Escrito por Hamilton Octávio de Souza
É preciso ter bem claro que a fragilização do governo
Dilma Rousseff e de lideranças do PT atinge duramente todo o campo da
esquerda brasileira, desde os que ainda defendem políticas de alianças
com o empresariado, com setores conservadores e com as velhas
oligarquias regionais, até os que se encontram na luta contra a direita,
contra o neoliberalismo e na oposição ao lulismo desde os anos 1990 e
mais recentemente. Todos, sem exceção, estamos pagando muito caro por
desvios, erros, rendições e concessões políticas e éticas dos governos
petistas e das forças de esquerda que lhes deram sustentação desde a
campanha eleitoral de 2002.
O preço está sendo o alijamento da esquerda da vida
institucional e do debate nacional nas universidades, na mídia, nos
centros de formação política e até mesmo nos movimentos sociais
populares e no seio das classes trabalhadoras, inclusive no operariado.
Não seremos totalmente banidos, mas estamos com enorme dificuldade de
encontrar espaços receptivos e de defender propostas de transformação
social sem ter de ficar na explicação defensiva do desastrado caminho
adotado pelo PT, que nada tem a ver com o projeto original do partido
concebido nas lutas contra a ditadura e no potencial revolucionário dos
trabalhadores nos anos 1970 e 1980.
Estamos enfrentando um período de forte bombardeio
ideológico contra as esquerdas, um verdadeiro massacre na imprensa
burguesa, que é agravado pelo desalento refratário da juventude, a falta
de perspectiva na participação militante, o apagamento intelectual dos
mais antigos e solidários lutadores – enfim, estamos acuados e isolados
para levantar e fazer avançar com força as verdadeiras bandeiras da
esquerda na luta histórica contra a barbárie do capitalismo. O discurso
da esquerda tem caído no vazio, enfrenta resistências de toda ordem, é
visto com desconfiança e não consegue transpor a muralha passional que a
direita construiu em torno do lulismo e do petismo.
Evidentemente não são os simpatizantes e militantes das
ideias de esquerda os únicos a pagarem pelo desastre da aventura
lulista: a maioria do povo, especialmente os trabalhadores e os mais
pobres sofrem cada vez mais com o peso do programa neoliberal
radicalizado e o avanço das velhas forças conservadoras e de direita;
todos sentimos a ausência de aliados democratas, de vozes e de
organizações políticas e sociais comprometidas com as lutas por um mundo
justo e igualitário. Temos muita dificuldade em encontrar as bases e os
caminhos para retomar o fio da meada e definir rumos minimamente
consensuais.
A agonia do lulismo, conduzida por suas maiores
lideranças desde os atalhos e as opções feitas em 2002, transfere
efetivamente para as hordas de bárbaros os louros da vitória final e a
consagração da conquista absoluta, que até o momento foram contidos
porque nominalmente o governo federal carrega junto com a marca petista
um amplo leque de alianças e interesses variados. Mesmo sem a menor
condição de impor políticas e rumos próprios, o PT mantém o cetro
simbólico do poder, que tende a derreter não apenas pela ausência de
respaldo social, mas também pelos vários ordenamentos jurídicos que
permitem aos advogados da legalidade liberal-burguesa contestar a
legitimidade do governo.
Assalto final
Independente de se chegar à fórmula do afastamento
presidencial, via Congresso Nacional e eventualmente em algum tribunal,
nada impedirá o assalto final das forças do atraso, se não agora muito
provavelmente em 2018. Não há no horizonte do poder público, neste
momento, nada que expresse ou sinalize algum avanço político, econômico e
social. Ao contrário, as forças que estão à espreita significam apenas e
tão somente maior retrocesso político e maior aprofundamento no modelo
neoliberal, que não tem o menor pudor de extrair sangue numa nação
raquítica e esgotada pela rapinagem. Por acaso o sistema dominante fixou
algum limite de sacrifício para os trabalhadores?
As forças de esquerda que se posicionam e se movimentam
contra o lulismo e contra a esdrúxula composição do governo Dilma
Rousseff fazem um esforço incrível para ganhar cada vez mais inserção
nas classes trabalhadoras e nos setores populares, mas estão muito longe
de disputar com a direita e o conservadorismo a sucessão federal e o
comando do país. Mesmo porque as forças de esquerda sofrem terrivelmente
igual processo de desgaste que atinge o PT e o lulismo, apesar de todas
as diferenças – e são muitas – de propostas e de compromissos políticos
e éticos.
O que vem depois do governo Dilma Rousseff será, com
certeza, do ponto de vista do povo trabalhador, a continuidade das
políticas neoliberais, além do acirramento da caça às bruxas, das
perseguições de toda ordem, das restrições e discriminações não apenas
na esfera da política, mas na esfera dos serviços públicos, da saúde e
da educação, da cultura e do comportamento. O programa econômico
anunciado pela oposição de direita prevê nada menos do que a
privatização de quase tudo, inclusive dos bancos públicos e das redes de
ensino e de saúde. É o fim de festa do longo domínio dos mercados desde
o marco do Consenso de Washington, em 1989.
De outro lado, positivamente, quanto mais cedo
conseguirmos nos livrar do legado do lulismo e da catarse obrigatória
desse período simbolizado na Carta ao Povo Brasileiro, mais cedo teremos
condições reais de escaparmos da geleia geral dessa política de
conciliação de classes aprofundada pelas lideranças do PT; e mais cedo
poderemos rearticular todo o campo progressista e de esquerda com a
confiabilidade dos trabalhadores e do povo – condição essencial para a
retomada das lutas e coquistas necessárias a um Brasil justo e
igualitário. A direita sabe muito bem que ao jogar os holofotes sobre o
lulopetismo chafurdado na lama atinge em cheio o amplo campo da esquerda
brasileira – que não se confunde nem com o lulismo nem com o PT.
Força e credibilidade
A esquerda brasileira só conseguirá ressurgir com força e
credibilidade social, com programas de transformação, com respaldo dos
trabalhadores, quando os fantasmas do lulismo estiverem exorcizados,
quando tivermos encerrado esse período de desagregação da nossa história
política. Precisamos ter claro que em nome das forças progressistas e
das esquerdas o lulismo e o petismo cometeram as maiores barbaridades,
desde a política de alianças contrária ao programa partidário, o apoio
ao projeto neoliberal, até o uso de métodos imorais historicamente
execráveis pelas esquerdas. Precisamos ter claro que o oportunismo
lulista e o credo petista de buscar a “governabilidade” a qualquer preço
fomentaram as forças do conservadorismo e da direita dentro e fora de
seu arco de alianças espúrias.
Todo petista honesto, ao esbravejar contra a direita e o
conservadorismo, deveria primeiro se perguntar “por que a direita e o
conservadorismo aumentaram e ganharam força social justamente no período
de governos do PT?”. Ou “por que os governos do PT não realizaram o
necessário trabalho de formação e de conquista política da maioria da
população?”. Ou ainda “por que os governos do PT sempre fizeram alianças
à direita e combateram duramente as forças de esquerda e os movimentos
dos trabalhadores?”.
Com certeza, depois de uma boa autocrítica o petista
honesto só pode admitir que chegou a hora, sim, de virar a página da
história, deixar de lado o que não deu certo e partir para a construção
de algo novo junto com os trabalhadores e com o povo brasileiro.
A luta exige clareza nos objetivos, nas alianças e nos
métodos para o enfrentamento das classes dominantes, da direita política
e econômica e do conservadorismo dos valores. Não queremos retrocesso.
Ao contrário, queremos avançar na conquista de direitos das classes
trabalhadoras e do povo pobre explorado e oprimido. Queremos uma
sociedade livre, democrática, justa e igualitária. A nossa resistência
precisa ganhar as ruas e todos os espaços de luta política. É preciso
trocar a crença dogmática do lulismo por um novo instrumental de
organização social, baseado nos fatos concretos e na capacidade humana
de mudar a realidade. Que a gente consiga fazer isso o quanto antes!
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