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quinta-feira, 5 de julho de 2012

A ditadura argentina no engenho

Em julho de 1976 apagão em Usina “coincidiu” com a caça a trabalhadores argentinos

Josefina Mastropaolo*

Postado: Brasil de fato

Carlos Pedro Blaquier é um típico representante da mais rançosa oligarquia argentina. Um homem de 85 anos que desde 1970 é presidente do Engenho Ledesma. O engenho fica no leste da província de Jujuy, uma das províncias do noroeste do país que faz fronteira com o Chile e a Bolívia. Considerando que a Argentina se organiza sobre a base de uma matriz radial cujo centro é Buenos Aires, Jujuy fica longe.

As atividades produtivas do engenho se desenvolvem na zona ecológica de transição entre a Selva das Yungas e o Chaco Seco, num triângulo de cidades formadas por Cidade Ledesma, Libertador General San Martín e Calilegua; todas elas filhas ou enteadas da empresa.

A Argentina, isso todos sabemos, não é um grande produtor de cana. Contudo, existe uma pequena produção, e Jujuy é a segunda província em relação à produção de cana. Este engenho é um dos maiores do país, sendo o centro da economia da região. Ele tem crescido muito nas últimas três décadas, tornando-se um verdadeiro complexo de empresas agroindustriais modernas, graças à diversificação das atividades produtivas, segundo a própria empresa declara no seu site, já que, além de açúcar, papel e álcool, eles produzem etanol, cítricos, cereais, gás, petróleo, e criam gado, expandindo-se assim para muitas províncias. Mas há outros “negócios” feitos pelos donos e administradores do Engenho Ledesma que vieram contribuir sem dúvida para o sua transformação num ícone do agronegócio.

Carlos Pedro Blaquier foi citado pelo Juiz Federal de Jujuy, Fernando Poviña, para prestar depoimento no marco de um caso conhecido como La noche del Apagón (A noite do Apagão). O depoimento estava marcado para 18 de maio à tarde, mas ele não compareceu, tendo seus advogados apresentado um atestado médico justificando a ausência e pedindo seu adiamento.

Um comportamento típico dos elementos da sua classe, acostumados historicamente a manipular as instituições, e a se utilizarem delas em benefício pessoal e dos seus negócios.

A noite do apagão ocorreu em julho de 1976 (as memórias dos protagonistas diferem sobre a data exata, alguns sustentam que foi no dia 20, mas ficou registrado como sendo o dia 27), em que a usina elétrica que abastecia a região teve uma parada, deixando sem luz as cidades de Libertador General San Martín e Calilegua. Nas horas do apagão efetivos da polícia provincial, da gendarmeria (militares que cuidam das fronteiras), do exército, e capatazes do engenho, saíram a caçar trabalhadores nas suas casas, os carregaram em caminhonetes com logotipos da empresa, os sequestraram e os torturaram. Foram cerca de 300 pessoas. Dessas, umas 30 estão, ainda hoje, desaparecidas. Entre eles, o médico do sindicato dos trabalhadores do engenho, que tinha sido prefeito tempos antes, em 1973, da cidade de Libertador General San Martín, o Dr. Luis Aredez. Um dos maiores conflitos que o Dr. Aredez teve com o engenho quando prefeito estava baseado no projeto de cobrar os impostos municipais que a empresa nunca havia pagado.

As ações repressivas tinham começado anos atrás. Em 1974, os trabalhadores dirigentes do sindicato tinham sido encarcerados; o mesmo se repetiu em 1975. Quando ocorreu o golpe em 1976, os militantes do sindicato foram demitidos, assim a empresa conseguiu ir desmanchando a organização dos trabalhadores. Depois da “Noite do apagão”, o engenho apagou também as conquistas trabalhistas que o sindicato dos trabalhadores da cana tinha conseguido até aquele momento.

As organizações de direitos humanos de Jujuy vêm denunciando a responsabilidade do Engenho Ledesma no seqüestro e desaparição dos trabalhadores, e organizam todo ano uma marcha, que com os anos foi se tornando multitudinária, e pôde construir uma memória acerca desta noite. Contudo, os processos judiciais em Jujuy estiveram parados durante anos pelas relações profundamente imbrincadas entre o poder econômico dos donos do engenho e o poder político local. Basta para isso saber que o atual advogado defensor de Balquier é o ex-juiz Horacio Aguilar, quem, estando em funções, teve o processo nas suas mãos e só fez engavetá-lo.

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Marcha anual em memória das vítimas da Noite do Apagão realizada em Libertador General San Martín
Foto: www.pcr.org.ar

A massiva mobilização popular em Jujuy no último 24 de março, que pediu o avanço dos julgamentos e denunciando o Juiz Carlos Olivera Pastor por estar freando as causas, levou-o a sair do cargo. O novo Juiz, Fernando Poviña, assumiu no dia 16 de abril, desde então o processo tem avançado muito. Curiosamente, soube-se no dia 18 de maio que Carlos Pedro Blaquier saiu do país no dia 15 de abril, um dia antes do novo juiz, que não lhe seria favorável, assumir o cargo. Os organismos de direitos humanos cogitam a possibilidade de fazer o pedido de captura internacional.

A luta dentro da justiça institucional é apenas uma parte do embate necessário, mas é o que imaginamos por enquanto. Em Jujuy há, por fim, uma luta declarada e acirrada, e só irá em frente se a presença das organizações não parar de pulsar nas ruas.

*Josefina Mastropaolo é educadora na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) e doutoranda da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

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