Uma parte importante das reflexões de Gramsci sobre educação foi motivada pela reforma empreendida por Giovanni Gentile, ministro da Educação de Benito Mussolini, que reservava aos alunos das classes altas o ensino tradicional, "completo", e aos das classes pobres uma escola voltada principalmente para a formação profissional
O filósofo italiano atribuía à escola a função de dar acesso à cultura
das classes dominantes, para que todos pudessem ser cidadãos plenos
Nova Escola
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Foto: MP/LEEMAGE/OTHERIMAGESPRESS
Co-fundador do Partido Comunista Italiano, Antonio Gramsci (1891-1937)
foi uma das referências essenciais do pensamento de esquerda no século
20. Embora comprometido com um projeto político que deveria culminar com
uma revolução proletária, Gramsci se distinguia de seus pares por
desacreditar de uma tomada do poder que não fosse precedida por mudanças
de mentalidade. Para ele, os agentes principais dessas mudanças seriam
os intelectuais e um dos seus instrumentos mais importantes, a escola.
Alguns conceitos criados ou valorizados por Gramsci hoje são de uso
corrente em várias partes do mundo. Um deles é o de cidadania. Foi ele
quem trouxe à discussão pedagógica a conquista da cidadania como um
objetivo da escola. Ela deveria ser orientada para o que o pensador
chamou de elevação cultural das massas, ou seja, livrá-las de uma visão
de mundo que, por se assentar em preconceitos e tabus, predispõe à
interiorização acrítica da ideologia das classes dominantes.
Biografia
Nascido em Ales, na ilha da Sardenha, em 1891, numa família pobre e
numerosa, Antonio Gramsci foi vítima, antes dos 2 anos, de uma doença
que o deixou corcunda e prejudicou seu crescimento. Na idade adulta, não
media mais do que 1,50 metro e sua saúde sempre foi frágil. Aos 21
anos, foi estudar letras em Turim, onde trabalhou como jornalista de
publicações de esquerda. Militou em comissões de fábrica e ajudou a
fundar o Partido Comunista Italiano em 1921. Conheceu a mulher, Julia
Schucht, em Moscou, para onde foi enviado como representante da
Internacional Comunista. Em 1926, foi preso pelo regime fascista de
Benito Mussolini. Ficou célebre a frase dita pelo juiz que o condenou:
"Temos que impedir esse cérebro de funcionar durante 20 anos". Gramsci
cumpriu dez anos, morrendo numa clínica de Roma em 1937. Na prisão,
escreveu os textos reunidos em Cadernos do Cárcere e Cartas do Cárcere. A
obra de Gramsci inspirou o eurocomunismo – a linha democrática seguida
pelos partidos comunistas europeus na segunda metade do século 20 – e
teve grande influência no Brasil nos anos 1970 e 1980.
Ao contrário da maioria dos teóricos que se dedicaram à
interpretação e à continuidade do trabalho intelectual do filósofo
alemão Karl Marx (1818-1883), que concentraram suas análises nas
relações entre política eeconomia,
Gramsci deteve-se particularmente no papel da cultura e dos
intelectuais nos processos de transformação histórica. Suas idéias sobre
educação surgem desse contexto.
Para entendê-las, é preciso conhecer o conceito de hegemonia, um dos pilares do pensamento gramsciano. Antes, deve-se lembrar que a maior parte da obra de Gramsci foi escrita na prisão e só veio a público depois de sua morte. Para despistar a censura fascista, Gramsci adotou uma linguagem cifrada, que se desenvolve em torno de conceitos originais (como bloco histórico, intelectual orgânico, sociedade civil e a citada hegemonia, para mencionar os mais célebres) ou de expressões novas em lugar de termos tradicionais (como filosofia da práxis para designar o marxismo). Seus escritos têm forma fragmentária, com muitos trechos que apenas indicam reflexões a serem desenvolvidas.
A mente antes do poder
Hegemonia significa, para Gramsci, a relação de domínio de uma classe social sobre o conjunto da sociedade. O domínio se caracteriza por dois elementos: força e consenso. A força é exercida pelas instituições políticas e jurídicas e pelo controle do aparato policial-militar. O consenso diz respeito sobretudo à cultura: trata-se de uma liderança ideológica conquistada entre a maioria da sociedade e formada por um conjunto de valores morais e regras de comportamento. Segundo Gramsci, "toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica", isto é, de aprendizado.
Para entendê-las, é preciso conhecer o conceito de hegemonia, um dos pilares do pensamento gramsciano. Antes, deve-se lembrar que a maior parte da obra de Gramsci foi escrita na prisão e só veio a público depois de sua morte. Para despistar a censura fascista, Gramsci adotou uma linguagem cifrada, que se desenvolve em torno de conceitos originais (como bloco histórico, intelectual orgânico, sociedade civil e a citada hegemonia, para mencionar os mais célebres) ou de expressões novas em lugar de termos tradicionais (como filosofia da práxis para designar o marxismo). Seus escritos têm forma fragmentária, com muitos trechos que apenas indicam reflexões a serem desenvolvidas.
A mente antes do poder
Hegemonia significa, para Gramsci, a relação de domínio de uma classe social sobre o conjunto da sociedade. O domínio se caracteriza por dois elementos: força e consenso. A força é exercida pelas instituições políticas e jurídicas e pelo controle do aparato policial-militar. O consenso diz respeito sobretudo à cultura: trata-se de uma liderança ideológica conquistada entre a maioria da sociedade e formada por um conjunto de valores morais e regras de comportamento. Segundo Gramsci, "toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica", isto é, de aprendizado.
Elogio do "ensino desinteressado"
Saudação fascista diante da residência de
Mussolini em 1938: escola como privilégio de
classe. Foto: HULTON ARCHIVE/Getty Images
Mussolini em 1938: escola como privilégio de
classe. Foto: HULTON ARCHIVE/Getty Images
Uma parte importante das reflexões de Gramsci sobre educação
foi motivada pela reforma empreendida por Giovanni Gentile, ministro da
Educação de Benito Mussolini, que reservava aos alunos das classes altas
o ensino tradicional, "completo", e aos das classes pobres uma escola
voltada principalmente para a formação profissional. Em reação, Gramsci
defendeu a manutenção de "uma escola única inicial de cultura geral,
humanista, formativa". Para ele, a Reforma Gentile visava predestinar o
aluno a um determinado ofício, sem dar-lhe acesso ao "ensino
desinteressado" que "cria os primeiros elementos de uma intuição do
mundo, liberta de toda magia ou bruxaria". Ao contrário dos pedagogos da
escola ativa, que defendiam a construção do aprendizado pelos
estudantes, Gramsci acreditava que, pelo menos nos primeiros anos de
estudo, o professor deveria transmitir conteúdos aos alunos. "A escola
unitária de Gramsci é a escola do trabalho, mas não no sentido estreito
do ensino profissionalizante, com o qual se aprende a operar", diz o
pedagogo Paolo Nosella. "Em termos metafóricos, não se trata de colocar
um torno em sala de aula, mas de ler um livro sobre o significado, a
história e as implicações econômicas do torno."
A hegemonia é obtida, segundo Gramsci, por meio de uma luta "de direções
contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no da política". Ou
seja, é necessário primeiro conquistar as mentes, depois o poder. Isso
nada tem a ver com propaganda ou manipulação ideológica. Para Gramsci, a
função do intelectual (e da escola) é mediar uma tomada de consciência
(do aluno, por exemplo) que passa pelo autoconhecimento individual e
implica reconhecer, nas palavras do pensador, "o próprio valor
histórico". "Não se trata de um doutrinamento abstrato", diz Paolo
Nosella, professor de filosofia da educação da Universidade Federal de
São Carlos.
Acesso ao código dominante
O terreno da luta de hegemonias é a sociedade civil, que compreende instituições de legitimação do poder do Estado, como a Igreja, a escola, a família, os sindicatos e os meios de comunicação. Ao contrário do pensamento marxista tradicional, que tende a considerar essas instituições como reprodutoras mecânicas da ideologia do Estado, Gramsci via nelas a possibilidade do início das transformações, por intermédio do surgimento de uma nova mentalidade ligada às classes dominadas.
Na escola prevista por Gramsci, as classes desfavorecidas poderiam se inteirar dos códigos dominantes, a começar pela alfabetização. A construção de uma visão de mundo que desse acesso à condição de cidadão teria a finalidade inicial de substituir o que Gramsci chama de senso comum – conceitos desagregados, vindos de fora e impregnados de equívocos decorrentes da religião e do folclore. Com o termo folclore, o pensador designa tradições que perderam o significado mas continuam se perpetuando. Para que o aluno adquira criticidade, Gramsci defende para os primeiros anos de escola um currículo que lhe apresente noções instrumentais (ler, escrever, fazer contas, conhecer os conceitos científicos) e seus direitos e deveres de cidadão.
Acesso ao código dominante
O terreno da luta de hegemonias é a sociedade civil, que compreende instituições de legitimação do poder do Estado, como a Igreja, a escola, a família, os sindicatos e os meios de comunicação. Ao contrário do pensamento marxista tradicional, que tende a considerar essas instituições como reprodutoras mecânicas da ideologia do Estado, Gramsci via nelas a possibilidade do início das transformações, por intermédio do surgimento de uma nova mentalidade ligada às classes dominadas.
Na escola prevista por Gramsci, as classes desfavorecidas poderiam se inteirar dos códigos dominantes, a começar pela alfabetização. A construção de uma visão de mundo que desse acesso à condição de cidadão teria a finalidade inicial de substituir o que Gramsci chama de senso comum – conceitos desagregados, vindos de fora e impregnados de equívocos decorrentes da religião e do folclore. Com o termo folclore, o pensador designa tradições que perderam o significado mas continuam se perpetuando. Para que o aluno adquira criticidade, Gramsci defende para os primeiros anos de escola um currículo que lhe apresente noções instrumentais (ler, escrever, fazer contas, conhecer os conceitos científicos) e seus direitos e deveres de cidadão.
A experiência prática das contradições
Durante sua curta vida, Gramsci testemunhou de perto os dois extremos
totalitários do século 20. Conheceu em Moscou a Revolução Russa no calor
de seus primeiros anos e, pouco tempo depois, foi uma das vozes
pioneiras a denunciar a degeneração da política soviética para a
tirania, sob Josef Stalin. No outro extremo, a ditadura fascista em seu
país natal fez de Gramsci um alvo precoce de perseguição, que resultou
em seu aprisionamento. A trajetória do pensador pela Itália durante a
infância e a juventude – do sul atrasado, camponês e tradicionalista ao
norte industrial onde se engajou na política – também não podia ter sido
mais emblemática das contradições de seu tempo. A lucidez com que
Gramsci refletiu sobre essas experiências fez seu pensamento sobreviver
não só a ele mesmo como ao próprio socialismo real, como era chamado o
regime característico do conjunto de países comunistas do Leste Europeu,
que desmoronou em bloco na virada dos anos 1980 para os anos 1990. Seu
pensamento, que havia sido uma alternativa ao marxismo predominante nos
meios acadêmicos de todo o mundo até então, continua atual, já que não
conflita com o sistema democrático.
Para pensar
Muitos pensadores clássicos da educação, entre eles Comênio (1592-1670) e
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), subordinavam o processo pedagógico à
natureza. A própria evolução das crianças daria conta de grande parte
do aprendizado. Gramsci tinha outra idéia. "A educação é uma luta contra
os instintos ligados às funções biológicas elementares, uma luta contra
a natureza, para dominá-la e criar o homem ‘atual’ à sua época",
escreveu. Você concorda com ele ou considera equivocada a tese de que a
cultura distancia o homem da natureza? Ou será possível conciliar as
duas correntes de pensamento?
Quer saber mais?
BIBLIOGRAFIA
Cadernos do Cárcere, Volume 2, Antonio Gramsci, 334 págs., Ed. Civilização Brasileira, tel. , 56 reais
Escola de Gramsci, Paolo Nosella, 208 págs., Ed. Cortez, tel. , 27 reais
Gramsci e a Escola, Luna Galano Mochcovitch, 80 págs., Ed. Ática, tel. 0800-115-152 (edição esgotada)
Cadernos do Cárcere, Volume 2, Antonio Gramsci, 334 págs., Ed. Civilização Brasileira, tel. , 56 reais
Escola de Gramsci, Paolo Nosella, 208 págs., Ed. Cortez, tel. , 27 reais
Gramsci e a Escola, Luna Galano Mochcovitch, 80 págs., Ed. Ática, tel. 0800-115-152 (edição esgotada)
INTERNETNo site Gramsci e o Brasil, você encontra artigos, bibliografia e calendário de eventos relacionados ao pensador italiano
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