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sábado, 30 de maio de 2015

‘É preciso acabar com a sangria da dívida pública para mudar a agenda do Brasil’

Escrito por Valéria Nader e Gabriel Brito, da Redação
Correio da Cidadania      

Em momento em que se abrem claros sinais de intensificação da recessão no país, associada às medidas de política econômica levadas a cabo pelo atual governo, o Correio entrevistou Maria Lúcia Fattorelli. Auditora da Receita Federal desde 1982, e coordenadora do movimento Auditoria Cidadã da Dívida, Fattorelli tem sido uma ferrenha crítica da predominância da ótica financeira na condução das políticas públicas. A auditora, que já participou do processo de auditoria pública da dívida do Equador, foi recentemente convidada por Zoe Konstantopoulou, deputada do Syriza, que ocupa a presidência do Parlamento Grego, a compor o Comitê pela Auditoria da Dívida Grega.
 
Sobre a experiência que tem vivido na Grécia, Fattorelli destaca que “ caso grego, a partir de um setor oficial, tem muita importância, porque significa levantar a cabeça e começar a ver alguma reação em relação ao que ocorre desde 2008. Obviamente, a pressão também aumentou sobre o Executivo, tanto que em 9 de abril o país pagou o FMI”.
 
Quanto ao que temos vivido em solo pátrio, a auditora considera uma enorme lástima um país, com as potencialidades do Brasil, mas com a pior distribuição de rendo do mundo, adotar um modelo que trava o desenvolvimento socioeconômico,principalmente por conta da adoção de um modelo econômico equivocado, que coloca como principais metas o superávit primário, sem questioná-lo, e metas de inflação. E de forma totalmente equivocada, porque o modelo de combate à inflação adotado no Brasil não combate o tipo de inflação que temos. Ele visa privilegiar o sistema financeiro, mais uma vez”.
 
Crítica também contumaz do modelo de atuação do BC nesse esquema, “que enxuga o dinheiro dos bancos, fica com esse dinheiro e lhes entrega títulos da dívida pública, para garantir-lhes rendimento com esses títulos”, Fattorelli clama por uma campanha ampla de conscientização popular sobre os nefastos e sombrios caminhos de nossa economia – única forma de inverter a lógica predadora, que enriquece o setor financeiro em detrimento da economia real e do povo trabalhador.
 
Leia abaixo a entrevista exclusiva, em que a auditora discorre ainda sobre os esquemas corrompidos que levaram à atual dívida exorbitante do estado de São Paulo, e sobre o sistema de financiamento eleitoral como indutor do distorcido esquema de prioridades do Brasil.
 

Correio da Cidadania: Após alguns meses à frente da auditoria da dívida pública grega, como você avalia o processo neste início de governo Syriza, no que se refere à nova condução que se propõe para a economia e às dificuldades que já aparecem no horizonte para enfrentar a Troika?
 
Maria Lucia Fattorelli: A comissão de auditoria foi criada em 4 de abril. E os trabalhos começaram em maio. Sua criação foi um ato político, a partir do parlamento grego, não do Executivo, e envolve tanto pessoas estrangeiras convidadas, como no meu caso, como também gregos que participam de órgãos governamentais, além de cidadãos, professores etc.
 
É uma iniciativa muito importante, porque significa a primeira atitude de questionamento desde o início da crise de 2008, quando a primeira reação geral foi empurrar o peso da crise para os países, que foram aceitando as medidas de austeridade e aumentaram suas próprias dívidas pra socorrer bancos, sem nenhum tipo de reação - à exceção da Islândia e, mais timidamente, da Irlanda.
 
O caso grego, a partir de um setor oficial, tem muita importância, porque significa levantar a cabeça e começar a ver alguma reação em relação ao que ocorre desde 2008. Obviamente, a pressão também aumentou sobre o Executivo, tanto que em 9 de abril o país pagou o FMI.
 
Também trocou o ministro das Finanças Varoufakis pelo ministro das Relações Exteriores nas negociações com credores, de modo que a pressão para que tudo continue como antes, com aplicação de políticas de austeridade e novos empréstimos para pagar empréstimos anteriores, sem nenhum questionamento, é brutal.
 
Por isso movimentos sociais lançaram manifesto pedindo apoio da comunidade internacional, autoridades, pessoas conhecidas, movimentos sociais, cidadãos, em apoio ao povo grego. A ideia é aumentar o apoio internacional pra criar um contraponto na conjuntura.
 
Os trabalhos estão só começando, ainda em fase preliminar.
 
Correio da Cidadania: Que comparação você faria da experiência vivida agora com a que teve lugar no Equador, também sob sua direção?
 
Maria Lucia Fattorelli: No Equador, foi uma coisa única, porque partiu de iniciativa do presidente da República, o Rafael Correa, que baixou um decreto, criou uma comissão, nomeou seus membros, tanto estrangeiros, como equatorianos, de órgãos oficiais ou especialistas. O peso político da Comissão de Auditoria no Equador era impressionante. Ele nos deu poderes pra questionar diretamente qualquer órgão, obrigando-os a atender qualquer pedido nosso e estabelecendo até uma pena para o não atendimento. Como nomeada, eu mesmo redigi pedidos de informações ao Banco Central equatoriano, à Procuradoria da Fazenda, encarregada do parecer jurídico de cada empréstimo.
 
Foi esse poder político que nos permitiu ter acesso direto a arquivos públicos e dos órgãos encarregados de manejar a dívida pública do país. Essa autoridade delegada pelo presidente permitiu que conseguíssemos realizar o que realizamos. Porque uma auditoria só acontece de fato quando se tem acesso a documentos e contratos. Caso contrário, fica-se à mercê de estudos publicados, sendo que a maioria vem de institutos ligados ao mercado financeiro, como o FMI, entre outros, financiados pelos próprios bancos, que são quem lucram com as dívidas públicas.
 
Correio da Cidadania: Contrariando as promessas de campanha, em poucos meses de mandato, o novo governo Dilma Rousseff impôs o chamado Ajuste Fiscal ao povo brasileiro, sem qualquer forma de debate público, e em detrimento de diversas áreas sociais e de infraestrutura pública. Como alguém que hoje está diante do drama grego enxerga esse quadro no Brasil?
 
Maria Lucia Fattorelli: É lastimável. O Brasil tem tudo pra viver uma realidade completamente diferente do que estamos vivenciando. Apesar de toda a espoliação desses 500 anos, ainda somos a sétima potência econômica mundial. Mas quando olhamos os indicadores sociais, temos a pior distribuição de renda do mundo, o fosso social do Brasil é o pior do mundo. Estamos com o desenvolvimento socioeconômico totalmente travado, principalmente por conta da adoção de um modelo econômico equivocado, que coloca como principais metas o superávit primário, sem questioná-lo, e metas de inflação. E de forma totalmente equivocada, porque o modelo de combate à inflação adotado no Brasil não combate o tipo de inflação que temos. Ele visa privilegiar o sistema financeiro, mais uma vez. O Copom já aumentou a taxa de juros pra 13,25 % e os títulos da dívida são vendidos a taxas bem superiores.
 
Qual a razão pra subir mais ainda juros já indecentes? A alegação é controlar a inflação. Mas quem provoca inflação no Brasil? Aumento dos preços da energia, do combustível, da água, dos transportes e alguns alimentos, em função de políticas agrícolas também equivocadas. Subir juros vai incidir no preço de alguma dessas coisas? Não, de jeito nenhum. Subir juros no momento é unicamente pra sangrar mais o país, garantir ainda mais recursos para o setor financeiro, que já leva a maior parte do nosso orçamento federal, justamente através dos juros. Afeta estados, municípios, impede totalmente a atividade econômica efetiva. E a ação do BC afeta não só tais juros da dívida, como também afeta, profundamente, os juros que o mercado financeiro cobra do setor privado, de empresas, de pequenos ou grandes comerciantes, de qualquer pessoa física.
 
No meu artigo ‘Por que os juros são tão altos no Brasil?’ explico por que tais políticas provocam um aumento absurdo da dívida: pra fazer uma troca com o mercado financeiro. O BC não tem deixado que os bancos fiquem com dinheiro no caixa. Significa que, se os bancos recebem um enorme volume de depósitos e remessas do exterior, dinheiro especulativo, o BC ‘enxuga’, fica com esse dinheiro e entrega títulos da dívida pública aos bancos, para garantir-lhes rendimento com esses títulos. Isso provoca aumento brutal da dívida,  já que o Tesouro repassa os títulos ao BC; o Tesouro emite e repassa. Já há 1 trilhão de reais de dívida do Tesouro com o BC, pra repassar aos bancos com tal mecanismo.
 
A consequência é que os bancos não vão emprestar dinheiro à população ou a pequenas empresas pra promover a atividade econômica. Pra que correr risco de emprestar no mercado, se tem a segurança de que o BC vai ficar com o dinheiro e pagar o rendimento do título da dívida com os maiores juros do mundo? Portanto, só se empresta à população ou a pequenos empreendimentos com taxas absurdas, escorchantes, que impedem a movimentação saudável da nossa economia.
 
Quanto mais negócios, mais empregos. Se os empregos são gerados, mais pessoas têm rendimento. E consomem mais, comem melhor, possibilitam melhor educação aos filhos... Isso é que gera um ciclo positivo na economia. Na medida em que seca o recurso financeiro, trava-se tudo. E o próprio BC impõe essa lógica, ao garantir rendimentos generosíssimos aos bancos, enxugando tais recursos.
 
Por que a Dilma entra nessa de ajuste fiscal, corte de direitos e impede reajustes salariais dignos? Vai travar a nossa economia. Ao mesmo tempo, abre mão de todos os limites e aumenta juros. Das eleições pra cá, sem contar o último aumento de juros, as taxas já subiram 16%. Não dá. Estamos empurrando o país para o aprofundamento de uma crise. É evidente.
 
Acredito que isso aconteça, em primeiro lugar, pelo atrelamento ao financiamento de campanha.
 
Embora a Dilma tenha feito um discurso à esquerda, se olhamos os dados do TSE,  vemos que ela e o PT foram fortemente financiados pelo sistema financeiro. Só a campanha da Dilma recebeu cerca de 24 milhões de Reais dos bancos. Infelizmente, isso não é de graça. Sabemos que é uma forma de comprar mandatos. Financiamentos elevados por parte de grandes corporações e setor financeiro têm preço, sempre cobrado depois. Através de benesses, financiamentos do BNDES ou adoção de políticas favoráveis ao setor. Isso é claro.
 
Existe ainda a pressão que a mídia sempre faz, ao descobrir e denunciar casos de corrupção, outra maneira de pressionar certas medidas. É assim que começa o governo Dilma.
 
Correio da Cidadania: Como imagina que vá ser, portanto, a condução da política econômica no Brasil nos meses vindouros e qual será o impacto, a seu ver, no crescimento do país, no emprego formal e no rendimento médio do trabalhador? E o que você diria desse processo de ajuste fiscal e política de austeridade que terão lugar no Brasil face a processos semelhantes por que passaram países europeus nos últimos anos, a exemplo de Portugal e Grécia?
Maria Lucia Fattorelli: Já estamos vivendo essa crise. Se olhar os servidores públicos federais, nem a perda inflacionária foi coberta nestes anos. Os servidores tiveram reajuste de apenas 5% nos últimos anos e a inflação superou os 5%. Em âmbito estadual e municipal, a mesma coisa, sem reajuste. No caso do setor privado, o ano começou com o crescimento elevado da taxa de desemprego.
 
Ao mesmo tempo, o governo limita o acesso ao seguro-desemprego. O que representa um fator de dificuldade para a pessoa que perde o emprego e não tem perspectiva, porque a economia está em retração. O comércio passa por crise gravíssima. O que mais vemos em todas as capitais do país são placas como “passa-se o ponto”, “aluga-se”, lojas fechando etc. Na indústria, já estamos há anos em processo de desindustrialização e gerando mais desemprego. Aqueles incentivos de redução de IPI etc. também bateram no limite.
 
Entramos num período da economia sem geração de emprego e reajuste salarial, com os preços subindo absurdamente. Quando se aumenta o preço da telefonia, energia, combustíveis e transportes, provoca-se aumento de tudo, porque todos os bens e serviços embutem tais quesitos em seus preços. Com a massa salarial em queda, os estoques ficam sem saída. E começamos a entrar num ciclo vicioso, aquela espiral que leva pra baixo.
 
Infelizmente, isso aconteceu na Grécia, Portugal, Espanha, Itália e até em países de economia mais avançada da zona do euro, como Alemanha e França. Todos que entraram nesse ciclo vicioso tiveram sua economia puxada pra baixo e desemprego brutal. A situação da Grécia, país entre os mais afetados, é considerada de crise humanitária, tamanho o volume de desemprego e desespero. Se pensarmos que a crise começou em 2010 e já estamos em 2015, imagine o desespero de um pai desempregado anos a fio, recebendo um seguro que não cobre despesas e sem saída, porque a economia só acumula dificuldade.
 
É um modelo doente, totalmente viciado, que coloca os interesses financeiros como um fim. O fim último é sacrificar tudo pra entregar dinheiro, juros e alimentar a ciranda financeira. A questão da dívida, há muito tempo, deixou de ser um instrumento de financiamento do Estado e passou a ser instrumento e grande negócio do setor financeiro. Todos os países aqui citados estão vivendo em função de sacrificar a população e a economia real – indústrias e comércio, que produzem bens e serviços que servem à população.
 
Os países sacrificam tudo apenas pra servir o setor financeiro. Este, sim, deveria estar a serviço da economia real. Tal inversão ocorre há anos no Brasil. Vemos na Grécia o que eles chamam de crise humanitária – pessoas sem energia, vivendo do lixo, sem acesso mínimo a alimentos –, mas quantos milhões de brasileiros estão há anos nessa condição, vivendo de uma simples Bolsa Família, que atinge mais de 50 milhões de pessoas?
 
Resumindo, as políticas adotadas neste início de governo Dilma enterram cada vez mais o país. E abrem brecha para a continuidade das privatizações, como vimos no anúncio do ‘pacote positivo’, que, na verdade, é de privatizações em vários setores. É pra isso que o sistema financeiro pressiona a dívida e seu sistema. Além de receber dinheiro dos juros, a dívida serve pra pressionar por mais privatizações. O que desejam é apoderar-se da economia real inteira.
 
Correio da Cidadania: Resumidamente, como está a atual divisão do bolo do PIB brasileiro?
Maria Lucia Fattorelli: Da massa da renda nacional, a parte que vai ao capital avança de forma brutal, por meio da dívida pública, tanto em âmbito federal, como estadual e municipal. Vivemos a mesma crise em todos os níveis dos entes federados. A participação da renda das pessoas vem encolhendo e precisamos rever a situação. Rever urgentemente.
 
Não acredito em solução a curto prazo, não consigo ver. E nem uma solução de cima para baixo, isto é, que viesse do legislativo ou executivo, exatamente por conta do atrelamento ao financiamento de campanha. Quem está nesses postos está atrelado aos setores financeiro e mega-empresariais. Mais de 90% chegaram lá financiados por tais setores. E eles estão muito satisfeitos, pois, apesar de ser o governo do PT, o projeto que está posto é de interesse do setor financeiro e mega-empresarial.
 
Portanto, não acredito em solução de cima, e sim a partir da sociedade, construída a partir da conscientização de como funciona o sistema da dívida hoje, o papel do Banco Central nas altas taxas de juros, que afetam até quem não tem empréstimo, afetam o país inteiro, como expliquei no artigo citado “Por que os juros são tão altos no Brasil?”. Resume um pouco do que falo aqui.
 
Assim, toda a sociedade tem de conhecer tais mecanismos, temos de vencer o mito de que compreender a economia é tarefa de especialistas, quem entende os termos complicados etc. Faço questão absoluta de não usar essa linguagem, pois nossa tarefa é urgente e temos de incluir toda a população pra exigir mudanças. E exigir de forma consciente e organizada. Por isso puxamos várias ações no âmbito da auditoria, criamos núcleos pra popularizar nossos estudos, produzimos cadernos, livros, todos de forma didática. Chamamos atos públicos cada vez mais pra denunciar a política que privilegia o setor financeiro e eleva tanto os juros da dívida como do setor privado, por ação do próprio BC.
 
Neste ano, vamos fazer um grande seminário nacional, porque vemos a crise em que vamos nos aprofundar – afinal, já estamos dentro dela. A ideia é partirmos de seminários locais, para depois chegarmos fortes em São Paulo, em julho. Não tem outra saída, se não fizermos formação e pressão social muito fortes, a crise será bem cruel.
 
Correio da Cidadania: Acredita que, de alguma forma, ou em algum momento, possa se instaurar no Brasil um processo de revisão e auditoria da dívida pública? Em que medida o trabalho desenvolvido no Equador, e agora na Grécia, serviria como molde a uma eventual iniciativa semelhante no Brasil?
 
Maria Lucia Fattorelli: Acredito que sim, lutamos pra isso. Nosso trabalho já serviu ao Equador, que conseguiu anular 70% dos títulos de sua dívida externa, que eram a parte mais onerosa da dívida. Essa ação permitiu uma inversão. Antes, os gastos da dívida eram um terço do orçamento social. Depois, o gasto social passou a ser o triplo do gasto com a dívida. Isso permitiu ao Equador reconstruir o sistema de saúde, pois os ajustes fiscais eram tão brutais que o financiamento do sistema de saúde pública chegou a zero.
 
O Correa reergueu o serviço, que agora chega ao país todo, e também teve dinheiro pra investimentos geradores de emprego e de infraestrutura, que são a base do desenvolvimento socioeconômico. Enfim, nosso trabalho serviu ao Equador e, se deus quiser, vai servir para a Grécia. Está só começando, mas só de dar esperança ao povo grego já é algo muito grande. Depois da inauguração dos trabalhos, ouvimos gente dizer “o povo grego voltou a sorrir”.
 
Vou ficar mergulhada quase dois meses na Grécia e espero que consigamos ajudar a rever a situação cruel de lá. E lutamos pra que nosso trabalho sirva ao Brasil. Esse é o nosso principal objetivo: a auditoria está prevista na Constituição brasileira e temos de lutar por ela. Já temos indícios de fraudes, ilegalidades, ilegitimidades inaceitáveis, em todos os níveis federativos. Em São Paulo, por exemplo, é um escândalo.
 

Correio da Cidadania: O que você poderia contar da dívida paulista?

 
Maria Lucia Fattorelli: A dívida do município de São Paulo é um escândalo. Em sua imensa maioria, mais de 90% dela é refinanciada pela União. Se voltarmos lá atrás, qual é o refinanciamento? É uma dívida que fizemos na década de 90, quando Paulo Maluf era prefeito, Celso Pitta secretário; depois, Pitta assumiu a prefeitura. Aconteceu com ajuda de grandes bancos privados – e isso foi provado em uma CPI da dívida - e corretoras. Os bancos ajudavam o município de São Paulo a produzir uma lista de precatórios. O que são os precatórios? Uma dívida resultante de decisão judicial.
 
Está documentado na CPI. Um servidor público ou uma empresa questionava um crédito junto à prefeitura na justiça e ganhava a ação. A seguir, a prefeitura era obrigada a pagar a dívida. Vale lembrar que na década de 90 os municípios e os estados tinham autorização para emitir títulos da dívida a fim de pagar os precatórios, porque eram obrigados a cumprir com a decisão judicial e não tinham dinheiro no orçamento para isso. Assim, lançavam seus títulos da dívida no mercado, vendiam e, com o dinheiro da venda, pagavam os seus precatórios.
 
Depois, a Constituição foi reformada e não existe mais essa prerrogativa. Mas na época existia, e qual era o esquema? Instituições financeiras, inclusive algumas bem importantes, participaram do processo. Aceitavam e compravam títulos da dívida que tinham sido emitidos para pagar precatórios, sendo que todo mundo no mercado sabia ser uma fraude, porque aquela era uma lista que já tinha sido utilizada anteriormente ou era uma lista montada ali dentro, como denunciava a CPI. Os títulos eram emitidos e, como o mercado sabia, pagava pouquíssimo. Um título lançado, se valia 1000 reais, era vendido por valor muito abaixo. Várias denúncias afirmaram que tais títulos chegaram a ser vendidos por 50% do valor, 30%, até 15%.
 
Dessa forma, os títulos eram vendidos a preços muito baratos, a prefeitura arrecadava pouco e logo em seguida os bancos faziam grandes negócios com os mesmos títulos no mercado secundário. Ainda que os títulos fossem vendidos um pouco abaixo do valor normal, esses negócios aconteciam no mercado secundário e possibilitavam altos ganhos. Virou uma ciranda tão grande que a base da dívida da prefeitura de São Paulo é desses títulos fraudulentos. Fraude comprovada por CPI da Câmara de Vereadores e outras. Houve também uma CPI dos títulos no Senado federal que também provou o mesmo. O que aconteceu? Absolutamente nada.
 
Quando a União, através do Tesouro Nacional, refinanciou a dívida da prefeitura de São Paulo, o fez por 100% do valor de passe, pelos “1000” de cada título, embora tais títulos tenham sido vendidos no mercado secundário por aqueles valores ínfimos que eu citei, de 15%, 30%. Há uma lesão total ao povo de São Paulo. Essa dívida é refinanciada. E mais: com uma taxa de juros absurda, algo que atualiza a dívida mensalmente com base no IGP-DI, um índice medido pela fundação Getúlio Vargas que engloba toda a variação cambial e toda a expectativa de crise que, às vezes, nem chega a se concretizar.
 
É por isso que a dívida refinanciada lá na década de 90 era de 11 bilhões, a prefeitura pagou 28 bilhões para a União e ela chegou, no final de 2013, a 53 bilhões de reais. É um grande esquema. E quem está ganhando? Unicamente o setor financeiro, que comprou os títulos na bacia das almas, bem baratinho, fez grandes negócios sabendo que eles eram fraudulentos e, depois, teve tais títulos financiados em 100% do valor. Ou seja, receberam todo o dinheiro de volta; e continuam recebendo juros altíssimos, porque, para refinanciar a dívida, a União teve que vender títulos da dívida federal para os mesmos bancos, pagando os maiores juros do mundo. Enquanto isso, a dívida aqui da prefeitura era corrigida de forma exponencial, em tempos de Plano Real, que pregava o fim da atualização monetária.
 
Ou seja, acabou a atualização monetária para tudo, para salários, preços, tudo, mas para a dívida não acabou. A dívida está  sendo corrigida mensalmente de forma cumulativa e, em cima da sua correção, correm os maiores juros do mundo. Portanto, se a sociedade não tomar conhecimento e reagir, essa dinâmica não será quebrada. Precisamos lutar por uma auditoria da dívida no âmbito da cidade de São Paulo, nos estados (porque o esquema da dívida nos estados também é inaceitável) e pela auditoria da dívida da União. Para isso temos que formar muita gente. É tarefa para gente muito animada. Precisamos incluir muitas pessoas e derrubar de vez o mito de que o tema é para especialistas.
 
Correio da Cidadania: Caso estivesse com as rédeas da economia da nação em suas mãos, o que a Auditoria Cidadã proporia como um modelo econômico alternativo para o Brasil, nesse exato momento em que medidas de forte impacto recessivo estão em andamento?
Maria Lucia Fattorelli: Um modelo econômico totalmente diferente do que está aí. Um modelo econômico de grandes investimentos. Temos de colocar, em primeiro lugar, o setor financeiro a serviço da economia e isso exigiria uma nova arquitetura da economia. O BC não pode continuar a serviço do sistema financeiro, tem de estar a serviço da nação. A preocupação número 1 do BC tem de ser a geração de emprego e renda, porque a população só é feliz se tem o ganha-pão, se tem o sustento da própria família, se tem como viver as suas potencialidades. Quando as pessoas estão desempregadas e subempregadas, sem condições de dar vazão às suas potencialidades, vemos o país inteiro perder.
 
A mudança começa pelo Banco Central e parando de tirar dinheiro dos bancos. Os bancos têm de ficar com dinheiro em caixa porque não vão querer perder, vão querer emprestar para a população. E vão chegar ao ponto de emprestar até a juros negativos, como está acontecendo no Japão. O que o Japão está fazendo depois daquela crise, do Tsunami que destruiu cidades e afetou a economia? Eles passaram a emitir moeda para investir. Aqui no Brasil, nós não podemos emitir moeda sob a justificativa de que vai gerar inflação. Mas nós podemos emitir dívida à vontade.
 
Olha o contrassenso. Teríamos de ver a questão da emissão de moeda em volumes necessários para financiar investimentos produtivos. E eu desafio os economistas que pregam que essa medida gera inflação a provarem que o recurso colocado para gerar investimento produtivo, saúde e emprego causa inflação. Pelo contrário, hoje eu coloco um exemplo bem fácil de compreender a nossa situação atual. Por que a energia está tão alta? Porque não foram feitos os investimentos necessários. Faltou dinheiro.
 
Se tivessem emitido moeda exclusivamente para investimentos em fontes alternativas de energia, inclusive fontes limpas, desenvolvimento de tecnologia de ponta (e nós temos todas as fontes energéticas possíveis nesse país), se tivessem emitido moeda para financiar cientistas, estudos, investimentos na construção e geração de energia alternativa, hoje nós não teríamos esse impacto brutal nas nossas vidas, provocado pela duplicação das nossas contas de energia. Afeta a indústria, que afeta o comércio, que afeta o consumo, que afeta a vida das famílias, ou seja, o aumento do preço da energia aumenta em cascata a inflação no país. Se lá atrás tivéssemos feito investimentos, tal não estaria acontecendo.
 
Portanto, podemos ver que é o contrário do que muitos economistas pregam. Primeiro, a mudança começaria na atuação do Banco Central. Ele teria de deixar dinheiro no caixa dos bancos e obrigá-los a emprestar para atividades produtivas. Teríamos de retomar as leis que impedem a especulação e regulamentar o sistema financeiro – desde o início do governo Lula, em 2003, o artigo 192 da Constituição foi totalmente apagado e o sistema financeiro está à vontade para fazer o que quer. Teríamos de coibir a emissão de derivativos, já que ela produziu o estouro da bolha da Europa e, a partir de 2009, o Conselho Monetário Nacional abriu as brechas para os bancos brasileiros operarem e criarem os derivativos no Brasil - uma verdadeira farra, uma ficção, que está produzindo uma bolha financeira. Teríamos de incentivar a atividade produtiva, principalmente os pequenos negócios. Teríamos de investir em tecnologia.
 
Olha, vocês têm ideia de quantos anos demora para sair uma patente no Brasil? Tenho uma amiga em Minas Gerais que fez uma descoberta revolucionária na área de implantes dentários e entrou com um pedido de patente aqui no Brasil. Fazem dez anos. Essa descoberta dela vai reduzir brutalmente o preço dos implantes e também o impacto na reabsorção óssea, é um negócio incrível. Resultado: ela entrou também com pedido de patente internacional. Já saiu a patente norte-americana e ela está vendendo sua invenção lá nos Estados Unidos, entendeu? Ela entrou com o pedido há 10 anos. Por que isso? O INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) não tem técnicos, ou tem só meia dúzia.
 
Nós temos que investir em tecnologia e destravar essa burocracia. O povo brasileiro é altamente criativo. O que acontece? Enquanto a coisa não deslancha aqui, nós temos noção de quantas são as patentes japonesas, norte-americanas etc. a partir de produtos brasileiros? Portanto, o primeiro passo na área econômica é destravar e modificar completamente a situação do Banco Central. Depois, investir em ciência e tecnologia - e a agenda número 1 seria investir pesadamente em educação. Toda escola do país tem que passar a ser escola de tempo integral, professor tem que ser a categoria mais respeitada do país, precisa viver só para se formar e ser um bom mestre, porque está formando as gerações.
 
Hoje acontece o contrário. Quantos estados brasileiros sequer cumprem o piso salarial dos professores? Quando se investe em educação, acaba se investindo em saúde, porque um povo bem informado adoece menos, polui menos, usa melhor todo o potencial etc. E é preciso investir em educação de todos os níveis: básica e universitária. Nós temos passado por uma decadência em função dos cortes, dos desrespeitos às classes dos professores e profissionais do ensino.
 
É necessário mudar radicalmente a agenda e para tudo isso precisa de dinheiro. Se não se derrubar o sistema da dívida, será muito difícil mudar a agenda. Pode até mudar, mas seria uma mudança a conta-gotas que não significa uma mudança real, apenas enganação. Para mudar tem de se rever o modelo e ter coragem de chegar e falar: chega de farra do sistema financeiro, agora vamos fazer uma agenda para o Brasil e para os brasileiros. Porque, se o Brasil funcionar bem, ajuda a América Latina inteira, ajuda a África, vai ser bom para o mundo inteiro.

terça-feira, 26 de maio de 2015

Reforma Política proposta pelo atual Congresso eliminará de vez a voz da sociedade

Escrito por Gabriel Brito e Valéria Nader, da Redação Colaborou Raphael Sanz

Correio da Cidadania

Alternativer Nobelpreis Whitaker Ferreira, Chico, BrazilAo lado dos retrocessos econômicos e regressões sociais pelos quais o país vem passando, corre-se  grande risco degeneração da política e da democracia. Dentro do pacote de reformas conservadoras, existe uma que pode tornar a classe política ainda mais a alheia à população: a Emenda Constitucional (PEC) 352/2013, também conhecida como Reforma Política. Por conta disso, o Correio entrevistou o arquiteto Chico Whitaker, do Movimento Fé e Política e do Fórum Social Temático da Reforma Política – Pela Democratização do Poder.

“Precisamos falar de reforma política desde as manifestações de junho de 2013. Já se fala disso há muito tempo na sociedade. Ao mesmo tempo, a sociedade continua a se mobilizar por uma verdadeira reforma política, com coisas que efetivamente mudem o quadro, como o controle do financiamento de campanha. Isso, sim, é um escândalo nacional, porque a OAB já entrou com moção no Supremo, tem a maioria de 6 votos favoráveis e o Gilmar Mendes, simplesmente, sentou em cima”, afirmou.

Além de lembrar dessa manobra política, que se combina perfeitamente com a necessidade de aprovação da reforma pautada por Eduardo Cunha e companhia até setembro, a fim de valer nas eleições de 2016, Chico também traz alguns pontos que poderiam criar uma reforma mais democratizante. Sem dúvidas, o financiamento privado de campanha precisaria ser abolido, mas a própria maneira de tramitação dos Projetos de Lei de Iniciativa Popular, o instrumento das Medidas Provisórias e procedimentos de coligações e criação de partidos estão na lupa dos grupos e movimentos sociais que querem popularizar a discussão.

“Temos de fazer a reforma política para valorizar o controle da sociedade civil, através de organizações e movimentos sociais, que precisam ter mais voz e peso nos processos decisórios. Trata-se de contar menos com os partidos e mais com a organização da sociedade civil autônoma, horizontal, com perspectivas de mudar as atuais regras do jogo”, propôs.

A entrevista completa com Chico Whitaker pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Como você tem visto o contexto político em que estão colocadas as atuais discussões sobre a reforma política no Brasil, com a adoção da Emenda Constitucional (PEC) 352/2013, proposta pelo ex-deputado Cândido Vaccarezza (PT/SP) na legislatura passada, pelo presidente da Câmara Eduardo Cunha?

Chico Whitaker: Vivemos uma situação política típica do quadro brasileiro: o oportunismo bateu a porta. No caso concreto, precisamos falar de reforma política desde as manifestações de junho de 2013. Já se fala disso há muito tempo na sociedade. E, obviamente, quando houve as manifestações vimos que muitas coisas precisavam mudar no sistema político para responder às atuais necessidades da sociedade civil. Naquele momento, a própria presidente Dilma propôs que se fizesse uma constituinte exclusiva, ou algo do tipo, para trabalhar especificamente o assunto.

A reforma política se tornou tema geral da sociedade, embora seu conteúdo ainda precise ser discutido. Na época, a Câmara fez uma comissão, que só trouxe posições anteriores, pequenos remendos ou detalhes muito ruins, como a legitimação dos financiamentos empresariais de campanha, o grande drama, que ganhou energia com a famosa Operação Lava Jato. São coisas que existem desde sempre no Brasil e configuram uma das maiores distorções da democracia, porque, evidentemente, com o peso do dinheiro, não necessariamente é eleito um representante do povo, e sim quem pode fazer mais propaganda e ‘comprar’ votos.

Acontece o que vemos: os presidentes da Câmara e do Senado (Eduardo Cunha e Renan Calheiros) foram eleitos, em certo sentido, quase como oposicionistas da Dilma. Não declaram essa posição porque o partido deles faz parte da base aliada. Mas como personalidades fazem oposição. E isso ficou ainda mais exacerbado com as complicações da Operação Lava Jato, já que ambos estão passíveis de investigação a respeito do dinheiro desviado da Petrobras. Assim, os dois estão ainda mais raivosos em sua atuação parlamentar.

O Eduardo Cunha tem um estilo particular de trator. Parece pensar: “se o problema no Brasil é reforma política, façamos já, imediatamente! E serei eu a conduzir a reforma que o povo está pedindo”. Aí, pega o projeto que já estava na Câmara, do Vaccarezza. Vivemos uma situação em que o Cunha demonstra autoridade e base parlamentar suficientes pra tratorar tudo que quiser e derrotar o Executivo em várias vezes, apesar de ser da base aliada. É um quadro tremendo.

Correio da Cidadania: Quais os movimentos e organizações populares que você ressaltaria como proponentes de uma reforma política alternativa, que se contraponha às medidas regressivas em andamento no Congresso? Poderia falar um pouco, por exemplo, da Iniciativa Popular de Lei por uma Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, liderada pela OAB Nacional e pela CNBB?

Chico Whitaker: A sociedade continua a se mobilizar por uma verdadeira reforma política, com coisas que efetivamente mudem o quadro, como o controle do financiamento de campanha. Isso, sim, é um escândalo nacional, porque a OAB já entrou com moção no Supremo, e o Gilmar Mendes, simplesmente, sentou em cima. Naquele momento, até o ministro Marco Aurélio, numa entrevista, disse que não se tratava de um “pedido de vistas”, mas de “perder de vistas”. Ou seja, ele já sabia que a coisa ia emperrar.

É totalmente ilegal, pois desrespeita o regimento interno do STF. Mas está sendo feito. O argumento do Gilmar é de o assunto ser sério demais para o STF decidir. Deve ser decidido pela Câmara. Claro que ele não fala, mas obviamente o interesse não é bem esse. Até porque a petição da OAB já tinha sido aprovada pela maioria dos ministros, com 6 votos favoráveis à proposta de tornar ilegal o financiamento de campanha por empresas. No fundo, é uma jogada pra postergar, enquanto o Congresso apressa sua versão de reforma. Se sair essa reforma, será bem ruim.

Realmente, estamos em um drama. É muito possível que sejamos surpreendidos e, de repente, na calada da noite, as manobras sejam votadas quando todos estiverem desavisados. Estamos numa situação complicada. Os projetos que caminham por aí, principalmente o apoiado pela CNBB e OAB, são simples. Este, que foi mencionado, tem apenas 5 pontos, sendo o principal a questão do financiamento de campanha, que o Gilmar segura. É o ponto central, pois determina a representatividade do Congresso, como ilustram as famosas bancadas da bíblia, da bala, do boi...

Acho interessante observar que a sociedade está reagindo. Nesta mesma semana, a coalizão do Projeto de Reforma Política por Iniciativa Popular vai apresentar a reforma que a sociedade quer. Faremos atividades pra apresentá-lo no próprio Congresso Nacional. Devagarinho, vamos chegando a 1,5 milhão de assinaturas, número necessário para protocolá-lo, mas mesmo assim a ideia é apresentar imediatamente no Congresso, com firmeza.

Ao mesmo tempo, em junho, temos o Fórum Social Temático da Reforma Política – Pela Democratização do Poder, pensado antes de a atual reforma começar a andar no Congresso. O Fórum não visa apenas aumentar o número de pessoas que querem debater como a política pode ser feita. Uma reforma tem de agregar uma porção de pontos, como, no caso, da plataforma dos movimentos sociais, cujo caderno tem uma grande quantidade de aspectos.

Correio da Cidadania: E qual o grau de comprometimento dos movimentos sociais em geral com a proposta da CNBB e OAB?

Chico Whitaker: Não vou especificar muito, mas os movimentos populares, sindicais, de saúde, moradia, educação, as comissões de justiça e paz, as igrejas progressistas (não aquelas amarradas aos negócios evangélicos) estão participando. No fundo, acontece um distanciamento enorme entre Congresso e sociedade. Uma tragédia. Mas não tem remédio e precisamos continuar insistindo. Vamos avançando.

Correio da Cidadania: Quais são as principais medidas que conformariam aquilo que, a seu ver, seria uma reforma política de cunho democrático e progressista? Poderia elencá-las e explicá-las?

Chico Whitaker: Por exemplo, um bom ponto é a regulamentação da iniciativa popular, para torná-la mais fácil. Poderia ser mais fácil se fossem necessários só 0,5% do total de eleitores. Já estaria bom, seriam 750 mil assinaturas, algo enorme. Além disso, tem de regulamentar o plebiscito, que, depois da Constituição de 1988, ficou totalmente na mão do Congresso. Não há possibilidade de a população pedir um plebiscito. E algumas decisões deveriam passar por tal instância.

Há o problema da representatividade. Quem está no Congresso é por causa do financiamento de campanha, portanto, não funciona com representatividade. A própria questão da tramitação dos projetos: poderia ser diferente quando se tratasse de projetos de iniciativa popular. Outro assunto a ser trabalhado é o instrumento das Medidas Provisórias.

Por isso o Fórum tem nome e sobrenome: “pela democratização do poder”. Ou seja, nosso problema é o processo decisório, quem e como toma decisões, por fora de qualquer controle social. Uma porção de coisas a serem trabalhadas.

A plataforma dos movimentos é um verdadeiro livro de proposições. Não vamos fazer tudo de uma vez só, é preciso ser mais pontual, medida por medida. Mas de uma em uma já é muita coisa. O drama de tudo é que tal proposta será decidida por um Congresso não representativo. É um Congresso de má qualidade e retrógrado do ponto de vista da democracia, da vida e da economia do país.

Correio da Cidadania: Uma tal reforma, como dito, não teria muito futuro na mão do atual Congresso. Considera necessária, e factível, a implantação de uma Assembleia Constituinte para a reforma política?

Chico Whitaker: A Assembleia Constituinte Exclusiva é uma ótima proposta. O que conseguimos em 1988 foi exatamente isso. Os constituintes estavam lá pra se dedicar somente a esta tarefa. Significa que as pessoas se dedicariam apenas a ela. Uma vez finalizada, a Assembleia Constituinte sairia e o Congresso assumiria com todas as suas prerrogativas.

Mas é muito difícil passar uma Constituinte Exclusiva no Congresso. Resta resistir, denunciar e continuar brigando, como é a perspectiva do Fórum. Temos de aumentar a discussão ao máximo, chegando em mais comunidades, grupos e cidades do país todo. Pra não ser pessimista, mas sendo realista, o que nos resta é nos preparar para o que vem depois, a saber, como o Congresso vai tratorar a vontade popular.

Eles vão se sacrificar muito mais, já que sabemos ser uma das instituições mais desacreditadas pela opinião pública. Vai aumentar o descrédito, o que acumula, por um lado, os riscos de parte da população achar que um regime de força e ordem pode resolver o problema do Brasil. A outra hipótese é conquistarmos, através da democracia, cada vez mais vitórias para que a vontade popular seja atendida e a política não seja praticada como negócio.

Correio da Cidadania: Voltando para o teor da reforma política proposta no Congresso, além do financiamento privado de campanha que você já mencionou, o que acha do teor que estão dando para questões como distritão, coligações, cláusulas de barreira, voto facultativo, coincidências entre todas as eleições etc.?


Chico Whitaker: Todos os pontos têm de ser analisados. O distritão, por exemplo, é terrível. Porque os distritos, pequenos ou grandes, têm tipos de abordagem na representatividade muito ruins. Impedem, por exemplo, que as minorias sejam representadas. São minorias no início, depois podem se tornar maiorias. Mas não podem nem exercer o direito de participar do processo decisório, porque o distrito transforma a eleição em uma disputa majoritária, onde cada distrito elege só um representante, que, naturalmente, será do maior partido na região. Nunca o distrito elegerá como representante uma liderança de um partido pequeno, não dá, razão pela qual o sistema distrital alemão é misto. Tem isso de um lado, e, de outro lado, uma eleição por lista, independente de distrito, marcada por uma escolha partidária.

Se tivermos o distritão, e é muito possível que votem a favor, pode valer na próxima eleição. Esse é o dado que está apressando o Congresso para a reforma, porque tem de ser votado até setembro para valer na próxima eleição. E a perspectiva de haver distritos já na próxima eleição, de nível municipal, é um desastre. A representatividade fica totalmente distorcida porque somente os grandes partidos vão ter possibilidade de ganhar a eleição majoritária, não proporcional, que é por onde vão ter representantes para os parlamentos municipais, estaduais etc.

Esse problema tem de ser discutido, é um problema nosso de agora. E é muito importante que veículos como o Correio da Cidadania abram espaço, pois as pessoas precisam tomar consciência do que está acontecendo. É preciso fazer alguma coisa. Assinar o Projeto de Lei de Iniciativa Popular é o mínimo, mas devia ter muito mais. E os movimentos que estão lutando pelo plebiscito e pela constituinte exclusiva deveriam ser reforçados para o debate ganhar toda a sociedade.

Correio da Cidadania: Sobre essas propostas da OAB e da CNBB, de cunho mais progressista, como que você as coloca no contexto que temos hoje, com as dificuldades que uma sociedade capitalista impõe e num momento tão corrompido econômica e politicamente?


Chico Whitaker: No mundo todo há a hegemonia destas ideias. E são ideias trágicas. Portanto, não é só a reforma política, mas o conjunto das políticas econômicas que tem de ser revisto. Atualmente, o mundo gira em torno do negócio, do lucro e temos um mundo com aumento da taxa mundial de produção e de consumo, como sabemos.

Pessoalmente, eu mesmo estou engajado em uma luta muito específica, que vai de encontro a um dos grandes negócios do mundo de hoje, fatal e mortífero: as usinas nucleares. Elas estão se multiplicando e grandes empresas estão vendendo cada vez mais projetos de usinas.

Isso é uma lógica do sistema dentro do qual estamos vivendo e, para superá-lo, a mudança é muito radical. É muito difícil, mas não podemos ficar parados porque assim vencerá a insanidade generalizada que está consumindo a natureza e nos levando ao desastre da humanidade. A partir da hora em que o globo estiver semeado de partículas radioativas, coisa que existiu quando a Terra apareceu, é o fim da espécie humana. Só pôde existir vida na Terra quando a radioatividade baixou e as raças puderam conviver com ela. Com a multiplicação de usinas, vamos causar mais aquecimento global, desastres ecológicos e radioatividade. É o fim do mundo, uma perspectiva muita séria.

Em minha opinião, nosso problema é de informação, de as pessoas saberem onde estão pisando, o que vem por cima delas. É um desastre, porque quem domina os grandes meios de comunicação é o próprio sistema, que não deixa passar nada. Contamos com parte da mídia, mas ainda é pouco pra chegar na massa manipulada pela maior parte dos meios de comunicação.

Correio da Cidadania: Como, finalmente, enxerga o atual governo frente a esta discussão - um governo que, ressalte-se, tantas vezes chegou a propor uma reforma política como forma de enfrentar a onda de descontentamento e protestos que se intensificou a partir de 2013?

Chico Whitaker: O PT, no fundo, perdeu uma oportunidade histórica. É uma pena. Eu mesmo fui vereador pelo PT e saí num momento em que senti o partido ser engolido pela cultura política nacional e virar um partido como os outros. Caiu, descambou, transformou-se num partido eleitoral, que luta pra conquistar lugares, postos no executivo e legislativo.

Mas a mudança, de fato, não está mais no horizonte do partido. É difícil recuperar as origens e bandeiras. Outros partidos aparecem, mas sem força pra colocar a discussão... Aliás, outro ponto a ser revisto é a forma como se constituem os partidos, as regras de coligações etc.

O PT entrou no bolo geral e foi vencido pela lógica do pragmatismo, na qual o objetivo é chegar ao poder. Se for preciso vencer eleições, o partido se esforça para isso e pronto. E assim vale tudo, inclusive dinheiro tirado indevidamente de cofres coletivos, e não individuais ou partidários.

Na minha opinião, a passagem do PT é muito profunda, e já a denunciei há anos. São 10 ou 15 anos em que outra cultura política, do Brasil tradicional, totalmente pervertida em relação à democracia, entrou no partido. E é muito difícil, agora, mudar. Mas se os companheiros do partido fizerem tal mudança, serão saudados com muita alegria.

Temos de fazer a reforma política para valorizar o controle da sociedade civil, através de organizações e movimentos sociais, que precisam ter mais voz e peso nos processos decisórios. Trata-se de contar menos com os partidos e mais com a organização da sociedade civil autônoma, horizontal, com perspectivas de mudar as atuais regras do jogo

Siproem e Intersindical no 2º dia da greve dos professores municipal de Itapecerica da Serra e os Funcionário Públicos.

Por: http://www.intersindicalcentral.com.br/

Fotos: Carlos Roberto Kaká

No dia 25 os professores e servidores municipais de Itapecerica da Serra realizaram um grande ato, seguido de passeata por todo o centro de Itapecerica, marcando o segundo dia da greve da categoria, que reivindica não só aumento salarial e outros direitos como também melhor qualidade na educação, saúde e nos demais serviços prestados à população.

A passeata, que reuniu mais de 400 servidores, em sua maioria composta de professores, partiu da sede da prefeitura e seguiu pelas principais ruas do centro, com palavras de ordem e esclarecendo à população quanto à necessidade de valorização do funcionalismo e dos professores e ao descaso da administração municipal frente às reivindicações da categoria.

Desta vez fomos pelo trevo que dá  acesso a entrada da cidade e foi realizado um grande Ato com os professores e os funcionários públicos que travou todo o transito chegando a parar a BR.

Seguimos para a Câmara Municipal e fomos surpreendido com a câmara fechada com cadeados e correntes.

Amanhã ás 14:00 horas haverá a audiência de conciliação e ás 16:00 horas vamos se encontrar em frente a prefeitura e seguir em passeata pela cidade e ocupar a Câmara Municipal pois amanhã haverá seção de plenário com audiência marcada com os Funcionários Públicos.

A Intersindical Central da Classe Trabalhadora esteve presente além do presidente do Siproem o Professor Segura e diretoria, Ari da direção da Intersindical, Pedro Paulo da direção da Intersindical, Professor Toninho do Embu, Kaká.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

‘Governo paga o preço pela ação despolitizadora do último período’

Escrito por Raphael Sanz, da Redação Colaboraram Gabriel Brito e Valéria Nader

Correio da Cidadania

060515_gilmarmauroEm tempos de crises agudas e agressão aos direitos dos trabalhadores, conversamos com  Gilmar Mauro, importante liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Decepcionado com algumas prioridades do governo federal, Gilmar lamentou a indicação de Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura e o pouco avanço que a pauta da reforma agrária obteve nos últimos períodos. Para ele, o governo paga, agora, o preço da despolitização gerada pelos anos triunfais do lulismo.

A indicação da Kátia Abreu para nós foi uma surpresa no sentido negativo. Não imaginávamos que uma representante de um setor que sempre nos combateu, combateu a agricultura familiar e os sem terra nesse país pudesse ter assento como ministra do governo que nós ajudamos a eleger”.

Apesar de reiterar a necessidade da sonhada reforma agrária, Gilmar afirmou que tal debate, hoje, virou uma responsabilidade de toda a sociedade, pois o atual modelo agrário envolve o abastecimento de água, de energia, a alimentação, o desmatamento e a poluição do solo.

“A reforma agrária hoje em dia não depende só dos sem terra, do MST e dos movimentos de luta por ela, mas de um debate amplo da sociedade. Não cabe mais uma reforma agrária no estilo clássico no Brasil, nós temos de discutir com a sociedade que tipo de uso vamos dar ao solo, à água e aos recursos naturais”, destacou.

Por fim, Gilmar Mauro reafirmou a necessidade da criação de novos instrumentos de luta de classe, “mais horizontais” e que abarquem uma parcela maior da classe trabalhadora, inclusive no sentido de se formar uma ampla frente de representações progressistas. Um desafio não só brasileiro, mas de escala planetária.

A entrevista completa com Gilmar Mauro pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Como você, como uma das vozes e líderes de um dos maiores movimentos sociais do Brasil, tem visto o atual governo, imerso em uma crise política e de representatividade, além de condutor de uma política econômica contrária às promessas de campanha, que deve ter forte impacto contracionista, além de induzir grave crise social?

Gilmar Mauro: De fato, é uma situação que nós todos não esperávamos, de o governo acenar com um discurso na campanha e, ao adentrar a presidência, propor um ajuste fiscal que todos sabemos não ter feito nenhum país do mundo crescer. Principalmente quando esse ajuste recai sobre os trabalhadores.

Mas eu acho que tanto no mandato anterior quanto nesse, e de certa forma também um pouco nos tempos de Lula, o governo despolitizou de maneira geral a sociedade. Essa história, por exemplo, de construir o linguajar de classe média é completamente despolitizadora e agora o governo está colhendo os frutos disso. Eu digo que é despolitizador porque essa ideia de classes A, B, C, D e E, ou seja, essa sopa de letras, é oriunda da sociologia norte-americana, que discute a possibilidade de mobilidade social sem a alteração da estrutura de propriedade, que no caso brasileiro não foi alterada no último período. Na análise marxista, tem-se a ideia de quem é proprietário dos meios de produção e de quem não é proprietário e vende sua força de trabalho. Portanto, em detrimento da propriedade e da venda da força de trabalho, o consumo define uma ou outra classe. É um processo despolitizador e que instigou a ideia do consumo.

Evidentemente, durante o governo Lula houve crescimento econômico.  É importante destacar que o governo Lula foi beneficiado por um cenário internacional favorável às commodities agrícolas, os preços subiram e, aproveitando-se disso e com os investimentos e financiamentos públicos, somados à abertura de capital com algum ganho salarial, emprego etc., produziu-se um crescimento econômico tímido, mas com alguns ganhos. Construiu-se a ideia de que é possível que todos ganhem: capitalistas e trabalhadores, e todos nós sabemos que isso não é possível no capitalismo. Podemos ter situações favoráveis, como as que aconteceram principalmente no segundo mandato do Lula, mas esse cenário foi se modificando ao longo do governo Dilma e, evidentemente, não dá para todo mundo ganhar no capitalismo.

A segunda questão, que no meu modo de ver foi um erro, é a ideia de trabalhar na dimensão despolitizadora de classe média. Porque, na verdade, o que nós temos é um contingente muito grande de classe trabalhadora, com composição muito heterogênea. Com setores extremamente precarizados, a grande maioria, e uma parte inserida no mercado. Mas, no final das contas, é tudo classe trabalhadora.

O cenário macroeconômico mundial e brasileiro, com o ingrediente da despolitização, trouxe para esse mandato de Dilma vários problemas. O primeiro deles é que não dá para seguir a lógica do governo Lula porque o cenário internacional é outro. E o governo não tem mais dinheiro, porque, nesses mandatos, não foram feitas reformas profundas, sem desconsiderar algumas melhorias no social que tivemos. Mas não houve reforma agrária, não houve reforma nos meios de comunicação, não houve reforma política, não houve reforma no poder judiciário e, portanto, os grandes temas brasileiros continuam tais quais foram legados pelos governos anteriores. É a situação de agora da economia internacional em crise, com um cenário difícil e sem dinheiro. E aí vem o ajuste, que implica cortes de gastos sociais e perdas para a classe trabalhadora.

No meu modo de ver, é um governo que, do ponto de vista ideológico, diz uma coisa e faz exatamente outra, mas também paga um preço pelo processo de despolitização vivido no último período.

Vou dar mais um exemplo. Todos nós sabemos que quem produz a nossa riqueza é a classe trabalhadora. Uma ponte ou uma escola é produzida por operários da construção civil, por engenheiros, por arquitetos, ou seja, governo nenhum produz a ponte ou constrói a escola. E quem paga a conta também é a classe trabalhadora, porque uma parte da mais-valia é extraída e utilizada no pagamento dos impostos que sustentam o Estado. Governo nenhum faz grandes coisas, mas um bom governo estabelece boas prioridades e isso nunca foi feito no Brasil.

Tem mais um ingrediente importante de destacar: estamos vivendo uma época, em escala planetária, de falta de projeto político. A minha impressão – e vários intelectuais compartilham dessa impressão – é de que não há futuro, apenas presente, e o presente significa consumo. Quando eu falei da despolitização e de instigar o consumo, estamos vivendo isso em escala planetária. As juventudes e adolescências desse tempo histórico estão muito ligadas ao tempo presente e ao consumo, e o tal do consumo é uma coisa efêmera. A pessoa consome hoje, amanhã não consegue consumir outro produto, entra em depressão e assim por diante. Mas o pior não é isso. Em tempos passados, a juventude queria se igualar ou ser parecida com os pais. Agora vivemos um tempo invertido: os pais estão querendo ser iguais aos filhos, é a busca da juventude eterna.

A minha impressão é que falta um projeto para o futuro e digo isso principalmente por conta do ingrediente da despolitização. Governos que contribuem com tal processo, evidentemente, produzem situações como a que estamos vivendo. Além dos problemas da falta de enfrentamento às questões centrais do Brasil, estamos vivendo um tempo em que o neoliberalismo, em escala planetária, está muito eficiente do ponto de vista ideológico. Foi um fracasso do ponto de vista econômico e social, mas, ideologicamente, um sucesso. E ao mesmo tempo, há uma dificuldade muito grande das esquerdas, dos movimentos e dos instrumentos organizativos da classe trabalhadora de fazer um diálogo amplo com as massas.

Correio da Cidadania: Qual é a postura do MST face ao governo diante da atual conjuntura? Tem havido alguma revisão da relação do movimento com o governo Dilma?

Gilmar Mauro: Nesse momento conjuntural, e em outros, continuamos colocando a pauta da reforma agrária. Nós achamos que o primeiro mandato do governo Dilma foi um desastre para a reforma agrária, não avançamos em praticamente nada no governo anterior e a pauta continua estagnada. Toda a lógica macroeconômica, baseada na produção de commodities agrícolas para ter um equilíbrio no balanço de pagamentos, foi estimulada desde o governo FHC, passou por Lula e chegou a Dilma. Ou seja, buscava-se, através da exportação de commodities e da busca por superávit comercial, equilibrar o balanço de pagamentos, negativo nas contas e serviços. E tudo isso levou a uma priorização e grandes investimentos no agronegócio.

Evidentemente, o agronegócio se beneficiou desde o governo FHC, passando por Lula e Dilma, muito mais do que a agricultura familiar e muito mais do que os movimentos sociais e populares, como o Movimento dos Sem Terra. A reforma agrária ficou estagnada. O que nós estamos trabalhando no momento? Estamos colocando a pauta da reforma agrária em debate e estamos atentos para que não haja nenhum tipo de retrocesso do ponto de vista da luta democrática. Não sou lá um defensor desse Estado Democrático de Direito, que é um Estado de classes e nunca orientado a servir aos interesses da classe trabalhadora, entretanto, sou contrário a retrocessos, golpismos etc.

O que estamos tentando colocar agora, junto com outras organizações sociais, é uma pauta da classe trabalhadora, que se contraponha tanto à agenda do governo, de ajuste econômico, quanto ao Congresso, através da aprovação do PL 4330 (das terceirizações de atividades-fim) e de outras medidas que, no nosso modo de ver, são afrontas às conquistas da classe trabalhadora, assim como é uma afronta o projeto de lei sobre a redução da maioridade penal.

Ou seja, estamos nos colocando contra isso tudo e ao mesmo tempo tentando construir uma pauta política que coloque os temas da classe trabalhadora em evidência e em discussão. Isso está se fazendo com lutas. Só nesse mês de abril, nós conseguimos fazer mais de 30 ocupações, chegando perto de 50 ocupações de terra pelo Brasil, número que só tende a crescer. E, ao mesmo tempo, estamos participando de todas as jornadas de lutas unificadas pelos setores da classe trabalhadora contra as medidas recessivas do governo, do congresso e do poder judiciário.

Correio da Cidadania: Como o movimento recebeu a nomeação de Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura? Qual o significado dessa nomeação e qual o impacto que poderá ter na continuidade de um processo de reforma agrária, antiga promessa do Partido dos Trabalhadores?

Gilmar Mauro: Como contraponto à indicação da Kátia Abreu, foi indicado um bom ministro do Desenvolvimento Agrário, que é o Patrus Ananias. Inclusive, contrapondo pessoalmente grande parte dos postulados defendidos pela Kátia Abreu. Qual é o problema? É que o Ministério do Desenvolvimento Agrário tem um orçamento pífio, inclusive com a perspectiva de contingência de 40% do orçamento para a reforma agrária.

A indicação da Kátia Abreu para nós foi uma surpresa negativa. Não imaginávamos que uma representante de um setor que sempre nos combateu, sempre combateu a agricultura familiar e os sem terra, pudesse ter assento como ministra do governo que nós ajudamos a eleger. Do ponto de vista simbólico, foi um ingrediente extremamente negativo, entretanto, nós achamos que não devemos entrar nessa briga de nomes, porque o problema não está só nos nomes. O problema é a linha geral do governo, que continua sendo a mesma, de tentar priorizar o agronegócio e o viés da exportação de commodities agrícolas, mesmo com o cenário internacional completamente diferente daquele enfrentado no passado.

Evidentemente, isso vai ter consequências, aliás, já está trazendo consequências graves para o nosso país, como o envenenamento do solo e da água, a eterna monocultura, problemas graves com o abastecimento de água, como, por exemplo, no estado de São Paulo. E todo mundo sabe que não é um problema só deste momento. Já é um impacto de consequências, tanto pelo desmatamento quanto pela monocultura, e assim por diante. É uma lógica destruidora do meio ambiente e concentra riqueza e renda no campo. Obviamente, estamos combatendo-a abertamente, não só na indicação e no nome propriamente, porque não adiantaria colocar um outro nome ali que seguisse a mesma lógica. O que buscamos é combater toda essa lógica econômica. É importante, e tenho destacado entre entrevistas no próprio Correio da Cidadania, que a reforma agrária, hoje em dia, não dependa só dos sem terra, do MST e dos movimentos de luta pela reforma agrária, mas de um debate amplo da sociedade.

Não cabe mais uma reforma agrária no estilo clássico no Brasil. Nós temos que discutir com a sociedade que tipo de uso vamos dar ao solo, à água e aos recursos naturais. Se for esse uso atual, não precisa mais de reforma agrária. Mas precisamos pensar em novas formas de nos prevenir dos impactos à saúde humana e ambiental desse tipo de modelo. Outra coisa que precisamos discutir é que tipo de comida a humanidade vai querer comer.

Assim, nós acreditamos muito que a reforma agrária é necessária. Mas para fazer reforma agrária é preciso discutir o modelo agrícola e esse modelo agrícola aplicado pelo governo Dilma, com a indicação da Kátia Abreu a ministra, é completamente ultrapassado e vai na contramão de uma perspectiva de preservação ambiental com justiça social.

Correio da Cidadania: E qual tem sido a postura do governo Dilma com o movimento nesse cenário atual, à luz de toda a relação que desenvolveram desde o primeiro mandato?

Gilmar Mauro: Do ponto de vista das reuniões, houve o compromisso recente de fazer o assentamento de todas as famílias acampadas que temos pelo Brasil, que ultrapassam as 120 mil. O indicativo seria que nesse ano o governo não teria condições de assentar muitas famílias, mas que, a partir do ano que vem, e até o término do mandato, conseguiria assentar todas as 120 mil famílias. Eu diria que não é tudo o que nós queremos, evidentemente, mas já seria um bom indicativo. A dúvida é se isso realmente vai ocorrer.

Nós sabemos que a luta política não depende só de boa vontade, sabemos que de boa vontade o inferno está cheio e cabe a nós a tarefa de continuar fomentando o debate e nos mobilizando. Acho que há uma tendência nesse próximo período de aumentar o número de lutas e de ocupações de terra por todo o Brasil, pois vivemos um outro fenômeno: o desemprego. No interior e na indústria, o momento é de crise e falência de muitas empresas, com muitos trabalhadores colocados nas ruas. Nossos primos mais próximos, em um momento de crescimento do mercado de trabalho, encontravam alternativas na agricultura ou na cidade, o que até fez a própria demanda da luta pela terra ter uma ligeira queda. Agora não. Há um agravamento das desigualdades sociais e a tendência é que haja uma busca pela reforma agrária muito maior do que houve na última década.

Como movimento social, temos de lutar pelos avanços e conquistas da nossa categoria, que vão desde a desapropriação e o assentamento das famílias acampadas até moradia, crédito etc.. Temos também demandas mais graves, provenientes de situações precárias em acampamentos, como, por exemplo, falta de lona, de materiais essenciais para o trabalho e assim por diante. Conjugar as dificuldades econômicas e lutas mais urgentes da base com uma luta política é um grande desafio, sempre colocado pelo movimento.

Por isso nós não nos colocamos na oposição ao governo e até publicamente tenho dito que nossas mobilizações não são nem contra e nem a favor do governo Dilma. O que queremos é ver a pauta da reforma agrária atendida. Isso pode parecer ficar em cima do muro, mas, como representante de um movimento social e uma categoria, com uma pauta específica, não me corresponde oferecer apoio ou oposição ao governo. Há uma série de problemas cotidianos que precisam ser negociados. Nossa tática é lutar, conversar, negociar e buscar obter conquistas de forma permanente, sem criar ilusões de que “agora a reforma agrária vai acontecer”.

Na minha avaliação, para acontecer a reforma agrária é preciso alterar toda a estrutura de poder e a correlação de forças. E estamos em um momento bastante complicado. Outro ingrediente é o Congresso Nacional, no qual vários projetos estão sendo aprovados, alguns com anuência do governo e outros não, de iniciativa própria do Congresso e contra os interesses dos trabalhadores. É o que acontece, por exemplo, na Assembleia Legislativa do Paraná, que quer votar um projeto de retrocesso da luta trabalhista e dos direitos conquistados pelos professores. O mesmo está sendo feito em todo o Brasil, mas há várias frentes de luta pela reforma agrária, contra os ajustes do governo etc.

Temos de fazer uma frente de luta também contra os parlamentos, que estão votando uma série de retrocessos, como o PL 4330. Tem de haver muita mobilização no próximo período.

Correio da Cidadania: Nesse sentido, o que pensa das tentativas de criação de uma ampla frente de esquerda que ocorrem ou eventualmente venham a ocorrer, unindo movimentos e partidos progressistas? Como considera que tem sido a postura do MST face a estas tentativas?

Gilmar Mauro: O MST está junto da construção desse processo. Eu mesmo, pessoalmente, tenho me envolvido em muitas articulações com o conjunto dos movimentos progressistas. Com enormes diferenças entre si, mas que, na iminência de retrocessos, seja do ponto de vista político, seja do ponto de vista concreto de ataques aos direitos da classe trabalhadora, permitem-se a unificação. É um caminho importante.

Temo ainda que a nossa esquerda tenha bastante dificuldades em pequenos detalhes, que estão, muito mais, emperrando processos do que constituindo um amplo leque no campo progressista, a evitar que caminhemos para trás. Precisamos pensar alternativas para irmos para a frente. Mas acho que isso é fruto de um momento histórico. Diria que não é uma particularidade brasileira. A esquerda no mundo todo enfrenta uma crise grave. Mas não adianta ficarmos culpando a esquerda ou um agrupamento ou outro. Falta-nos uma análise um pouco mais profunda das mudanças que ocorreram na economia e, principalmente, no mundo do trabalho, qu,e no meu modo de ver, trouxeram consequências graves para as conquistas históricas dos trabalhadores.

Se verificar, estamos agindo muito mais reativamente a iniciativas do governo e de setores da direita do que levando adiante uma pauta propositiva e ofensiva. E a maioria das nossas organizações é de caráter defensivo, foram criadas em momentos como esse, em que o movimento do capitalismo não nos permite ganhos. Aqui no Brasil, na Europa e na maior parte do mundo, nosso movimento vive um período de perdas e as organizações não têm a capacidade de enfrentar esse tempo histórico. Novas categorias surgiram na área de serviços e as organizações sociais não têm capacidade de articulá-las.

Eu diria que nós precisamos fazer um balanço profundo, do ponto de vista organizativo e também econômico, uma reestruturação produtiva, das relações dentro das fábricas, contra a precarização etc., e nas nossas formas organizativas, que não conseguem dar conta disso. É o grande desafio. Eu gostaria muito de ter novas formas organizativas para enfrentar o momento, mas não tenho. O que tenho no momento é aquilo que a gente produziu, portanto, é com esse instrumento que vamos fazer o enfrentamento e evitar os retrocessos. Mas eu diria que essa não é a única tarefa, é apenas a lição de casa.

Ao mesmo tempo, precisamos construir reflexões e análises que apontem a uma perspectiva de superação do atual cenário. E tal superação passa, talvez, por construir novas experiências organizativas, mais horizontais, que incluam um maior número de pessoas da classe trabalhadora, que hoje estão fora de qualquer forma de organização. São os desafios postos e acho que muitos setores da esquerda não estão se dando conta da necessidade de se reinventar nesse momento histórico.

Correio da Cidadania: Como a ideia do “exército de Stédile”, proferida por Lula, como forma de eventualmente se enfrentar “foças golpistas contra o atual governo”, se relaciona com essa conjuntura? Qual é a relevância ou simbolismo dessa ideia no atual cenário político, a seu ver?

Gilmar Mauro: Só perguntando ao Lula pra saber exatamente o que quis dizer. Mas vi mais pelo sentido figurado, pois o MST é uma organização de grande capilaridade em território nacional. Até é verdadeira a afirmação, não pela palavra exército, mas porque temos uma militância aguerrida. No dia 31 de março, na quadra dos bancários em São Paulo, falei com toda a tranquilidade que não vamos admitir golpismo sem resistência de massa. Não vamos pra França, para o Paraguai, pra lugar nenhum. Nosso país é esse e vamos ficar aqui.

Também acho que a direita sempre teve um lado golpista e continuamos combatendo. Tivemos a recente concessão da Medalha da Inconfidência ao João Pedro Stédile, e resolveram entrar com pedido de devolução. A Rede Bandeirantes fez editorial nos chamando de bandidos... Há um combate da direita ao nosso movimento e, evidentemente, ninguém joga pedra em árvore seca.

Além disso, o Lula ainda é uma referência de massa muito grande, é inegável. Os setores de direita têm medo. Mas de certo modo há certo medo da militância, não tanto do MST, e, sim, dos movimentos sociais em geral, que têm militantes aguerridos e mais de uma vez enfrentaram situações difíceis nas lutas recentes.

Penso que nesse momento, como em todos, consenso e coerção são coisas que caminham muito próximas. Acho que a elite brasileira tenta criar consenso para justificar ações coercitivas. Por exemplo, a diminuição da maioridade penal foi tão trabalhada na mídia que agora 70% da população apoia. Lembro também a ocupação das fazendas de laranja da Cutrale: apanhamos tanto da imprensa que, se saíssemos na rua naquela região, íamos apanhar da população. Portanto, a tentativa de buscar consenso para ações coercitivas é a tônica do momento.

De toda forma, estamos muito tranquilos. Entendendo a gravidade do momento e vendo que não dá para fugir dos temas e desafios atuais da classe trabalhadora. Temos de avançar. São janelas que se abrem. Crise não é sinônimo de avanço, em vários momentos de crise a humanidade acabou indo para trás. Não é à toa que surgiram o fascismo e o nazismo. Mas, em outros momentos, a classe trabalhadora conseguiu vitórias. É um momento importante agora.

Gosto muito da ideia de se fazer uma frente de esquerda, que rompa sectarismos e verdades absolutas. Que a gente tenha mais humildade e serenidade e, ao mesmo tempo, esteja atento ao momento, para desencadear um conjunto de ações que nos permita enfrentar os posicionamentos direitistas e fazer a luta de classes avançar no Brasil.

Correio da Cidadania: Como consideraria, finalmente, o atual momento e o futuro de mobilização do MST? Pode-se dizer que o movimento enfrenta seu pior momento no que se refere às suas divisões internas, à relação entre dirigentes e bases e à incorporação de novos militantes?

Gilmar Mauro: Pelo contrário, não existe isso no momento. Não temos divisões internas, estamos num momento de unidade intensa. Vivemos um momento de crise, mas já foi superado. O movimento, sem dúvida, está mais unificado do que nunca e tem muito claro seu papel, inclusive para além da reforma agrária. Sabemos que temos de cumprir um papel político maior, até porque a reforma agrária não seria nosso papel e, sim, incumbência dos partidos políticos. Mas na ausência de partidos com força, o MST, evidentemente, também cumpre esse papel político.

Acho um momento muito bom para o movimento, até no sentido de ter a possibilidade de aumentar as lutas. Mas é claro que vivemos essa crise toda, da esquerda, que afeta todos nós. Há agrupamentos que, hoje, não sofrem ataques da direita e brinco com eles: “cresce um pouquinho pra ver o que acontece”. Porque, quando não incomoda, ninguém ataca. Mas, quando passa a incomodar, os ataques são intensos.

Vamos enfrentar nova CPI em São Paulo e talvez em nível nacional. São tentativas da direita de enquadrar, ofuscar e domesticar o MST. Mas não tem como domesticar o MST, pois ele sempre se mantém em luta. Na última década, de fato, houve uma queda nas lutas, por uma série de fenômenos, principalmente econômicos. Porém, minha expectativa é de que se abre um novo período, que permite a intensificação das lutas sociais.

Pra concluir, o momento é de desafio para toda a esquerda e estamos inseridos nisso. É preciso requalificar a luta pela reforma agrária, requalificar o MST, as lutas sociais, o papel dos movimentos, a própria relação dos movimentos com o Estado e os governos... Em momentos de crise, há uma linha tênue. Alguns incorrem no erro de cair no reformismo, inclusive ideologicamente. Quero reformas, sou amante das reformas, mas o grande problema é que o capitalismo não as permite. Por isso não queremos apenas reformas, embora também lutemos por elas, até como tática pra discutir com a população.

Em momentos de crise, existem dois riscos: um é cair num reformismo desenfreado, que busca saídas emergenciais, até com negociatas etc.;  outro risco é cair no esquerdismo, fazer muito discurso revolucionário sem nenhuma força política. Eu diria que o momento não pede nem reformismo e nem esquerdismo, pois não vão a lugar nenhum. Temos de achar a justa medida para construir formas de resistência e, ao mesmo tempo, caminhos para avançar.

sábado, 23 de maio de 2015

PROFESSORES E SERVIDORES DE ITAPECERICA INICIAM GREVE

Nesta sexta-feira, 22, professores e servidores municipais de Itapecerica da Serra realizaram grande ato, seguido de passeata por todo o centro de Itapecerica, marcando o primeiro dia da greve da categoria, que reivindica não só aumento salarial e outros direitos como também melhor qualidade na educação, saúde e nos demais serviços prestados à população.

A passeata, que reuniu mais de 400 servidores, em sua maioria composta de professores, partiu da sede da prefeitura e seguiu pelas principais ruas do centro, com palavras de ordem e esclarecendo à população quanto à necessidade de valorização do funcionalismo e dos professores e ao descaso da administração municipal frente às reivindicações da categoria.

O ato, cuja principal liderança foi do Prof. Segura do SIPROEM (Sindicato dos Professores do Ensino Municipal filiado à INTERSINDICAL – Central da Classe Trabalhadora), culminou com a ocupação, pacífica e ordenada, do plenário da Câmara Municipal, onde os professores e servidores deram seu recado e pediram o apoio dos vereadores no processo de negociação com a prefeitura.

O movimento teve início na última terça-feira, dia 19, com a primeira paralisação e a assembleia que deflagrou a greve, iniciada nessa sexta, e rejeitou a proposta de 6,5 % de reajuste oferecida pela administração, considerando que o índice inflacionário foi muito superior e que as perdas salariais não foram nem consideradas.

O SIPROEM e a INTERSINDICAL continuarão nessa luta com os professores e servidores de Itapecerica, que já demonstraram a disposição de continuar em greve até que as negociações sejam retomadas e que a prefeitura de Itapecerica reconheça, valorize a categoria e ofereça melhores índices de reajuste e benefícios.

Fotos da Atividade

terça-feira, 19 de maio de 2015

Educadores da rede municipal de Itapecerica da Serra iniciam paralisação na sexta-feira (22)

Por: Intersindical Central da Classe Trabalhadora

Fotos: Carlos Roberto Kaká

Os professores da rede municipal de ensino fizeram assembleia na manhã desta terça-feira, dia 19, em frente ao Complexo da Prefeitura Municipal de Itapecerica da Serra. Centenas de educadores e estudantes caminharam até a Câmara dos vereadores cobrando um posicionamento dos parlamentares. A manifestação teve apoio de diversos profissionais da rede estadual de São Paulo que enfrentam uma greve há mais de sessenta dias.

O SIPROEM, sindicato filiado à Intersindical, esclarece que a maior parte da categoria está disposta a aderir à paralisação, que acontecerá por tempo indeterminado até conseguirmos novo diálogo.

A extensa pauta de reivindicações vai de reajuste salarial a melhores condições de trabalho, plano de carreira e alteração de cargo das ADI’s em professoras.

Dentre a pauta de reivindicações estão os pedidos de incorporação do FGTS e gratificação de nível superior ao salário; proposta concreta de aumento salarial – atendendo à meta 17 do PNE; elaboração de um novo plano de carreira: com lei que garanta a permanência das HAECS livres e a flexibilidade das demais, fim da “dança da cadeira”, instituindo concurso público de acesso aos efetivos para os cargos vagos de Orientador Pedagógico, Diretor de escola, Supervisão e ampliação das aulas de Artes para duas sessões semanais; dentre outras.