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terça-feira, 1 de setembro de 2015

A grande maioria dos refugiados da África fica na África, afirma representante da ONU

Segundo Andrés Ramirez, do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) no Brasil, o principal destino dos refugiados africanos não é a Europa, como muitos tendem a pensar.

Por Simone Freire,

De São Paulo (SP) Brasil de Fato

 

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Refugiados na África | Foto: ONU

Os noticiários cada vez mais recorrentes sobre as perigosas travessias migratórias de africanos para o continente europeu expõe um fato: a situação dos conflitos na África piorou e o número de refugiados é cada vez maior. No entanto, o principal destino destes refugiados não é a Europa, como pode parecer, mas continua sendo o próprio continente africano, que abriga mais de um terço destes refugiados. Essa é a realidade relatada pelo representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) no Brasil, Andrés Ramirez.

"Para entendermos o enorme peso dos refugiados nos países em desenvolvimento é importante sublinhar que, nas duas décadas passadas, 70% dos refugiados do mundo eram refugiados que ficavam nos países 'em desenvolvimento'. Isso desmistifica aquela ideia errada de que a maioria dos refugiados vão para os países desenvolvidos. Isso é totalmente falso. Já no ano passado, 86% dos refugiados do mundo ficaram em países em desenvolvimento", aponta Ramirez.

Segundo o relatório Tendências Globais (Global Trends, em inglês), divulgado em junho deste ano pela Acnur, os deslocamentos atingiram um nível recorde e está se acelerando rapidamente. Ao final de 2014, foram 59,5 milhões de pessoas que tiveram que deixar forçadamente suas casas, comparado com os 51,2 milhões registrados no final de 2013 e os 37,5 milhões verificados há uma década. O crescimento desde 2013 (8,3 milhões de pessoas) é o maior já registrado em um único ano.

Em nível mundial, de acordo a Acnur, também houve mudança na distribuição regional de refugiados no último ano. Até 2013, as regiões que abrigavam a maior população de refugiados eram a Ásia e o Pacífico. Como resultado da crise na Síria, o Oriente Médio e o Norte da África se tornaram, em 2014, as regiões que mais recebem refugiados.

África

Dos 15 conflitos que iniciaram ou foram retomados nos últimos cinco anos, e que fizeram como que se intensificassem os deslocamentos forçados e colocassem boa parte da população em situação de refúgio, oito estão na África: Costa do Marfim, República Centro Africana, Líbia, Mali, Nigéria, República Democrática do Congo, Sudão do Sul e Burundi.

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Dadaab, no Quênia | Foto: UNHCR/ONU

O maior campo de refugiados do mundo, Dadaab, situa-se no nordeste do Quênia, próximo à fronteira com a Somália. O território foi estabelecido em 1991 e abriga mais de 350 mil refugiados e solicitantes de asilo. O local abriga refugiados da Etiópia, Sudão, República Democrática do Congo, Eritreia, Sudão do Sul e Burundi, entre outros; e vive constantemente em conflito. Há denúncias de violações de direitos humanos, mas o Dadaab continua sendo, para muitos, a única alternativa para quem não pode viver em seu país de origem.

A maioria dos refugiados de Dadaab é da Somália, palco de conflitos internos de muitos anos protagonizado, principalmente, pelo grupo islâmico Al Shabaabe; e de um desastre natural, uma seca que assola o país. Dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), aponta que 14% da população somali – mais de um milhão de pessoas – vive no exílio.

No final de 2014, a Acnur também mostrou que os somalis são a terceira nacionalidade com maior número de refugiados no mundo, atrás da Síria (3,88 milhões) e do Afeganistão (2,59 milhões). Além do campo de refugiados queniano, Etiópia e Iêmen são os países que mais recebem pessoas vindas da Somália.

Por conta dos conflitos armados, o Sudão tornou-se o quarto país com maior número de refugiados no mundo. Em um ano, o número de deslocados aumentou consideravelmente chegando a 670 mil, em 2014.

Os sudaneses também fizeram da Etiópia, em agosto passado, o país africano com a maior população de refugiados, abrigando cerca de 630 mil pessoas até o meio do ano passado. Os etíopes passaram o Quênia, que abrigava, na época, 575 mil refugiados e solicitantes de refúgio.

"Se ainda nos focamos nos países africanos e analisarmos o número de refugiados por um dólar do PIB [Produto Interno Bruto], ou seja, como os países em desenvolvimento recebem os refugiados levando em consideração a economia deles, o número um no ranking mundial é a Etiópia, que teria 440 refugiados por dólar", exemplifica Ramirez.

Na sequência, o quinto país com mais deslocamentos forçados é o Sudão do Sul, com 509 mil pessoas, e o sexto é a República Democrática do Congo, com 493 mil. Ambos são africanos e os destinos da maioria dos refugiados destes países também é a África.

"É uma minoria deles [africanos] que conseguem fugir para outros países. Esta minoria de pessoas refugiadas que conseguem fugir para outros países, alguns vão para a Europa e outros para os Estados Unidos e até para a América Latina", pontua Ramirez ao Brasil de Fato.

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Refugiados no Dadaab | Foto: UNHCR/J.Brouwer

Segundo o membro da Acnur, também é preciso muita atenção quando avaliamos a questão da imigração no mundo, uma vez que nem todo imigrante é um refugiado. "O refugiado é um tipo especial de imigrante, aquele que teve que migrar de um jeito forçado por causa de perseguição ou por ter sido vítima de um conflito generalizado. Tem muitos outros imigrantes que simplesmente saem para tentar ter uma vida melhor, por razões econômicas, por razões de desastres naturais, para ter uma vida melhor", explica.

Alternativas

Com a intensificação dos conflitos internos na Ásia e na África, a quantidade de pessoas que se deslocam desses continentes para a Europa ou América Latina começa a se tornar mais expressivo. Da África, as principais nacionalidades que veem na Europa uma alternativa é a Eritreia, Somália, Nigéria, Gâmbia e Sudão. A principal rota destes refugiados é o Mar Mediterrâneo em que, neste ano, 2.440 pessoas morreram ao tentar atravessá-lo, documentou a Acnur.

No relatório da entidade, o Alto Comissário da ONU para Refugiados, António Guterres, criticou a abordagem da comunidade internacional para o fenômeno. "De um lado, há mais e mais impunidade para os conflitos que se iniciam, de outro, há uma absoluta inabilidade da comunidade internacional em trabalhar unida para encerrar as guerras e construir uma paz perseverante", declarou.

Na América Latina, o principal destino dos refugiados é o Brasil. De acordo com os dados mais recentes do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), vinculado ao Ministério da Justiça, o país tem 7.700 refugiados de 81 nacionalidades. A maioria deles são da Síria, seguidos pela Colômbia, Angola e a República Democrática do Congo.

O número total de pedidos de refúgio aumentou mais de 930% entre 2010 e 2013. Até outubro de 2014, já foram contabilizadas outras 8.302 solicitações. A maioria dos solicitantes de refúgio vêm da África, Ásia (inclusive Oriente Médio) e América do Sul. O refúgio é um direito de estrangeiros garantido por uma convenção da ONU de 1951 e ratificada por lei no Brasil em 1997.

Presente no debate “O Brasil diante dos desafios de um novo ciclo de imigração”, realizado no Instituto Lula, no dia 26 de agosto, o secretário Nacional de Justiça e presidente do Conare, Beto Vasconcellos, apontou que o país tem a necessidade de continuar criando estruturas institucionais para amparar estes imigrantes, seja nas condições de refugiados ou não.

Embora o Brasil tenha avançado consideravelmente nas políticas humanitárias e atuado conjuntamente com outros países da América do Sul, que demostram um Estado voltado a uma política migratória progressista, pontua ele, "nós temos hoje, infelizmente, ainda uma legislação nascida e cultivada no período ditatorial. Nossa legislação de imigração, o Estatuto do Estrangeiro, é um marco legal, filho da Ditadura. É uma lei ultrapassada, uma lei hermética, burocrática e forjada, construída sob a doutrina da segurança nacional, onde e segundo a qual, a imigração é uma ameaça. É uma lei que não prevê direitos, mas restrições".

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