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quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Serviço de inteligência era o coração do regime de Pinochet, diz autor de livro sobre o tema

Para o jornalista Mauricio Weibel, todos os altos funcionários do governo sabiam das torturas que eram cometidas

Victor Farinelli,

de Santiago do Chile

Opera Mundi

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Augusto Pinochet - Foto: Reprodução

Dezenas de documentos oficiais, reproduções autenticadas de memorandos, informes, fichas de opositores e correspondências oficiais dos serviços de inteligência com entidades chilenas e estrangeiras, como o FBI e o Vaticano. Essa é a base com a qual o livro “Associação Ilícita – Os Arquivos Secretos da Ditadura”, dos jornalistas chilenos Mauricio Weibel e Carlos Dorat, pretende jogar novas luzes sobre a historia que se conhece da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).

Convidado pelo Opera Mundi, Mauricio Weibel concedeu entrevista exclusiva durante uma visita ao Museu da Memória, onde contou detalhes sobre o livro e as conclusões apresentadas a partir dos documentos. Ao entrar no saguão principal do edifício, entre fotos gigantes de ações policiais registradas durante o regime, Weibel diz: “nenhum alto funcionário, civil ou militar, era alheio a essas atrocidades”.

Segundo Weibel, que também é presidente da União Sul-americana de Correspondentes Internacionais, o livro nasceu a partir de uma pesquisa para uma reportagem sobre como operavam a DINA (Departamento Nacional de Inteligência, 1973-1977) e a CNI (Central Nacional de Informações, 1977-1990) para a agência de notícias alemã DPA, para a qual trabalha. Durante uma consulta aos arquivos oficiais disponibilizados pelo Ministério de Defesa, ele e seu colega Carlos Dorat perceberam que o material que tinham em mãos merecia um formato maior.

“Não eram revelações menores, ali havia documentos que comprovavam que esses serviços não foram meros apêndices, eles atuavam no coração do regime”, conta o jornalista diante de um painel com um mapa do Chile no qual dezenas de pequenos pontos luminosos apontam onde estavam os esconderijos utilizados pela DINA e pela CNI como centros de operação e tortura.

“Os serviços de inteligência foram muito mais que somente a repressão, foram um ministério, tinham a mesma autonomia e eram estrategicamente mais relevantes que muitas pastas. Eles ditavam medidas, pautavam ministros civis, se relacionavam diretamente com as embaixadas chilenas e até com organismos internacionais.”

Weibel dá como exemplo os informes internos que mostravam como a ditadura controlava os passos dos funcionários da Paróquia da Solidariedade, um organismo criado em 1976 pelo cardeal Raúl Silva Henríquez, então arcebispo de Santiago, para prestar assessoria jurídica a vítimas e familiares de vítimas da ditadura. Com as informações sobre as atividades da Paróquia, a CNI pressionou diretamente a Igreja Católica chilena e enviou correspondência direta ao Vaticano pedindo que a instituição obrigasse o arcebispo a mudar sua postura de confrontação ao governo vigente.

Segundo os autores, a “associação ilícita” a que se refere o nome do livro é uma provocação aos civis que colaboraram com a ditadura, cuja alegação principal é a de que nunca souberam das torturas e dos assassinatos, e nem sequer da existência dos serviços de inteligência. Entre os documentos do livro, alguns relatam reuniões ministeriais que ocorreram nas próprias sedes operacionais desses órgãos. “Esses que dizem que não sabiam de nada tinham trânsito aberto com os órgãos de inteligência e seus chefes, alguns deles chegaram incluso a solicitar, através de documentos oficiais, que se perseguisse alguém, e seguiam instruções ditadas pelos mesmos”, comenta Weibel.

Embaixadas da repressão

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O jornalista Mauricio Weibel - Foto: Victor Farinelli/Opera Mundi

Diante de um imenso mosaico com milhares de fotos de opositores desaparecidos durante o regime, Weibel aponta para o alto e diz, sorridente, que “lá em cima tem uma foto minha”, e logo se emociona: “na verdade é por causa do meu pai, está ele comigo e meu irmão menor”.

José Arturo Weibel era secretário geral da Juventude Comunista. No dia 29 de março de 1976, quando levava os filhos de ônibus ao colégio, um grupo de pessoas armadas invadiu o veículo e o levou a força. Foi a última vez que Mauricio viu o pai. “Foi uma operação incomum, os sequestros aconteciam durante a madrugada ou em áreas sem movimento, para não deixar testemunhas, mas, nesse caso, houve muitas”.

O trabalho de perseguição dos opositores não se dava somente dentro do território chileno e, pelas revelações do livro, os serviços de inteligência criaram uma complexa rede de espionagem internacional, que fizeram com que, por muitos anos, a principal atividade das embaixadas chilenas fosse a de monitoramento em diversos países.

Enquanto falava sobre as embaixadas, um dos documentos oficiais exposto no Museu da Memória chamou a atenção de Weibel. Falava da Operação Condor, tema que também é retratado de forma especial em seu livro. Os documentos que o livro apresenta mostram que coordenação entre os países ia além da simples troca de informações. “A inteligência chilena operava com representantes oficiais no Brasil e nos demais países onde havia ditaduras e esses países também tinham seus representantes oficiais no Chile, que funcionavam praticamente como os embaixadores da repressão.”

Ao final da visita, o jornalista diz que “este será um lugar adequado para o lançamento do livro”. O Museu da Memória foi o local escolhido por Mauricio Weibel e Carlos Dorat para o lançamento de “Associação Ilícita – Os Arquivos Secretos da Ditadura”, que acontecerá no próximo dia 5 de outubro. A editora Ceibo, responsável pela publicação, aceitou a ideia dos autores de incluir, junto com o livro, um CD contendo cópias de todos os documentos citados pelos autores, já que nas páginas do livro foram colocados somente os mais importantes.

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