Para reduzir salários, aumentar de jornadas e outros retrocessos, governo quer dar a sindicatos “poder” de renunciar a direitos. Em plena recessão, mudança seria devastadora
O governo federal vai
propor um projeto de lei para permitir que empresas possam reduzir salários e
até mesmo aumentar a jornada diária de trabalho dos seus empregados.
O objetivo, segundo o
ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, é “prestigiar” as convenções coletivas,
que teriam poder para flexibilizar direitos previstos na Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT). “A CLT virou uma ‘colcha de retalhos’ que permite
interpretações subjetivas”, criticou Nogueira em declarações à imprensa, na
última quarta-feira (20).
O próprio presidente
interino Michel Temer disse há semanas, durante reunião com empresários e
ministro da área econômica, que seu governo “vai enfrentar todas as
resistências” para aprovar as reformas da Previdência e Trabalhista.
“Mesmo se tiver
manifestações contra, que são da democracia, vamos enfrentar”, avisou Temer. A
fala ocorre pouco depois de o presidente da Confederação Nacional da Indústria
(CNI), Robson Andrade, após reunião com Temer, ter citado, como exemplo para o
Brasil, o caso da França, que passou a permitir jornada semanal de trabalho de
até 80 horas.
Após muita repercussão
negativa, a declaração de Andrade foi corrigida pela CNI, que afirmou que, na
França, o máximo seriam 60 horas e que o presidente se enganou com a citação,
mas que, “em nenhum momento”, teria defendido aumento da jornada de trabalho
prevista na Constituição, que é de 44 horas semanais.
Mais trabalho,
menos salário
A reforma trabalhista que
o presidente em exercício Michel Temer pretende enviar ao Congresso Nacional até
o fim deste ano vai permitir que as convenções coletivas prevaleçam sobre as
normas legais.
De acordo com a CNI, a
proposta seria o caminho para “modernizar” as relações de trabalho no Brasil. Em
nota, a confederação avaliou que a negociação coletiva é a forma pela qual
empresas e trabalhadores, por meio de sindicatos, assumem o “protagonismo” ao
formularem condições e rotinas de trabalho, de acordo com a Constituição e
com os princípios da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Mas, para a advogada
Fernanda Rocha, do escritório Rocha Advogados Associados, em Brasília, o que o
governo chama de “prestigiar” a negociação coletiva é uma “falácia” para
legalizar o corte de direitos. “Liberdade para que se reduza direitos não é dar
liberdade, mas colocar uma faca no pescoço dos sindicatos.
Na prática, como não será
mais preciso observar a CLT em relação à jornada e a salário, as empresas
poderão condicionar aumentos salariais, por exemplo, ao maior parcelamento de
férias, redução de intervalo de almoço ou aumento de jornada diária”, aponta.
Ela explica que já existe liberdade nas negociações coletivas. “As convenções
servem para ampliar direitos dos trabalhadores já previstos na CLT, mas nunca
reduzir esses direitos. O que se está propondo uma autorização para que os
sindicatos negociem abaixo do que está na lei e, até mesmo, na
Constituição”.
Jornada e banco de
horas
Um dos objetivos do setor
empresarial, prevê Fernanda Rocha, é mexer “banco de horas”, para torná-lo
ilimitado. Aprovado em 1998, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso
(PSDB), o banco de horas já foi uma flexibilização da legislação trabalhista.
Antes, o trabalhador, para fazer hora extra, deveria receber adicional de 50%
sobre cada hora trabalhada.
Com o banco de horas, essa
hora extra deixou de ser remunerada e passou a ser compensada apenas com folga.
Além disso, o banco de horas só pode ser validado por meio de negociação
coletiva, com prazo máximo de um ano para compensação, e não pode exceder duas
horas extras diárias.
Com o fim dessas
restrições, as empresas poderão aprovar, em acordo coletivo, jornadas diárias
superiores a 10 horas. “A ideia é que, em época de alta produção, os empregados
trabalhem 15, 16 horas e, na época de baixa produção, a empresa possa folgas
coletivas”, exemplifica Fernanda Rocha, advogada trabalhista.
“À primeira vista, o
trabalhador pode até achar interessante a possibilidade de acumular folgas, mas
existem orientações tanto da Organização Internacional do Trabalho [OIT] quanto
da Organização Mundial da Saúde [OMS] sobre os riscos do excesso de jornadas,
principalmente jornadas superiores a 10 horas diárias. O entendimento do TST
[Tribunal Superior do Trabalho] também é de que limite de jornada é uma questão
de saúde e segurança do trabalhador e não pode ser negociado. O direito do
trabalho também existe para proteger o trabalhador dele mesmo”, argumenta
Fernanda.
Na flexibilização
pretendida pelo governo Temer, também seria possível reduzir o salário dos
empregados por meio de acordo coletivo. “Um ano em que a empresa tiver prejuízo,
ela pode reduzir o salário dos empregados sem, necessariamente, reduzir a
jornada”, afirma Fernanda.
“Todas essas mudanças, se
aprovadas, na minha avaliação, são flagrantemente inconstitucionais e serão
questionadas no Supremo Tribunal Federal (STF) e no TST”,
acrescenta.
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