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domingo, 2 de fevereiro de 2014

Apenas um beijo gay no horário nobre?

por Fábio Félix  PSOL Nacional

O assunto mais comentado das redes sociais, seu impacto e reflexos geram curiosidade e fomentam o debate em toda as esferas. Apenas um beijo gay no horário nobre? Talvez não! É preciso nos debruçarmos sobre seu impacto e reais desdobramentos. O beijo entre dois homens ocorrido na última sexta-feira (31) na novela global em pleno horário nobre é uma novidade que pode cumprir um papel simbólico importante. O significado da naturalização, mesmo que parcial, de uma demonstração afetiva de uma orientação sexual divergente/minoritária refém de violência sistemática no Brasil pode ser um sintoma de avanço e algum nível de superação paradigmática. Não que o beijo em si tenha este significado, mas ele é parte de um processo.
O confronto ideológico em torno da pauta LGBT tem se acirrado no último período, com a organização cada vez mais empoderada dos setores “fundamentalistas” e conservadores, e com a dificuldade do movimento LGBT de dar respostas para além da institucionalidade. Este conflito tem evidenciado cada vez mais violência, crimes homofóbicos, transfóbicos e aumentado a polarização social no que se refere às pautas libertárias, não limitadas ao campo LGBT.
A demonstração de um beijo na noite de sexta-feira parece que teve um significado de libertação, coragem para muitas LGBTs brasileiras. Comentários de “vamos às ruas”, comemorações, sentimento de conquista foram latentes na nossa comunidade que sofre em pleno 2014 uma confrontação social com resquícios inquisitórios. Este sentimento complexo gerado não pode superestimar os efeitos do acontecido, mas, também, não deve ignorar suas possibilidades. Talvez o fato possa significar mais esperança e combustível na luta contra a opressão e pela livre expressão da sexualidade.
Cristiano Lucas Ferreira, militante da Cia Revolucionária Triângulo Rosa, fez um resumo importante do resultados incertos do ocorrido em seu texto Um beijo:

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E o que irá mudar se houver o beijo na novela? Bom, pelo que sei, nada! As travas, bichas e sapas continuarão a serem assassinadas com violência, continuaremos sendo piada sem graça do Zorra Total e similares, expulsos/as de casa, das escolas ou dos hospitais, vítimas de todas as formas possíveis de violência além de temas de sermões em púlpitos ou palanques. Mas num país, alfabetizado pela TV, retratar dois homens se beijando não é só um espetáculo, é também, pedagógico.” (Texto publicado na página da Cia Triângulo Rosa no Facebook)

A Globo é progressista?
Óbvio que a existência de um beijo gay, demonstração tão trivial de afetividade ou desejo, não deve nos iludir que a Rede Globo tenha se tornado uma aliada nesta pauta ou que ela tenha algum compromisso com lutas que enfrentam o conservadorismo. Pelo contrário: a Rede Globo, uma das maiores emissoras de TV do mundo, continua sendo parte da comitiva de frente das diversas opressões de classe, raça e gênero no Brasil. Novelas, programas e toda uma linha editorial construída para manter o andar de baixo calado e subserviente aos interesses das classes dominantes. Legitimação de uma política econômica devastadora para a população, difusão de toda forma de preconceito racial, um reforço a diversas práticas machistas e também homofóbicas.
A lógica do mercado rege os interesses desta empresa, então sua sensibilidade para o tema tem relação com números e a abertura de um “diálogo” com um mercado em ascensão no Brasil. A indústria do entretenimento LGBT, as festas que faturam milhões no Brasil, o circuito das Paradas do Orgulho e etc.
Neste sentido, elogiar o beijo ocorrido na programação da Globo deve levar em conta uma análise mais complexa, que trata os fenômenos não como concessão ou possível aliança, mas enxergar a profunda pressão ocorrida nas últimas décadas que foi capaz de criar a correlação de forças para o acontecido. Ou seja, o poder popular é um elemento marcante nestas variações editoriais adotadas.
Basta nós lembrarmos o que ocorreu nas manifestações de junho, quando, após a ida de milhões às ruas, ouvimos Arnaldo Jabor pedindo desculpas e a TV Globo junto com outras emissoras poderosas protagonizando um giro ideológico de alta rotação. Não devemos nos enganar, a Globo continua sendo um forte instrumento de alienação popular. Há ainda a tentativa desta de retomar o diálogo com “setores descontentes” com a mídia brasileira. Quem não se lembra dos carros de TV apedrejados e queimados em junho de 2013? Tem crescido na população um sentimento cada vez maior de desconfiança com a mídia, e estes momentos podem servir para “quebrar o gelo”. Esta avaliação não esvazia o beijo de seus significados.
O enfrentamento ao fundamentalismo
Desde a eleição de Marco Feliciano (PSC) para a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, temos nos preocupado com a organização deste setor político fundamentalista, que reúne, entre outros, o Pastor Silas Malafaia, Marcos Pereira e o Deputado pró-ditadura Jair Bolsonaro. Um possível sinal de avanço não pode nos fazer arrefecer a resistência e organização para enfrentar politicamente os sórdidos argumentos levantados por eles. Felizmente eles não representam a maioria dos evangélicos e católicos brasileiros. Aqueles com maior densidade teológica não se sentem, da mesma forma, representados por estas lideranças.
Declarações do Pastor Caio Fábio e do Padre Fábio de Melo representaram uma diferença clara de quais são os fundamentalistas e intolerantes e quem são aqueles com que há possibilidade de constituir algum diálogo democrático dentro das contradições e diferenças de concepção. Estes dois citados tratam a questão LGBT com mais respeito aos direitos civis e criticam a postura extremista e oportunista das lideranças de Malafaia e Feliciano.
Portanto, o desafio de construir novas estratégias da luta sexodiversa, ampliar a mobilização pelo casamento igualitário, por programas anti-homofobia e por uma sociedade que respeita a diversidade deve continuar nos movendo. Devemos espalhar esta necessidade e reforçar que as poucas vitórias que tivemos vieram da nossa luta e organização coletiva.
Um beijo para Dilma e Agnelo
A cena da novela e os milhões de beijos trocados todos os dias entre casais do mesmo sexo devem servir para lembrar a Presidenta Dilma de suas opções. Em nome do que se chama de governabilidade a presidenta deixa claro que prefere se aliar com os setores mais atrasados da religião, ao rifar as medidas de garantia de direitos para LGBTs no Brasil, realizar acordos em torno da retirada do PL 122 de pauta no Senado, extinguindo o Programa de educação para a diversidade nas escolas e deixando os programas de combate à homofobia no Brasil em completo abandono. Da mesma forma, o Governador do DF, Agnelo Queiroz, menos de 24h depois de publicar a regulamentação da lei que previa punições administrativas para práticas homofóbicas em estabelecimentos comerciais, revogou a decisão. Voltou atrás por pressão do fundamentalismo e mostrou claramente de que lado está.
Nossa tarefa é politizar o debate do beijo trazendo a reflexão crítica sobre a coalização governante brasileira que privilegia a aliança com o fundamentalismo, apontar os limites de um movimento LGBT que mantenha vínculo orgânico com os governos e não aposta na luta social, construir novos movimentos combativos para a disputa dos rumos da luta LGBT, e aliar as nossas mobilizações ao desafio de enfrentar o capitalismo e as diversas opressões que ele agrava e impõe. A esquerda brasileira precisa ousar subverter a lógica heteronormativa com ações que demonstrem compromisso claro com esta pauta. Para que este beijo signifique muito mais, precisamos agir!

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