento.

Por que o relatório dá muita importância às mulheres nessa questão da má nutrição? Como o empoderamento delas pode ajudar nessa questão?

Mais da metade da desnutrição infan­til no mundo está ligada a violações dos direitos das mulheres e das crianças, em particular de seus direitos sexuais e re­produtivos. Muitas meninas são força­das a casar e a ter filhos em uma idade precoce, antes de atingirem o desenvol­vimento pleno, seja do ponto de vista fí­sico como afetivo. Esta imposição au­menta enormemente o risco de desnu­trição materna e infantil.

As mulheres indígenas e camponesas da Colômbia, por exemplo, definem que a violência cometida contra o corpo da mulher é o primeiro ato de acaparamen­to, pois enfraquece os laços comunitá­rios e familiares e abre espaço para ou­tros atos semelhantes.

As mulheres, em pé de igualdade com os homens, devem ter seus direitos hu­manos plenamente garantidos pelo Es­tado. Somente desta maneira elas terão condições de ter controle sobre seu cor­po e sua vida, e inclusive, de ter contro­le sobre a decisão de unir-se ou não a al­guém e ter ou não filhos.

Ao mesmo tempo, o aleitamento é o primeiro ato de soberania alimentar, na medida em que a decisão de ama­mentar é da mulher, mas as condi­ções para que o ato se viabilize de ma­neira adequada são de responsabilida­de coletiva da família, da comunidade e do poder público. Por isso a declara­ção conclama os Estados a “...protege­rem as crianças do marketing agressi­vo e inadequado de substitutos do lei­te materno”.

Qual a importância de programas de distribuição de renda como o Bolsa Família têm para a soberania alimentar? O que mais os governos podem fazer quanto a isso?

Os programas de distribuição de ren­da são importantes, pois cumprem obri­gação do Estado de garantir a realização do direito humano à alimentação e nu­trição adequadas.

Os últimos governos brasileiros tem anunciado o avanço em alguns progra­mas considerados estruturantes que possibilitariam que as famílias rurais e urbanas mais pobres não precisas­sem mais do Bolsa Família. No entan­to, estas medidas são limitadas em re­lação ao que seria necessário para con­ter a expansão criminosa do agronegó­cio e causas diretas dela como a devasta­ção dos recursos naturais e humanos, o êxodo rural, a redução da concentração de renda e propriedade e as desigualda­des flagrantes.

Alguns debates são essenciais para confrontar a pobreza, a fome e má nutri­ção, em todas suas formas, nas áreas ur­banas e rurais. E eles passam por enten­der a necessidade de reformas amplas na sociedade como a agrária e a habita­cional e repensar diversas políticas para que possamos ter de fato uma democra­cia participativa e horizontal.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

"Reação aos terroristas pelo ocidente não pode acontecer só quando há ataques na Europa"

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Wikipedia

Arcebispo nigeriano reclama da pouca importância dada aos ataques do Boko Haram no país; Ataque à aldeias teria matado 2 mil pessoas; Sequestro de meninas ano passado ainda permanece sem solução

16/01/2015

Da Redação
Em entrevista ao canal britânico BBC, o arcebispo da região de Jos, centro da Nigéria, Ignatius Kaigama, disse que a comunidade internacional precisa dar aos ataques promovidos pelo grupo extremista Boko Haram no país a mesma importância que deu aos que ocorreram contra o jornal francês Charlie Hebdo.
"Vejo a reação positiva do Governo francês à questão da violência religiosa depois da morte de cidadãos no país. É necessário que essa atitude exista não apenas quando se trata da Europa, mas também quando se trata da Nigéria, do Níger, dos Camarões e de outros países pobres", declarou.
No último final de semana, três mulheres kamikaze, entre elas uma criança de dez anos, mataram pelo menos 23 pessoas em uma área controlada pelo Boko Haram e autoproclamada como um “califado”. Um grande ataque ao entreposto comercial de Baga, no início de janeiro, deixou ao menos 2 mil mortos, de acordo com a Anistia Internacional.
O grupo Boko Haram, que significa “contra a educação ocidental”, luta para refundar um califado islâmico no país africano. Desde 2009 ele matou mais de 13 mil pessoas.

Sequestro de 276 meninas completa 274 dias

Contra a educação de mulheres, o grupo promoveu em abril do ano passado, o sequestro de 276 meninas em uma escola no povoado de Chibok. Quase um ano depois, cerca de 230 seguem em poder dos sequestradores.
Nas redes sociais, a campanha BringBackOurGirls (Traga nossas meninas de volta) se queixa da falta de informações sobre o caso, que completa 276 dias nessa sexta-feira 16.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Vale controla sindicalismo em Carajás

vale

Da Reprodução

Mineradora age com demissões, retaliações à carreira e assédio moral para quem tenta formar uma chapa de oposição; há 20 anos não existem eleições sindicais

De Marcio Zonta,

Correspondente no Pará

Há 20 anos não existiam eleições para concorrer à presidência do sindicato Metabase de Carajás, no Pará – maior sindicato mineiro do país, com aproximadamente 11.500 operários em sua base, dos quais cerca de 4 mil são fiiados.

Neste período, os pleitos foram marcados pelo discurso da Vale e do próprio sindicato que sempre alegaram a inexistência de um grupo de trabalhadores na oposição. Entretanto, o surgimento de uma chapa contrária em 2014, trouxe à tona todos os componentes reais que tornou inoperante a democracia sindical entre os trabalhadores da Vale, na maior província de minério de ferro do mundo.

A eleição, que ocorreria na segunda quinzena de agosto do ano passado, se arrasta há cinco meses com idas e vindas na Justiça, sem defiição.

É a primeira vez, nessas duas décadas, que um grupo de trabalhadores conseguiu inscrever uma chapa para eleição sem ser derrotada nos bastidores. Segundo os trabalhadores, a mineradora Vale age com demissões, retaliações à carreira dentro da empresa e assédio moral para quem pensa ou tenta formar outra chapa.

Para conhecer os personagens dessa história, a reportagem do Brasil de Fato entrou nos meandros da interminável eleição de 2014. De um lado, Macarrão, que representaria todos os interesses da Vale, e há 15 anos preside o sindicato. Do outro, Anízio, o jovem pastor evangélico, que ganhou a preferência da categoria e ameaça por fi o atual “reinado”.

Tudo isso, em meio às formas de coerção de uma das maiores mineradoras do planeta para impedir e compelir um dos principais direitos dos trabalhadores: o de discutir e pleitear seus direitos perante uma representatividade de classe viável pelo sindicato.

Varrendo a oposição

O ano de 2014 começou com demissões na Vale, em Carajás. Três funcionários da empresa foram demitidos. O motivo? Suspeitos de estarem organizando uma chapa para disputar a eleição do sindicato. Entretanto, foi somente em julho, que a investigação interna da empresa chegou ao nome que ameaçaria a supremacia de 20 anos do Metabase de Carajás: Anízio Alves Teixeira.

Rapidamente, em 9 de julho, Anízio estava recebendo sua primeira demissão da Vale, tendo de ser readmitido no mesmo dia, pois estava lesionado e não poderia ser desligado da empresa. O funcionário tinha sofrido um acidente dentro da mineradora exatamente oito dias antes de sua demissão. A segunda tentativa de tirar Anízio do quadro de funcionários da Vale e impedi-lo de inscrever uma chapa de oposição não tardou. Após se afastar por recomendação médica por 19 dias para tratamento na coluna, o trabalhador voltou a ser demitido em primeiro de agosto de 2014.

“Pediram-me para comparecer no departamento de recursos humanos da Vale, e me entregaram o aviso de demissão. O funcionário responsável pelo setor disse que depois me ligaria pra falar sobre os exames e homologação, tomaram o meu crachá e me deixaram fazer terapias na clínica até cortarem o plano”, conta Anízio.

Sem motivo e sem lei

Nos dois avisos de demissão que Anízio recebeu não constava o motivo do desligamento. Tampouco a empresa tinha elaborado o Comunicado de Acidente de Trabalho (Cat) e realizado os exames de lesionado para rescisão de seu contrato trabalhista.

Dessa forma, 24 horas depois de receber o segundo aviso, sem manifestação da Vale, o “ex funcionário” voltou à empresa e pediu explicações, já que estava enfermo e não poderia ser demitido.

Sem a devida atenção da empresa, foi ao sindicato  e cobrou que fosse feito o Cat. “Passei uma semana sendo jogado de um lado para o outro e no dia que seria possível fazer a homologação, estive no sindicato, que não tinha documentação alguma para mim”, revela.

Vale democracia

Da Reprodução

Em meio à inexplicável e ilegal demissão, Anízio conseguiu numa das idas ao Metabase, tomar conhecimento das datas das eleições, até então mantida em sigilo entre Vale e Macarrão.

O funcionário não teve dúvida, utilizou seu celular para fazer uma foto do comunicado, que continha as informações e publicou para todos os trabalhadores da mineradora, convocando para formar a Chapa 2, assim intitulada.

“Foi sufoco, o presidente do pleito amigo e convidado do Metabase de Carajás e a comissão eleitoral formada por uma só pessoa, negaram o pedido após 3 dias de nossa inscrição, justifiando que eu já era demitido e que 5 membros de nossa chapa eram inadimplentes e 3 não tinham 24 meses de fiiados”, rememora o persistente Anízio.

No entanto, o estatuto do sindicato Metabase de Carajás, elaborado pelo próprio grupo que está no poder há 20 anos, diz no artigo 8, que em caso de demissão involuntária, o fiado tem quatro meses com todos os direitos garantidos perante a entidade.

“E mesmo que fosse verídica a minha demissão, o aviso prévio seria de 54 dias, o que compreende que na data da inscrição da chapa até o período das eleições estaria dentro do prazo. E para resolver o problema dos acusados de inadimplência retiramos os 24 contra-cheques que mostravam os descontos em folha, já os que não teriam tempo de 24 meses de contribuição, a CLT garante que pra votar e ser votado são seis meses de contribuição e 24 meses dentro do território do sindicato, e todos têm mais de cinco anos na empresa, ou seja, estávamos aptos.”

Todavia, quando foram entregar a documentação para a comissão eleitoral tiveram a seguinte resposta: “Temos orientações para não receber nada de vocês, podem procurar a Justiça”, lembra Anízio.

Justiça da Vale

Ao mandar a disputa para a Justiça, a Vale estaria usando mais uma de suas artimanhas para perpetuar seu grupo no Metabase de Carajás.

Dessa forma, a Chapa 2 entrou com um processo pedindo uma ação cautelar na primeira instância, que a garantiu no processo eleitoral. Ao contrário, a chapa de Macarrão, articulou um mandado de segurança na segunda instância e perdeu.

Com a decisão, a trupe de Macarrão não desistiu e entrou em seguida com um agravo regimental. “De maneira atípica foi julgado com uma rapidez impressionante, e na primeira seção onde só tinham sete dos 11 desembargadores, perdemos por 6x1”, denuncia Anízio. Agora, o processo será julgado na Justiça do Trabalho no próximo dia 27 de janeiro, quando sairá o resultado da decisão da ação, que solicita o registro defiitivo da Chapa 2 nas eleições.

Eleição forçada

No andar da carruagem e com a situação ainda sem controle, embora a Justiça até o momento tenha inviabilizado a Chapa 2, nos dias 4 e 5 de dezembro de 2014 Macarrão convocou as eleições.

Urnas foram espalhadas pelas portarias, ponto de encontro de funcionários e nos refeitórios da empresa Vale com mesários e forte esquema de segurança. O resultado pífi demonstrou por que a mineradora tem se empenhado tanto para barrar o processo eleitoral.

Dos 3.403 mil eleitores aptos a votar, a chapa de Macarrão, precisaria de 1.702 votos (50% mais um). Porém, só votaram 82 pessoas. Boicotaram o pleito armado por Macarrão 3.321 trabalhadores (97.6%). Na saída de um dos turnos, os funcionários pedindo para não serem identificados expressavam a vontade de mudança. “Macarrão de novo não, chega!”, disse um rapaz apressado fazendo o gesto de negativo com o polegar.

Outra moça, cobrindo seu crachá para não ter seu nome reconhecido, também rechaçou. “Eu não votei, quando vi era a turma do Macarrão organizando, vou votar na Chapa 2, quando tiver a eleição verdadeira.”

Caso tivesse consolidado as eleições como tentou a atual e perene diretoria do Metabase de Carajás seria o quinto mandato consecutivo de Macarrão utilizando a mesma tática.

Com um detalhe, conforme tomaram o sindicato sem nenhuma predisposição democrática, aumentaram a permanência na presidência de dois para cinco anos.

Contudo, numerosa parte dos trabalhadores articulou uma campanha denominada: “Não votamos em ditador, votamos na democracia!”. “A categoria em peso aderiu e não teve votos sufiientes pra eleger uma chapa única mais uma vez ilegal na história do sindicalismo de Carajás”, comemora Anízio.

Currículos opostos

Anízio chegou a Parauapebas nos anos 2000, vindo de outras regiões do Pará. Em 2004, começou a trabalhar numa empresa terceirizada da Vale. Em 2006 foi contratado diretamente pela mineradora. Com uma tradição sindical de família, que fundou sindicatos rurais em Minas Gerais e no Maranhão, se fiiou ao Metabase de Carajás no mesmo período.

Na primeira assembleia que participou, no fial de 2006, sentiu vontade de mudança. “Na reunião sobre os acordos coletivos, os trabalhadores estavam no meio da quadra e os chefes da Vale todos de olho e o presidente do sindicato disse: ‘Pessoal, depois de muita luta e discussão, isto foi o melhor que conseguimos, ou a gente aprova do jeito que está ou perdemos tudo’, aquilo foi ridículo, um clima de opressão”, relembra.

Raimundo Nonato Amorim, o Macarrão, há mais de uma década presidindo o sindicato Metabase teria apenas uma missão na entidade: assegurar toda a ideologia da Vale perante qualquer anseio de mudança da categoria.

As reivindicações dos funcionários em relação a benefícios e salários, em todos esses anos de domínio no sindicato, que demandaram negociações e acordos, foram redimensionadas por sua diretoria a favor da Vale.

O mais emblemático exemplo é o caso das horas in itinere. Em 2010, 120 trabalhadores entraram com uma ação coletiva de trabalho para receber 96 meses do tempo do trajeto de suas casas até as minas, que a Vale não pagava.

Num acordo feito entre Macarrão, a Vale e a desembargadora Francisca Formigosa foram pagos apenas 42 meses.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

1° Ato Contra o Aumento da Tarifa - Osasco

O PSOL defende a Tarifa Zero.
Todo apoio contra o aumento!

Sexta, 23 de janeiro às 17:00 horas

Concentração: CPTM Estação de Osasco.

Ato em Osasco

domingo, 11 de janeiro de 2015

Os dados da riqueza do Brasil e a estrutura tributária

É possível estimar que, em 2012, os 50% dos brasileiros mais pobres detinham 2% da riqueza, 36,99% ficavam com 10,60% e 13,01% com 87,40%.

Róber Iturriet Avila - Brasil Debate

Postado: Carta Maior

moeda

Nesse mesmo espaço, no mês passado, informações acerca da riqueza pessoal do Brasil foram expostas, a partir das declarações de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). Os números de patrimônio eram desconhecidos até então, havia apenas uma estimativa no Atlas da Exclusão Social no Brasil, um estudo realizado entre 2003 e 2005. Essa pesquisa apontou que 5 mil famílias se apropriam de 40% do fluxo de renda e detêm 42% do patrimônio brasileiro.
O levantamento foi efetuado ancorado no censo demográfico e nas pesquisas de orçamentos familiares. Houve ainda um estudo com a distribuição patrimonial com dados do Tribunal Superior Eleitoral.
Em que pesem as limitações na interpretação do que o IRPF retrata, como a defasagem no valor de riqueza declarada, a contabilização de patrimônio em nome das empresas e a não separação dos bens de cônjuges, esses números são os mais precisos existentes no Brasil.
Em 2012, 25,6 milhões de pessoas declararam imposto de renda no País. Esse contingente representava 13,01% da população total. Como as posses dos não declarantes persistem indisponíveis, convém detalhar a metodologia da estimativa realizada.
Em termos internacionais, os 50% mais pobres obtêm 4% da riqueza em países menos desiguais, como a França, por exemplo. Já os 10% dos franceses mais ricos possuíam 62% da riqueza em 2011, de acordo com Thomas Piketty.  Nos Estados Unidos, os 50% mais pobres detêm 2% da riqueza enquanto os 10% mais ricos possuem 72%.
Frente ao histórico da formação socioeconômica brasileira, podemos partir da referência internacional de que os 50% mais pobres possuem 2% do patrimônio brasileiro.
Sobretudo ao se constatar que está nessa monta quem recebeu até R$ 1.095,00 em 2013, de acordo com a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio. Daqueles que figuram entre os 13,01% da população que declaram imposto de renda, 4,88% somam um patrimônio de 0,004% do total notificado.
Em assim sendo, todo o patrimônio declarado está concentrado com 8,13% da população. Era necessário chegar ao patrimônio de quem está acima dos 50% mais pobres e abaixo dos 13,01% mais ricos, sabendo-se que esses tiveram um rendimento mensal entre R$ 1.095,00 e R$ 1.499,16.
Foi deduzido, com o risco de superestimar, que esses não declarantes possuem um patrimônio equivalente à média das quatro primeiras faixas patrimoniais dos declarantes (até R$ 30.000,00). Diante dessas considerações, o quadro de 2012 é seguinte:
- os 50,00% mais pobres detêm 2,00% da riqueza
- 36,99% dos brasileiros detêm 10,60% da riqueza
- 13,01% possuem 87,40% da riqueza
Para se chegar às comparações internacionais dos 10%, 1% e 0,1% mais ricos, é preciso efetuar adaptações, já que os informes da Receita Federal do Brasil estão agregados. Com a base existente, é possível apontar a participação dos 8,13%, 0,9% e 0,21% mais ricos.
- 8,13% das pessoas possuem 87,40% da riqueza
- 0,9% detêm 59,90% do total
- 0,21% detêm 40,81% da riqueza dos brasileiros
Em 2012, 0,21% da população representou 406.064 declarantes. Em 2006, o corte mais elevado ficou a partir R$ 1,5 milhão em bens, mas abarcou 156.084 indivíduos (0,08% da população daquele ano) que contemplavam 36,12% do total de patrimônio notificado à Receita.
Entretanto, nesse mesmo ano, o patrimônio médio desses indivíduos foi de R$ 5,4 milhões, sinalizando que a concentração está em um grupo menor de pessoas.
Uma das referências quantitativas importantes na literatura é a participação dos 0,01% mais ricos. Esse corte analítico não é possível de ser realizado, embora seu conhecimento desnudasse o patrimônio dos 19.500 indivíduos mais ricos do País.
Os que estão no topo da pirâmide social obtêm seus rendimentos, sobretudo, do capital. Sabidamente, a estrutura tributária brasileira está centrada no consumo. Em 2012, 49,73% da arrecadação adveio dos bens e serviços, 17,84% da renda, 3,85% da propriedade, 26,53% da folha de salários e 2,04% de outros meios.
Ao se efetuar comparações internacionais de impostos sobre herança, por exemplo, é possível compreender a exacerbada concentração da riqueza brasileira.
No Reino Unido, a alíquota é de 40,00%; na França 32,50%; nos Estados Unidos 29,00%; na Alemanha 28,50%; na Suíça 25,00%; no Japão 24,00%, no Chile 13,00%; já no Brasil o tributo é de 3,86%.
Há aqui também uma discussão filosófica, pois mesmo com uma concepção de que a riqueza guarda relação com o mérito individual, não há mérito em ser filho de pessoas abastadas.
Tendo em conta que os rendimentos do capital remuneram os que estão no topo, é interessante observar como é a tributação a esse grupo.
Averiguando-se as alíquotas máximas de dividendos de alguns países, é verificado que na Dinamarca é de 42,00%, na França de 38,50%, no Canadá de 31,70%, na Alemanha é de 26,40%, na Bélgica é de 25,0%, nos Estados Unidos de 21,20% e na Turquia 17,50%. Já no Brasil, os dividendos são isentos de imposto de renda, a alíquota é 0,00%.
Adicionalmente, há a possibilidade de as empresas deduzirem das receitas tributáveis os “juros sobre o capital próprio”. O juro do capital próprio é tributável ao acionista, mas com uma alíquota menor do que a máxima que os trabalhadores pagam.
Em linha semelhante, os rendimentos de aplicações financeiras em renda fixa e variável possuem tributação menor do que a alíquota máxima do rendimento do trabalho.
O conhecimento dos dados de imposto de renda que a Receita Federal do Brasil disponibilizou não apenas favorecem o conhecimento de nosso País, como também contribuem para subsidiar o debate da justiça fiscal.

grafico-riqueza

Referências
BRASIL. Receita Federal do Brasil. Disponível AQUI. Acesso em 10 dez. 2014
CASTRO, Fábio Avila.  Imposto de renda da pessoa física: comparações internacionais, medidas de progressividade e redistribuição. 2014.115f. Dissertação (Mestrado) %u215 Departamento de Economia, Universidade de Brasília, Brasília, 2014.

Créditos da foto: Jason Mrachina - Flickr

sábado, 10 de janeiro de 2015

Agronegócio faz brasileiro consumir 5,2 litros de agrotóxicos por ano

Divulgação

“A bancada ruralista ocupa hoje mais de 50% do Congresso brasileiro e vem constantemente atuando na tentativa do que consideramos legalizar a contaminação”, destaca a agrônoma Fran Paula

agrotoxicos-divulgação

Por João Vitor Santos,

No IHU-Online

Pensar um Brasil que não priorize uma produção agrícola em latifúndios de monoculturas para exterminar o uso de agrotóxicos. É o que propõe Fran Paula, engenheira agrônoma da coordenação nacional da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida em entrevista concedida por e-mail para a IHU On-Line. Para ela, “o agronegócio utiliza largas extensões de terras, criando áreas de monocultivos. Dessa maneira, destrói toda a biodiversidade do local e desequilibra o ambiente natural, tornando o ambiente propício para o surgimento de elevadas populações de insetos e de doenças”. E a priorização por esse tipo de produção se reforça no conjunto de normas que concedem muito mais benefícios a quem adota o cultivo à base de agrotóxicos ao invés de optar por culturas ecológicas. Um exemplo: redução de impostos sobre produção desses agentes químicos, tornando o produto muito mais barato. Segundo Fran, em estados como Mato Grosso e Ceará essa isenção de tributos chega a 100%.

E, ao contrário do que se possa supor, a luta pela redução do consumo de agrotóxicos não passa necessariamente por uma reforma na legislação brasileira. Para a agrônoma, basta aplicar de forma eficaz o que dizem as leis e cobrar ações mais duras de órgãos governamentais. O desafio maior, para ela, é enfrentar a bancada ruralista e sua bandeira do agronegócio, além de cobrar ações que levem à efetivação da Política Nacional de Agroecologia. “A bancada ruralista ocupa hoje mais de 50% do Congresso brasileiro e vem constantemente atuando na tentativa do que consideramos legalizar a contaminação. Isso à medida que exerce forte pressão no governo sobre os órgãos reguladores, dificultando processos de fiscalização, monitoramento e retirada de agrotóxicos do mercado. E, ainda, vem tentando constantemente flexibilizar a lei no intuito de facilitar a liberação de mais agrotóxicos a interesse da indústria química financiadora de campanhas eleitorais”, completa.

Fran Paula é engenheira Agrônoma e também técnica da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE. Hoje, atua na coordenação nacional da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida. É um grupo que congrega ações com objetivo de sensibilizar a população brasileira para os riscos que os agrotóxicos representam e, a partir disso, adotar ações para acabar com o uso dessas substâncias.

Confira a entrevista.
IHU On-Line - No último dia 3 de dezembro, dia internacional da luta contra agrotóxicos, a Campanha contra os Agrotóxicos divulgou que cada brasileiro consome 5,2 litros de agrotóxicos por ano. Como chegaram à contabilização desses dados? O que esse valor indica acerca do uso de agrotóxicos no Brasil em relação a outros países do mundo que utilizam esses produtos na agricultura?

Fran Paula - O dado se refere à exposição ocupacional, ambiental e alimentar a que o brasileiro se encontra, devido ao uso indiscriminado de agrotóxico no país. O número se refere à média de exposição de agrotóxicos utilizados no ano em relação ao número da população brasileira. Esse número se eleva quando a referência são alguns estados produtores de grãos, como o caso do Estado de Mato Grosso. No ano de 2013, utilizou 150 milhões de litros de agrotóxicos, levando a população do Estado a uma exposição de 50 litros de agrotóxicos por pessoa ao ano.
Um dado revela que o Brasil é, desde 2008, o campeão noranking mundial de uso de agrotóxicos. Ou seja, somos o país que mais consome venenos no Planeta.

IHU On-Line - A que atribuem esse consumo elevado de agrotóxicos?

Fran Paula - A opção clara da política agrícola brasileira pelo agronegócio é a grande responsável pela situação. O agronegócio utiliza largas extensões de terras, criando áreas de monocultivos. Por exemplo: soja, milho, algodão, eucalipto ou cana-de-açúcar. Dessa maneira, destrói toda a biodiversidade do local e desequilibra o ambiente natural, tornando o ambiente propício para o surgimento de elevadas populações de insetos e de doenças. Por isso este modelo de produção é dependente da química, só funciona com muito veneno. E, além de usar grande quantidade de agrotóxicos e transgênicos, não gera empregos e não produz alimentos.

A bancada ruralista ocupa hoje mais de 50% do Congresso brasileiro e vem constantemente atuando na tentativa do que consideramos legalizar a contaminação. Isso à medida que exerce forte pressão no governo sobre os órgãos reguladores (principalmente saúde e meio ambiente), dificultando processos de fiscalização, monitoramento e retirada de agrotóxicos do mercado. E, ainda, vem tentando constantemente flexibilizar a lei no intuito de facilitar a liberação de mais agrotóxicos a interesse da indústria química financiadora de campanhas eleitorais. Política essa que permite absurdos como o uso de agrotóxicos já banidos em outros países, havendo comprovação científica do grau de periculosidade destes produtos na saúde dos humanos e do meio ambiente.

No Brasil, um conjunto de normas reduz a cobrança de impostos sobre agrotóxicos. E a isenção destes impostos (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, Contribuição para Financiamento da Seguridade Social - COFINS, Programa de Integração Social – PIS e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PASEP, Tabela de Incidência do Imposto Sobre Produtos Industrializados - TIPI) pode chegar a 100% em alguns estados como Ceará e Mato Grosso.

Contradizendo as promessas das sementes transgênicas, os transgênicos elevaram o uso de agrotóxicos no país. Um exemplo é o da soja Roundup Ready, resistente ao herbicida glifosato. Com a entrada da soja transgênica, o consumo de glifosato se elevou mais de 150%. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, considerando o potencial aumento de resíduos do herbicida, determinou o aumento de 50 vezes no Limite Máximo Residual - LMR do glifosato na soja transgênica, passando de 0,2 mg/kg para 10 mg/kg. Assim, a ANVISA demonstra que os argumentos da Monsanto anunciando uma diminuição do uso de herbicida com o advento da soja transgênica não são verificáveis na realidade, o que já estava previsto com a expansão da indústria de Roundup no Brasil.

IHU On-Line - Quais são as culturas que recebem uma carga mais pesada de defensivos?

Fran Paula – Primeiramente: não existem defensivos. Defesa para quem? E do quê? Não existe essa terminologia na legislação. O termo é agrotóxicos e assim devemos tratar do assunto. O termo defensivo é utilizado pelos setores do agronegócio, incluindo as indústrias que os produzem, para tirar de foco a função desses produtos e seus efeitos nocivos à saúde da população e do meio ambiente. Da mesma forma que uso seguro de agrotóxicos é um mito. Isso faz parte do lobby da indústria química para esvaziar o debate sobre o risco que os agrotóxicos representam.

Entre os mais utilizados, destacamos: o Abamectina, um tipo de inseticida altamente tóxico, utilizado em plantações de batata, algodão e frutíferas; o Acefato, que é um inseticida que pertence à classe toxicológica III - Medianamente Tóxico e que é utilizado com frequência em plantações de couve, amendoim, brócolis, fumo, crisântemo, repolho, melão, tomate, soja, rosas, citros e batata; e o Glifosato, um herbicida bastante utilizado no combate a ervas indesejáveis no cultivo de soja, principalmente.

Não é o tipo de cultura que define a quantidade de agrotóxico utilizada. O que define é o modelo de produção. Posso ter um pimentão com alta concentração de agrotóxico, como posso ter um pimentão orgânico.

IHU On-Line - Quais os efeitos na saúde de quem consome alimentos com traços de agrotóxicos?

Fran Paula - Não existe agrotóxico que não seja tóxico. Portanto, não há nenhum que não apresente risco à saúde humana mediante exposição e posterior contaminação. Os agrotóxicos provocam dois tipos de efeitos: os agudos, provocados nas horas seguintes à exposição; e os crônicos, que podem se manifestar em meses, anos e até décadas, como resultado da acumulação dos resíduos químicos no organismo das pessoas.

Um exemplo nacional que tivemos de contaminação por agrotóxicos e acumulação destes resíduos no organismo foi a pesquisa que revelou contaminação do leite materno. Os efeitos de resíduos de agrotóxicos no nosso organismo podem manifestar complicações como alterações genéticas, problemas neurotóxicos, má-formação fetal, abortos, efeitos teratogênicos, desregulação hormonal, desenvolvimento de células cancerígenas. Reforço que a maioria dos agrotóxicos possui ação sistêmica e que medidas como lavar superficialmente os alimentos com água e sabão não são suficientes para eliminar os resíduos de agrotóxicos.

IHU On-Line - A campanha também alerta que há regiões no país em que o consumo de agrotóxicos é ainda maior. Quais são essas regiões e por que o consumo é tão elevado?

Fran Paula - Como já havia citado anteriormente, em alguns estados onde o agronegócio exerce um aparelhamento político forte e detém grandes áreas de monocultivos de soja e outras commodities, o consumo de agrotóxicos é maior.

IHU On-Line - Além do consumo de alimentos que foram expostos a agrotóxicos, a que riscos as pessoas que vivem em regiões de altos índices de aplicação desses defensivos estão submetidas?

Fran Paula - Estão submetidas a problemas de saúde devido à exposição direta aos agrotóxicos, devido à contaminação da água para consumo, do ar que respiram e do solo. Ainda sofrem as ameaças da pulverização aérea, como os milhares de casos pelo Brasil de populações que são banhadas diariamente por venenos, principalmente pelo desrespeito às medidas legais quanto aos limites desta pulverização tanto aérea quanto terrestre no entorno dessas comunidades. A este contingente de populações expostas a agrotóxicos cobramos atenção especial dos serviços de saúde como forma de promoção da vida e sobrevivência destas pessoas. Por isso uma das bandeiras de luta da Campanha tem sido a criação de áreas livres de agrotóxicos e transgênicos.

IHU On-Line - O que é possível fazer para frear esse uso tão grande de agrotóxicos? Quais as alternativas junto às plantações para o controle de pragas?

Fran Paula - Analisemos a história da agricultura no mundo, com registros de 12 mil anos atrás. Já a história dos agrotóxicos tem registros de pouco mais de 50 anos. Ou seja, desde muito tempo é possível produzir sem usar agrotóxicos. São crescentes os investimentos em países da União Europeia, Japão, Índia, em práticas e técnicas de produção de não uso de agrotóxicos. O Brasil é um país atrasado na medida em que ainda utiliza um arsenal deprodutos químicos provenientes da guerra. Nosso país precisa urgentemente rever o modelo de produção quem vem adotando, centrado no Agronegócio. Esse modelo concentra a terra, cria áreas de monocultivos e desertos verdes, adota pacotes tecnológicos (adubos químicos, sementes híbridas e transgênicas e agrotóxicos) ofertados pelas indústrias químicas. É preciso implementar o Plano Nacional de Redução de Agrotóxicos – PRONARA,vinculado à Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, construído em 2014. Essa legislação prevê ações no campo da pesquisa de tecnologias sustentáveis de produção, crédito para o fortalecimento da agricultura de base agroecológica responsável pela produção de alimentos, investimentos em assistência técnica e extensão ruralagroecológica aos agricultores, retirada imediata dos agrotóxicos já banidos em outros países e que são utilizados livremente no Brasil e fim do subsídio fiscal aos agrotóxicos. Além disso, adoção de práticas de menor impacto, como o controle biológico de pragas e o manejo integrado; adoção de práticas agroecológicas de produção, que permitem a seleção natural das culturas, e variedades crioulas com maior resistência à incidência de insetos e doenças e que permitam a diversificação da produção e oferta de alimentos com base nos princípios da segurança alimentar e nutricional.

IHU On-Line - Uma das bandeiras da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida é o fim da prática de pulverização aérea das lavouras. Por quê?

Fran Paula - A pulverização aérea de agrotóxicos é uma prática ameaçadora à vida. Diversos estudos científicos e casos de intoxicação humana e contaminação ambiental têm reiterado que não existem condições seguras para pulverização aérea. Além de tratar-se de uma técnica atrasada em termos de eficiência de aplicação, requer que sejam pulverizadas grandes quantidades de veneno para se atingir a quantidade desejada do ponto de vista agronômico, por conta das elevadas perdas. Estudos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPAmostraram que o percentual de perda pode chegar a mais de 80% em algumas culturas. Esse elevado percentual corrobora o fato de que grande parte do que é pulverizado atinge outros alvos que não os desejados, podendo contaminar água, lençóis freáticos e ainda atingir diretamente pessoas e outros seres vivos.

Entre os casos de contaminação via pulverização aérea, temos o ocorrido em 2013 na Escola Municipal de São José do Pontal, localizada na região rural do município de Rio Verde, Goiás. Ali, essa prática resultou em diversos casos de intoxicação aguda de trabalhadores e de alunos de 9 a 16 anos. Nesse episódio, a pulverização teria sido feita sobre a lavoura de milho localizada a poucos metros da escola, não obedecendo aos limites mínimos de distância recomendados na legislação. O produto pulverizado, segundo a empresa de aviação agrícola, era o inseticida Engeo Pleno, fabricado pela multinacional Syngenta. Um de seus componentes é o tiametoxam, do grupo dosneonicotinoides, produto altamente tóxico para abelhas e que por isso havia sido proibido para uso por pulverização aérea pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente - IBAMA. No entanto, após pressão do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA, a proibição foi suspensa.

IHU On-Line - Qual sua avaliação sobre a legislação brasileira no que diz respeito à liberação e uso de agrotóxicos? Recentemente, a ANVISA aprovou a iniciativa para propor o banimento dos agrotóxicos Forato e Parationa Metílica. Como avalia essa iniciativa e quais as implicações desses agrotóxicos?

Fran Paula - O problema em geral não está na lei 7802/89, que define a Legislação dos Agrotóxicos no Brasil, e sim no não cumprimento da mesma. Quanto ao registro de agrotóxicos, a lei estabelece a proibição para os quais o Brasil não disponha de métodos para desativação de seus componentes, de modo a impedir que os seus resíduos remanescentes provoquem riscos ao meio ambiente e à saúde pública, para os quais não haja antídoto ou tratamento eficaz no Brasil. Ainda proíbe registro aos que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, de acordo com os resultados atualizados de experiências da comunidade científica, que provoquem distúrbios hormonais, danos ao aparelho reprodutor, de acordo com procedimentos e experiências atualizadas na comunidade científica. Não permite registro de agrotóxicos que se revelem mais perigosos para o homem do que os testes de laboratório com animais tenham demonstrado, segundo critérios técnicos e científicos atualizados e também cujas características causem danos ao meio ambiente. O risco maior está nas inúmeras tentativas de flexibilização da leipor parte da bancada ruralista, cujo propósito é defender os interesses das indústrias químicas e assim liberar o registro de mais agrotóxicos no mercado.

O efeito danoso dos agrotóxicos é reconhecido e estabelecido em lei. A ANVISA é o órgão responsável no âmbito do Ministério da Saúde pela avaliação da toxicidade dos agrotóxicos e seus impactos à saúde humana; emite o parecer toxicológico favorável ou desfavorável à concessão do registro pelo Ministério da Agricultura.

IHU On-Line - Quais os pontos mais urgentes em que a legislação precisa avançar ou ser revista?

Fran Paula - A legislação brasileira, apesar de conter normas de restrição ao registro de agrotóxicos, não estipula tempo para reavaliação dos agrotóxicos. Acaba ficando a critério dos órgãos responsáveis pelo registro solicitarem a mesma. No Brasil, a validade do registro do produto é de tempo indeterminado, ao contrário de países como Estados Unidos, onde o registro tem validade por 15 anos. Na União Europeia são 10 anos, no Japão três anos e no Uruguai quatro anos. Apesar de a lei atribuir responsabilidades quanto ao monitoramento e fiscalização, o cenário é de uma capacidade reduzida dos órgãos de saúde e de meio ambiente. Isso ocorre nas três esferas de governo, no que diz respeito ao desenvolvimento de serviços de monitoramento e controle de agrotóxicos.

IHU On-Line - Um dos herbicidas mais usados e conhecidos no Brasil e no mundo é o Glifosato, chamado “mata mato”. Como acaba com praticamente todas as ervas daninhas, além da aplicação em zona rural, há municípios que usam em áreas urbanas, fazendo o que algumas pessoas chamam de “capina química”. Que problemas para o meio ambiente, no campo e na cidade, o uso indiscriminado dessa substância pode causar?

Fran Paula - Mata mato é um dos nomes comerciais do herbicida Glifosato. Possui uma ação sistêmica, ou seja, ao ser aplicado nas folhas das plantas é translocado até as raízes e é não seletivo. Mata todo tipo de plantas, exceto as transgênicas que apresentam resistência a este princípio ativo. Dentre os riscos ao meio ambiente estão a contaminação do lençol freático e do solo, com a morte de microrganismos e consequente perda da fertilidade. E se tratando de capina química, há uma nota técnica da ANVISA de 2010 recomendando a proibição dessa prática em ambientes urbanos, devido à exposição da população ao risco de intoxicação, além de contaminar a fauna e a flora local.

IHU ON-Line - E para a saúde de quem se expõe ao Glifosato?

Fran Paula - Há estudos toxicológicos do Glifosato em diversos países e todos são unânimes nos resultados para efeitos tóxicos na saúde. Estes estudos revelam que a toxicidade do Glifosato provoca os seguintes efeitos: toxicidade subaguda (lesões em glândulas salivares), toxicidade crônica (inflamação gástrica), danos genéticos (em células sanguíneas humanas), transtornos reprodutivos (diminuição de espermatozoides e aumento da frequência de anomalias espermáticas) e carcinogênese (aumento da frequência de tumores hepáticos e de câncer de tireoide). Os sintomas de intoxicação incluem irritações na pele e nos olhos, náuseas e tonturas, edema pulmonar, queda da pressão sanguínea, alergias, dor abdominal, perda de líquido gastrointestinal, vômito, desmaios, destruição de glóbulos vermelhos no sangue e danos no sistema renal. O herbicida ainda pode continuar presente em alimentos num período de até dois anos após o contato com o produto. Em solos pode estar presente por mais de três anos, dependendo do tipo de solo e clima. Apesar da classificação toxicológica que recebe no Brasil, o produto é considerado um biocida. Tanto que já foi banido de países como a Noruega, Suécia e Dinamarca.

IHU On-Line - Qual o papel de outros órgãos, como Ministério Público, nas discussões e no combate ao uso indiscriminado de agrotóxicos?

Fran Paula - A atuação do Ministério Público é fundamental diante do contexto e cenário que o Brasil se encontra, de ineficiência de aplicação da lei e da omissão dos órgãos de monitoramento e fiscalização. O Ministério Público do Trabalho lançou em 2009 o Fórum Nacional de Combate aos Efeitos dos Agrotóxicos. Criado para funcionar como instrumento de controle social, o Fórum Nacional conta com a participação de organizações governamentais e não governamentais, sindicatos, universidades e movimentos sociais, além do Ministério Público. Além do Fórum Nacional, foram sendo criados os fóruns estaduais de combate aos impactos dos agrotóxicos com o mesmo objetivo. A Campanha participa do Fórum Nacional e dos estaduais, com objetivo de levantar elementos e embasar o Ministério Público em ações que visem à redução do uso de agrotóxicos e promoção da agroecologia.

IHU On-Line - A Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida já destacou que 2015 será um ano em que se desenvolverão diversas políticas nacionais de agroecologia e produção orgânica. Que políticas são essas?

Fran Paula - Em agosto de 2012, a presidenta Dilma Rousseff instituiu a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – PNAPO, por meio do Decreto nº 7.794, de 20-08-2012, resultado de intensos diálogos e reivindicações dos movimentos sociais. A partir de então, governo e sociedade civil se debruçaram na tarefa de construção de um Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – PLANAPO.

No campo produtivo, o Plano propõe mecanismos capazes de atender à demanda por tecnologias ambientalmente apropriadas, compatíveis com os distintos sistemas culturais e com as dimensões econômicas, sociais, políticas e éticas no campo do desenvolvimento agrícola e rural. Ao mesmo tempo, apresenta alternativas que buscam assegurar melhores condições de saúde e de qualidade de vida para a população rural. Assim foi criado, no âmbito da PNAPO, o Programa Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos – PRONARA. É construído numa parceria da Campanha com diversos ministérios e órgãos subordinados, além de outros movimentos sociais. O PRONARA contém 35 iniciativas que, se levadas a cabo, melhorariam drasticamente as condições de saúde do povo brasileiro em relação aos agrotóxicos. A lógica do PRONARA se desenvolve como base em iniciativas estruturadas de forma articulada, cobrindo seis dimensões: registro; controle, monitoramento e responsabilização da cadeia produtiva; medidas econômicas e financeiras; desenvolvimento de alternativas; informação, participação e controle social; e formação e capacitação.

O prazo de três anos para execução desta primeira edição do Plano Nacional de Agroecologia vincula suas iniciativas às ações orçamentárias já aprovadas no Plano Plurianual de 2012 a 2015. Trata-se, portanto, de um forte compromisso para trazer a agroecologia, seus princípios e práticas, não só para dentro das unidades produtivas, como para as próprias instituições do Estado, influenciando a agenda produtiva e de pesquisa e os mais diferentes órgãos gestores de políticas públicas. Em síntese, um grande avanço da sociedade brasileira na construção de um modelo de desenvolvimento sustentável.

IHU On-Line - O que mais deve pautar a luta do movimento em 2015?

Fran Paula - Já avaliamos que 2015 será um ano de grandes desafios e lutas intensas, a começar pelo cenário sombrio da nomeação de Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura. Ela tem sido até agora uma representante atuante da bancada ruralista no Congresso e defensora dos interesses do agribusiness brasileiro. Também queremos garantir mobilização social articulada e contrária às iniciativas da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBIO para a não liberação de mais variedades transgênicas.

Hoje, a Campanha tem mais de 100 organizações e movimentos sociais atuando de ponta a ponta do país. A meta para 2015 é ampliar e fortalecer nosso diálogo com a sociedade, alertando para o risco que os agrotóxicos representam, reforçando a necessidade e urgência da efetivação de políticas públicas de promoção da agroecologia, solução para a produção de alimentos saudáveis a todos os brasileiros.

Temos, ainda, nossa agenda de luta, onde são organizadas as ações massivas da Campanha: 07 de abril – Dia Mundial da Saúde e o aniversário de quatro anos da Campanha, 16 de outubro – Dia Mundial da Alimentação Saudável e 03 de dezembro – Dia Mundial de Luta contra os Agrotóxicos. 2015 será um ano das Conferências Nacionais, a exemplo da Conferência Nacional de Saúde e a Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. São espaços onde estaremos reforçando a necessidade do controle social e da importância da efetivação das políticas públicas de promoção da agroecologia e do não uso de agrotóxicos.