Juca Kfouri - UOL Esporte
20/02/2016
POR PEU ARAÚJO, http://www.vice.com/pt_br
Da coluna ‘VICE Sports’
Da coluna ‘VICE Sports’
FOTOS: FELIPE LAROZZA/VICE
Se você já foi a um estádio de futebol, provavelmente já presenciou o barulho e a energia agressiva das torcidas organizadas. Se você se informa sobre as arquibancadas pelos jornalões convencionais já se acostumou a criminalizá-las.
Se você já foi a um estádio de futebol, provavelmente já presenciou o barulho e a energia agressiva das torcidas organizadas. Se você se informa sobre as arquibancadas pelos jornalões convencionais já se acostumou a criminalizá-las.
Uma coisa que precisa ficar clara
para entender os parágrafos a seguir: as torcidas são muito mais
complexas do que esse maniqueísmo. Não, não é só um bando de bandidos
reunidos e também não é um bonde dos bonzinhos. “Se você vier aqui atrás
de briga, você vai encontrar meia dúzia de cabeça de bagre que tá atrás
da mesma coisa, mas a torcida é muito mais do que isso”, explica
Wildner Rocha, o Pulguinha, ex-presidente da torcida e liderança
histórica dos Gaviões.
Na última semana, muito tem se falado sobre a torcida do Corinthians.
Os protestos no Campeonato Paulista começaram na partida contra o
Capivariano, na quinta-feira (11). Faixas com mensagens como “Rede
Globo, o Corinthians não é seu quintal” e “Cadê a$ conta$ do e$tádio”
foram abertas no meio da arquibancada da Arena Corinthians e
repreendidas pela Polícia Militar, que se pauta numa cláusula
interpretativa do Estatuto do Torcedor:
Segundo o Art. 13-IX, é
proibido “portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros
sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista ou
xenófobo”. Parece que é proibido protestar pelas ruas e também nas
arquibancadas de São Paulo. Bom, até onde sabemos, ainda não é ofensivo
questionar a administração de um clube ou se mostrar contra uma emissora
da televisão.
Um dos representantes dos Gaviões nas reuniões com o Batalhão do
Choque antes das partidas, o diretor da torcida, Cristiano de Moraes
Souza, afirma que ninguém assumiu a autoria da repressão policial. “Eles
[os policiais] disseram que a ordem veio da Federação Paulista e do
próprio clube. Eu questionei o Corinthians sobre isso, e disseram que
não foi o clube. A Federação não se pronunciou. A gente vive assim: a
polícia fala que um mandou, vai lá e faz.”
No clássico contra o
São Paulo, também em Itaquera, no domingo (14), outras faixas foram
erguidas no meio dos Gaviões da Fiel: “CBF, FPF a vergonha do futebol”,
“Ingresso mais barato”, “Futebol refém da Rede Globo” e “Quem vai punir o
ladrão de merendas?”. As mensagens ganharam repercussão e o que era uma
questão urgente para os torcedores virou um protesto organizado e
consciente.
Nesta quinta-feira (18), depois da chuva torrencial do meio da tarde,
os Gaviões começaram a aparecer na quadra da torcida, no bairro do Bom
Retiro. com um objetivo simples: colar na frente da Federação Paulista e
fazer muito barulho.
Às 19h30, centenas de torcedores vestindo
preto e branco ocuparam um dos sentidos da Avenida Sérgio Tomás. Se
compararmos essa ação com uma manifestação do Movimento Passe Livre, por
exemplo, podemos ver uma evolução estratégica e uma energia muito mais
combativa. Você pode até pensar que são coisas muito distintas, porém,
se a torcida decide protestar por questões extracampo, qual a diferença?
Antes da saída da quadra, Fabricio Pouseu, um dos diretores, faz uma
espécie de preleção pedindo para que os torcedores não percam tempo com
torcedores adversários — nas imediações da FPF, há sedes de torcidas do
Palmeiras — e exigedisciplina no trajeto. “Vai ter polícia lá, mano.
Qualquer problema liga nóis. Vamo todo mundo junto, sem dispersar. Vão
ser 50 minutos gritando lá na porta.”
Uma salva de palmas marca o
início da marcha, que segue a passos rápidos e firmes, sempre muito bem
compactada. A bateria, muito bem tocada, dita o ritmo das músicas e todo
mundo canta, entre outros hinos, “Ladrão, devolve o futebol do povão” e
“Eu não roubo merenda, eu não sou deputado. Trabalho todo dia, não
roubo meu Estado.” Três bandeirões flamulam ininterruptamente.
A impressão que dá é a de que se tem muito mais gente. Os rojões,
atirados a todo tempo, deixam o clima mais bélico, assim como as caras
fechadas de boa parte dos torcedores. Sinalizadores com fumaça preta e
outras pirotecnias começam a aumentar à medida que o bonde se aproxima
da FPF. Nas imediações, duas viaturas da PM e alguns policiais do Choque
esperam os torcedores.
A massa se concentra em frente à porta
principal da instituição, e o primeiro rojão é atirado na janela do
último andar, mas logo é repreendido pela diretoria da torcida. Outros
de 12 tiros estouram no céu, além de muitos gritos contra a FPF, CBF,
Rede Globo e o inimigo número um das organizadas, Fernando Capez,
presidente da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e Deputado
Estadual pelo PSDB. Todas as pautas são questionáveis. “Nós temos
propriedades pra questionar todas elas. Todas elas são de propriedade do
nosso associado, do torcedor, do cara que tá na arquibancada”, explica
Pulguinha.
As pautas são muitas e algumas vezes confusas, embora a maioria delas
deseje a melhoria do futebol e das torcidas, independentemente do time.
A
treta com a Rede Globo questiona o horário dos jogos de meio de semana.
Por causa da programação da emissora, as partidas começam às 22h e
acabam por volta de meia-noite. Nesse horário, muitos torcedores ficam
sem ter como voltar para casa ou demoram horas para realizar o trajeto.
“Jogo às dez horas da noite não dá mais. Isso não é uma briga só do
corinthiano, não é uma briga só dos Gaviões. Isso tem que ser uma briga
aberta, tem que ser uma briga de todas as torcidas do país. Pô, não dá
mais. O pessoal acorda às cinco horas da manhã. Você sai do jogo
meia-noite e não tem condução pra chegar em casa. Não tem mais condição
disso”, comenta Fabricio.
Contra a Federação Paulista de Futebol o conflito é em relação às
proibições de sinalizadores e bandeiras e ao valor do ingresso. Os
próximos dois jogos da equipe custarão mais de 100 reais no setor mais
“popular.”
Capez se entrincheirou contra as torcidas há mais de 20
anos. Em 1995 conseguiu extinguir a Torcida Independente, do São Paulo,
e a Mancha Verde, do Palmeiras. Ambas mudaram minimamente os nomes e
continuam ativas.
A bronca dos corinthianos, e de outros torcedores, é porque o deputado
pretendia, à época, punir as instituições por ações de indivíduos. “A
liderança da época quando falava que não podia se responsabilizar pelos
50, 60 mil sócios ele generalizava. Agora ele tem 10, 15 assessores, sei
lá, e ele não pode se responsabilizar?”, questiona o diretor dos
Gaviões Fabricio Pouseu em referência ao escândalo de desvio de dinheiro
das merendas escolares nas escolas estaduais em que o Capez é citado.
Procurado pela reportagem, o deputado se prestou apenas a mandar uma
nota oficial em que nega participação no caso de corrupção.
Ninguém deu as caras na FPF, que já estava com os portões fechados, mas,
por uma hora, gritos, bandeiras, faixas, rojões, sinalizadores chamavam
a atenção do prédio inerte. Apenas dois seguranças, imóveis,
acompanhavam o espetáculo do lado de dentro das grades, e enquanto menos
de uma dúzia de policiais do Choque com escudos fechavam a pequena rua,
provavelmente preocupados com o trânsito.
O protesto da torcida do Corinthians colocou sob holofote algumas
questões pertinentes para quem frequenta estádio e gosta do esporte, sem
clubismo. Esse levante é, além de tudo, um convite para que outras
organizadas se manifestem e questionem essas “verdades absolutas”,
podendo ser o início de algo muito maior. O futebol brasileiro está
afogado em corrupção e falcatrua há muitos anos e as arquibancadas
estavam em silêncio. Esse tempo acabou.
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