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sexta-feira, 31 de julho de 2015

EU E ELE, NÓS E ELES (Sebastião Neto fala sobre Vito Giannotti)

Em texto, Sebastião Neto homenageia Vito Giannotti – militante político, historiador das lutas operárias e criador do Núcleo Piratininga de Comunicação -, que morreu aos 72 anos na madrugada do sábado, 25 de julho.



Vito Giannotti e Sebastião Neto (de barba), em ato contra a privatização da Petrobras no dia 17 julho, em frente ao Edifício Sede da Petrobras no Rio de Janeiro
Dedico aos jovens que brilhavam os olhos ao ver Vito falar, imprecar e politizar. E particularmente aos participantes do Curso de Comunicação Popular do NPC. Como diria o Elias: “se temos que esperar alguma coisa, será dos jovens”.

Sentia que esse momento estava chegando. Tava antevendo. Tive na sexta passada com o camarada Vito no Rio de Janeiro. Era o mesmo como ser político, mas parecia fragilizado fisicamente. Já de meses, sua companheira Cláudia e sua equipe no NPC o acarinhavam, preocupados com as sequelas de tratamentos brabos que ele tinha passado.

Durante muitos anos, eu e ele fomos inseparáveis na ação e diferentes em quase tudo para quem olhava a superfície das coisas. Dois jeitos distintos. O ambiente que ainda hoje permanece entre os velhos camaradas da Oposição Metalúrgica de São Paulo permitia e permite a convivência com diferenças políticas. Nos uniram laços inquebráveis de concepções politicas: a independência de classe, o internacionalismo, a obsessão pela defesa e necessidade das organizações de base dos trabalhadores numa concepção das estruturas horizontais de poder, a democracia dentro das organizações de trabalhadores. Vito trazia a cultura comunista da esquerda europeia – leia-se: NÃO da Terceira Internacional – com uma marca italiana e particularmente tudo que era não stalinismo, não burocracia. Lembremos que a Itália no final dos 60, começo dos 70, tinha, talvez, o sindicalismo mais avançado da Europa, dizíamos “o mundo”. Como tudo isso foi para a casa do cazzo, como diria o Vito, é um bom motivo de reflexão para a esquerda que vê as barreiras colocadas pela burguesia e prefere os atalhos da conciliação. Vito, na sua busca pela revolução, tinha cheirado que dali não sairia nada.

Eram de nomes como Bordiga, Pannekoek, Rosa de Luxemburgo, Rossana Rossanda, grupo "Manifesto", o extraparlamentarismo de que ele empurrava textos e textos fora do senso comum da esquerda. E Gramsci!! Não foi a OSM-SP no Brasil a que difundiu aos milhares OS CONSELHOS DE FABRICA DE TURIM? E a essa visão conselhista se somava uma férrea defesa dos SOVIETS. Fora a burocracia, viva os Sovietes!

É imaginável que tenhamos distribuído milhares de cópias do texto de Lenin "Sobre as greves" (edição Jornal do Jornais) inclusive em outras categorias?

Fizemos os decretos principais da Comuna de Paris em formato de cartazes. Essa visão conselhista era visto por muita gente boa como basismo.

Formou-se em São Paulo e irradiou pelo Brasil a partir da OSMSP uma vanguarda. Vanguardista, às vezes, mas vanguarda de classe.

Quando uma bandeira como as Comissões de Fábrica é assumida por milhares de trabalhadores que vão à greve, como em 78, reivindicando o reconhecimento das Comissões de Fábrica tanto quanto o reajuste salarial mostra que essa vanguarda permaneceu anos dentro das fábricas urdindo o tal trabalho de base. Não foi assim na Cobrasma quando da greve de Osasco?

Bebíamos em boa fonte.

São centenas de dirigentes de base estimulados, conscientemente formados em pequenas reuniões, em visitas nas casas, atividades de formação e quando a ditadura começou a cambalear atividades maiores e participação nas lutas. Essa vanguarda não foi forjada no estilo de ficar escondida atrás das máquinas. São muitas pequenas lutas por N motivos. Trabalhei por acaso um ano junto com o Vito na BUSSING-STAHL na Mooca, e com o Eliseu que seria o diretor da TVT em São Bernardo até o perdermos também. Quando entrei no início de 1970, tinham feito greves inclusive por atraso de pagamento. Eu estava com prisão decretada e ficava meio na moita e via aquele italiano falar incansavelmente, repassar muita literatura.

Trabalhavam umas 150 mulheres na produção. Era uma fábrica com a cara do milagre brasileiro. Condições de trabalho pré-revolução industrial, despotismo absoluto da chefia, revezamento de turnos, horas extras determinadas em cima da hora. Dali, através trabalho do Vito, sairá em 72 a primeira mulher candidata numa chapa da Oposição, Terezinha Paparazzo. E uma amizade de vida inteira com o Eliseu.

Essa cultura que o Vito (e outros) trazia, mais a paciente tradição do trabalho de base capitaneado por Rossi, herdeiro do jocismo do ver-julgar-agir, dos Queixadas, da greve de Osasco somadas aos militantes de diversas organizações clandestinas, que diante da tarefa enorme que era "tomar" o Sindicato (é do Vito o "delenda Cartago”) fizeram a mais rica – sem modéstia – convivência democrática na esquerda brasileira. Pautada por uma regra singela: a base organizada decide. Não é episódico, embora pitoresco, que militantes de partidos contrariavam as orientações e votavam com a região que representavam. Fazer o que? Como os comunardos, éramos pela revogabilidade de mandatos.

Não foi o velho MOSMSP, execrado por gente tão bem pensante, como anarco-sindicalismo, os que não queriam ganhar o Sindicato? As ratazanas, hoje gordas, com alguns chafurdando na lama da política; os ganhadores que trataram a OSM-SP como “primos pobres”, ignorando não só a realidade da luta de classes que contrapunha projetos tão distintos como, de um lado a OSM-SP, e por decorrência a CUT, e do outro a emergente Força Sindical; aqueles que pactaram um “Ialta-Teerã” no sindicalismo brasileiro, que queriam "enterrar a OPOSIÇÃO no caixão do Joaquinzão", esses eram a malta, a banda que o Vito não queria andar junto.

Após a diáspora imposta, a palestinização da Oposição nos anos 90 quando a combinação dos avanços do neoliberalismo, a opção da CUT pelo "propositismo", o aparar das barbas no PT e a negação pura e simples que os metalúrgicos de São Paulo fizessem chapa de Oposição a partir de 93, levaram Vito a mudar de ares, indo para o Rio de Janeiro. É verdade que a tragédia da perda do filho André nunca foi superada. Isso também o empurrou para fora de São Paulo. Os anos 90 foram para os metalúrgicos de Oposição de sobrevivência pura e simples. Fomos para o subemprego, para se esconder nas pequenas.

Depois do exílio nas fábricas nos anos 70, enfrentando a tríplice aliança empresários-militares-pelegos, fomos jogados nos 90 na pirambeira do desemprego, lidando com os trabalhadores que prudentemente estavam de cabeza gacha. E o “sindicalismo de resultados”. O sindicato collorido era o arauto da desregulamentação e da flexibilização em nome do negocial melhor que o legal. Em menos de dois anos, Collor liquida um quarto dos empregos industriais em São Paulo.

Estava vencido como etapa. A partir da derrota de Lula na maravilhosa campanha de 89, foi determinada uma divisão de águas na esquerda. Mal se podia imaginar que o aggiornamento ocorreria também por aqui. Que boa parte da esquerda historicamente construída na resistência à ditadura, em nome dos interesses maiores, desistisse dos enfrentamentos. Além do realismo político, não havia porque reforçar que a incontrolável Oposição Metalúrgica ganhasse o maior Sindicato operário. Os palestinos não podem ganhar, é isso. Acabou o gás. Ficamos sem a retaguarda.

Mas Vito recomeça, esse cavaleiro errante que já tinha andado pelo Oriente Médio, que foi pescador no Espírito Santo, depois de décadas militando em São Paulo, mudará para o Rio de Janeiro. "Recomeçarás sempre, com magnífica honestidade” (Barbusse).

O Vito era o cara da imprensa. Em depoimento para o Projeto Memória da OSM-SP, ele afirma que a Oposição foi inclusive, contando os sindicatos da época, quem MAIS publicou e distribuiu. Essa incontrolável gente era composta de forma variada por todas correntes de esquerda. Era incontrolável por qualquer uma das correntes participantes, muito menos de fora. A concepção de FRENTE DE TRABALHADORES tem a ver, claro, com um método, uma concepção, mas também é resultado do tamanho da tarefa (eram 400 mil metalúrgicos, em mais de 13.000 empresas; milhares de pequenas firmas e algumas de grande concentração de gente) do poder do inimigo que obrigava a UNIDADE.

A CUT PELA BASE será herdeira dessa tradição de FRENTE de Trabalhadores. Com a presença de diversas organizações, se manterá unida no mesmo método "assembleario". Quando o esgarçamento das relações começou a tornar forte a relação entre as correntes políticas, ela implodiu.

Vito tinha aprendido muito a fazer imprensa desde o final dos 60. E escrever. Fazia isso incansavelmente. Sua preocupação era sempre defender princípios e intervir na política ajudando que todos pudessem ter compreensão na sua militância. Desde, se não me engano, o primeiro livrinho feito com o Elias Stein (mais alguém?) sobre a História da Classe Operária no Brasil, construiu sua marca.

O trabalho com a Cláudia (e tant@s outr@s) consolidara essa obsessão de colocar como tema central a questão da COMUNICAÇÃO E DA DISPUTA DA HEGEMONIA.

Morrerá sem ver uma imprensa revolucionária de massas expoente de um projeto político de esquerda. E tudo indica que estamos ficando cada vez mais longe dessa possibilidade.

Os cursos anuais do NPC em novembro juntam as correntes de esquerda num ambiente de confraternização e rica discussão política. Sobreviveu Vito dando cursos em todo o país. Os sindicalistas de base, os formadores o veneravam.

Muitos de nós são respeitados, mas Vito é daqueles camaradas como o Martinelli e o Rossi. Mais que respeitados, eles são amados.

LONGA VIDA AOS QUE LUTAM!

Sebastião Neto
Vitão_presente

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