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quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Contradições do neodesenvolvimentismo são devastadoras para os trabalhadores

Postado: Correio da Cidadania
Escrito por Gabriel Brito, da Redação

Em entrevista do início do ano, o sociólogo do trabalho Ricardo Antunes já afirmava que “a falência do PT gera instabilidade política”, dentro de um governo praticamente “natimorto”. Em nova conversa com o Correio da Cidadania, além de reafirmar tais análises, Antunes descreveu todo o quadro de “crises econômica, política e social profundas”, o que torna tudo imprevisível até 2018, inclusive uma possível “reaparição heroica” de Lula. “Até lá muita água vai rolar, só não sabemos o que vai se passar com a presidência”.
No entanto, como se trata de uma crise generalizada, que nega credibilidade a toda a classe política, a paralisia se estende a todos os atores em cena. “Como existe relativa autonomização do judiciário e da Polícia Federal, torna-se tudo instável: a presidência, a vice-presidência, o presidente da Câmara e o presidente do Senado. Não é apenas coleira (no sentido de oposição e partidos fisiológicos interditarem o governo). Porque se de um lado o empresariado sabe que o impeachment abrirá uma crise social forte, por outro, uma paralisia da economia é assustadora. É inaceitável também para os assalariados”, sintetizou.
De toda forma, Antunes faz uma ampla análise do atual momento de Lula e do próprio processo histórico já denominado de lulismo, com seus traços “nefastos” e “centralizadores”, a impedir qualquer movimento de mudança dentro do PT. “É difícil aquilatar qual o tamanho da perda nos rincões do pauperismo e da miséria, base da segunda vitória de Lula. Mas minha intuição é de que o Lula se fragilizou porque a população o entende como o criador de uma criatura que faliu. Por que a Dilma foi escolhida, e não outras lideranças do partido, com trajetória política mais sólida? Por causa do controle que Lula sempre teve no PT”, explicou.
Diante do quadro, Ricardo Antunes lamentou que ainda não se tenha criado uma alternativa viável e prática no campo da esquerda, o que será ainda mais sofrível, em sua visão, nos próximos pleitos. Ainda assim, também destaca que no atual momento essa mesma esquerda alijada do jogo de poder não deve gastar demasiada energia em eleições, o que dá a ideia de urgência da reorganização através “das bases”, afirmação compartilhada por algumas outras lideranças.
“Digo com tristeza: a mais dura das medidas tomadas pelos governos do PT ao longo dos quatro mandatos foi destruir a esquerda brasileira. Assim, uma frente ampla, de esquerda, sob liderança do PT, é uma provocação. Militantes do PT que têm compromisso com as esquerdas críticas precisam admitir que erraram, acreditaram num projeto que faliu e estão dispostos a recomeçar, a refundar um outro projeto de esquerda. Mas estamos longe disso”, criticou.
Por fim, além de prever uma nova era de rebeliões (ou “contrarrebeliões”), Antunes reitera o que ele e muitos outros chamaram de mitos desenvolvimentistas e seu voo de galinha, que agora volta a terra nada firme. “O mito que alguns chamaram apologeticamente de neodesenvolvimentismo ruiu. O PT nunca foi neodesenvolvimentista. Oscilava entre o neoliberalismo e o social-liberalismo, com cara social-liberal, e acumulação capitalista concentradora de renda. E a renda do Bolsa Família não era retirada do capital. Evidentemente, o resultado é devastador para as classes trabalhadoras e o PT vai pagar o preço já nas eleições do que ano que vem”.
A entrevista completa com Ricardo Antunes pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: No início do ano, você nos concedeu entrevista na qual afirmou estarmos diante de “governo natimorto”, fruto da “falência do PT”. Como enxerga essas assertivas diante da crise política, ética e econômica que já marcou todo o quinto ano de Dilma Rousseff na presidência da República?

Ricardo Antunes: O quadro atual confirma minha formulação provocativa de meses atrás. A eleição que Dilma ganhou sinalizava uma vitória eleitoral difícil e uma acentuação ainda mais profunda de um governo antipopular, completamente favorável aos grandes e dominantes interesses, em particular do capital financeiro. E seguidor dos constrangimentos e imposições indicados pelo FMI e o receituário da ordem, qual seja, o governo deveria implementar, o mais rápido possível, um ajuste fiscal profundamente destrutivo em relação ao mundo do trabalho, cortar conquistas, reduzir outras dos assalariados em geral, aumentar juros e garantir superávit primário. De tal modo que, ao encontrar respaldo dos interesses dominantes, do mundo financeiro e produtivo (ainda que num contexto de crise), acreditou que poderia iniciar seu segundo mandato.
De lá pra cá, além do agravamento da crise econômica, veio simultaneamente o agravamento exponencial da crise política. A Operação Lava Jato chegou aos núcleos dominantes do PT e aos laços de setores dominantes que controlavam as finanças do partido, inclusive com o empresariado mais destrutivo e corruptor, a exemplo da “burguesia empreiteira”. Tal crise foi ampliada pelo fato de o ajuste fiscal penalizar os setores assalariados (que garantiram a vitória de Dilma), empobrecidos e dependentes de Bolsa Família. Vale lembrar que Dilma perdeu apoio de parcelas dos assalariados e Aécio ganhou no ABC Paulista, mostrando como o derretimento petista se dá até no cinturão industrial de seu núcleo originário.
As duras medidas do ajuste corroeram parte do que resta da base de apoio de Dilma entre os assalariados. Tanto que vemos com frequência manifestações de movimentos como MST e MTST contra o ajuste fiscal e a política econômica de Dilma, ainda que contra o impeachment. Só em poucos casos é claramente a favor do governo também.
Porém, é visível que 10 meses depois da posse de Dilma o quadro é de completa imprevisibilidade. Em 13 de outubro, por uma liminar concedida pelo STF, Dilma conseguiu se livrar de um processo de impeachment, mas lembremos que é só uma liminar, a ser julgada mais adiante, além de outras iniciativas ainda em curso.
Assim, respondendo a pergunta, o governo Dilma é um governo que não governa. Um governo que levita. Não no ar, pois não tem mais condições de voo; ele derrapa no chão molhado. Cada medida que toma é uma “desmedida”, pois não se efetiva. É claro que assim começa a perder uma base de sustentação importante, junto a amplos setores do empresariado, especialmente o industrial, que em função da alta de juros e da falta de perspectiva para a economia nos próximos meses começa a retirar o apoio que era forte até recentemente. Esse empresariado não se bandeia completamente para o lado do impeachment porque sabe que abriria uma crise social no país. Muitos fazem oposição ao governo Dilma, mas não aceitam uma medida tomada por um parlamento cujo nível de comprometimento está visceralmente degradado. Basta dizer que o presidente da Câmara está completamente envolvido nas corrupções que vêm impregnando a política brasileira nas últimas décadas.
Portanto, não é possível que um parlamento dirigido por um político completamente envolvido em práticas de corrupção, conforme recente indicação do procurador geral da República, tenha legitimidade para depor o governo Dilma. Se o PT está envolvido até a medula em práticas de corrupção (o que está ainda sendo investigado), desde os inícios do governo Lula, não há ainda elementos que incriminem a presidência. Não há um elemento factível a dizer que a presidente da República, até o presente, envolveu-se diretamente com corrupção, contas e outros casos apresentados pela Operação Lava Jato.
O quadro, portanto, é de crises econômica, política e social profundas. E gera uma completa imprevisibilidade sobre se Dilma governará nesse voo rasante e derrapante até 2018, ou se sofrerá impeachment nos próximos tempos, ou se conseguirá algum soerguimento em função da retomada de algum crescimento econômico, o que nenhuma avaliação minimamente lúcida indica – na melhor das hipóteses, apenas em 2017. Até lá muita água vai rolar, só não sabemos o que vai se passar com a presidência.
E tem um elemento importante: em caso de queda de Dilma, seu vice também fica comprometido, de modo que aquela ideia que meses atrás ganhava força, de ter Michel Temer como espécie de paladino da ordem e da “frente amplíssima” pra preservar o impreservável, não cola mais. Afinal, o comprometimento da Dilma seria a partir das contas de campanha, que envolvem a presidência, ou das chamadas pedaladas, à medida que estendidas a 2015, supondo que levadas adiante, também envolveriam a vice-presidência da República.
Assim, veja o tamanho da tragédia. Ou farsa. Dilma cai acusada de corrupção junto de Temer, o presidente da Câmara (Cunha) toma posse de 90 dias, e o flanco fica aberto, pois este seria atacado por todos os lados por ter deixado rastros em todos os pontos por onde passou.
Correio da Cidadania: Desse modo, é precipitado reduzir a hipótese do impeachment à mera coleira política do mandato de Dilma, a ser usada pelo maior tempo possível.
Ricardo Antunes: Certamente. Não é apenas coleira. Porque se de um lado o empresariado sabe que o impeachment abrirá uma crise social forte no país, por outro, uma paralisia completa da economia é assustadora para o empresariado. É inaceitável também para os assalariados. O que os trabalhadores(as) estão vendo? Milhares de demissões. Quando não são demitidos, têm de negociar com uma faca no coração e uma espada nas costas para aceitar uma redução da jornada com redução salarial, a antessala do desemprego.
O capital financeiro, claro, percebe a alta dos juros e a ciranda financeira favorável, mas na medida em que tem de controlar o crédito quase sem poder emprestar, pois o risco de calote é enorme, cria toda uma paralisia econômica. E o movimento de rua das classes médias conservadoras, hoje, digamos, mais retraído, pode voltar, naturalmente. Pra completar, 2016 é ano eleitoral.
Não havendo o impeachment, se tenta uma alternativa onde o governo reina, mas não governa. Mas Dilma nem sequer reina. Isso é feito pelo “primeiro-ministro”, que até semanas atrás pautava a vida política do país, mas não sabe até quando será presidente da Câmara. Por certo tem o risco, crescente, de perder até o mandato, pois deixou rastro em todos os lugares por onde andou: contas esparramadas em varias áreas, com digitais, passaporte diplomático... E como existe relativa autonomização do poder judiciário e da Polícia Federal, não é possível controlar tais movimentos, o que torna tudo instável: a presidência, a vice-presidência, o presidente da Câmara e o presidente do Senado.
Correio da Cidadania: Como enxerga a figura de Lula em meio à crise política? O que se pode esperar deste político, ou deste ‘personagem’, ou do que se chama de lulismo, para os próximos tempos?
Ricardo Antunes: Primeiramente, o fenômeno do lulismo é muito recente. Fui dos primeiros a tratar algumas pistas a respeito, em dois livros de artigos – A Desertificação Neoliberal do Brasil e A Esquerda Fora do Lugar. A figura do lulismo é ainda pouco conhecida entre nós, embora se possa ter muitas pistas, como vem se dando desde 2002 pelo menos.
Em rápidas palavras, o lulismo é a figura carismática e em momentos de apogeu foi quase messiânica, de um líder que conseguia atingir as duas pontas da classe trabalhadora. No apogeu do Lula, ele tinha um respaldo quase inquebrantável da classe trabalhadora organizada brasileira, aquela classe trabalhadora que tem formas de associação sindical ou de algum outro nível, onde Lula era sua principal liderança. Não sem razão. É preciso dizer que Lula foi, talvez, a maior liderança sindical do século 20 brasileiro. É passado, mas foi. E foi com base nessa trajetória, de 1975 até 1989, e depois até 2002, algo real, que ele se tornou uma liderança nacional.
O lulismo, e em particular seu personagem, está também atado de forma indissolúvel à figura do Lula – assim como o varguismo está atado a Vargas e o brizolismo à figura do Brizola. Mas o lulismo não tem herdeiros. É um limite entre tantos outros do Lula. É tão autocentrado e personalizado que não tem herdeiros. O varguismo ao menos teve o janguismo e o brizolismo como herdeiros, entre outros que não eram Vargas, mas tentaram remar de forma similar. O lulismo não tem herdeiro algum.
No entanto, como dito anteriormente, com a crise do mensalão, a primeira devassa que se abateu na alta cúpula do PT, mostrando a corrupção política e, como sabemos hoje, com grandes traços de corrupção privada e enriquecimento pessoal, foi uma crise profunda. E a crise de 2005 tem muitas similaridades com a atual. Não tenho dúvida de que o Lula esteve a alguns segundos de sua renúncia naquele fatídico ano. Não tenho nenhuma dúvida disso, embora não tenha elementos objetivos. É pura intuição. Não sei se os leitores lembram de uma entrevista que ele deu na França, a uma jovem jornalista, completamente perdido. Seus olhos rodopiavam mais que pião. Só girava, não sabia o que responder. Dizia-se alvo de traição de dentro do próprio PT.
Depois de passado aquele período, Lula ganhou as eleições em 2006 e começou seu segundo governo. Houve uma mudança importante, conforme escrevi na época: “Lula começava a migrar da classe trabalhadora mais organizada para os setores mais empobrecidos da sociedade brasileira, que vivenciam os trabalhos mais precarizados, até o completo não trabalho e desemprego, típicos das populações pobres dos rincões brasileiros, onde o programa Bolsa Família teve incidência”. Vamos lembrar que o Bolsa Família começou no segundo mandato. No primeiro mandato o programa era o Fome Zero e foi um fracasso completo.
O Bolsa veio com um novo desenho, atingiu milhões de famílias e criou um bolsão eleitoral, que no fundo era uma tragédia política. O Bolsa Família garantia a sobrevida de famílias paupérrimas. A miséria poderia ser eliminada através de reformas estruturais profundas, pra diminuir a miséria brasileira, a exemplo do que seriam reformas agrária e urbana profundas e mudança do padrão capitalista brasileiro... Nada. O governo passou longe disso e o Bolsa Família passou a ser um modus operandi perpetuador do governo Lula. Com o Bolsa, o PT teria uma base excedente garantidora das vitórias eleitorais.
Esse segundo substrato de apoio ao lulismo garantiu a perda de apoio do Lula em setores organizados da classe trabalhadora. Quando vimos que nas eleições o Aécio – essa figura grotesca da direita brasileira – teve mais votos no ABC do que a Dilma, mostrou-se o tamanho da perda de apoio ao lulismo nos estratos organizadas da classe trabalhadora brasileira – embora no ABC haja uma classe média expressiva, ainda é um cinturão industrial. E a perda também atingiu as periferias.
É difícil aquilatar qual o tamanho da perda nos rincões do pauperismo e da miséria, base da segunda vitória de Lula. Mas minha intuição é de que o Lula se fragilizou porque a população o entende como o criador de uma criatura que faliu. E quando a criatura vai à falência, como a Dilma, uma parte expressiva da conta vai para o criador, pois é corresponsável pela falência política do governo de sua criatura, a exemplo de Paulo Maluf com Celso Pitta em São Paulo. Aliás, outro erro grave de Lula é a indicação de uma pessoa completamente inexperiente, pois qualquer um com o mínimo de lucidez sabia que na crise a Dilma não daria conta – e sou obrigado a dizer de novo que meus artigos apontavam isso na época.
Por que a Dilma foi escolhida, e não outras lideranças do partido, com trajetória política mais sólida? Por causa do controle que Lula sempre teve no PT. Ninguém faz nada dentro do PT que não seja completamente dependente de Lula. Qualquer mínimo exercício de autonomia é tolhido por Lula, outro traço certamente nefasto do lulismo.
A intuição que tenho é que para Lula ganhar uma eleição vai ter de suar muito a camisa, vai ter que usar muito a voz, que já sabemos não ser mais a mesma, nem literal, nem metaforicamente. Vai ter de suar demais, porque o desgaste do PT é poli e multiclassista. Esse é o dado novo. Ele perdeu o apoio decisivo das classes ricas, dominantes e proprietárias. De forma devastadora, perdeu apoio das classes médias tradicionais – o mito de que o PT criou uma nova classe média não pode ser levado a sério. E perde apoio, também exponencial, nos vários estratos distintos, “compósitos e heterogêneos”, para lembrar nosso querido Florestan Fernandes, que fazem parte da nossa classe trabalhadora. E Lula sabe de tudo isso.
Só uma mudança muito profunda de situação, com expansão econômica em 2017, a apagar um pouco da tragédia atual, pode dar-lhe sobrevida. Hoje não tem, e se imaginar que tem sobrevida garantida estará errando mais uma vez. Sua sorte é que a oposição mais à direita – porque o PT tem um amplo leque de direita ao seu lado – não tem candidato forte. Aécio saiu fortalecido da última eleição, porque seu nome tornou-se mais nacional, mas o próprio PSDB não se entende, e o Alckmin não quer deixar que as Minas Gerais novamente carreguem a bandeja.
Já as esquerdas do PT não foram capazes de esboçar até hoje uma confluência política de tantos movimentos sociais e sindicais que pudessem gerar novas lideranças. De certo modo, já vemos novas lideranças aparecendo em movimentos. Na última eleição, Luciana Genro qualificou-se como jovem candidata de esquerda, corajosa e capaz de tratar temas contemporâneos com qualidade. Mas ainda não conseguimos criar confluência social e política. Há algumas lideranças como a de Luciana Genro – à medida que tem ligações fortes com PSOL e a juventude – ou o Boulos do MTST, em São Paulo, mas estamos aquém de ter uma alternativa. Portanto, o quadro para 2018 também é muito nebuloso.
A única coisa que me parece evidente é que imaginar o Lula vencedor das eleições em 2018 significa não ter ideia do nível de corrosão que o PT e todos os seus dirigentes vêm sofrendo, de modo devastador.
Correio da Cidadania: Já que você falou de Boulos e Genro, o que pensa das iniciativas de reação a esse quadro de retrocessos generalizados, tanto dentro quanto fora do escopo governista, a exemplo da Agenda Brasil (mais governista) e da conformação da Frente Povo sem Medo?
Ricardo Antunes: São manifestações distintas, embrionárias e num quadro defensivo. Quanto à primeira das citadas, pensar numa Frente de Esquerda com liderança do PT enseja a pergunta jocosa: “a Odebrecht vem junto?” É uma piada. Se não fosse verdadeiro, seria piada. Frente de Esquerda com o governo que está em seu quarto mandato e ainda não tomou nenhuma medida de esquerda, nenhuma, que minimamente contrariasse os interesses dominantes, é piada. De novo: não tomou nenhuma medida de esquerda. Não houve nada no sentido de falar “agora o governo é popular e o país não vai ser mais o mesmo”.
Não houve taxação de grandes fortunas; não houve reforma tributária progressiva, algo elementar, no sentido de tributar mais quem tem mais e destributar a classe trabalhadora; não houve nenhuma mudança da estrutura agrária, pelo contrário, o PT foi espetacular para o agronegócio. A burguesia agrária, devastadora, que não faz outra coisa se não aprofundar o uso de transgênicos e pesticidas, foi inteiramente beneficiada pelos governos do PT.
Portanto, uma “Frente Popular” ou “Frente de Esquerda” com o PT é provocação. Só se for uma Frente de Esquerda para carregar cadáver político. O PT tem de ser responsabilizado por suas atitudes. Claro que me refiro à ala dominante do partido e separo certos núcleos de base, as pessoas sérias, a militância que acreditava num partido diferente, como nos anos 80.
Mas o núcleo dominante do PT, que está em parte encarcerado, em parte processado, não tem mais como chegar no PSOL, no PSTU, nos movimentos, e dizer “vamos costurar, agora que estamos morrendo, uma Frente de Esquerda”. Digo com tristeza: a mais dura das medidas tomadas pelos governos do PT ao longo dos quatro mandatos foi destruir a esquerda brasileira. O PT de 2015 tem muito pouco a ver com o PT de 1980. A CUT perdeu, ao longo dos anos 2000, um conjunto enorme de tendências e militantes sociais que estavam lá desde sua formação, em 1983. Assim, uma frente ampla, de esquerda, sob liderança do PT, é uma provocação. Militantes do PT que têm compromisso com as esquerdas críticas precisam admitir que erraram, acreditaram num projeto que faliu e estão dispostos a recomeçar, a refundar um outro projeto de esquerda. Mas estamos longe disso.
Naturalmente, sou contrário ao impeachment. Até prova cabal de que a presidência esteve diretamente envolvida em corrupções, como se prova hoje em relação a Cunha (e como deveria se provar com as muitas “Lava Jatos” de governos de PSDB, DEM etc.). As pedaladas podem ser reprováveis, mas aí teríamos de “cassar” os mandatos de FHC e de todos os governos e prefeitos que fizeram e fazem o mesmo. Elas podem ser reprováveis, mas não podem valer somente com um governo.
Iniciativas como a “Frente Povo Sem Medo” e vários outros movimentos têm uma dificuldade interna. São muito importantes para dizer, por exemplo, que o Levy é, sim, o governo Dilma. Ele não foi imposto contra a vontade. Primeiro, ela tentou o Luiz Carlos Trabuco e por sorte deus nos livrou desse trambolho, como o próprio nome indicava. Aí veio o Levy. E as medidas do Levy são as medidas de Dilma. E do PT também, pois o Lula tem dito que é preciso apoiá-las.
Outro ponto: dizem que Levy não tem apoio do PT. Mas nunca vi uma nota pública do Lula desqualificando Levy. O Lula, pícaro que é, vai no MST e faz um discurso bravio. Depois vai na Dilma e fala “maneira, Dilma, entrega tudo ao PMDB, até a alma”. Importante é ver que a tragédia, que ruiu em 2015, foi toda arquitetada por Lula: uma frente de conciliação entre modos de ser incompatíveis e antagônicos. Mas Lula tem uma habilidade política espetacular, é um homem da conciliação. E a Dilma é da rejeição. O que ouvimos dizer é que a convivência diária com a Dilma é infernal. Ela é autoritária, autocrática, mandonista, impositiva. O oposto do Lula, uma figura “encantadora” para praticar, espetacularmente, a conciliação.
Ou seja, o PT foi fagocitado justamente por aquilo que criticou. O PT nasceu nos anos 80 criticando a política de conciliação de classes do velho PCB. O PT está sendo completamente fagocitado por uma política de conciliação na qual se entregou de corpo e alma para o demônio, o capital. Agora é vomitado e devolvido, porque não interessa mais. Agora o demônio quer de volta os velhos executores de sua política.
A questão dessas manifestações é: muito dificilmente se pode criticar o Levy e defender Dilma. Eu não concordo com isso. Criticar o Levy nos obriga a dizer que o governo Dilma é nefasto e antipopular. Mas é muito difícil dizê-lo e, ao mesmo tempo, também conforme penso, afirmar que não dá pra aceitar a derrubada do governo. Hoje seria com a Dilma, mas amanhã poderia ser contra Luciana Genro ou qualquer governo popular. É inaceitável. Não falo de golpe militar, mas parlamentar. Como todos sabem, em 1964, quando Jango saiu de Brasília a Porto Alegre para buscar forma de resistir ao golpe, o parlamento e os Cunhas de então legitimaram a “vacância do cargo” e o golpe militar.
Por isso que o atual parlamento está na sarjeta. É das instituições mais repudiadas e tenho impressão de ser mais rejeitada que a Dilma, com essa bancada BBB, mais o capital financeiro e tudo o mais que há por lá, salvo pequenos núcleos ligados às esquerdas, que são minoritários.
Correio da Cidadania: Estamos diante da maior taxa de desemprego dos últimos cinco anos. Já se pode fazer um balanço contundente a respeito das políticas de ajuste fiscal ditadas pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e suas graves consequências sociais em geral e para o mundo do trabalho em particular?
Ricardo Antunes: Existe a aparência de algo nefasto porque esse projeto é essencialmente nefasto. É o projeto do sistema financeiro, no sentido de ser momento de enxugar o Estado em tudo que diz respeito às suas atividades públicas e sociais. O que se gasta com a dívida pública e juros que se remuneram ao sistema financeiro é muito maior que todo o arrocho praticado pelo ajuste fiscal de 2015.
Bastaria outra política, de contenção de juros, antiespeculativa, com outro rumo, o que neste momento, com esse governo, seria impossível. Mas ninguém poderia esperar em outubro de 2014 uma guinada à esquerda do PT, depois de 12 anos servindo as direitas e aos capitais.
A Dilma não poderia fazer diferente, portanto. Podia continuar o que já vinha fazendo, o que daria em curto-circuito, ou jogar a conta em cima dos assalariados, como feito. O ajuste se resume ao mesmo que as classes dominantes sempre fizeram em tempos de crise: jogar a conta para a classe-que-vive- do-trabalho, que depende do salário pra sobreviver. E hoje não tem emprego, não tem seguro-desemprego e vivemos uma situação mais triste que anteriormente.
O mito que alguns chamaram apologeticamente de neodesenvolvimentismo ruiu. O PT nunca foi neodesenvolvimentista. Oscilava entre o neoliberalismo e o social-liberalismo, com cara social-liberal, e acumulação capitalista concentradora de renda. E a renda do Bolsa Família não era retirada do capital. Era uma redistribuição por dentro dos assalariados. Os capitais só engordaram e cresceram no Brasil da era Lula.
Evidentemente, o resultado é devastador para as classes trabalhadoras e o PT vai pagar o preço já nas eleições do que ano que vem. As respostas da classe trabalhadora serão duras contra o PT. E será triste se não formos capazes de ao menos germinar alternativas à esquerda, capazes de canalizar o descontentamento e não deixá-lo ir pra direita, desse modo tosco e bruto que vemos.
Que ao menos comecemos a reinventar a ideia de outro modo de vida, outro modo de produção, outra organização da política, que recuse essa institucionalidade. Um modelo mais democrático, mais popular, mais fundado na soberania do povo, com mais assembleias e plebiscitos. Enfim, o exercício de alguma coisa de novo tipo.
Correio da Cidadania: Diante do que você espera de uma continuidade do mandato de Dilma e suas consequências na vida política nacional, o que restará para a população, em termos de condições de vida e trabalho?
Ricardo Antunes: Vários movimentos. Deterioração das condições de vida, destroçamento do que resta da res publica, com a saúde e a educação públicas ficando mais precarizadas. O governo estadual do PSDB fecha escolas! Ou seja, a coisa passa por todas as esferas de governo. Quando Levy anunciou suas primeiras medidas, a pasta que mais sofreu cortes foi a Educação. Essa tendência vai aumentar.
Paralelamente, vamos ter aumento das revoltas e rebeliões. É evidente. A população das periferias adquiriu um novo patamar de consciência de seus direitos e das tragédias que permeiam o país. A Copa das Confederações (em junho de 2013) conjugou três movimentos: as rebeliões do mundo inteiro (Oriente Médio, EUA e Europa), a percepção da falência do mito do projeto lulista e, por fim, o fato de os megaeventos esportivos mostrarem que havia dinheiro pra estádio, pra Copa, pras transnacionais, mas não pra educação e saúde.
Não é difícil imaginar, novamente, uma situação de curto-circuito com esses três fios se interseccionando e reaparecendo um quadro favorável a rebeliões de massa. Se não caminhar em tal direção, teremos rebeliões episódicas e moleculares em todo o país, mais ou menos passivas. Greves também, coisa que o Brasil só viu crescer nos últimos anos. Em 2013 e 2014 o número se ampliou ainda mais, conforme dados do Dieese. E em 2015, quem está empregado teme o pior. Quem está no desemprego, não tem muito a perder.
Imagino uma nova era de rebeliões. Se mais ou menos moleculares, não sabemos. Tomara que essas manifestações de rua, greves, de caráter polissêmico, que marcam as lutas sociais do país, comecem a encontrar alguns polos de confluência que permitam um salto. Uma ideia que venho elaborando mais recentemente, uma triste constatação, é que as direitas, em 2015, politizaram as rebeliões de 2013 para seu campo, isto é, da contrarrevolução, do ódio ao comunista, ao socialista. Todos são comunistas, o PT é comunista, até os liberais! A direita vê comunista até no rabanete das feiras livres.
Correio da Cidadania: Conclui-se que a esquerda agora vê o preço de não ter acelerado sua reorganização nos últimos tempos?
Ricardo Antunes: As esquerdas dos movimentos sociais não conseguiram dar um salto, a partir das manifestações de massa e populares, para um patamar mais ofensivo. Tomara que saibamos avançar. O caminho, que em geral nossas esquerdas têm dificuldade de encarar, é não ficar focado na próxima eleição. Não adianta pensar nas eleições de 2016, 2018! Precisamos de um campo social e político organizado pela base, em manifestações cotidianas, decisões plebiscitárias, avanço de ações coletivas, sejam sindicais ou sociais. É necessária uma articulação mais generosa dessa enorme multiplicidade de movimentos sociais e das esquerdas, onde isoladamente cada um de nós somos poucos. Mas juntos, não!
Outro ponto é que trabalhamos muito com a dicotomia movimentos sociais x partidos. Um ou outro. Não estou de acordo que são dicotômicos. Os movimentos são muito importantes por estarem atados à vida cotidiana. A questão da terra é o sentido da vida para o MST, o assalariado rural, a camponesa. Terra, alimentação, casa e vida nova. Os sem teto sabem que na arquitetura do “planeta favela” os ricos vivem fechados em guetos com segurança à lá Robocop e fazem as periferias serem expulsas para lugares ainda mais periféricos. O estádio Itaquerão é exemplo perfeito: a região se valorizou e teve gente que foi expulsa para a periferia da periferia.
Os movimentos, portanto, têm muita colação com a vida cotidiana, mas têm mais dificuldade, até pelos seus métodos e necessidades, de terem projetos mais longevos, de pensar no amanhã e também no depois de amanhã e combinar com a atualidade. Falo isso deixando de lado as excepcionais exceções, trata-se mais de uma síntese. Os partidos de esquerda ao menos reconhecem que precisam adentrar o século 21 pensando o novo. Refiro fundamentalmente a PSOL, PSTU, PCB e pequenos grupamentos que procuram se inserir no mundo e na vida real, e em geral têm um olhar mais longevo, a respeito de que sociedade queremos e como caminhar. Mas têm uma grande dificuldade de se vincular às lutas cotidianas, que são exatamente a força dos movimentos sociais. A força de uns é o limite de outros e vice-versa.
Estou fazendo uma síntese, repito. Não sou da ideia de que “os partidos acabaram, viva os movimentos sociais”! Os movimentos podem ter muita vinculação com a vida concreta, mas é difícil um movimento ter a longevidade, por exemplo, do MST. Este, é um movimento forte porque tem dinâmica e vida de base, não só de luta cotidiana. As mulheres do MST podem discutir ações e atitudes, assim como os assentados, pois têm autonomia na base que lhes permite avançar um pouco. E creio que o mesmo possa se dizer, em certa medida, no MTST. Mas eles também têm dificuldades.
Muitos movimentos sociais nascem e desaparecem. Os partidos ao menos têm se mostrado mais longevos, porém, perdem capilaridade com a vida cotidiana, de tal modo que o salto positivo no século 21 seria a aproximação desses dois polos orgânicos do mundo do trabalho. A energia que ainda tenho invisto nessa direção, que talvez nos permita sair de um momento, para lembrar Florestan Fernandes, de contrarrevolução. Das rebeliões de 2013 às “contrarrebeliões”. Do flagelo dos imigrantes na Europa à construção de muros pelo Estado fascista húngaro, para que não atravessem o continente. Assim como as, até agora, balas de chumbinho nos haitianos em São Paulo o demonstram.

domingo, 27 de dezembro de 2015

2015, um ano amargo para o povo trabalhador, porém, de esperanças com e para as novas gerações

Por: Correio da Cidadania – 20 Anos
Escrito por Waldemar Rossi
Se bem que os trabalhadores brasileiros não tenham como e por que esperar por dias melhores ao longo de suas vidas, também não há certeza de que “dias piores viriam”, apesar de todos os sinais dos tempos políticos e econômicos. Mas o trabalhador não encontra tempo para mergulhar em análises sociopolíticas; é escravo do tempo que usa para ir e voltar do trabalho e pelas longas horas de sua jornada em busca do necessário para garantir a sua sobrevivência e a de sua família. “Informa-se” pelo noticiário da Globo ou lendo as manchetes de jornais, que nada informam, e vai caminhando no mundo das incertezas.
Assim, apesar das muitas evidências de que o ano seria duro, o trabalhador que ainda estava no emprego tinha esperanças de que 2015 seria menos ruim que os anteriores. Por outro lado, aquele que já estava desempregado alimentava ao menos a esperança de conseguir um bom emprego com salário que desse para “remediar” as dificuldades rotineiras de uma casa de quem vive do seu ganha-pão.
Na medida em que os meses foram se sucedendo, o homem e a mulher que trabalham foram percebendo que suas esperanças calcadas no sistema que nos governa estavam indo água abaixo. Progressivamente, foram sentindo que seus dias amargos poderiam chegar, fazendo aumentar as angústias também rotineiras em suas vidas. Para milhões desses lutadores, o “dia D” chegou com a notícia de que estavam desempregados.
Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), entre janeiro e novembro deste ano foram fechadas 945.363 vagas de trabalho com carteira assinada. Em doze meses (dezembro 2014 e novembro 2015), o país fechou 1.527.463 postos de trabalho. Porém, os números são frios e não abordam os dramas originados pelo desemprego na vida daqueles que, enquanto no trabalho, deram parte de suas vidas para gerar a riqueza para as empresas e seus empresários. O universo capitalista é perverso, cruel, frio, gera crimes hediondos camuflados pela mídia mancomunada com o mundo empresarial.
Como dito, os números são frios e nem sempre mostram a verdade. Quando os dados oficiais revelam os números do desemprego não estão revelando os dados referentes à rotatividade do trabalho. Quantos outros trabalhadores também ficaram desempregados, por algum tempo, para conseguir novo emprego, em geral com seus salários rebaixados? Sem dúvidas, esses vão muito além dos números oficias do desemprego. E, assim, de rotatividade em rotatividade, sobretudo em épocas de crise para a economia capitalista, o padrão de vida do assalariado vai sendo reduzido progressiva e cruelmente, sem que ele se dê conta do abismo em que está sendo jogado.
Apesar do sistema e seus crimes, nem tudo são trevas. Novas gerações vão se insurgindo contra todos esses desmandos, desacreditando nos políticos, nos partidos, nos governantes e nas instituições. São os jovens que consciente ou inconscientemente ainda se dão conta de que já não dá para esperar pelos “de cima” e, aos poucos, vão descobrindo novas formas de fazer política, a sua política, que vem de baixo cutucando os de cima.
Foi assim em 2013 com a rebeldia de algumas centenas de milhares de jovens que ousaram ocupar as praças e ruas das nossas cidades, protestando contra tudo e contra todos, não apenas para exigir o “passe livre”. Foi a mescla de gerações quarentonas e gerações realmente jovens que não se intimidaram diante do extraordinário e violento aparato policial dos vários estados.
Para muitos, ficou a sensação de que “a onda” havia passado. Esqueceram-se de observar que a brasa continuou viva, embora encoberta por vários tipos de cinzas, para explodir com muita força, coragem e vigor, na ocupação das centenas de escolas estaduais do estado de São Paulo – o que agora contagia os secundaristas de Goiás.
Por incrível que possa parecer, a mídia canalha não conseguiu, como de costume, jogar a opinião pública contra a garotada. Nem mesmo os instrumentos de pesquisa conseguiram camuflar os dados, pois tiveram de revelar o óbvio: a maioria da população paulista estava contra o governo e a favor da luta pela justiça. Caiu o todo poderoso Secretário da “Educação” e o arrogante governador se viu forçado a baixar sua crista. Claro que essa guerra não acabou.
Os reacionários não se deram por vencidos e tentarão repetir a traição praticada contra a juventude, pela então secretária da Educação dos tempos de Mario Covas, Rose Neubauer, que fez nosso sistema de ensino se transformar num dos piores entre os 27 estados brasileiros.
A guerra não acabou também para essas novas gerações que, “aos trancos e barrancos”, vão fazendo seu aprendizado político e descobrindo que podem ser os protagonistas das mudanças estruturais de que este país tanto necessita.
Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.

domingo, 20 de dezembro de 2015

Multidão toma as ruas contra o impeachment, o ajuste fiscal e pela saída de Eduardo Cunha


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Contra o impeachment, contra o ajuste fiscal e pelo fora Eduardo Cunha, milhares de trabalhadoras e trabalhadores foram às ruas de todo o Brasil nesta quarta-feira. Em São Paulo, onde se realizou a maior manifestação, diversos movimentos sociais, com destaque para o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), entidades sindicais e estudantis ocuparam a avenida Paulista até a Praça da República, onde finalizou o ato. A Intersindical Central da Classe Trabalhadora se somou  a atividade,  como vem se empenhando pela unidade em torno da pauta e dos interesses populares.
Na descida da Rua da Consolação, uma das grandes avenidas da capital paulista, do início da manifestação não se enxergava seu fim, tamanha era a imensidão de trabalhadores participando da atividade. As mulheres, inclusive, tiveram um destaque particular neste ato, por estarem em elevada quantidade de companheiras.
Coordenador Nacional do MTST, Guilherme Boulos esclareceu que “a maioria do povo brasileiro, vai estar nas ruas e não vai aceitar o impeachment porque ele é ilegítimo, fruto de chantagem de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que não tem condições de ser deputado”. Ele também recordou que foi o Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) quem inventou as pedaladas fiscais no governo dele. Para Boulos, “o impeachment significa a tentativa de construir uma saída à direita para a crise”.
Edson Carneiro Índio, Secretário Geral da Intersindical, disse que os trabalhadores estão nas ruas “para rechaçar o processo de impeachment, que não veio pra punir pedalas, para combater a corrupção ou para melhorar a vida do povo brasileiro”. Segundo ele, um “fora Dilma” vai permitir que o Michel Temer possa aplicar o programa que o PMDB negociou com o grande capital. Eles querem acabar com garantias sociais da Constituição Federal, impor aposentadoria só depois dos 65 anos, aprovar a terceirização geral e irrestrita, além de privatizar a Petrobras”.
Em sua análise, a substituição de Dilma não seria favorável aos trabalhadores. “Precisamos ocupar as ruas para derrotar o ajuste fiscal, reduzir a taxa de juros, que só beneficia os banqueiros, acabar com a política de cortes no programa Minha Casa Minha Vida, cortes na educação”.
Índio esclareceu que “ser contra o impeachment não se traduz em apoio ao governo. Queremos mudança da política econômica que beneficie os trabalhadores, a juventude pobre e negra, as mulheres”.
No mesmo sentido, Gilmar Mauro, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), afirmou que são as reformas estruturais e o não retrocesso de direitos que a classe trabalhadora quer discutir. “A batalha das ideias tem de continuar no próximo período. É preciso dizer que quem paga as contas nesse país é a classe trabalhadora e que toda a produção passa pelas mãos dos trabalhadores. Não viemos para as ruas a toa. É a nossa pauta que queremos discutir no próximo período”, apontou.
Afastamento de Cunha
Ao fim da manifestação, que literalmente cobriu de povo a Praça da República, os presentes receberam a informação de que a pressão pelo país tinha surtido efeito favorável: o Procurador-geral da República solicitou junto ao Supremo Tribunal Federal o afastamento de Eduardo Cunha do cargo de deputado federal e, consequentemente, da presidência da Casa.
Na última terça-feira, 15, a Polícia Federal já tinha cumprido um mandado de busca e apreensão na em sua casa a pedido do Supremo Tribunal Federal (STF).
Construção unitária e de esquerda
Em São Paulo a manifestação foi composta por muitas pessoas a favor da pauta e não ligadas a movimentos organizados e, também, foi construído por uma comissão operativa composta por MTST, CUT, INTERSINDICAL, CTB, UNE, MST, CONEN.
Além de participação de outras entidades como MAS, Brigadas Populares, MLB, Círculo Palmarino e contou com representantes de diversos partidos, entre eles o PSOL.
Confira abaixo as imagens do ato:
(clique na imagem para vê-la maior e navegar entre as fotos)
Foto capa da matéria: Nelson Ezídio / Fotos: Alexandre Maciel e Nelson Ezídio


Além de participação de outras entidades como MAS, Brigadas Populares, MLB, Círculo Palmarino e contou com representantes de diversos partidos, entre eles o PSOL.
Confira abaixo as imagens do ato:
(clique na imagem para vê-la maior e navegar entre as fotos)
Foto capa da matéria: Nelson Ezídio / Fotos: Alexandre Maciel e Nelson Ezídio
 

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Resolução: Não ao impeachment. Contra o ajuste fiscal. Fora Cunha!


 

A Intersindical Central da Classe Trabalhadora, por meio da sua Direção Nacional reunida na capital paulista nos dias 12 e 13 de dezembro, considera:
1- que a abertura de processo de impeachment da presidente da república é ilegítimo. Para nós, ser contra o impeachment não se traduz em apoio ao governo Dilma, que adota uma política indefensável, com um ajuste fiscal que joga sobre os ombros da classe trabalhadora os custos da crise. No entanto, o “fora Dilma” permitiria a Michel Temer aplicar o programa que o PMDB negociou com o grande capital, como: mais privatizações, reforma da previdência que estabelece idade mínima de 65 anos para aposentadoria, desvinculação do benefício previdenciário ao salário mínimo, terceirização geral e irrestrita, negociado sobre o legislado, fim da destinação constitucional de recursos para educação e saúde públicas entre outras medidas, como a redução da maioridade penal que demonstram que a destituição de Dilma não será seguida por um governo progressista ou comprometido com interesses da maioria do povo brasileiro. Nesse sentido, ser contra o impeachment é pela democracia e contra o avanço do PMDB e da direita;      
2- quem deve ser impedido de prosseguir no cargo é Eduardo Cunha, com “seus” milhões na Suíça, crimes de lavagem de dinheiro, chantagens e manobras golpistas à frente da Câmara dos Deputados. O nefasto Cunha comandou uma maratona de ataques aos direitos trabalhistas, da juventude pobre e negra, das mulheres, dos indígenas, da comunidade LGBT, da democracia, com o financiamento empresarial de campanhas e se constitui como representante do que há de pior na política brasileira.
Diante do exposto, nossa Central resolve:
1- Seguimos na construção da Frente Povo Sem Medo e reafirmamos a nota que se posiciona contra o impeachment, contra o ajuste fiscal e defende a destituição do indecoroso Eduardo Cunha do mandato de deputado;
2- participar das mobilizações que tenham como mote esses três eixos, como os que ocorrerão no dia 16 de dezembro. Não participaremos de atos que não respeitem esses eixos e que sejam de apoio acrítico ao governo. Nossa tarefa é lutar contra o impeachment, pelo Fora Cunha Cunha e contra a política econômica restritiva, que levou à recessão e aumento do desemprego e corte de investimentos sociais.  
Nos somamos ao conjunto das organizações populares e democráticas de nosso país dispostas a construir ampla unidade a fim de combater os ataques e resistir à agenda regressiva de direitos que domina a pauta política do país. Barrar a ofensiva da direita, derrotar o ajuste fiscal dos governos federal, estaduais e municipais e ganhar força para recolocar na pauta do país as reformas populares como a tributária, urbana, agrária,  democratização das comunicações, auditoria da dívida pública e outras medidas que cheguem à raiz dos principais problemas que afetam a maioria do povo brasileiro.
Que os ricos paguem pela crise!
São Paulo, SP, 13 de dezembro de 2015
Direção Nacional da Intersindical Central da Classe Trabalhadora

Contra o impeachment! Não ao ajuste fiscal! Fora Cunha!


 
O momento político pede muita unidade e mobilização popular. O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, aceitou a instalação do processo de impeachment da Presidenta Dilma, numa tentativa de chantagem a céu aberto. Tenta subordinar os destinos do país à salvação de seu pescoço. Não há nenhuma comprovação de crime por parte de Dilma, e o impeachment sem base jurídica, motivado pelas razões oportunistas e revanchistas de Cunha é golpe.
As ruas pedem: Fora Cunha! Atolado em escândalos de corrupção e representante da pauta mais conservadora, Cunha não tem moral para conduzir o processo de impeachment, nem para presidir a Câmara dos Deputados. Contas na Suíça, fortes acusações de lavagem de dinheiro são crimes não explicados por ele. Cunha será lembrado pelo ataque aos direitos das mulheres, pelo PL da terceirização, a proposta de redução da maioridade penal e por sua contrarreforma política. Os que querem o impeachment são os mesmos que atacam os direitos dos/das trabalhadores (as), das mulheres, dos /das negros (as) e disseminam o ódio e intolerância no país.
Ao mesmo tempo, entendemos que ser contra o impeachment não significa necessariamente defender as políticas adotadas pelo governo. Ao contrário, as entidades que assinam este manifesto têm lutado durante todo este ano contra a opção por uma política econômica recessiva e impopular. As consequências da crise econômica mundial estão sendo aprofundadas pelo ajuste fiscal promovido pelo governo federal, que gera desemprego, retira direitos dos trabalhadores e corta investimentos sociais. Não aceitamos pagar a conta da crise.
A saída para o povo brasileiro é a ampliação de direitos, o aprofundamento e o fortalecimento da democracia e as reformas populares. O impeachment representa um claro retrocesso na construção deste caminho.
Seremos milhares nas ruas no dia 16 de dezembro de 2015. Será o dia Nacional de Luta contra o Impeachment, o ajuste fiscal e pelo Fora Cunha. Convidamos a todos os Brasileiros e Brasileiras a fazerem parte desse bloco contra o retrocesso e por mais direitos.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Nota da Secretaria Geral da Intersindical sobre a abertura do processo de impeachment

Postado: INTERSINDICAL CENTRAL DA CLASSE TRABALHADORA

Impeachment002O impeachment da presidente não é uma medida para beneficiar o povo brasileiro. Ao contrário, o “fora Dilma” permitiria a Temer aplicar o programa que o PMDB negociou com o grande capital, como aposentadoria só depois dos 65 anos (60 se mulher) e desvinculação da aposentadoria ao salário mínimo, terceirização geral, prevalência do negociado sobre o legislado que acaba com os direitos trabalhistas, fim da destinação constitucional de verbas para a saúde e educação públicas.

Quem deve ser impedido de prosseguir no cargo é Eduardo Cunha, que não tem legitimidade para ser presidente da Câmara. “Seus” milhões na Suíça, suas mentiras e chantagens provam isso. Sem falar de sua atuação para acabar com os direitos trabalhistas, das mulheres, da juventude pobre, dos indígenas.

Ser contra o impeachment da presidente não significa apoiar o governo e sua política indefensável. É preciso derrotar o processo de impeachment, mas também combater o ajuste fiscal do governo Dilma que joga a crise nas costas do trabalhador.

A maioria do povo brasileiro tem razão para estar enfurecida com a presidente. Por isso, devemos fazer pressão total pela reversão dessa política recessiva, que eleva o desemprego, destrói políticas públicas e leva milhões de pessoas ao desespero. Mas não podemos nos deixar enganar por uma campanha orquestrada para impor um governo ainda mais comprometido com os interesses antipopulares.

Essa campanha da direita não visa acabar com a corrupção no Brasil ou punir a chamada “pedalada fiscal”. Objetiva, na verdade, garantir renda pública e do trabalho para restabelecer a acumulação expandida do grande capital, mesmo que isso signifique ampliar a exploração sobre o povo e agravar a crise social.

Indio IntersindicalEdson Carneiro Índio

Secretário Geral da Intersindical – Central da Classe Trabalhadora

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Projeto de reorganização das escolas de São Paulo será adiado por um ano

Por: Brasil de Fato - Da Redação

Após mobilizações dos estudantes contrários à medida, governador suspende medida que fecharia 94 escolas.

ESTUDANTES

O Governador Geraldo Alckmin recuou com o projeto de reorganização do ensino estadual nesta sexta-feira (04). Em coletiva, o governante afirmou que irá adiar o processo durante um ano e que irá “aprofundar o diálogo” em 2016.

“Entendemos que devemos aprofundar o diálogo. Isso fecha um ciclo que permite a gente ajudar no ensino infantil. Vamos dialogar escola por escola. O ano de 2016, que será o ano de implantação, será o ano de aprofundar o diálogo. Alunos vão continuar na escola que já estudam, não haverá mudança”, disse Alckmin.

A decisão ocorreu após os estudantes, contrários à medida, ocuparem mais de 195 escolas no estado, além de realizarem atos e manifestações. O pronunciamento de Alckmin ocorre no dia em que o instituto Data Folha publicou uma pesquisa onde sua popularidade atingiu o menor nível nos dez anos.

Durante o pronunciamento, Alckmin leu uma frase do Papa Francisco. "Sempre que perguntado entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma solução sempre possível, o diálogo". O Governador encerrou seu pronunciamento e não concedeu entrevista aos jornalistas presentes.

Repressão

No mesmo dia do anúncio do governador, a Polícia Militar reprimiu com bombas de gás lacrimogêneo estudantes que manifestavam contra o projeto de reorganização escolar na Avenida Faria Lima. A manifestação seguiu até a Avenida Paulista, onde sofreu mais repressão da PM, encerrando em frente à secretaria de educação.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

'O PT colhe o que deixou de plantar', diz Guilherme Boulos

Por: REDE BRASIL ATUAL

Em entrevista à RBA, o líder do MTST defende que é urgente o governo pautar reformas estruturais – política, tributária, urbana – para avançar em novo ciclo de conquistas e não permitir retrocessos

por Sarah Fernandes, da RBA – Fotos: Gerardo Lazzari / RBA

Guilherme Boulos

Boulos: "Não quero ser confundido com aqueles que dizem que o governo do PT é um retrocesso"

São Paulo – A crise econômica mundial, somada ao tensionamento de forças políticas e a um modelo de ascensão social pautado no consumo levou ao limite a "política do consenso" implementada pelo governo PT nos últimos 12 anos. "Agora é a hora de pautar reformas estruturais ou retroceder", alerta o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Guilherme Boulos, em entrevista exclusiva à Rede Brasil Atual. "É impossível, em uma sociedade de classes, fazer mudanças sem conflito. De algum modo, o PT ajudou a criar esse antipetismo de direita. O PT colhe o que deixou de plantar."

Os limites das políticas petistas, o papel dos movimentos sociais e o acesso democrático à cidade foram os temas principais da conversa, em um café, no centro de São Paulo. "Do jeito que as coisas estão, só é perigoso conversarmos aqui e alguém vir dizer que estávamos em Paris!", brincou, antes no início da entrevista. Por muitas razões, a chamada "direitização do senso comum" é um dos temas centrais do seu novo livro, "De que lado você está?", que será lançado na quarta-feira (10) pela editora Boitempo, durante o Colóquio Internacional Cidades Rebeldes. "Tem uma turma alucinada chamando o PT de bolivariano. Antes fosse!", brincou.

"Aí entramos em uma situação preocupante: o quanto é atrasada a elite brasileira. O quanto não aceita nenhum tipo de concessão. Pobre andar de avião? Preto na universidade? Empregada doméstica com direito trabalhista? Não pode! Essa mentalidade escravocrata está semeando um cenário de ódio. Precisamos construir uma saída ao esgotamento do modelo petista, mas quem está canalizando esse discurso de insatisfação é o setor mais conversador, reacionário, de ultradireita."

Confira a entrevista na íntegra:

Já na apresentação do livro, o sr. afirma que o PT optou pela estratégia da chamada "política do consenso", sem romper com estruturas tradicionais. Qual é a capacidade real de um partido que assume o governo de fazer essas rupturas?

Um partido, quando entra no governo, precisa também incidir na relação de forças da sociedade. Foi isso que o PT não fez. Só buscar uma composição com as forças existentes para estruturar a governabilidade, sem iniciativas políticas que façam o enfrentamento, dá no que deu: depois de 12 anos de PT, nós temos uma direita mais forte, uma sociedade mais conservadora e uma despolitização reinante. Isso não quer dizer, evidentemente, que não houve avanços. Não quero ser confundido com aqueles que dizem que o governo do PT é um retrocesso. Os avanços, do ponto de vista de programas sociais, de acesso ao consumo dos mais pobres, de reorientação do orçamento com maior investimento social, são inegáveis. Mas também foram insuficientes, porque não alteraram a relação de forças.

O que deveria ter sido feito na prática para alterar essa relação de forças?

Vamos tomar um exemplo: o Hugo Chávez chega ao governo na Venezuela numa relação de forças desfavorável. E cede no começo. Ele fez um ajuste fiscal severo no seu primeiro ano, mas também criou uma relação de forças. Fez a disputa no seio da sociedade: foi para cada município venezuelano e buscou fortalecer conselhos populares, a auto-organização, os movimentos sociais e construiu um caldo que permitiu sustentar mudanças políticas mais de fôlego.

Quando a direita de lá reagiu e deu um golpe no Chávez, em 2002, não durou três dias, porque o povo cercou o Palácio exigindo a volta do presidente. Construiu-se uma base social e um processo de politização. Isso foi feito com conflito. É impossível, em uma sociedade de classes, fazer mudanças sem conflito. Esconder o conflito de classes, como foi feito aqui, despolitiza a sociedade e cria a ideia de que toda ascensão é individual, e não fruto de um processo de disputa política.

0d0c12dd-55e4-414c-9a42-2c698fd1e2bd'As opções políticas do PT revelam o nível de comprometimento do governo com o capital privado'

Até quem ascendeu a partir das políticas sociais do governo do PT enxerga sua ascensão de maneira meritocrática?

A maioria dos prounistas votou no Aécio Neves (PSDB) nas eleições do ano passado. Precisa mais do que isso? O governo criou processos de transferência de renda, mas não se mexeu muito na distribuição. Houve uma ascensão dos mais pobres, mas, ao mesmo tempo, uma ascensão ainda maior dos mais ricos.

O PT não soube dialogar com essa nova classe trabalhadora. Ela estava na condição de subproletária, informal, e com as políticas do governo entrou na formalidade e teve o incremento da renda, pelos programas sociais, pelo crédito e pela maior geração de empregos. Mas ascendeu pelo consumo, sem a lógica de conflito social, da disputa de direitos e da politização. Assim, obviamente, se criam pessoas que acreditam na meritocracia, que são reféns do discurso da direita e que desenvolvem um comportamento cada vez mais individualista e consumista.

Essas mudanças estruturais seriam, por exemplo, a democratização da mídia, reforma política, reforma tributária?

E a reforma urbana e agrária também. São as reformas estruturais que, neste país, estão bloqueadas desde 1964. A última vez que se falou isso de forma séria, o presidente (João Goulart) tomou um golpe e isso deixou de ser pauta política.

Em relação ao monopólio das comunicações, é vergonhoso que em 12 anos, não se tenha tocado nisso. Ao contrário, reproduzir na distribuição de verbas públicas e nos anúncios um modelo que privilegia os grandes meios corporativos. De algum modo, o PT ajudou a criar esse antipetismo de direita. O PT colhe, não o que plantou, mas o que deixou de plantar.

E houve um momento em que o cenário político era muito mais favorável. Com um governo com 80% de aprovação, como já teve, você vai pra cima do Congresso. Manda a lei de mídia e chama a população e os movimentos sociais para cima. O Congresso brasileiro sempre foi muito conservador. Talvez o mais atrasado dos poderes e é impressionante como a esquerda, de forma geral, toma a questão das relações de força de uma maneira metafísica, como se fosse algo intocável e imutável. Correlação de força se muda e, quando se tem o governo, se tem uma ferramenta tremenda para disputá-la.

Foi por medo ou por falta de visão?

Acho que é medo, mas também é opção política. As opções políticas do PT revelam o nível de comprometimento do partido e do governo com o capital privado do país. O PT está votando hoje contra o financiamento empresarial de campanha, mas foi o partido que mais recebeu dinheiro empresarial nas últimas campanhas, até por ser governo. Assim, estabeleceu vínculos de compromisso com esses setores econômicos poderosos e fez a opção política de não romper esses vínculos. Agora paga o preço.

c73de946-86a4-4114-b6fa-8ed3b8a4aa3d'Junho de 2013 teve um efeito de exemplo: quando o povo se organiza, consegue'

Mas é possível se eleger sem garantir ganhos reais ao capital?

Neste sistema político, muito improvável. Então, é preciso discutir essa questão em outro âmbito da política, que é na rua. Se não for lá, não se muda. Achar que o Congresso vai fazer uma reforma política... A semana passada mostrou o que eles fazem.
Agora, isso não pode servir de argumento, como serve, para dizer 'essa é a única forma de se eleger, então vamos mantendo assim'.  Com isso, se legitima o conservadorismo e se legitima que não se façam mudanças estruturais. Não dá para ser assim. Se um partido quer ser visto como um elemento de transformação na sociedade, precisa pautar temas e, inclusive, dizer 'dentro desse sistema político, a disputa é desigual'.

Estamos falando do PT, mas é importante também falar sobre o que foi o deserto neoliberal dos anos 1990 e do que são os tucanos no governo. Esse deserto neoliberal criou a ideia de que política é só institucional. Na década de 80, nós tivemos política na rua. Pouco a pouco, foi-se tirando a política da rua. O PT continuou esse movimento, quando fez um governo desmobilizado, levando lideranças para o gabinete.

E qual é a força política dos movimentos sociais organizados para peitar esse poderio econômico arraigado na política e no Judiciário?

Os movimentos sociais organizados não têm. Nós vivemos hoje um momento que não é de afluxo de lutas sociais. É claro que, a partir de junho de 2013, se teve uma maior mobilização da sociedade, para a direita e para a esquerda. O conflito social está mais aberto e polarizado, mas nós ainda não temos 'caldo' para dizer que temos condição suficiente para fazer um grande enfrentamento. Mas é papel dos movimentos construir isso, com a sua atuação cotidiana.

Por falar em junho de 2013, qual foi o principal legado desta jornada?

Tivemos dois principais legados. Um deles, perverso, pela direita. Foi aí que ela começou a se encorajar para ir às ruas e defender as opiniões que antes tinham vergonha – e que deveriam continuar tendo, porque são posições que beiram o fascismo. Houve um fortalecimento e uma rearticulação do pensamento de direita no Brasil e isso se expressou no período eleitoral do ano passado e sobretudo na manifestação de 15 de março deste ano.

Mas, felizmente, esse não foi o único legado. Junho de 2013 surgiu desencadeado por uma mobilização legítima, de direitos sociais, e por um movimento de esquerda, que é o Passe Livre. Foi uma luta contra a mercantilização do transporte e contra o aumento da tarifa, que foi vitoriosa. A tarifa baixou. Teve um efeito de exemplo muito poderoso: quando o povo se organiza e vai para a luta consegue resultado.

Toda a movimentação estimulou a ascensão de vários outros movimentos sociais. A partir do segundo semestre de 2013, as ocupações de terra explodiram nas cidades brasileiras. Foi um gatilho pra luta social.

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A direita na rua é negativo ou positivo para a democracia?

Eu acho muito negativo ter nas ruas grupos defendendo apologia à tortura, à ditadura, à Polícia Militar. Agora, temos um aspecto positivo que é o fato de a polarização se tornar mais clara. Fica mais difícil negar os conflitos de classe, de interesses políticos e ideológicos que habitam a sociedade brasileira. Eu espero que um dia essa elite diga: 'Eu era feliz e não sabia', o que vai ser possível se a gente construir um projeto de esquerda mais amplo no país.

Essa ascensão conservadora– que elegeu o Congresso mais conservador desde a ditadura civil-militar – é resultado de quê?

De um sistema político carcomido. Cá entre nós, este Congresso não é essencialmente diferente do anterior. Houve uma piora em grau, mas no ponto de vista de processo político é a mesma coisa. Ícones de direita se fortaleceram e, com o enfraquecimento do governo pela perda de popularidade, conseguiram impor sua agenda política. Acho também que isso é expressão da forma como a mídia trabalhou e ajudou a construir essa 'direitização' do senso comum na sociedade brasileira.

Há um claro esforço dos veículos tradicionais em manter Dilma e o PT acuados para levar a uma vitória que dê a legitimidade das urnas a Geraldo Alckmin em 2018. Pode ser positivo para a esquerda que o PT perca e volte a ser oposição?

Eu não acho que uma vitória de propostas mais à direita seja benéfica em nenhum sentido. O PT não tem a mesma credibilidade que teve outra hora para a oposição. Não adianta sair do governo e dizer ‘Agora eu sou oposição e sou contra tudo isso’. Não rola. Teve 16 anos, não fez, e acha que vai chegar na oposição com credibilidade para liderar esse processo? Não vai.

Há um claro esforço dos veículos tradicionais em manter Dilma e o PT acuados para levar a uma vitória que dê a legitimidade das urnas a Geraldo Alckmin em 2018. Pode ser positivo para a esquerda que o PT perca e volte a ser oposição?

Eu não acho que uma vitória de propostas mais à direita seja benéfica em nenhum sentido. O PT não tem a mesma credibilidade que teve outra hora para a oposição. Não adianta sair do governo e dizer ‘Agora eu sou oposição e sou contra tudo isso’. Não rola. Teve 16 anos, não fez, e acha que vai chegar na oposição com credibilidade para liderar esse processo? Não vai.

'É muito negativo ter nas ruas grupos defendendo apologia à tortura, à ditadura e à PM'

Abordando a temática da reforma urbana, quais as mudanças d92219eb-932a-4e57-8629-cb5e212fec1fnecessárias nas grandes cidades brasileiras?

Nós precisamos tomar a dimensão do que é a crise urbana no Brasil. As cidades se tornaram uma verdadeira máquina de exclusão e segregação. Temos aí uma das contradições do modelo petista: nunca se teve tanto investimento em políticas urbanas, mas também elas nunca foram tão desarticuladas. Assim, acabaram por servir à exclusão e à segregação.

Vou dar um exemplo: o programa Minha Casa Minha Vida construiu 2 milhões de casas até aqui e o déficit habitacional nas grandes cidades brasileiras aumentou. Em 2008, o déficit, segundo o IBGE e a Fundação João Pinheiro – fonte dos dados oficiais – era de 5,3 milhões de unidades. Em 2012, última data disponível, era de 5,8 milhões.

Isso porque este processo de investimento urbano foi feito sem nenhuma regulação e foi apropriado como crédito pelo capital privado, pelo setor imobiliário e pela construção civil, que cresceu de uma forma desproporcional. Foi o setor, talvez, que mais tenha ganhado com o crédito público.

E esses setores articulados, produzindo novos empreendimentos, gerou um processo de valorização incrível, que, em seis anos, ficou na casa dos 200% nas grandes cidades. Isso faz com que o aluguel aumente, mas o salário não aumentou na mesma proporção. Ora, se eu pagava R$ 300 de aluguel e meu aluguel aumentou para R$ 800, tenho que morar mais longe ainda. E isso significa creche pior, posto de saúde pior, mais tempo de deslocamento no transporte público.

O debate que o MTST faz é que, lutando só por moradia, nem o problema de moradia você resolve. Construindo casa, o problema da moradia se agrava, se você não tem uma política de reforma urbana que pense o direito à cidade acima dos investimentos privados, acima da apropriação privada do espaço urbano. Isso implica políticas de regulação, implica espaços públicos e sociais de deliberação e conselhos que funcionem.

Na Venezuela, por exemplo, a questão urbana e da moradia foi uma das grandes bases de sustentação do chavismo. Os movimentos de moradia são hoje uma parcela dos movimentos sociais com maior capacidade de aglutinação e reivindicação?

Na Venezuela, o Gran Misión Vivienda é um programa exemplar, com um nível de participação popular muito alto, com alta qualidade das habitações, e com nível de regulação e de exigência do Estado muito grandes. Aqui no Brasil, a explosão da crise urbana aprofundou as contradições e criou mais espaço para a mobilização social.

O crescimento de movimentos como o MTST nos últimos anos tem diretamente a ver com isso. As pessoas não querem ser jogadas para mais longe, não aguentam mais pagar um aluguel que sufoca o orçamento familiar. Isso cria um 'caldo' para processos de resistência. Mas acho que não podemos falar de um protagonismo exclusivo, mas em um protagonismo compartilhado. Os movimentos sociais urbanos, isoladamente, não têm a menor condição de encabeçar as transformações necessárias. Precisa-se construir processos de unidade que envolvam o movimento sindical, os movimentos do campo e a articulação da juventude.

Até porque existem movimentos e 'movimentos' de moradia. São diversas vertentes...

Tem de tudo. Temos um campo de movimentos combativos que pensam a luta por moradia articulada com a reforma urbana, que têm um projeto político de transformação da sociedade, como o MTST. Há movimentos, digamos, mais corporativos, focados na pauta da moradia, e que perdem a visão que essa luta isolada não resolve o problema da moradia.

Tem também movimentos oportunistas, como em todos os campos, que fazem das ocupações um negócio. O curioso é a grande mídia pegar essa parcela minoritária e bater como se fosse regra. Acho que tem um percentual menor de oportunistas no movimento social do que na edição da Rede Globo ou no Congresso Nacional.

A segregação urbana, que tão fortemente marca as grandes cidades brasileiras, e a ascensão social verificada nos últimos anos, motivaram de alguma forma o ódio de classe?

Sem dúvida. Se fez tão pouco perto do que se precisava fazer, não se mexeu com nenhum privilégio, com o tripé neoliberal da política econômica, com as metas de inflação, com o superávit primário, com o câmbio flutuante, não se mexeu com o sistema da dívida pública, que é a maior forma de concentração de renda do Estado brasileiro, não se mexeu com sistema político, com o monopólio da mídia, com estrutura arcaica do Judiciário, nada...

E há uma grita na sociedade como se tivéssemos feito uma revolução socialista no Brasil. Tem uma turma alucinada chamando o PT de bolivariano. Antes fosse! Aí entramos em uma situação preocupante: o quanto é atrasada e intolerante a elite brasileira. O quanto não aceita nenhum tipo de concessão. Só do pobre ascender já é um escândalo, mesmo que ele ainda se encontre no topo da pirâmide. Pobre andar de avião? Preto na universidade? Empregada doméstica com direito trabalhista? Não pode!

Essa intolerância, esse atraso, essa mentalidade escravocrata da elite tem semeado um cenário de ódio e caricaturizando o governo do PT como revolucionário. Esse é o drama social que vivemos hoje: precisamos construir uma saída ao esgotamento do modelo petista, mas quem está canalizando esse discurso de insatisfação é o setor mais conversador, reacionário, de ultradireita.

6b4c04e5-4305-4ab7-9edb-3c856bc996d7'Talvez o legado mais positivo da Copa seja o 7X1!'

E qual o horizonte de uma saída à esquerda para crise?

O horizonte passa por um caminho estratégico e outro tático. Qual o programa pautado pelo PT e por uma parte da esquerda nesses anos? Um programa de pequenos avanços e conquistas sociais graduais, sem mexer na estrutura do país. Essa estratégia não funciona mais, porque depende de condições que não estão mais dadas: uma delas é um nível de crescimento econômico que permita essas pequenas concessões e uma conjuntura que mantenha as forças sociais mais ou menos controladas. Nenhuma delas está mais dada. Nós temos uma crise econômica mundial e os produtos brasileiros, sobretudo as commodities, não têm mais o mesmo valor que tinham há dez ou há cinco anos. Essa é a hora de dar uma guinada e pautar reformas estruturais. No Brasil, ou se pautam esses temas ou se retrocede.

Peguemos o ajuste fiscal: a Dilma fez porque quis? Não. A crise piorou e o orçamento não cresceu. Ela precisou cortar. Agora, de quem cortou? Ou você retrocede e corta em direitos sociais e investimentos, que foi a escolha do governo, ou pauta reformas, como a reforma tributária, como a taxação das grandes fortunas. É preciso construir uma estratégia em torno das reformas populares.

Essa mudança estratégica implica também uma mudança tática, porque ela não vai ser implementada no interior desse sistema político. Para essa estratégia ser posta em prática será preciso aglutinar um amplo movimento de massa e isso implica conflito, enfrentamento de rua e pressão social.

O PT é capaz de fazer essas mudanças tática e estratégica?

Eu acho que hoje o PT não mostra disposição política para fazer isso, mesmo estando na sua maior crise, criminalizado e emparedado por diversos setores da sociedade e pela mídia.

00b2df42-0783-4ad6-a6b7-e23c5a090416Guilherme Boulos, do MTST

Qual sua avaliação do Plano Diretor Estratégico de São Paulo, aprovado no ano passado, e de sua capacidade de combater essa lógica segregacionista da cidade?

O plano sozinho não faz reforma urbana e não enfrenta a segregação. Ele pode nos ajudar a fazer esse enfrentamento. O plano aprovado tem elementos importantes de avanço. Tivemos que fazer concessões, mas conseguimos impor algumas derrotas ao setor imobiliário, que queria avançar de forma cada vez mais voraz.

Conseguimos aumentar as áreas de Zeis (Zonas Especiais de Interesse Social), regulamentar mecanismos do Estatuto das Cidades para a função social da propriedade, aumentar o Fundurb (Fundo de Desenvolvimento Urbano) que vai ser direcionado para compra de terra e programas de habitação. Mas o plano só vai se efetivar com luta social.

Qual o legado da Copa para São Paulo e para as demais metrópoles do país?

Talvez de mais positivo seja o 7 a 1 (risos). De resto, foi daí para baixo. Foi um processo de movimentação dos setores da construção civil que aprofundou processos de despejo, de segregação e de especulação. As obras da Copa não foram pensadas do ponto de vista do acesso à cidade e da garantia de direitos. Foram pensadas do ponto de vista funcional, de acesso aos estádios, aos centros hoteleiros, aos aeroportos. E deixaram para trás um rastro de despejo e políticas de militarização das cidades.